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SESSÃO DE 22 DE MARÇO DE 1886
Presidencia, do exmo. sr. Pedro Augusto de Carvalho (supplente)
Secretários os exmos. srs.:
João José d'Antas Souto Rodrigues
Henrique da Cunha Matos do Mendia
SUMMARIO
Deu-se conta de um officio do ministerio da guerra, remettendo algumas informações sobre assumptos relativos á padaria militar, requeridas pelo sr. Frederico Arouca. - Teve segunda leitura um projecto de lei do sr. Moraes Sarmento, tornando applicavel aos officiaes da administração militar a legislação vigente sobre a concessão de medalhas militares e outras condecorações nos termos em que essas mercês honorificas são concedidas aos restantes officiaes do exercito e da armada. - Apresenta o sr. Alfredo da Rocha Peixoto um projecto de lei. declarando expressamente comprehendidos na distincta excepção do § 1.° do artigo 4.° da carta de lei de 3 de maio de 1878 (a lei das categorias do pariato) os meritos e os serviços extraordinarios e relevantes dos officiaes da armada real portugueza Hermenegildo Carlos de Brito Capello e Roberto Ivens. - Foi declarado urgente, a pedido do seu auctor, e enviado logo á commissão de legislação civil.- O sr. Pope apresenta um projecto de lei, que fica para segunda leitura. - O sr. Santos Viegas apresenta um requerimento, pedindo, pelo ministerio do reino, copia do programam das matérias de ensino primario professadas nas escolas municipaes de Lisboa. - O mesmo sr. deputado pede que se discuta logo que fosse possivel o projecto n.° 74 de 1885. - O sr. Franco Castello Branco apresenta uma representação dos habitantes do concelho de Guimarães, pedindo a discussão immediata na commissão e na camara do projecto que tem por fim desannexar aquelle conselho do districto de Braga, e a proposito apresentou e desenvolveu de novo as suas idéas para que esta questão se solvesse a contento dos signatarios. - Responde-lhe o sr. presidente do conselho, manifestando quaes eram as idéas do governo ácerca do conflicto, que esperava resolver por modo que tanto Braga como Guimarães se dariam por satisfeitos, não por uma medida especial, mas por uma medida geral, que comprehenderia as duas cidades. - O sr. Franco Castello Branco faz ainda algumas perguntas sobre o assumpto. - O sr. presidente do conselho responde, explicando e confirmando o que dissera. - O sr. Germano de Sequeira estranhou que se mandasse retirar o partido de operários que estava trabalhando nas reparações do mosteiro de Mafra, e fez differentes considerações para mostrar a conveniencia de se conservar aquelle monumento, que tanto dinheiro custou á nação. - Responde-lhe o sr. ministro das obras publicas. - a sr. Franco razão chamou a attenção do governo sobre os obstaculos que têem advindo á construcção do caminho de ferro da Beira Baixa.- Responde-lhe o sr. ministro das obras publicas. - Foram enviadas á commissão administrativa as contas da gerencia da junta administrativa da camara durante o periodo decorrido desde 12 de julho de 1885 até 25 de janeiro de 1886. - Justificaram as faltas às sessões os srs. Luiz Ferreira, Fuschini, visconde do Rio Sado, Thomás Bastos, Guilherme de Abreu, Almeida Pinheiro e Gonçalves de Freitas.
Na ordem do dia entrou em discussão o projecto n.° 23, fixando em 40:000$000 réis a dotação de Sua Alteza Real o Serenissimo Senhor D. Carlos Fernando, Principe Real, e determinando que seja entregue a Sua Magestade El-Rei o Senhor D. Luiz I a quantia de 100:000$000 réis para despezas extraordinarias do faustissimo consorcio de Sua Alteza Real. - Usa da palavra o sr. Consiglieri Pedroso, sustentando uma moção de ordem, que apresentou, em que propõe que se retire da discussão o projecto n,° 23. - A discussão fica pendente. - O sr. Carrilho mandou para a mesa dois pareceres da commissão de fazenda, um abrindo no ministerio da fazenda um credito supplementar de 6:542$240 réis para pagamento de subsidios e despezas de jornadas aos srs. Deputados, outro sobre a proposta do governo prolongando por mais dois annos o praso para a revisão das matrizes.
Abertura- Ás três horas e meia da tarde.
Presentes é chamada- 61 srs. deputados.
São os seguintes:-Moraes Carvalho, A. da Rocha Peixoto, Silva Cardoso, Sousa e Silva, A. J. da Fonseca, Lopes Navarro, Moraes Sarmento, Carrilho, Santos Viegas, Pinto de Magalhães, A. Hintze Ribeiro, Augusto Poppe, Barão do Ramalho, Lobo d'Avila, Conde da Praia da Victoria, Conde de Villa Real, E. Coelho, Elvino de Brito, Emygdio Navarro, Correia Barata, Francisco de Campos, Castro Matoso, Frederico Arouca, Guilherme de Abreu, Barros Gomes, Matos de Mendia, Sant'Anna e Vasconcellos, Baima de Bastos, Franco Frazão, J. C. Valente, Scarnichia, Franco Castello Branco, Souto Rodrigues, Sousa Machado, Ponces de Carvalho, Joaquim de Sequeira, J. J. Alves, Simões Ferreira, Azevedo Castello Branco, Elias Garcia, Laranjo, Figueiredo Mascarenhas, José Luciano, Oliveira Peixoto, Simões Dias, Luciano Cordeiro, Luiz Dias, Luiz Jardim, M. J. Vieira, Mariano de Carvalho, Guimarães Camões, Miguel Dantas, Pedro de Carvalho, Santos Diniz, Gonçalves de Freitas, Barbosa Centeno, Dantas Baracho, Vicente Pinheiro, Visconde de Ariz, Visconde das Laranjeiras e Consiglieri Pedroso.
Entraram durante a sessão os srs.: - Lopes Vieira, Agostinho Lucio, Alfredo Barjona de Freitas, Garcia Lobo, Pereira Borges, Cunha Bellem, Fontes Ganhado, Jalles, Sousa Pavão, Almeida Pinheiro, Fuschini, Neves Carneiro, Bernardino Machado, Ribeiro Cabral, Goes Pinto, Fernando Caldeira, Wanzeller, Costa Pinto, Avellar Machado, Dias Ferreira, Lobo Lamare, Reis Torgal, Manuel dAssumpcão, M. P. Guedes, Pinheiro Chagas, Marcai Pacheco, Martinho Montenegro, Rodrigo Pequito, Pereira Bastos, Tito de Carvalho, Visconde de Reguengos e Visconde do Rio Sado.
Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Adriano Cavalheiro, Garcia de Lima, Albino Montenegro, Torres Carneiro, Antonio Candido, Pereira Corte Real, Antonio Centeno, Antonio Ennes, Moraes Machado, A. M. Pedroso, Seguier, Urbano de Castro, Augusto Barjona de Freitas, Pereira Leite, Avelino Calixto, Barão de Viamonte, Caetano de Carvalho, Sanches de Castro, Carlos Roma du Bocage, Condo de Thomar, Cypriano Jardim, Sousa Pinto Basto, Estevão de Oliveira, Fernando Geraldes, Filippe de Carvalho, Firmino Lopes, Vieira das Neves, Francisco Beirão, Mártens Ferrão, Silveira da Mota, J. A. Pinto, Augusto Teixeira, Melicio, João Arrojo, Teixeira de Vasconcellos, Ferrão de Castello Branco, J. Alves Matheus, J. A. Neves, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, Correia de Barros, Ferreira de Almeida, Borges de Faria, Pereira dos Santos, Ferreira Freire, José Maria Borges, Pinto de Mascarenhas, Lourenço Malheiro, Luiz Ferreira, Luiz Osorio, M. da Rocha Peixoto, Correia de Oliveira, Manuel de Medeiros, Aralla e Costa, Miguel Tudella, Pedro Correia, Visconde de Alentem, Visconde de Balsemão e Wenceslau de Lima.
Acta - Approvada.
EXPEDIENTE
Officios
1.° Do ministerio da guerra, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. Frederico Arouca, as informações sobre assumptos da padaria militar.
Á secretaria.
2.° Da junta administrativa da camara dos senhores deputados, acompanhando as contas da sua gerencia durante o periodo decorrido desde 12 de julho de 1885 até 25 de janeiro de 1886.
A commissão administrativa da camara.
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Segundas leituras
Projecto de lei
Senhores. - A importância dos serviços a cargo da administração militar é sobejamente reconhecida em todas as nações que primam pela boa organisação da força publica.
Hoje que, graças aos telegraphos e caminhos de ferro, os transportes das tropas e as mudanças de direcção se ordenam e executam com a maxima rapidez e fora de qualquer previsão, necessario e confiar esses serviços a pessoal zeloso, intelligente e activo.
Ora, a principal condição para que os serviços publicos sejam desempenhados com honra, zelo, intelligencia e fidelidade é a remuneração solemnemente assignada pelas leis; e como os indivíduos que se dedicam ao rude mister das armas certamente não têem em mira posição lucrativa e commoda, sómente os levará ao cumprimento do dever e á pratica de feitos heróicos a certeza do que a pátria lhes não regateará, por meio de menções honrosas, o reconhecimento dos sacrifícios.
Finalmente, são os officiaes da administração militar os «micos, no exercito e na armada, a quem a lei não confere direito às medalhas e ordens militares, o que constituo uma excepção verdadeiramente injustificável.
As medalhas militares, por exemplo, são concedidas a quaesquer indivíduos que façam parte das forças regulares combatentes, quer servindo na armada real, quer na metrópole, quer nas tropas do ultramar.
Estas disposições são tambem applicaveis:
1.° Aos quarteis mestres, facultativos, capellães, veterinários e picadores das referidas forças;
2.° Aos escrivães e commissarios de guarnição nos navios de guerra;
3.° Aos officiaes do exercito da metrópole, servindo em commissão nas províncias ultramarinas, ou nas guardas municipaes de Lisboa e Porto, e bem assim a todas as mais praças das mesmas guardas, ainda que não tenham servido no exercito antes de ali se alistarem;
4.° Finalmente, a todos os indivíduos que, embora hoje paizanos, a ellas tivessem tido direito, quando militares.
E não são concedidas aos officiaes da administração militar, dando-se de mais a circumstancia curiosa de aos antigos quartéis mestres corresponderem os actuaes aspirantes da administração militar!
Por todas estes ponderosos motivos, tenho a honra de submetter á vossa illustrada apreciação o seguinte projecto de lei:
Art. 1.° É applicavel aos officiaes da administração militar a legislação vigente sobre a concessão de medalhas militares e outras condecorações, nos termos em que essas mercês honorificas são concedidas aos restantes officiaes do exercito e armada.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 22 de março de 1886. = O deputado, António Luiz Gomes Branco de Moraes Sarmento.
A commissão de guerra.
Projecto de lei
Artigo 1.° São declarados expressamente comprehendidos na distincta excepção do § 1.° do artigo 4.° da carta de lei de 3 de maio de 1878 (a lei das categorias do pariato) os méritos e os serviços extraordinários e relevantes dos officiaes da armada real portugueza, Hermenegildo Carlos de Brito Capello e Roberto Ivens.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados da nação portugueza, 22 de março de 1886. = O deputado, Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto.
Lido na mesa e votada a urgência, foi admittido e enviado á commissão de legislação civil.
REPRESENTAÇÃO
De habitantes do concelho o cidade de Guimarães, instando pela discussão e approvação do projecto de lei do sr. Franco Castello Branco, desannexando do districto de Braga a cidade de Guimarães.
Apresentada pelo sr. deputado Franco Castello Branco e enviada á commissão de administração publica.
REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO
1.° Por parte da commissão de marinha, requisito que sejam enviados ao governo, para informar, os adjuntos requerimentos de Joaquim António de Sant'Anna e de José Baptista de Oliveira. =J. E. Scarnichia.
2.° Roqueiro que, pelo ministerio do reino, seja enviada com urgência a esta camara copia do programma das matérias de ensino primário professadas nas escolas municipaes de Lisboa. = O deputado, Santos Viegas.
Mandaram-se expedir.
JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS
1.ª Declaro que, por incommodo de saúde, não pude comparecer às sessões, desde o dia 5 do corrente mez. = Guilherme de Abreu.
2.ª Declaro que tenho faltado a algumas sessões por motivo justificado. = Almeida Pinheiro.
3.ª Declaro que não tenho comparecido a algumas sessões, por motivo justificado. =P. M. Gonçalves de Freitas.
4.ª Declaro que tenho faltado a algumas sessões deste mez, por motivo justificado. = O deputado, Thomás Frederico Pereira Bastos.
5.ª Tenho a honra de participar a v. exa. e á camara dos senhores deputados que não pude comparecer a algumas sessões do corrente mez, por motivo justificado. = O deputado, Visconde do Rio Sado.
6.ª O sr. deputado Luiz Ferreira de Figueiredo encarrega-me de participar á camara, que tem faltado a algumas sessões e faltará a outras por motivo justificado. J. Simões Dias.
7.ª Declaro que por motivos justificados tenho faltado a algumas sessões. = Fuschini. Para a acta.
O sr. Vicente Pinheiro:-Tenho a honra do mandar para a mesa os diplomas dos deputados eleitos pelos círculos de Belém e Braga.
O sr. Lopes Navarro: - Por parte da commissão de instrucção primaria e secundaria, participo a v. exa. e á camara que já se acha constituída esta commissão, tendo sido nomeado para presidente o sr. Manuel d'Assumpção, e eu para secretario.
Desejava fazer algumas perguntas ao sr. ministro da justiça, e já na ultima sessão pedi a palavra para esse fim; mas s. exa. não estava presente, como hoje tambem não está, o portanto peço a algum dos seus collegas a fineza de lhe transmittir este meu desejo.
O sr. Santos Viegas: - No anno passado tive a honra de mandar para a mesa um projecto assignado tambem pelo sr. Luiz de Lencastre. Esse projecto obteve parecer da commissão, e não póde ser discutido, embora tivesse sido dado para ordem do dia.
Pedia a v. exa. que consultasse a camara sobre se per-
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mitte que este projecto, que tem o n.° 74, seja discutido antes da ordem do dia.
O sr. Rocha Peixoto: - Em harmonia com as declarações feitas na ultima sessão pelo sr. ministro da marinha, tenho a honra de enviar para a mesa o projecto de lei que passo a ler, e do qual requeiro a urgência.
(Leu.)
Consultada a camara foi o projecto declarado urgente, dispensando-se a segunda leitura.
Vae no logar competente.
O sr. Franco Castello Branco: - Pedi a palavra para mandar para a mesa uma representação dos povos do concelho de Guimarães, instando pela discussão immediata do projecto de lei que tive a honra de apresentar nesta camará. É uma nova manifestação e poderosa da vontade popular, que pelo visto não se acobarda nem entibia com as contrariedades e desillusões, que nós, os defensores de Guimarães, temos experimentado nestes três mezes.
Peço, pois, á camara, e em especial á commissão respectiva, que ponderem na urgente necessidade de resolver esta mal aventurada questão, ainda na presente sessão legislativa.
Bem sei que para fazer um similhante pedido, que demais se reduz a lembrar á commissão o cumprimento estricto dos seus deveres, não precisava estribar as minhas palavras e instancia no documento que mando para a mesa.
Tenho, porém, sido de um excessivo melindre, em risco mesmo de incorrer no desagrado dos mais fogosos e ardentes, porque acima de tudo trato de pautar os meus actos por uma norma mais patriótica, e parlamentarmente bem mais correcta, do que aquella que adoptou o partido progressista quando opposição. A questão de Guimarães assumiu as mais graves proporções políticas, desde que foi a causa próxima de uma mudança ministerial. Bem explorada, ou antes mal explorada, seria fácil talhar nella igualmente a mortalha do actual governo. Mas, alem de me repugnar, por indigna, a exploração das mais nobres paixões da alma popular, sacrificando o que nellas ha de sincero e ardente às tortuosas manobras de uma baixa politica, eu não queria para mira só a responsabilidade de provocar da parte do actual governo alguma nova e imprudente declaração, cujo echo fosse em Guimarães das mais funestas consequências. Aguardei, pois, que o concelho decidisse do meu procedimento, e hoje, forte com esta nova manifestação, venho pedir a todos, camara e governo, que juntemos lealmente os nossos esforços, envidemos sinceramente toda a nossa boa vontade, sem preoccupações de qualquer ordem, para a realisação de um acto de grande justiça, e não menor empenho para a paz publica.
Eu estou hoje nesta questão como estava hontem. Disposto a guerrear qualquer governo que nos seja hostil, ou a apoiar o que nos favorecer, sem distincção de cores ou de escolas políticas. Foram sempre estas as minhas intenções, traduzidas bem claramente e por mais de uma vez n'esta camara, e plenamente justificadas pelo proceder dos povos de Guimarães. Vão decorridos quatro mezes depois do vandalismo bracharense e do levantamento de Guimarães. Pois a mesma uniformidade de pensar, a mesma intensidade de sentir e de querer, manifestadas no primeiro momento de indignação, dominam e governam ainda hoje o espirito de uma população tão felizmente dotada para as lides do trabalho remunerador e honrado, como para os enthusiasmos ardentes e sinceros de uma lucta patriótica.
Estes factos devem ter feito convencer a camara e o paiz, de que nada, absolutamente nada, será capaz de nos fazer desanimar. Cedo ou tarde terão, pois, de attender-nos, por força, se o não for de vontade. Se a lucta não custasse graves incommodos e sacrifícios, e uma tal agitação nos ânimos não constituísse um perigo sempre eminente para a ordem publica, eu preferiria até que os poderes públicos nos contrariassem.
o principio que eu nada esperei do favoritismo dos governos. Desde o principio affirmei, que só venceria-mos, mas venceria mós com certeza, se Guimarães tivesse querer, e soubesse querer.
Parece que effectivamente quer.
Pois hão de attendel-o, hão de curvar-se perante a sua firmeza e perseverança. Succede isto em todos os paizes liberaes, e com maioria de rasão succederá n'este, em que os governos não têem nunca uma força por ahi além.
Não precisa o concelho de Guimarães da minha voz, que é fraca e humilde, nem das blandícias de qualquer governo. Concelho de primeira importância, pela sua riqueza e população, e muito mais pela Índole trabalhadora e económica dos seus filhos, fui de sempre ver acatada a sua vontade quando, como agora, ella tiver por si as sympathias de tudo quanto é generoso e levantado, e os princípios inequebrantaveis da justiça e do bom direito.
Medite a camara no que deixo dito, não adie por mais tempo a solução de negocio tão melindroso, e fará, creia-o bem, um valioso serviço ao paiz, o qual muito perde com a manutenção desse estado de cousas, que constitue uma permanente ameaça prompta a transformar-se numa irreparável calamidade, se circumstancias imprevistas e eventuaes vierem ainda a complicar mais a questão.
Aproveito o estar com a palavra para perguntar ao governo, não qual a sua opinião sobre o meu projecto, que eu já sei, mas ácerca de uma versão de autonomia municipal, mais ou menos propalada pela imprensa ministerial, e com que o governo pensa resolver este conflicto.
Bem sei que os governos não têem responsabilidade polo que se diz na imprensa, mas eu estou no meu direito de perguntar, desde que na opinião publica se começam a agitar e a discutir factos e idéas de intima correlação com a administração publica, se o governo tem já opinião a tal respeito, e qual ella seja.
Nos ultimos dias alguns jornaes, especialmente os do Porto, e o que não admira, por isso que o Porto é a capital do norte, e é ao norte que esta questão mais especialmente ha interessado, alguns jornaes dizem que o governo pensa em resolver o conflicto entre Braga e Guimarães, concedendo a estes dois concelhos uma autonomia municipal, moldada por aquella que actualmente gosa o município de Lisboa.
Desejo saber o que pensa o governo a tal respeito, ou se nada pensa. E escuso de dizer que, se a tal autonomia municipal for uma cousa sincera e leal, e não um ardil e uma habilidade de occasião, moldada absolutamente pela que hoje gosa o município de Lisboa, eu, individualmente, não deixarei de defender uma tal medida, como podendo ser acceita pelo concelho de Guimarães. Mas lamentarei sempre, que em vez de se acceitar o meu projecto, tão simples mas tão concludente para o fim em questão, se prefira alterar profundamente e desgraçadamente todo o nosso viver administrativo.
Porque é preciso contar, que se uma tal concessão vier para Braga e Guimarães, ella ha de tornar-se extensiva a todas as capitães de districto, e aquellas localidades que não o sendo, tiverem comtudo uma certa riqueza e importância. Desde esse momento ficarão o paiz e a administração publica nesta situação, que seria engraçada, se não fosse ruinosa e perturbadora.
As cidades, e concelhos que forem ricos, e portanto os que poderem pagar, não concorrerão em nada absolutamente para as despezas districtaes. Estas, em troca, ficarão exclusivamente a cargo dos concelhos ruraes por via de regra pobríssimos.
Mas emfim estas considerações e outras similhantes serão a seu tempo devidamente expostas.
Quanto a ruim e por agora preciso apenas saber se o governo pensa effectivamente em propor para Guimarães 1 uma autonomia municipal, moldada pela de Lisboa, tornando bem claro que cessará absolutamente toda e qualquer tabella administrativa de Braga, e não menos absolu-
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tamente a obrigação de pagar quaesquer impostos districtaes.
Espero as explicações do governo, e, se a camara o permittir de novo a palavra para responder o que que julgar conveniente. (Apoiados.)
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Luciano de Castro): - (O discurso será publicado quando s. exa. - o restituir.)
O sr. Presidente: - O sr. Franco Castello Branco pediu que lhe fosse concedida a palavra depois de fallar o sr. presidente do conselho; na o sei se a camara quer que se altere a ordem da inscripção.
Vozes:-Falle, falle.
O sr. Franco Castello Branco: - O sr. presidente do conselho agradeceu-me o lavor por mim feito ao governo, do lhe proporcionar ensejo de manifestar todo o seu pensamento sobre a questão de Guimarães.
Não tem que agradecer, ainda que o facto lhe deve ter parecido, como a mim, bem singular, pois bem sabe que não serão propriamente favores o que tem a esperar do mim. (Riso.)
Pediu s. exa. a minha cooperação sincera e leal às idéas do governo nesta questão. Não para fazer favores ao sr. presidente do conselho, mas pelo interesse acrisolado e bem sincero que eu tenho posto em toda esta questão desde o seu principio, (Apoiados.) vou, não só dar-lhe a cooperação que deseja, mas uma bem mais real e efficaz.
Oxalá que s. exa. agora não recue, o que me faria desconfiar, que s. exa. pretende a minha cooperação, não para as idéas do governo, mas para a politica do governo, o que é bem differente.
Vou, pois, propor-lhe uma transacção, que não só porá remate immediato e satisfactorio ao conflicto do Minho, mas lhe servirá de precedente muito util e importante para a futura discussão da sua reforma administrativa.
Eu pedi, ha pouco toda a urgência da discussão do meu projecto.
