SESSÃO DE 22 DE MARÇO DE 1886 687
acintosamente nenhum dos srs. ministros, por mais que elles o mereçam, pois me lembro que antes de se sentarem nas cadeiras do poder, estiveram durante dois annos ao meu lado, combatendo pelas boas doutrinas, e não raras vezes alcançando os meus mais sinceros applausos!
Mas por isso mesmo é em nome da recordação desses bons tempos de patriótica camaradagem parlamentar, que, embora não facciosamente, mas com toda a firmeza, eu lhes exijo que se justifiquem, se podem!
O artigo 1.° deste projecto fixa a dotação do Principe Real D. Carlos em 40:000$000 réis.
Não analysarei as rasões com que o sr. ministro da fazenda fundamentou, o mais laconicamente possivel, a elevação ao dobro da dotação do Príncipe Real.
Não insistirei tão pouco sobre as verdadeiras heresias constitucionaes que no respectivo relatório, apesar de tão breve, se encontram, porque não desejo desviar-me do assumpto especial da discussão.
O que quer dizer, por exemplo, que em todos os tempos e em todos os paizes se entendeu sempre que estes encargos extraordinários (despezas com o casamento) inherentes á soberania devem correr por conta da nação!
A que propósito vem aqui esta invocação da soberania?
A carta constitucional declara que a representação do paiz reside no Rei e nas cortes.
O que quer dizer a invocação da soberania para as despezas do casamento de um Príncipe Real?
Não insisto: a defeza de uma má causa faz com que os mais brilhantes talentos produzam destas obras! (Riso.)
O que significa tambem o invocarem-se os casamentos de D. Pedro V e de D. Luiz I, como rasões para fundamentar o pedido de 100:000$000 réis que se encontra no artigo 2.° do projecto em discussão?
Pois não sabe o sr. ministro da fazenda que D. Pedro V e D. Luiz I eram chefes do estado?
Porventura já é chefe do estado o senhor D. Carlos? A que vem pois este símile tão desastrado? A que vem pois a justificação dos 100:000$000 réis para este consorcio, como os 100:000$000 réis que se deram para os consórcios de dois Reis de Portugal?
Demais, se se deram 100:000$000 réis para cada um daquelles consórcios (e eu não trato agora de discutir se era indispensável tal quantia para que o chefe do estado podesse celebrar o seu casamento), evidentemente réis 100:000$000 são de mais para festejar o casamento de um simples Principe Real, que, emquanto viver o chefe do estado, é um mero particular!
Mas não, não continuarei a respigar mais inexactidões neste infeliz relatório, e passarei a examinar se esta camara, composta na sua quasi totalidade, de membros dos partidos monarchicos, póde admittir á discussão o presente projecto de lei.
Na sessão de 9 de fevereiro ultimo, votava-se um projecto de lei assignado por mini, e em que se propunha a reducção da dotação do Infante D. Augusto a 4:000$000 réis. Realisou-se a votação, e em seguida o actual sr. ministro das obras publicas, como explicação do seu voto, pronunciava as seguintes palavras:
«A respeito das differentes verbas da lista civil, sou de opinião que esta é inalterável em todas ellas. (Apoiados.) Admittir que se podem fazer reducções na lista civil é reconhecer o direito de se poderem fazer vella augmentos (Apoiados.) Por isso as verbas de lista civil, uma vez fixadas, não podiam ser modificadas. Não o podem ser para menos, precisamente para que o não possam ser para mais. (Apoiados.) Pôr as differentes verbas da lista civil dependentes de alterações parlamentares, para menos ou para mais, seria pôr a mais alta magistratura do estado na dependência dos ministérios, das cortes e dos partidos, com o que podia padecer o prestigio de imparcialidade e de isenção que ella deve ter, na distribuição da justiça constitucional. (Muitos apoiados.)
«Deixo assim explicado o meu voto e o dos n'ossos amigos.»
Esta declaração é irrespondivel, porque é categórica!
A única rasão que se podia apresentar para lhe attenuar os effeitos e o alcance, affirmando que ella se applicava apenas á dotação do chefe do estado e não aos alimentos dos infantes, não é admissível, não só porque o sr. ministro das obras publicas se refere bem claramente a todas as verbas da lista civil, mas porque s. exa. fez esta declaração quando se tratava da votação do projecto de lei, que se reteria á dotação do senhor Infante D. Augusto.
Quer dizer, portanto, que o sr. ministro das obras publicas, o governo todo, e o partido progressista inteiro (escuso de insistir nas declarações feitas nas sessões de 20 de abril de 1879 e 21 de janeiro de 1881) são de opinião que a camara não tem poderes para alterar nem para mais nem para menos nenhuma das verbas da lista civil; nem a dotação do chefe do estado, nem nenhuma das verbas de dotação ou alimentos do Principe Real ou dos Infantes. Isto é irrespondivel, repito. Não ha sophismas, nem argucias, que possam provar o contrario. Não ha subtileza capaz de encontrar outra interpretação á declaração de voto do sr. Emygdio Navarro !
E senão, estimarei bem que os srs. ministros possam oppor alguma explicação plausível a uma contradicção tão manifesta, tão palpável e tão frisante!
Não pôde, portanto, a camara admittir á discussão este projecto de lei, porque elle é, na opinião de quasi todos os srs. deputados, inconstitucional. Assim o têem declarado os partidos monarchicos desta casa do parlamento. Nào é, com certeza, decorridos apenas pouco mais de quarenta dias, que, homens revestidos de uma tão alta magistratura, como os srs. ministros, hão de vir retractar-se do que espontaneamente declararam á face da nação, como a expressão do seu sentir.
Faço-lhes a justiça de acreditar que não são capazes de o fazer; porque, por muito que se tenham afrouxado os laços de disciplina política na nossa terra: por muito que estejamos acostumados a uma tolerância, que por vezes descamba em relaxismo nos costumes públicos; por muito que tenhamos visto passar sem escrúpulo por cirna das mais flagrantes contradicções governos e ministérios, ainda assim esta negação formal de uma declaração tão recente será de tal modo contraria aos preceitos mais triviaes da coherencia política, que até prova em contrario insisto em acreditar que não ha ministro, e muito menos governo no meu paiz, que tenha força de arcar com similhante responsabilidade!
Note v. exa. que eu colloco-me exactamente no ponto de vista em que se collocavam os actuaes srs. ministros quando eram deputados da opposição.
Não ignoro que estou fallando a uma camara monarchica, que é adversa ao meu ideal político.
A mais vulgar táctica parlamentar manda por isso que eu não venha tratar esta questão num campo que não pode encontrar aqui dentro sympathias nem adhesões. O ponto de vista em que eu combato este projecto é o dos illustres deputados progressistas, quando eram opposição.
Assim serei mais insuspeito para o gabinete. A minha constante attitude como representante da nação, o meu procedimento como deputado opposicionista, a minha historia política, embora humilde e modesta, são no entretanto suficiente garantia para se acreditar, que outros seriam os meus argumentos numa camara, que estivesse disposta a fazer prevalecer, acima de quaesquer considerações monarchicas, a vontade do paiz.
Será por consequência com as suas próprias armas, que eu combaterei os actuaes defensores dos desmandos contra os quaes outrora queriam a todo o custo investir!