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688 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Quem semeia ventos colhe tempestades, disse em tempo um escriptor illustre deste paiz. Pois bem; os srs. ministros semearam ventos, que julgaram poder transformar em zephiros a seu bei prazer; se as tempestades os assaltam hoje, é sua a culpa, porque não tiveram a previdência de as saber evitar!
Mas vejamos, ainda assim, que rasões se invocam para fundamentar o augmento de 20:000$000 réis na dotação do Príncipe Real:
«Senhores. - Pelo motivo faustissimo do próximo consorcio de Sua Alteza Real o Sereníssimo Senhor D. Carlos Fernando, Príncipe Real, torna-se manifestamente insufficiente a dotação fixada para Sua Alteza Real pela carta de lei de 29 de fevereiro de 1864, conforme se praticara pela lei de 29 de abril de 1845 a respeito do senhor D. Pedro de Alcântara, de saudosa memória, então Príncipe Real. O herdeiro da corôa portugueza, tendo de manter casa separada e estado próprio do seu nascimento e alta dignidade, não poderia occorrer aos despendios indispensáveis com a dotação de 20:000$000 réis estabelecida por aquella lei.
Pois isto é uma rasão? Ignoram porventura os srs. ministros, e principalmente o sr. ministro da fazenda, que o Principe Real, pelo facto de ser o herdeiro do throno, tem como apanágio a casa de Bragança, que contribue com um rendimento quantioso para que elle possa manter a dignidade da sua posição?
Ignora porventura s. exa. este facto? E demais não sabe s. exa., que a carta nada preceitua com relação aos meios de o Principe Real occorrer às despezas da sua dignidade?
Cousa notável! Não ha ninguém nesta camara que desadore mais a carta constitucional do que eu! E apesar disso sou eu que (visto estarmos em direito constituído e não em direito constituendo) todos os dias e em todas as occasiões estou chamando os srs. ministros á estricta observância da lei de que elles se dizem os paladinos, já se vê quando não têem interesse, como agora, em a calcar aos pés!
O artigo 80.° da carta diz:
«As curtes geraes, logo que o Rei succeder no reino, lhe assignarão, e á Rainha sua esposa, uma dotação correspondente ao decoro de sua alta dignidade.»
O artigo 81.° diz:
«As cortes assignarão tambem alimentos ao Príncipe Real e aos Infantes, desde que nascerem.»
Sr. presidente, a carta é que nos governa neste assumpto, e não as intenções ou as generosidades mais ou menos sentimentaes dos srs. ministros!
Ora a carta não distingue o Principe Real dos Infantes; assigna d um e aos outros apenas alimentos e esses alimentos, como se sabe, não são a titulo de manter o alto decoro de quem quer que seja.
O alto decoro correspondente á posição é só a respeito do Rei e da Rainha.
Ao Principe e aos Infantes, sem distincção, a carta assigna alimentos e nada mais.
Até na hypothese sujeita não se recordaram os illustres ministros de que o Principe vae ter por noiva uma das herdeiras mais ricas da Europa, e que não é licito, quando o paiz está na miséria, quando se debatem nos horrores da fome alguns milhares de cidadãos portugueses, vir assim desafiar a paciência publica.
Passemos ao artigo 2.°
«Artigo 2.° Será entregue a Sua Magestade El-Rei o Senhor D. Luiz I a quantia de 100:0003000 réis para as despezas extraordinárias do faustissimo consorcio de Sua Alteza Real.
Em primeiro logar occorre-me perguntar aos srs. ministros, se nestes 100:000^000 réis vão incluídas todas as despezas a fazer com as festas que se projectam, como paradas, revistas de esquadras, transferências de contingentes dos corpos da província para engrossar a guarnição da capital, arranjos e decorações nos palácios reaes, etc.; porque é preciso saber-se ao certo quanto é que vamos dar a Sua Magestade.
Dar e não saber ao menos a quanto attinge a cifra do presente é duplamente doloroso!
Entram tambem nos 100:000$000 réis os gastos com as obras do palácio de Belém?
E por esta occasião direi á camara que lamento profundamente que nem um dos esclarecimentos que ha oito dias pedi, pelo ministerio das obras publicas, me tenha sido enviado.
Como desejo ser justo, lembrarei, que o anno passado por occasião de uma discussão análoga, o sr. conselheiro Hintze Ribeiro mandou, senão todos, em todo o caso alguns dos documentos que eu então requesitei.
Agora nem um me foi enviado! Quem diria ha dois mezes, que isto se havia de passar sob a administração de um governo progressista?!
E no entretanto esses documentos eram-me indispensáveis para eu responder á pergunta que acabo de formular! A que orçamento obedecem essas obras que se estão realisando principescamente no palácio de Belém? por que verba são pagas as que se estão realisando no paço da Ajuda e no palácio das Necessidades? Quanto custa ou vae custar a renovação da mobília, e tapeçarias, dos aposentos reaes? Em quanto vão importar todas essas riquezas que hão de adornar os paços dos dois Reis, porque agora já temos dois? É preciso saber-se; ao menos para que o paiz não ignore como nos régios alcaçares se transforma em opulencias o que lhe arrancam á miséria e á fome dos seus filhos!
Mas o governo julgou que perante um pedido justo e equitativo, como este, se manifestava logo tão expontânea a unanimidade de toda a camara, que até se dispensou de qualquer esclarecimento elucidativo e mesmo de cuidados de mera redacção. Verdade é que dos seus próprios amigos teve logo o correctivo competente, porque, seja dito em abono da commissão de fazenda, foi muito bem cabida a reprimenda que entendeu dever dar ao sr. Mariano de Carvalho, pelo seu esquecimento. Assim, por exemplo, no artigo 1.° da proposta do governo não se preceituava se o augmento de 20:000$000 réis começava a vigorar logo que se votasse este projecto, ou simplesmente depois de realisado o consorcio.
E esta lacuna era importante, porque, como v. exa. sabe, ha um provérbio portuguez que affirma que até ao dar da mão ha o arrependimento. Quem sabe se Sua Alteza Real, depois de votado este projecto, não desistiria da realisação dos seus sonhos de amor e de ventura, deixando no entretanto ao paiz o encargo do augmento da sua dotação?!
A commissão de fazenda avisou deste lapso o governo, que, vendo-se assim admoestado, acceitou a emenda da commissão, e exarou no artigo correspondente a clausula que lhe faltava.
Mas estes esquecimentos e estes lapsos mais de uma vez se repetiram, e ainda ha pouco a camara teve occasião de ver o sr. relator do projecto mandar para a mesa um additamento para ficar revogada toda a legislação em contrario. Até este artigo, que figura, constantemente em todos os projectos de lei, por uma distracção que eu não comprehendo, deixou de ser inserido no projecto que se discuto. Vejam que aturdimento se tinha apossado de todos os srs. deputados e de todos os srs. ministros que lidaram neste assumpto, a ponto de esquecerem a formula mais sacramental de todos os documentos parlamentares sem excepção! (Riso.) Mas singular destino o deste papel! apesar de todas as rectificações e acclarações ainda esqueceu uma, a respeito da qual eu peço aos srs. ministros que me elucidem.
Do o artigo 1.° do projecto:
«A notação de Sua Alteza Real, o Serenissimo Senhor