Pois bem, substitua-se na commissão a sua doutrina pela autonomia completa do município de Guimarães, tendo como pontos fundamentaes a ausência completa da tutetta administrativa de Braga, e o não se pagar nem um ceitil para as despezas districtaes, e fique muito embora persistindo a famosa integridade do districto, tão sómente com relação ao delegado do thesouro e ao conselho de districto, sendo este nomeado como o de Lisboa.
Acceite o sr. Luciano de Castro esta proposta, que pela annuencia da maioria parece-me poder eu responder, e teremos dado uma satisfação condigna ao concelho de Guimarães. (Apoiados.) E tudo ficará terminado ainda nesta sessão.
É sincero e leal o desejo do governo, ou é movido única e simplesmente pela necessidade de se livrar de uma difficuldade politica, que eu sempre previ, e annunciei com a maior tortura e o mais cruel embaraço para este como para qualquer outro governo, que quizesse conservar o statu quo?
Reforma administrativa! Espera por acaso s. exa. obtel-a d'esta camara? (Apoiados.) S. exa. sabe perfeitamente que nem o seu caracter lhe consentia o vir pedir á actual camara dos senhores deputados a approvação de uma reforma administrativa, nem esta maioria lha poderia conceder. (Apoiados.}
Tenciona então s. exa. dissolver a camará? E dissolvida a camara consentir-lhe-hão o assumir a dictadura immediatamente para poder no intervallo parlamentar publicar essa reforma administrativa?
Eu não quero entrar na privança e segredos do governo, mas desde que vem alardear sinceridade e lealdade para comnosco, tem obrigação de responder ás minhas perguntas tão claramente como eu as formulo. Quer resolver a questão de Braga e Guimarães, com a urgência que os factos estão impondo? Mas nesse caso, ou acceite a transação que lhe offereço, ou declare se dissolve a camara e assume a dictadura para que a sua reforma administrativa possa sair do ovo? (Riso.) Que eu bem receio, que pelo campo esteja já chôco (Riso ) Desde 1881!
O sr. presidente do conselho recusou-se a responder á minha interrupção sobre a futura situação financeira do novo município de Guimarães, porque emfim não póde estar a expor agora todo o seu pensamento consignado na reforma administrativa.
Mas eu não quero conhecer o pensamento todo. Deus me livre! Basta-me que s. exa., tão explicito sobre a questão da tutella administrativa, o seja igualmente sobre a dos impostos districtaes. Porque estas duas questões é que nos importam sobre tudo. Nem queremos mandar mais procuradores a Braga, o que seria uma vergonha, nem pagar mais um ceitil para o districto, o que seria uma extorsão.
Ora a cousa reduz-se ao seguinte:
O município de Lisboa não concorre hoje para as despezas do districto, nem envia procuradores á junta geral do mesmo, porque, não concorrendo para as despezas, não póde tomar, parte, nem na sua applicação, nem na sua fiscalisação. E este o pensamento do governo com relação a Guimarães?
Se é, diga-o francamente. E vamos já reduzir a transacção a escripto. Eu acceito a doutrina do governo, e elle em troca acceitar o praso que eu lhe indico. E em poucos dias teremos esta magna questão resolvida. Isto é claro, franco e desinteressado. (Apoiados.)
O sr. presidente do conselho comprehende que não podemos acceitar a dilação que as suas palavras significam. E um praso indefinido o que o governo exige. Não tendo camara que lhe approve a sua reforma, nem pretexto para assumir a dictadura, porque a camara não lho dá (Apoiados.) e o governo procura evidentemente afastal-o, a tal reforma póde bem crear ainda cabellos brancos (Riso). Também me não póde satisfazer a ambiguidade de uma phrase de s. exa., quando diz, que a autonomia municipal de Lisboa se applicará com as necessárias modificações ao Porto, e a deste com as necessárias modificações a Guimarães e concelhos similhantes.
Peço pois a s. exa. que declare franca e terminantemente, em primeiro logar se, sendo a sua boa vontade tão grande como a minha, e fazendo eu o offerecimento de prescindir da idéa consignada no meu projecto de lei, acceitando a que s. exa. pareceu enunciar, concorda em que antes de se encerrar a actual sessão parlamentar seja discutido e votado em ambas as casas do parlamento um projecto de lei concedendo a autonomia municipal e completa ao concelho de Guimarães, moldada nestes dois pontos principaes pela do municipio de Lisboa. Em segundo logar, não concordando com esta proposta, quando espera ver terminado o conflicto entre Braga e Guimarães pela reforma administrativa a que se referiu.
Parece-me que não causo embaraço de ordem publica ao governo pedindo uma resposta clara e immediata a estas perguntas. Espero que s. exa. a dê para interesse do paiz, e prova de que a sua sinceridade é tão grande como aquella que eu ponho nesta questão. (Apoiados.)
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Luciano de Castro): - (O discurso será publicado quando s. exa. o restituir.)
O sr. Germano de Sequeira: - Sr. presidente, foi-me communicado de Mafra que tinha sido mandado retirar o partido de operários que estava trabalhando nas reparações do edifício e mosteiro daquella villa, suspendendo-se portanto as obras.
Creio que necessariamente motivos muito imperiosos levaram o sr. ministro das obras publicas a mandar retirar o partido de operários que ali trabalhava.
Se não fossem imperiosos esses motivos s. exa. não teria adoptado tal medida.
A mim, como cidadão e como representante do circulo,
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cabe-me a obrigação de pedir que a ordem seja revogada logo que cessem as rasões que lhe deram causa, e de pedir ainda que não fiquem em meio os concertos ou reparos encetados.
Ficando em meio destroe-se e estraga-se o que se acha feito.
O povo não reparará que o governo despenda alguns centos de mil réis na conservação de um edificio que representa a feição da epocha em que foi erigido, e a piedade de El-Rei D. João V, que tão notável se tornou por levantar obra de tal magnitude, e outras obras de arte, como a capella em S. Roque nesta cidade.
Sendo, assim creio que o sr. ministro das obras publicas, que honra o logar que occupa, que tem uma intelligencia superior, e que é amigo da arte, creio, digo, que s. exa., seguindo os exemplos apresentados nesta camara pelo sr. ministro dos negócios estrangeiros, o sr. Barros Gomes, quando pediu ao governo que comprasse um quadro de Rubens, que se achava na igreja das Mercês, para que se não estragasse, deverá attender á conservação do mosteiro de Mafra.
Não peço ao sr. ministro que me diga quaes os motivos por que mandou suspender as obras, peco-lhe unicamente que faça justiça á minha idéa, que mande continuar nos reparos encetados, e o seu nome será respeitado, aquelles povos o abençoarão.
Folgarei que s. exa. entenda que são de algumas ponderações estas minhas considerações, o agradecerei o beneficio, quando o faça.
Levanto uma justa reclamação em prol de um monumento que representa glorias nacionaes, e cuja ruina será inevitável.
O meu desejo é que não fique sujeito á destruição completa, que será fatal se se deixar ao abandono.
N'esta conformidade não foi meu intento fazer uma interpellação, mas apresentar sómente as ponderações que expuz, as quaes, segundo penso, deverão callar no animo do sr. ministro para que as obras continuem logo que haja opportunidade.
O sr. Ministro (ias Obras Publicas (Emygdio Navarro): - (O discurso será publicado quando s. exa. o restituir.)
O sr. Franco Frazão: - Pedi a palavra, para chamar a attenção do sr. ministro das obras publicas para um assumpto que interessa ao paiz, á província da Beira Baixa, e á notável e industrial cidade da Covilhã.
Sr. presidente, na cidade da Covilhã fizeram-se ha dias uns comícios, para se representar ao governo, a fim de approximar o mais possível a directriz do caminho de ferro 4a Beira Baixa daquelle importante centro industrial. N'aquellas reuniões soltou-se a nota política, quando uma questão desta ordem devia estar completamente afastada dos domínios da política.
Foi tão inconveniente, tão acentuada a nota política em taes reuniões, que a maior parte dos grandes industriaes d'aquella laboriosa cidade, ou se afastaram dos comícios, ou não quizeram pertencer às commissões ali nomeadas. É que aquella nota politica, da maneira como foi levantada, era perfeitamente insensata e injusta.
Entre outras cousas, que só se explicam pela cegueira do facciosismo, e pela manifesta exploração político, chegou a dizer-se n'aquellas reuniões que o digno par do reino, o sr. Vaz Preto, era o homem mais prejudicial aos interesses da cidade da Covilhã; por esta rasão é que os principaes industriaes daquella cidade, reconhecendo a injustiça que se fazia a s. exa., só retiraram, ou não quizeram pertencer às commissões.
Devo dizer que as commissões eleitas se compõem, na maior parte, de cavalheiros distinctissimos por seu saber e virtudes, dignos de todo o respeito, e estranhos às luctas e especulações políticas que ali se levantaram.
Para a camara ver a injustiça com que se procedeu para com o sr. Vaz Preto, e os seus amigos políticos, eu vou ler a proposta que s. exa. apresentou na camara dos dignos pares, por occasião de se discutir ali o projecto do caminho de ferro da Beira Baixa. S. exa. apresentava a seguinte proposta em sessão de 10 de março de 1883:
«Proponho que no n.° 1.° do artigo 1.°, adiante da palavra Covilhã se leia: seguindo a margem direita do Zezere».
Seguidamente s. exa. sustentava esta proposta com o verdadeiro denodo de quem ha vinte annos pugnava desveladamente pelos interesses da Beira Baixa, e pondo sempre á frente d'elles os interesses da cidade da Covilhã, e fazia-o pela seguinte forma, depois de ter adduzido valiosos argumentos:
«Sr. presidente, eu não podia deixar de pugnar por este melhoramento, porque, alem das rasões que expuz, dá-se uma circunstancia curiosa.
«O sr. ministro das obras publicas deve estar lembrado de que já foi votada uma auctorisação ao governo para construir um caminho de ferro que, seguindo a margem esquerda do Tejo e passando pelas immediações de Castello Branco fosse a Monfortinho.
«Essa auctorisação é verdade que não se executou, mas entrava no plano da construcção d'essa linha a feitura de um ramal para a Covilhã.
«Agora vae fazer-se um caminho de ferro em que a Covilhã fica collocada em peiores condições do que ficaria com aquelle primeiro plano!!
«Por esta forma faz-se um caminho de ferro em que a terceira cidade do reino, talvez a mais laboriosa deste paiz, fica desservida, porque se attende a uma certa economia levando o caminho de ferro pela margem esquerda do Zezere.
«Sr. presidente, eu estou convencido que esta economia, á primeira vista, é uma economia contraproducente, porque se se levasse o caminho de ferro aquella cidade, as vantagens que d'ahi proviriam para a riqueza publica haviam de compensar largamente a despeza que para mais se ia fazer, dirigindo o traçado pela margem direita do Zezere, passando próximo da Covilhã.
«Sr. presidente, eu entendo que os caminhos de ferro hão para dar saída aos productos industriaes, pára desenvolver o commercio e para communicar os centros de grande população, e não para cortar desertos e encurtar distancias.
«Por se não attender a estes princípios, por não se attender a estas circumstancias é que o caminho de ferro da Beira Alta está rendendo tão pouco e dando prejuízo á companhia.
«Sr. presidente, parece-me que o sr. ministro completaria a sua obra, o districto de Castello Branco ficar-lhe-ia extremamente agradecido, se introduzisse as duas condições que eu enumerei, isto é seguir a directriz a margem direita do Tejo e do Zezere.
Não continuo com a leitura d'este discurso, que é todo neste sentido, para não fatigar a camará; mas vê-se daqui muito clara e terminantemente a maneira empenhada como o digno par sustentava que o caminho de ferro da Beira Baixa devia approximar se da Covilhã, o as diligencias que empregou para que a sua proposta fosso approvada.
Esta proposta foi porém retirada pelo dia no par, e muito convenientemente, por ano o sr. ministro das obras publicas de então declarou que não a acceitava, e igual declaração fez o sr. relator da projecto ; e se ella não tivesse sido retirada, talvez o governo não estivesse hoje tão livre para poder prestar este grande beneficio ao paiz, á província da Beira Baixa o á importante cidade da Covilhã, porque a negociação de tal proposta limitaria os traçados á margem esquerda do Zezere.
Às representações vieram effectivamente tarde, como disse o sr. ministro das obras publicas na camara dos dignos pares.
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Quando o sr. Vaz Preto pugnava assim naquella casa do parlamento em 1883, o sr. Pedroso dos Santos, que era então presidente da camara municipal da Covilhã, dormia e não ligava a menor importância aos interesses da Covilhã, nem a camara representava, nem se promoviam reuniões.
Agora que o caminho de ferro estava já adjudicado a uma companhia, agora que os estudos deviam estar promptos, e os trabalhos de construcção quasi a principiar, é que o sr. Pedroso dos Santos, e outros cavalheiros da Covilhã", se lembraram de representar ao governo.
Ainda que tardias estas representações, é desejo meu e do digno par o sr. Vaz Preto, que ainda cheguem a tempo de fazer vingar os nossos desejos, as nossas idéas, e de que o governo lhes possa dar o deferimento, que muito convém aos interesses do paiz, da Beira Baixa e da laboriosa e industrial cidade da Covilhã, cujas aspirações são justíssimas, embora tardias.
Digo embora tardias, porque vem já fazer mal, vem já transtornar um pouco os interesses da província da Beira Baixa e da cidade de Covilhã, porque a prorogação de mais seis mezes do praso para a conclusão dos estudos deve trazer, pelo menos, igual prorogação no praso para a conclusão da linha férrea, e a privação das vantagens económicas que fomentaria durante esse período de retardamento.
Ha apprehensões no publico de que aquellas representações teem principalmente em vista um effeito político; se assim é, não ha de ser só este retardamento que prejudicará o andamento da construcção do caminho de ferro da Beira Baixa.
Atraz d'este adiamento podem vir outros.
O governo, durante o período da apresentação e approvação dos estudos, póde suscitar demoras; podem até levantar-se difficuldades, que obriguem o governo a pedir novas providencias legislativas, como deu a entender o illustre ministro na outra casa do parlamento.
A todos estes males podem dar logar as serôdias representações.
O primeiro mal foi já a infracção da lei com o parlamento aberto.
O sr. ministro, a propósito de satisfazer os interesses da Covilhã, ou quaesquer outros, teve de violar a lei de 26 de maio de 1884, que approvou o contrato definitivo do caminho de ferro da Beira Baixa.
Este contrato faz parte da mesma lei, e numa das suas disposições diz que, dentro de um anno depois de adjudicado definitivamente o contrato, devem estar concluídos os estudos definitivos da linha e entregues ao governo, sob pena da companhia perder os 360:000$000 réis de deposito.
Pois este artigo da lei foi derogado pelo sr. ministro das obras publicas por uma simples portaria!
Se as rasões dadas pelo illustre ministro, para praticar este acto, que eu reputo illegal, são a defeza do paiz e a idéa de satisfazer aos justos desejos da cidade da Covilhã, pela minha parte absolvo-o desta infracção da lei, se s. exa. levar a cabo estas duas importantes modificações na directriz da linha da Beira Baixa.
Mas as apprehensões do publico são outras. Diz-se que o illustre ministro, ou o governo, teve a intenção de favorecer a companhia, que tinha de pagar uma multa de réis 360:000$000, porque não tinha os estudos promptos, nem os podia apresentar no praso legal; e como este estava próximo a terminar, o sr. ministro expedira a portaria, prorogando esse praso por mais seis mezes.
Outros, porém, conjecturam, fundamentados na nota política bem alto soltada nos comícios da Covilhã, que esta portaria tem o intuito de favorecer a especulação política eleitoral naquella cidade.
Não creio nada disto, e obstam a que o possa acreditar o caracter franco e leal do sr. ministro das obras publicas, o seu zelo pelos negócios do estado, a tolerância annunciada pelo sr. presidente do conselho, o a declaração de que o governo ia fazer largas economias.
Ora, seguramente não é economia adiar um melhoramento para o paiz, contratado com uma companhia, sem haver para isso rasões fortíssimas; antes pelo contrario é um desperdício enorme, e ao mesmo tempo vae-se prejudicar o paiz, que deixa de receber uma multa na importância de 360:000$000 réis.
Não creio, portanto, que as apprehensões sejam verdadeiras, e desejo dar logar a que o illustrado ministro das obras publicas as desfaça completamente; pedia para isso a s. exa. me dissesse: se a companhia real dos caminhos de ferro portuguezes se achava habilitada para apresentar os estudos definitivos no praso de um anno, marcado no contrato; se s. exa. se compromette a resolver a questão da Covilhã, antes das eleições; se o governo se obriga, logo depois da prorogação do praso de meio anno para os estudos, a approvar o projecto e a fazer com que o caminho de ferro da Beira Baixa se construa antes de outro qualquer; se o governo, para levar a effeito a passagem desse caminho de ferro pela margem direita do Tejo e margem direita do Zezere (proximidades da Covilhã), precisa de providencias legislativas.
Parece-me que não carece o governo de providencias legislativas para levar a effeito estes dois desideratos.
No próprio contrato encontram s. exas. o sufficiente para poderem fazer essas modificações sem providencias legislativas e mesmo sem compensações á companhia.
O contrato de 15 de novembro de 1883, celebrado entre o governo e a companhia real dos caminhos de ferro portuguezes para a construcção do caminho de ferro da Beira Baixa, approvado e tornado definitivo pela carta de lei de 26 de maio de 1884, de que faz parte, diz o seguinte:
«Artigo 1.° A empreza effectuará á sua custa e por sua conta e risco, nos termos, pelo modo e nos prasos estipulados nestas condições:
«1.° A construcção de um caminho do ferro que, partindo da estação de Abrantes, na linha de leste, e seguindo por Castello Branco, Fundão e proximidades de Covilhã, termine nas immediações da Guarda, na linha da Beira Alta.
«2.° As obras mencionadas no n.° 1.° deste artigo, que a empreza é obrigada a executar, serão feitas conforme os projectos definitivos por ella preparados, em harmonia com estas condições, depois de terem sido approvados pelo governo.
Não diz o contrato feito com a companhia real, que o caminho de ferro ha de ir nem pela margem direita, nem pela margem esquerda do rio Tejo. Se o governo está convencido de que é melhor para a defeza do paiz, ir pela margem direita, está no seu direito e tem a obrigação de exigir á companhia que o traçado passe pela margem direita.
O contrato não diz tambem se o traçado ha de passar pela margem direita ou pela esquerda do rio Zezere, mas só falla em proximidades da Covilhã, sendo certo que o que mais se póde approximar é o traçado da margem direita do Zezere.
O governo está no seu direito, e é dever seu obrigar a companhia a fazer o estudo pela margem direita do Zezere, e o mais próximo possivel da Covilhã, e não approvar estudo que não seja nestas condições, sem que deva por isso indemnisação alguma á companhia.
Isto é o que se entende do artigo 1.° do contrato, e por isso parece-me, que o governo para o fazer não carece de medida legislativa.
Não carecendo o governo de disposição legislativa, desejava que o sr. ministro me dissesse também, franca e lealmente, se acceita esta doutrina, ou modo de ver, que acabo de expor logo depois de passados os seis mezes da
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prorogação, approvará os estudos feitos neste sentido, e mandará começar a construcção do caminho de ferro.
Estou persuadido que os estudos a fazer pela margem direita do Tejo não darão maior despendio para a companhia do que os da margem esquerda, o que torna mais fácil a solução deste problema. Assim o ouvi dizer a um membro do ministerio, que julgo competentissimo n'esta questão. Por consequência, se o traçado pela margem direita do Tejo não sáe mais caro á companhia, nada mais natural do que o governo escolher esse traçado, que effectivamente é mais vantajoso sob o ponto de vista da defeza do paiz.
Parece-me que o sr. ministro não terá difficuldade em responder ás perguntas que eu acabo de dirigir-lhe, e para não tomar mais tempo á camara termino por aqui, aguardando a resposta de s. exa., e dizendo-lhe mais uma vez, que o governo está no direito, e tem obrigação de levar o caminho de ferro á Covilhã, nos termos do contrato definitivo, porque assim o exigem os interesses do paiz em geral, e em especial os da Beira Baixa e da laboriosa cidade da Covilhã, e tanto eu, como o digno par o sr. Vaz Preto e seus amigos fazemos votos n'este sentido.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - (O discurso será publicado quando s. exa. o restituir.)
O sr. Lamare: - Por parte da commissão de guerra mando para o mesa o parecer da commissão sobre um projecto do sr. Francisco Campos, pedindo que elle seja remettido á commissão de fazenda.
O sr. Neves Carneiro:-Participo a v. exa. que a commissão de instrucção publica se constituiu, tendo nomeado para presidente ao sr. Marçal Pacheco, a mim para secretario, havendo relatores especiaes.
O sr. Poppe: - Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa um projecto de lei propondo que o circulo eleitoral de Villa do Conde seja dividido em dois. Ha rasões ponderosas que militam a favor deste projecto, e por isso me animei a apresental-o apesar do adiantado da sessão.
Ficou para segunda leitura.
ORDEM DO DIA
Discussão do projecto n.º 23
E o seguinte:.
PROJECTO DE LEI N.° 23
Senhores. - A vossa commissão de fazenda examinou, com a devida attenção, a proposta de lei n.° 22-F, em que se fixa a dotação de Sua Alteza Real o Sereníssimo Senhor D. Carlos Fernando, Príncipe Real, na quantia de 40:000$000 réis, e em que se determina que seja entregue a Sua Magestade El-Rei o Senhor D. Luiz I a quantia de 100:000$000 réis para as despezas extraordinárias do faustissimo consorcio de Sua Alteza Real.
A vossa commissão pareceram de todo o ponto procedentes e justificadas as rasões em que o governo baseou esta proposta de lei. E um dever da nação e dos seus representantes o contribuírem para que o herdeiro da corôa portugueza possa manter o estado que é inherente ao seu nascimento e alta dignidade, e não menos impreterivel é a obrigação, que lhes incumbe, de porem á disposição do chefe do estado os meios necessários para que se realisem com a devida solemnidade as festas do faustissimo consorcio de Sua Alteza Real, que são festas nacionaes, porque celebram um acontecimento verdadeiramente auspicioso para as instituições e para o paiz.
Sem alterar de modo algum a proposta do governo, e de accordo com este, a vossa commissão entendeu dever fazer um additamento ao artigo 1.°, harmonisando mais
claramente os termos desse artigo com o pensamento expresso no relatório que precede a proposta de lei.
N'estes termos, é de parecer a vossa commissão que deve ser approvado o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º A dotação de Sua Alteza Real, o Sereníssimo Senhor D. Carlos Fernando, Príncipe Real, é fixada, a datar do seu casamento, na quantia de 40:000$000 réis, paga pelo thesouro publico.
Art. 2.° Será entregue a Sua Magestade ElRei o Senhor D. Luiz I a quantia de 100:000$000 réis para as despezas extraordinárias do faustissimo consorcio de Sua Alteza Real.
Sala das sessões da commissão, 19 de março de 1886. = José Dias Ferreira (vencido) = Antonio M. Pereira Carrilho = João Franco Castello Branco = Frederico de Gusmão Correia Arouca = Eduardo José Coelho = Arthur Hintze Ribeiro = Luciano Cordeiro = Francisco de Castro Matoso Corte Real = A. A. de Moraes Carvalho = António de Sousa Pinto de Magalhães = M. d'Assumpção = Marçal Pacheco = Augusto Poppe = Filippe de Carvalho = Carlos Lobo = Manuel Pinheiro Chagas = Correia Barata d'Avila (relator).
N.º 22-F
Senhores. -Pelo motivo faustissimo do próximo consorcio de Sua Alteza Real o Serenissimo Senhor D. Carlos Fernando, Príncipe Real, torna-se manifestamente insufficiente a dotação fixada para Sua Alteza Real pela carta de lei de 20 de fevereiro de 1804, conforme se praticara pela lei de 29 de abril do 1845 a respeito do Senhor D. Pedro de Alcântara, de saudosa memória, então Príncipe Real. O herdeiro da corôa portugueza, tendo de manter casa separada, e Cotado próprio do seu nascimento e alta dignidade, não poderia occorrer aos despendios indispensáveis com a dotação de 20:000$000 réis estabelecida por aquella lei.
Pelo mesmo motivo tem a casa real que realisar despezas impreteriveis, que seria sobre impossivel injustificado fazer recair sobre a dota cão de Sua Magestade El-Rei. Em todos os tempos e em todos os paizes se entendeu sempre, que esses encargos extraordinários, inherentes á soberania, devem correr por conta da nação, e nomeadamente assim foi julgado e decidido pelas curtes geraes por occasião dos casamentos do Senhor D. Pedro V e de El-Rei o Senhor D. Luiz I.
Tenho, pois, a honra de apresentar á vossa deliberação a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° A dotação de Sua Alteza Real o Serenissimo Senhor D. Carlos Fernando, Príncipe Real, é fixada na quantia de 40:000$000 réis, paga pelo thesouro publico.
Art. 2.° Será entregue a Sua Magestade El-Rei o Senhor D. Luiz I a quantia de 100:000$000 réis para as despezas extraordinárias do faustissimo consorcio de Sua Alteza Real.
Ministério dos negócios da fazenda, gabinete do ministro, em 15 de março de 1886.= Marianno Cyrillo de Carvalho.
O sr. Carlos Lobo d'Ávila: - Por parte da commissão, mando para a mesa um additamento :
É o seguinte:
Proponho que seja acrescentado ao projecto de lei que está em discussão o seguinte:
«Art. 3.º Fica revogada a legislação em contrario. = Carlos Lobo d'Avila.
Fui admittido.
O sr. Consiglieri Pedroso (sobre a ordem): - Em conformidade do regimento passo a ler a minha moção de ordem.
Moção de ordem
A camara, considerando que na sessão de 9 de fevereiro ultimo se recusou a admittir á discussão uma propos-
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ta, em que se aconselhava às commissões de fazenda e de orçamento a reducção da lista civil, em presença da angustiosa situação da fazenda;
Considerando que os membros do gabinete, pela voz do actual ministro das obras publicas, declararam na referida sessão que nenhuma das verbas da lista civil se podia diminuir, pela r as ao de que seria inconveniente augmentar qualquer dellas;
Considerando que todos os partidos monarchicos, e nomeadamente o partido progressista, têem sempre julgado inconstitucional as alterações na lista civil, tanto para menos como para mais, conforme se prova pelas declarações feitas nas sessões de 25 de abril de 1879, de 21 de janeiro de 1881 e na acima mencionada de 9 de fevereiro de 1886;
Considerando, por ultimo, que, no estado actual do thesouro publico, seria imprudente e anti-patriotico votar qualquer quantia para festas, que fariam alem disso, no caso de se realisarem, um sombrio costraste com a miséria que lavra no paiz, e com a gravíssima crise que o afflige:
Resolve retirar da discussão o projecto de lei n.° 23 e passa á ordem do dia.
Sala das sessões da camara, aos 22 de março de 1886.= O deputado, Consiglieri Pedroso.
Sr. presidente, quando o actual ministerio pela primeira vez se apresentou nesta casa do parlamento, eu, num discurso moderado na forma e quasi benévolo, se porventura o partido republicano, depois de tantas desillusões, ainda podesse ser benévolo para com quaesquer ministros, que se sentem n'aquellas cadeiras, disse ao governo que, embora completamente separado da sua política, aguardava os actos do gabinete para sobre elles me pronunciar, na certeza de que combateria esses actos com a mesma vehemencia com que combati quasi todos, se não todos, os actos do partido regenerador, logo que me convencesse de que elles eram contrários á honra, á dignidade ou ao interesse do paiz.
Mais cedo do que julgava, chegou infelizmente a occasião de eu vir cumprir a minha promessa; hei de cumpril-a, porém, esteja disso certa a camara, coro a imparcialidade mas tambem com a firmeza que caracterisam e hão de caracterisar sempre a altitude parlamentar do partido republicano.
Como não desejo de maneira alguma ser suspeito de querer transformar em assumpto de partido uma questão, que neste momento e pela minha voz traduz o brado de indignação que vae pelo paiz inteiro, sem distincção de facções políticas, collocar-me-hei, tanto quanto poder, no ponto de vista dos actuaes ministros, quando eram opposição, e será por essa forma e até com as suas próprias palavras que eu justificarei a minha attitude. E para que s. exas. vejam como vae ser imparcial essa attitude, será sob a égide das palavras de um dos actuaes ministros, que vou começar as minhas considerações.
Assim, ninguém me suspeitará outro intuito que não seja o de pugnar pelo interesse do paiz e o de zelar os seus direitos, mais uma vez em vésperas de serem culposamente desprezados!
As palavras a que acabo de referir-me, vem de molde, porque foram proferidas pelo sr. ministro da justiça numa discussão perfeitamente análoga aquella que hoje aqui se enceta. Tratava-se da venda dos diamantes da corôa para se pagarem as dividas da casa real, na própria phrase do cavalheiro, cujas opiniões de ha um anno vou agora recordar.
Peço á camara que medite e pese bem cada uma das palavras da citação, que vou ler, porque bastam ellas para immediatamente ficar comprehendida a minha posição n'este debate.
Dizia o sr. Veiga Beirão na sessão de 8 de abril de 1886:
«A apreciação deste projecto de lei (o da venda dos diamantes da coroa) não começou e não ha de acabar no parlamento. Discussões de assumptos tão graves, e direi mais, tão melindrosos e delicados como este, têem, por sua própria natureza, tal força de expansão, que faz com que excedam os limites estreitos das casas dos parlamentos e vão alargar se por todo o paiz, agitando lá fora os vários elementos sociaes e políticos, de cujo conjuncto resulta esta cousa incoercível, mas nem por isso menos poderosa, que se chama a opinião publica.
«Ora as discussões fóra do parlamento não são reguladas pelas prescripções de um regimento de antemão prudentemente elaborado, nem dirigidas por uma presidência, que tem por especial missão serenar os ânimos e acalmar as paixões; não se contêem nas formulas estreitas de um convencionalismo político, nem se sujeitam às regras apontadas por onde se pautam as discussões parlamentares.
«Direi mais. Lá fora a multidão não é fácil nem cautelosa em destrinçar responsabilidades, affastando, completamente, das discussões o que pela carta constitucional é irresponsável; e é muito natural por isso, que se possa transformar uma questão pura e simplesmente administrativa, numa questão política.
«Alem disso é preciso não esquecer o estado em que se encontram os espíritos no paiz.
«Ha já uma grande turba de descontentes, a estes vão-se juntando continuamente muitos outros, formando assim todos uma corrente, que dia a dia vae engrossando, e em cujos princípios não se comprehende, por certo, o de um respeito às vezes supersticioso, pelas formulas representativas e pelas ficções constitucionaes. Esses todos hão de por certo querer accumular responsabilidades, que convém trazer divididas, e tirar d'ahi argumento favorável aos seus intuitos.
«Tal é o estado em que se encontra o espirito publico. Acresce a isto a situação económica e financeira em que nos encontrámos, e que é grave, mau grado a descripção favorável que o sr. ministro da fazenda della nos queira fazer, descripção contra a qual os algarismos protestam diária e eloquentemente.
«E é em circumstancias taes, que o governo encontrou occasião apropriada para vir trazer, não digo á deliberação parlamentar, mas á discussão publica em todo o paiz, um projecto, pelo qual a nação vae pagar, com a propriedade de valiosos títulos, as dividas da administração da casa real!
«Pergunto se isto é política sensata? Se isto é ter á comprehensão verdadeira da situai actual? (Apoiados.)
«Finalmente, vem hoje offerecer-se á discussão, parlamentar e publica um projecto que, pelo menos, póde trazer desprestigio...não direi para quem, (Apoiados.) pois que não quero, nem indirectamente, associar-me ao governo na responsabilidade das consequências que podem resultar, já não direi da apreciação parlamentar, mas da apreciação publica da presente proposta.
«Essa responsabilidade cabe inteira e precipua ao governo; fique, pois, exclusivamente com ella. Julgou-se obrigado a apresentar este projecto? Seja. Cumpriu um dever. Muito bem; cumprirei o meu, discutindo-o. Discutamos pois.»
Discutamos pois! repito eu tambem com o sr. ministro da justiça.
E para circumscrever ao seu ponto capital o debate que está começado, limitar-me-hei por agora a apreciar simplesmente as disposições deste projecto. Sei que estas disposições se prendem intima e estreitamente com um facto que é a origem da apresentação do presente documento á camará. Mas a apreciação circumstanciada do facto a que alludo, reserval-a-hei para o momento que julgar mais opportuno.
Entretanto seja-me licito, como mera referencia e muito
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rapidamente, accentuar desde já o meu sentimento, de que se tenha commettido a grave imprudência de ir por um casamento mal aconselhado, intrometter o nosso paiz em questões internacionaes de que elle devia com todo o empenho conservar-se arredado.
Julgo, com effeito, imprudente, já que se não pôde evitar a tempo este faustissimo consorcio, que ao menos não tenha havido a des cripção, e talvez até a delicadeza, de conservar dentro dos limites modestos de um lar domestico particular, aquillo que por fórma alguma na presente occasião devia ser thema ou pretexto para ruidosos festejos publicos em nome da nação!
O herdeiro da corôa de Portugal vae casar com uma princeza, pertencente a uma das casas que reinaram em frança.
Nada direi no momento actual a respeito da casa de Orleans, pois não quero que alguem possa lançar-me em rosto a suspeita sequer de menos cavalheiroso para com uma dama; apesar de que, sendo esta casa, uma antiga casa reinante a algumas das paginas mais sombrias dos annaes da mais generosa das nações latinas, assistia-me, pelo menos, o direito de examinar á luz da história factos que são episodios inseparaveis da evolução politica da Europa n'este seculo.
Não o farei porém!
No entretanto é preciso não olvidar a situação em que os principes de Orleans estão em França.
Eu sei que se diz, para justificar este casamento, que a escolha do coração não póde ser contrariada por consideração alguma de interesse publico ou de politica internacional. Não a contrariem, pois, visto que se vae pedir a inspiração para tal acto a um sentimento tão sympathico e tão respeitavel! Mas então não venham buscar a nação para pedestal, digamol-o assim, d'essa união! Não Venham pedir ao parlamento que vote grossas sommas para converter festas particulares em descabidas manifestações de regosijo official!
Não venham declarar publicamente que são nacionaes os festejos, e que, como nacionaes, devem ser feitos com a pompa e com a galhardia que pedem as fidalgas tradições de ambos os nubentes!
Este procedimento é que é inhabil e leviano sobre tudo!
Em nome do meu paiz contra elle protesto, porque nos póde acarretar para um breve futuro, tristissimas e crucis amarguras!
Pois é n'esta occasião, sr. presidente, pois é n'esta occasião, srs. ministros, em que temos assumptos pendentes tão delicados a tratar com a republica franceza, assumptos de cuja boa solução depende em parte a prosperidade do nosso dominio colonial, que nós vamos commetter a imprudencia de alinear o bom querer, ou pelo menos, a indispensavel benevolencia dos homens publicos da França?!
Pois é n'este momento quando ainda ha poucos dias, o sr. presidente do conselho insistia, a proposito da prisão de um emigrado hespanhol, nos melindres que cumpria ao governo respeitar nas questões de direito internacional, não dando o mais leve pretexto á Hespanha para ella se ressentir, pois é n'este momento que se vae transformar em festejo nacional o consorcio do herdeiro do throno portuguez com a filha de um principe inimigo da republica franceza, de um pretendente accusado de conspirar contra as instituições do seu paiz, de um homem enfim que está sob a ameaça da explusão immediata do solo da sua patria, por trabalhar para a queda do governo legal da nação??
Não ha então, n'este caso, melindres internacionaes a respeitar?!
Ou as boas relações de amisade com a republicana França valem menos do que com a monarcha de Hespanha?
Em todo o caso, quaesquer que sejam as predilecções politicas do governo ou da côrte, insisto em que foi grave imprudencia dar caracter official a um acto que, por altas conveniencias de patriotismo, nunca, a realisar-se, devia Ter passado dos estreitos limites da vida particular do Principe Real.
Alem d'isso, ainda as boas praxes de cortezia internacional foram offendidas pela circumstancia de Ter sido o ministro portuguez acreditado em Paris, ao mesmo tempo plenipotenciario especialmente encarregado das negociações relativas á delimitação das fronteiras entre a nossa provincia da guiné e os territorios do Congo, e as respectivas colonias francezas, quem pediu officialmente a mão da noiva e quem, para não deixar equivoco algum a respeito do caracter official do pedido, o foi communicar ao presidente da republica franceza!...
A responsabilidade d'este facto é toda do sr. Fontes, como chefe do governo transacto, mas as consequencias desagradaveis que podem advir para o nosso paiz de toda esta serie de imprudencias, não attenuadas, antes aggravadas pelo actual governo, ha de infelizmente soffrel-as a nação! E senão lembre-se a camara, que está ainda de pé, sem ser desmentida, a affirmação pronunciada não ha muitas sessões n'esta mesma cfamara por um illustre deputado progressista, que a Guiné estava perdida, porque as negociações se tinham de repente complicado, tornando-se cada vez mais desfavoraveis para Portugal!
Este assumpto ha de sem duvida Ter trazido á actual camara ou á que se lhe seguir, e por essa occasião poderse-ha apreciar até que ponto o facto que indiquei interveiu na nova feição que assumiram, no incidente alludido, as nossas relações diplomaticas com arepublica franceza.
Fica, porém, desde já formulado o meu pensamento, e oxalá, dentro em pouco eu possa convencer-me de que me enganaram os tristes presentimentos, que n'esta hora me assaltam! Como portuguez é este o meu mais ardente desejo!
Ditas as palavras que precedem e, sem entrar em mais considerações preembulares, passo immediatamente a apreciar o projecto que se discute.
Estão ainda, sr. presidente, bem vivos na memoria de todos aquelles que me escutam os sucessos que se deram ha pouco mais de um mez, por occasião da quéda do governo regenerador.
Levantou-se o paiz contra as propostas fazendarias, apresentadas pelo gabinete demissionario, e levantou-se principalmente instigado pelo partido progessista, que lhe bradava, e com muita rasão: nem mais um real para um governo que deixou chegar o deficit a 10.000:000$000
Réis, que contrahiu uma divida fluctuante de réis 12.000:000$000 e que apresenta um orçamento rectificado com 42.000:000$000 réis de despeza.
Algumas dias depois d'estes primeiros protestos a situação regeneradora caía, e sentavam-se n'aquellas cadeiras os homens que tinham sido os porta-estandartes da resistencia, quasi revolucionaria, contra as medidas de fazenda do sr. Hintze Ribeiro!
Na sessão de apresentação do novo governo ao parlamento, o sr. presidente do conselho repetiu ainda embora já mais timidamente, nem mais um real se pedirá aos contribuintes, nem mais uma despeza improductiva se fará, emquanto não se realisarem todas as economicas indispensaveis, emquanto se não mostrar bem claramente ao paiz que a moralidade é a nerma da administração do estado.
Pois bem! Sr. presidente, não invoco um compromisso de annos, refiro-me a uma promessa de apenas pouco mais de um mez.
Como foram realisados estes promettimentos? O governo, que pela voz do sr. presidente do conselho declarava, que não pediria mais sacrificios ao contribuinte sem que todas as reformas e economias que projectava estivessam postas em pratica; o governo que ainda ha dois dias declarava na commissão de marinha, pela voz de um dos seus membros, que a nação não podia dar uma recompensa de 10:000$000
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réis aos seus dois grandes exploradores, porque não estava nas forças do thesouro o despender actualmente tão grande quantia; o governo que no próprio dia, triste contraste! em que o sr. ministro da fazenda ha á camara este projecto de lei, fazia apresentar pelo sr. ministro das obras publicas uma proposta para que, attendendo às condições precárias da fazenda publica, não continuasse a abonar-se aos lavradores o sulfureto de carbone por um preço reduzido, tornando assim mais difficeis as condições com que lucta a viticultura portugueza, a primeira das nossas industrias agrícolas; este governo, sr. presidente, que ainda não apresentou ao parlamento uma única medida do seu apregoado plano de economias, e o mesmo que vem agora apresentar uma proposta de lei que significa um desfalque no thesouro de perto de 500.000$000 réis!
E em que circumstancias vem fazer á camara este pedido? Quando o ultimo paquete de África acaba de trazer a triste noticia de que uma das nossas mais formosas colónias, Cabo Verde, se está debatendo nos horrores da fome; quando a nação, o povo, o elemento productor da riqueza publica está nas condições desgraçadas, que se denunciam neste jornal, completamente insuspeito para o caso, por isso que é redigido pelo homem, que, por escolha particular de Sua Magestade, está porventura a estas horas assignando com a Princeza Maria Amélia de Orleans, o contrato de escriptura antenupcial!
Quer v. exa., sr. presidente, saber as condições em que se encontra o povo portuguez, ditas, não por mira, que não tenho nesta casa auctoridade para fazer similhantes asserções, que passariam por mera rhetorica partidária, mas por quem póde fallar aos altos poderes do estado sem ser suspeito de republicanismo?
Eu leio á camara o que diz o Jornal do commercio; jornal, como se sabe, redigido pelo sr. Antonio de Serpa Pimentel, actualmente representante em Paris da casa real:
«São exactamente as classes pobres as que soffrem mais duramente os effeitos desta feroz tributação, porque a inflexibilidade do direito especifico aggrava ainda muito sensivelmente as percentagens votadas, quando os géneros são de qualidade inferior.
«Porque, exceptuadas as cidades e algumas villas, a alimentação do nosso povo reduz-se a caldo adubado com unto e azeite, e a pão. Na própria cidade do Porto os numerosos operários - alguns milhares - que ali trabalham nas industrias de construcção, durante toda a semana, para recolherem no sabbado às terras da sua naturalidade, donde regressam na segunda feira, não se alimentam por outra forma, e só assim é que poderiam sustentar a família ausente com as sobras das suas ferias.
«A insufficiencia da alimentação, procedente da carestia artificial dos géneros essenciaes á vida, devemos innegavelmente a fraqueza physica do nosso povo, a anemia que o caracterisa, e, como consequência inevitável, as condições de inferioridade da nossa industria.
«O nosso operário produz num dado tempo muito menos trabalho do que o inglez, o francez ou o belga.
«Talvez não exageremos computando-o apenas em metade.
«A prova do que avançamos encontramol-a eloquente na incapacidade dos artífices portuguezes para o trabalho de sopro nas fabricas de vidro. Os pulmões nacionaes não possuem nem a força nem a resistência que demanda aquelle violento trabalho, sendo obrigados os exploradores daquella industria a importarem operários estrangeiros. Este simples facto constituo uma verdadeira synthese do estado pathologico do nosso povo, cuja natureza enfraquece de dia para dia.
Aqui está como o sr. Antonio de Serpa, que tem n'este momento, para o actual debate, toda a auctoridade que a um homem publico póde ser exigida, aqui está, repito, como s. exa. se pronuncia sobre as condições em que se encontra o nosso povo.
Essas condições são o resultado das tristes circumstancias do thesouro, que, embora á custa da vida de muitos milhares de portuguezes, que assim se vae definhando lentamente pelo exagero dos impostos indirectos, não póde deixar de perceber taes impostos, que são necessarios, para não se tornar maior o desequilibrio das nossas tão combalidas finanças!
Bastava isto, e nada mais seria preciso, sr. presidente, quaesquer que fossem as rasões, quaesquer que fossem os fundamentos que o governo tivesse para justificar este projecto, para que a camara o rejeitasse in limine ou melhor, para que o retirasse da discussão, porque similhante projecto, no momento presente, sobre ser manifestamente illegal, é um verdadeiro repto lançado ao paiz que soffre; é um verdadeiro escarneo, quasi uma impiedade e um insulto para tantas lagrimas que por ahi correm obscuras, como supremo e único allivio de muita desgraça ignorada, para tantas lagrimas, que eram aliás invocadas pelos actuaes srs. ministros, quando se sentavam como deputados nos bancos da opposição.
E preciso que nós saibamos, como é que, em tão curto espaço de tempo, homens, que, favoneados por uma certa opinião publica, tinham compromettido, a favor da mais severa moralidade, a sua palavra política neste parlamento, vem no dia seguinte apresentar só á mesma assembléa, que tinha sido testemunha desses compromissos solemnes, renegando sem escrúpulo as suas mais categóricas declarações, ou adiando, não sei para que occasião, o cumprimento dellas.
É preciso, por honra de todos nós, que temos um logar na politica, que este ponto se esclareça, porque eu não creio, sr. presidente, que seja apenas por mero prazer de se contradizerem, ou para serem o alvo de ataques mais ou menos vehementes, mas com certeza sobejamente justificados, que os actuaes ministros progressistas se collocaram em tão triste situação!
Não me farei cargo de repetir aqui todos os boatos que andam ligados com esta rápida mudança de opinião dos actuaes conselheiros da coroa.
Alguns desses boatos são estranhos. Outros são em demasia graves, e corre-me o dever de perguntar a s. exas. o que ha n'elles de verdade.
Será certo, como insistentemente se affirma, que este projecto explica em grande parte a ultima crise ministerial?
Será certo que elle tem relação com o facto denunciado por uma folha bem informada dos negócios palacianos, sem protesto nem desmentido da parte dos órgãos semi-officiaes?
E verdade que Sua Magestade a Rainha, por motivos não estranhos a esta discussão, assistiu á primeira entrevista do chefe do estado com o actual sr. presidente do conselho, antes de se constituir o ministério?
A camara dos deputados da nação portugueza precisa de saber isto porque é necessario que, de uma vez para sempre, o paiz fique desenganado, se do parlamentarismo que nos dá o systema constitucional em vigor temos apenas as tristes ficções de que nos fallava o sr. ministro da justiça no anno passado, ficções que mais se assimilham às irrisórias insígnias de uma realeza da canna verde, isto é, de uma soberania de escarneo!
O governo ha de necessariamente fazer declarações que esclareçam este ponto, porque não se deixam apenas desmentidas com o silencio asserções desta ordem!
Mas passemos, que já é tempo, ao artigo 1.° do projecto em discussão, mesmo por que não desejo, para fundamentar os meus argumentos, estar a aggravar a situação pouco invejável em que se encontram os srs. ministros.
Estou aqui para ver se com a minha palavra posso poupar ao paiz a votação de um projecto de lei que reputo imprudente e nefasto; mas não tenho empenho em atacar
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acintosamente nenhum dos srs. ministros, por mais que elles o mereçam, pois me lembro que antes de se sentarem nas cadeiras do poder, estiveram durante dois annos ao meu lado, combatendo pelas boas doutrinas, e não raras vezes alcançando os meus mais sinceros applausos!
Mas por isso mesmo é em nome da recordação desses bons tempos de patriótica camaradagem parlamentar, que, embora não facciosamente, mas com toda a firmeza, eu lhes exijo que se justifiquem, se podem!
O artigo 1.° deste projecto fixa a dotação do Principe Real D. Carlos em 40:000$000 réis.
Não analysarei as rasões com que o sr. ministro da fazenda fundamentou, o mais laconicamente possivel, a elevação ao dobro da dotação do Príncipe Real.
Não insistirei tão pouco sobre as verdadeiras heresias constitucionaes que no respectivo relatório, apesar de tão breve, se encontram, porque não desejo desviar-me do assumpto especial da discussão.
O que quer dizer, por exemplo, que em todos os tempos e em todos os paizes se entendeu sempre que estes encargos extraordinários (despezas com o casamento) inherentes á soberania devem correr por conta da nação!
A que propósito vem aqui esta invocação da soberania?
A carta constitucional declara que a representação do paiz reside no Rei e nas cortes.
O que quer dizer a invocação da soberania para as despezas do casamento de um Príncipe Real?
Não insisto: a defeza de uma má causa faz com que os mais brilhantes talentos produzam destas obras! (Riso.)
O que significa tambem o invocarem-se os casamentos de D. Pedro V e de D. Luiz I, como rasões para fundamentar o pedido de 100:000$000 réis que se encontra no artigo 2.° do projecto em discussão?
Pois não sabe o sr. ministro da fazenda que D. Pedro V e D. Luiz I eram chefes do estado?
Porventura já é chefe do estado o senhor D. Carlos? A que vem pois este símile tão desastrado? A que vem pois a justificação dos 100:000$000 réis para este consorcio, como os 100:000$000 réis que se deram para os consórcios de dois Reis de Portugal?
Demais, se se deram 100:000$000 réis para cada um daquelles consórcios (e eu não trato agora de discutir se era indispensável tal quantia para que o chefe do estado podesse celebrar o seu casamento), evidentemente réis 100:000$000 são de mais para festejar o casamento de um simples Principe Real, que, emquanto viver o chefe do estado, é um mero particular!
Mas não, não continuarei a respigar mais inexactidões neste infeliz relatório, e passarei a examinar se esta camara, composta na sua quasi totalidade, de membros dos partidos monarchicos, póde admittir á discussão o presente projecto de lei.
Na sessão de 9 de fevereiro ultimo, votava-se um projecto de lei assignado por mini, e em que se propunha a reducção da dotação do Infante D. Augusto a 4:000$000 réis. Realisou-se a votação, e em seguida o actual sr. ministro das obras publicas, como explicação do seu voto, pronunciava as seguintes palavras:
«A respeito das differentes verbas da lista civil, sou de opinião que esta é inalterável em todas ellas. (Apoiados.) Admittir que se podem fazer reducções na lista civil é reconhecer o direito de se poderem fazer vella augmentos (Apoiados.) Por isso as verbas de lista civil, uma vez fixadas, não podiam ser modificadas. Não o podem ser para menos, precisamente para que o não possam ser para mais. (Apoiados.) Pôr as differentes verbas da lista civil dependentes de alterações parlamentares, para menos ou para mais, seria pôr a mais alta magistratura do estado na dependência dos ministérios, das cortes e dos partidos, com o que podia padecer o prestigio de imparcialidade e de isenção que ella deve ter, na distribuição da justiça constitucional. (Muitos apoiados.)
«Deixo assim explicado o meu voto e o dos n'ossos amigos.»
Esta declaração é irrespondivel, porque é categórica!
A única rasão que se podia apresentar para lhe attenuar os effeitos e o alcance, affirmando que ella se applicava apenas á dotação do chefe do estado e não aos alimentos dos infantes, não é admissível, não só porque o sr. ministro das obras publicas se refere bem claramente a todas as verbas da lista civil, mas porque s. exa. fez esta declaração quando se tratava da votação do projecto de lei, que se reteria á dotação do senhor Infante D. Augusto.
Quer dizer, portanto, que o sr. ministro das obras publicas, o governo todo, e o partido progressista inteiro (escuso de insistir nas declarações feitas nas sessões de 20 de abril de 1879 e 21 de janeiro de 1881) são de opinião que a camara não tem poderes para alterar nem para mais nem para menos nenhuma das verbas da lista civil; nem a dotação do chefe do estado, nem nenhuma das verbas de dotação ou alimentos do Principe Real ou dos Infantes. Isto é irrespondivel, repito. Não ha sophismas, nem argucias, que possam provar o contrario. Não ha subtileza capaz de encontrar outra interpretação á declaração de voto do sr. Emygdio Navarro !
E senão, estimarei bem que os srs. ministros possam oppor alguma explicação plausível a uma contradicção tão manifesta, tão palpável e tão frisante!
Não pôde, portanto, a camara admittir á discussão este projecto de lei, porque elle é, na opinião de quasi todos os srs. deputados, inconstitucional. Assim o têem declarado os partidos monarchicos desta casa do parlamento. Nào é, com certeza, decorridos apenas pouco mais de quarenta dias, que, homens revestidos de uma tão alta magistratura, como os srs. ministros, hão de vir retractar-se do que espontaneamente declararam á face da nação, como a expressão do seu sentir.
Faço-lhes a justiça de acreditar que não são capazes de o fazer; porque, por muito que se tenham afrouxado os laços de disciplina política na nossa terra: por muito que estejamos acostumados a uma tolerância, que por vezes descamba em relaxismo nos costumes públicos; por muito que tenhamos visto passar sem escrúpulo por cirna das mais flagrantes contradicções governos e ministérios, ainda assim esta negação formal de uma declaração tão recente será de tal modo contraria aos preceitos mais triviaes da coherencia política, que até prova em contrario insisto em acreditar que não ha ministro, e muito menos governo no meu paiz, que tenha força de arcar com similhante responsabilidade!
Note v. exa. que eu colloco-me exactamente no ponto de vista em que se collocavam os actuaes srs. ministros quando eram deputados da opposição.
Não ignoro que estou fallando a uma camara monarchica, que é adversa ao meu ideal político.
A mais vulgar táctica parlamentar manda por isso que eu não venha tratar esta questão num campo que não pode encontrar aqui dentro sympathias nem adhesões. O ponto de vista em que eu combato este projecto é o dos illustres deputados progressistas, quando eram opposição.
Assim serei mais insuspeito para o gabinete. A minha constante attitude como representante da nação, o meu procedimento como deputado opposicionista, a minha historia política, embora humilde e modesta, são no entretanto suficiente garantia para se acreditar, que outros seriam os meus argumentos numa camara, que estivesse disposta a fazer prevalecer, acima de quaesquer considerações monarchicas, a vontade do paiz.
Será por consequência com as suas próprias armas, que eu combaterei os actuaes defensores dos desmandos contra os quaes outrora queriam a todo o custo investir!
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Quem semeia ventos colhe tempestades, disse em tempo um escriptor illustre deste paiz. Pois bem; os srs. ministros semearam ventos, que julgaram poder transformar em zephiros a seu bei prazer; se as tempestades os assaltam hoje, é sua a culpa, porque não tiveram a previdência de as saber evitar!
Mas vejamos, ainda assim, que rasões se invocam para fundamentar o augmento de 20:000$000 réis na dotação do Príncipe Real:
«Senhores. - Pelo motivo faustissimo do próximo consorcio de Sua Alteza Real o Sereníssimo Senhor D. Carlos Fernando, Príncipe Real, torna-se manifestamente insufficiente a dotação fixada para Sua Alteza Real pela carta de lei de 29 de fevereiro de 1864, conforme se praticara pela lei de 29 de abril de 1845 a respeito do senhor D. Pedro de Alcântara, de saudosa memória, então Príncipe Real. O herdeiro da corôa portugueza, tendo de manter casa separada e estado próprio do seu nascimento e alta dignidade, não poderia occorrer aos despendios indispensáveis com a dotação de 20:000$000 réis estabelecida por aquella lei.
Pois isto é uma rasão? Ignoram porventura os srs. ministros, e principalmente o sr. ministro da fazenda, que o Principe Real, pelo facto de ser o herdeiro do throno, tem como apanágio a casa de Bragança, que contribue com um rendimento quantioso para que elle possa manter a dignidade da sua posição?
Ignora porventura s. exa. este facto? E demais não sabe s. exa., que a carta nada preceitua com relação aos meios de o Principe Real occorrer às despezas da sua dignidade?
Cousa notável! Não ha ninguém nesta camara que desadore mais a carta constitucional do que eu! E apesar disso sou eu que (visto estarmos em direito constituído e não em direito constituendo) todos os dias e em todas as occasiões estou chamando os srs. ministros á estricta observância da lei de que elles se dizem os paladinos, já se vê quando não têem interesse, como agora, em a calcar aos pés!
O artigo 80.° da carta diz:
«As curtes geraes, logo que o Rei succeder no reino, lhe assignarão, e á Rainha sua esposa, uma dotação correspondente ao decoro de sua alta dignidade.»
O artigo 81.° diz:
«As cortes assignarão tambem alimentos ao Príncipe Real e aos Infantes, desde que nascerem.»
Sr. presidente, a carta é que nos governa neste assumpto, e não as intenções ou as generosidades mais ou menos sentimentaes dos srs. ministros!
Ora a carta não distingue o Principe Real dos Infantes; assigna d um e aos outros apenas alimentos e esses alimentos, como se sabe, não são a titulo de manter o alto decoro de quem quer que seja.
O alto decoro correspondente á posição é só a respeito do Rei e da Rainha.
Ao Principe e aos Infantes, sem distincção, a carta assigna alimentos e nada mais.
Até na hypothese sujeita não se recordaram os illustres ministros de que o Principe vae ter por noiva uma das herdeiras mais ricas da Europa, e que não é licito, quando o paiz está na miséria, quando se debatem nos horrores da fome alguns milhares de cidadãos portugueses, vir assim desafiar a paciência publica.
Passemos ao artigo 2.°
«Artigo 2.° Será entregue a Sua Magestade El-Rei o Senhor D. Luiz I a quantia de 100:0003000 réis para as despezas extraordinárias do faustissimo consorcio de Sua Alteza Real.
Em primeiro logar occorre-me perguntar aos srs. ministros, se nestes 100:000^000 réis vão incluídas todas as despezas a fazer com as festas que se projectam, como paradas, revistas de esquadras, transferências de contingentes dos corpos da província para engrossar a guarnição da capital, arranjos e decorações nos palácios reaes, etc.; porque é preciso saber-se ao certo quanto é que vamos dar a Sua Magestade.
Dar e não saber ao menos a quanto attinge a cifra do presente é duplamente doloroso!
Entram tambem nos 100:000$000 réis os gastos com as obras do palácio de Belém?
E por esta occasião direi á camara que lamento profundamente que nem um dos esclarecimentos que ha oito dias pedi, pelo ministerio das obras publicas, me tenha sido enviado.
Como desejo ser justo, lembrarei, que o anno passado por occasião de uma discussão análoga, o sr. conselheiro Hintze Ribeiro mandou, senão todos, em todo o caso alguns dos documentos que eu então requesitei.
Agora nem um me foi enviado! Quem diria ha dois mezes, que isto se havia de passar sob a administração de um governo progressista?!
E no entretanto esses documentos eram-me indispensáveis para eu responder á pergunta que acabo de formular! A que orçamento obedecem essas obras que se estão realisando principescamente no palácio de Belém? por que verba são pagas as que se estão realisando no paço da Ajuda e no palácio das Necessidades? Quanto custa ou vae custar a renovação da mobília, e tapeçarias, dos aposentos reaes? Em quanto vão importar todas essas riquezas que hão de adornar os paços dos dois Reis, porque agora já temos dois? É preciso saber-se; ao menos para que o paiz não ignore como nos régios alcaçares se transforma em opulencias o que lhe arrancam á miséria e á fome dos seus filhos!
Mas o governo julgou que perante um pedido justo e equitativo, como este, se manifestava logo tão expontânea a unanimidade de toda a camara, que até se dispensou de qualquer esclarecimento elucidativo e mesmo de cuidados de mera redacção. Verdade é que dos seus próprios amigos teve logo o correctivo competente, porque, seja dito em abono da commissão de fazenda, foi muito bem cabida a reprimenda que entendeu dever dar ao sr. Mariano de Carvalho, pelo seu esquecimento. Assim, por exemplo, no artigo 1.° da proposta do governo não se preceituava se o augmento de 20:000$000 réis começava a vigorar logo que se votasse este projecto, ou simplesmente depois de realisado o consorcio.
E esta lacuna era importante, porque, como v. exa. sabe, ha um provérbio portuguez que affirma que até ao dar da mão ha o arrependimento. Quem sabe se Sua Alteza Real, depois de votado este projecto, não desistiria da realisação dos seus sonhos de amor e de ventura, deixando no entretanto ao paiz o encargo do augmento da sua dotação?!
A commissão de fazenda avisou deste lapso o governo, que, vendo-se assim admoestado, acceitou a emenda da commissão, e exarou no artigo correspondente a clausula que lhe faltava.
Mas estes esquecimentos e estes lapsos mais de uma vez se repetiram, e ainda ha pouco a camara teve occasião de ver o sr. relator do projecto mandar para a mesa um additamento para ficar revogada toda a legislação em contrario. Até este artigo, que figura, constantemente em todos os projectos de lei, por uma distracção que eu não comprehendo, deixou de ser inserido no projecto que se discuto. Vejam que aturdimento se tinha apossado de todos os srs. deputados e de todos os srs. ministros que lidaram neste assumpto, a ponto de esquecerem a formula mais sacramental de todos os documentos parlamentares sem excepção! (Riso.) Mas singular destino o deste papel! apesar de todas as rectificações e acclarações ainda esqueceu uma, a respeito da qual eu peço aos srs. ministros que me elucidem.
Do o artigo 1.° do projecto:
«A notação de Sua Alteza Real, o Serenissimo Senhor
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D. Carlos Fernando, Principe Real, é fixada, a datar do seu casamento, na quantia de 40:000$000 réis, paga pelo thesouro publico.»
Vou formular uma hypothese, sr. presidente, meramente uma hypothese e nada mais; mas que póde vir a ser uma realidade, que os representantes do paiz devem prevenir.
Se a Princeza que vae ser esposa do herdeiro da corôa tiver a triste sorte que teve a primeira esposa de Affonso XII de Hespanha, D. Mercedes, tambem uma Princeza da casa de Orleans, se fallecer antes de haver successão e que o Principe Real volte ao estado em que hoje se encontra de mero herdeiro presumptivo do throno, sem uma casa e uma corte especial, pergunto: continua a recebei este acrescimo da sua dotação? A rasão ou o pretexto para se lhe augmentarem 20:000$000 réis são as despezas a que vae ser obrigado o Principe Real, pelos compromisso e encargos que lhe traz a sustentação de uma corte. No momento, porém, em que desapparece a causa deve cessar o effeito. Parece logico.
Mas n'este artigo não se preceitua nada a tal respeito, e por isso eu pergunto se o Principe D. Carlos fica com a dotação de 40:000$000 réis, mesmo no caso de enviuvar?
Com relação ao artigo 2.°, já disse que não colhiam as rasões de paridade que o sr. ministro da fazenda invocava para justificar a dadiva de 100:000$000 réis a Sua Magestade, por isso que os Senhores D. Pedro V e D. Luiz I eram chefes do estado, e não apenas herdeiros presumptivos.
Mas ainda que o fossem, onde é que a carta preceitua similhante dadiva? Estes 100:000$000 réis são um verdadeiro dote que se vae dar a um Principe que casa no paiz contra a disposição dos artigos 82.° e 83.° da carta, que só estabelecem dotes para as Princezas ou uma dadiva análoga para os Infantes, que vão casar fora do reino. E é una verdadeiro dote e não póde ser outra cousa, pela forma como está redigido o projecto de lei.
De duas, uma, com effeito. Ou os 100:000$000 réis são para pagar todas as despezas que, pelos diversos ministérios se fizerem, com as festas do casamento, e neste caso não é a Sua Magestade que se hão de entregar, mas têem que ser postos á disposição dos ministros respectivos em forma de auctorisação de créditos; ou é uma somma aparte destas despezas e neste caso constituo um presente de noivado ou um dote.
D'este dilemma é impossível fugir!
Mas o paiz está muito pobre para poder dar tão fortes dotes!
Demasiado cara nos custa a casa real, para ainda lhe irmos dar novos presentes!
Mas como é que homens, que se insurgiam nobremente ha dois mezes contra todas as despezas improductivas, vem hoje propor á approvação do parlamento este monstruoso projecto, que equivale a distrahir, sem utilidade alguma do thesouro ou do paiz, perto de 500:000$000 réis alem do mais que gastará nos festejos que se preparam?! O que obrigou o partido progressista a renegar o único artigo que parece se tinha salvo do naufrágio do seu programma?
Não virei folhear neste momento paginas já esquecidas, em que tão vivamente alguns dos actuaes ministros pintavam as difficuldades que assaltam todos os governos, logo que tentam realisar as suas idéas de reformas.
Não farei similhante invocação. Simplesmente perguntarei ao governo, e nomeadamente a alguns dos ministros que melhor me comprehendam, como é que homens intelligentes, porque o são; como é que homens conhecedores dos passados erros do seu partido, porque os confessam elles próprios; como é que homens que devem ter, até por instincto da própria conservação, vontade de acertar, como é que homens em taes condições se esquecem num dia de tudo quanto não ha muito affimaram, para, com tristes actos de uma incoherencia inexplicável, virem contradizer as suas melhores e mais sympathicas declarações de outros tempos?!
Que mysterio se esconde por detraz da apostasia politica de todos os nossos homens publicos? Que influencia damninha é esta que se intromette no mechanismo do nosso systema parlamentar e constitucional e que numa hora, num momento, inutilisa todos os que têem a desgraça de se sentarem n'aquellas fatídicas cadeiras?
Felizmente alguém me vae responder!
Esse alguém é o sr. ministro da fazenda, na epocha gloriosa em que o seu nome se repetia como o nome mais querido d'este paiz, em que as suas palavras tinham um templo em cada coração portuguez, em que as scintillações da sua immaculada penna de jornalista representavam o lábaro a que nos acolhíamos todos os liberaes, todos os democratas, quando pretendíamos protestar contra as violações de direitos e queríamos reivindicar a plena soberania da nação!
Estamos em 30 de agosto de 1881, e o sr. Marianno de Carvalho falla em nome do partido progressista. Diz o seguinte no Diario popular:
«Sabemos perfeitamente que, declarando não acceitar o poder sem começar LOGO pelas reformas políticas RADICAES, prolongámos a lucta e retardamos o nosso advento ao poder. Mas importa pouco, não temos pressa, nem sentimos impaciencias. A RESOLUÇÃO DO PARTIDO PROGRESSISTA É INABALAVEL. Ou não governaremos nunca mais com a monarchia constitucional, ou se governarmos ha de ser para destruir até às ultimas raizes do governo pessoal, para castigar os comilões e para expor ao paiz todas as suas vilanias e todas as suas podridões. Na primeira hypothese poderá salvar-se a monarchia constitucional com a dynastia reinante. Para a segunda deram resposta eloquente as eleições de Lisboa.»
As de 1885 ainda deram uma resposta mais eloquente. Aqui está, sr. presidente, a explicação que eu pedia, dada por quem tem toda a auctoridade para isso! Esta é a verdade! Esta é a franqueza com que um homem estimado pelo paiz inteiro, fallava aos seus concidadãos!
É o poder pessoal que tudo inquina no nosso mechanismo político! quer dizer, é a negação de todas as praxes, de todas as formulas, de todos os preceitos e de todos os deveres constitucionaes!
É esta atmosphera, lethal como a sombra de mancenilheira, que esterilisa os melhores esforços, que envenena as melhores intenções, que faz cair um a um, como as victimas de enorme hecatombe, todos os ministros sobre o seu próprio descrédito!!
Quem ha ahi dentro dos partidos monarchicos, que tenha força para resistir-lhe?!
O poder pessoal é essa força occulta, é essa influencia nefasta e dissolvente, que todos nós, monarchicos ou republicanos, os que nos sentámos nos differentes lados da camara e prezamos acima de tudo os sagrados interesses da devíamos expulsar da nossa constituição, para que de uma vez se deixassem os braços livres e soltos àqueles que têem o talento sufficiente para poderem, se quizerem, ou lh'o consentirem, apresentar melhores provas d'elle do que este triste e nefasto documento!
A hora está muito adiantada, e como não desejo ficar com a palavra reservada para amanhã, sendo muito provável, alem disso, que tenha de intervir novamente neste debate, peço aos meus collegas que me permitiam resumir as considerações que me faltam expor á camara, o que de certo não levará, mais de dez minutos.
O sr. Presidente: - Como a sessão abriu mais tarde, póde encerrar-se às seis horas e meia.
O Orador: - Não será necessario tanto. O governo vae lar 100:000$000 réis a Sua Magestade, não se sabe bem para que. O sr. ministro da fazenda o dirá. Mas lembre-se s. exa. que, quando se tratava de uma festa bem mais
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nacional do que este casamento, porque era a celebração do tri-centenario do nosso primeiro épico, daquelle génio immortal que durante as trevas da usurpação castelhana tinha guardado como num sacrário a alma mesma da nacionalidade portugueza, o governo progressista dava para essa solemnisação 4:000$000 réis, porque o estado do thesouro não lhe permittia mais larga generosidade! Chega a ser uma vergonha nacional, a mesquinhez das despezas com as festas de Camões, comparada com a generosidade da offerta que se vae fazer a Sua Magestade, sem contar com o que se gastará pelas differentes repartições do estado.
(Interrupção.)
Bem sei que ha de ser difficil infelizmente de averiguar, mas tem de chegar um dia em que todas estas cousas se hão de saber, e então...
Diz o sr. ministro da fazenda que em todas os paizes do mundo estas despezas são inherentes á soberania, e que em todos elles se fazem por conta do estado. Isto não é assim! S. exa. ha de recordar-se do que aconteceu ha pouco com respeito ao casamento da Princeza Beatriz, filha da Rainha de Inglaterra e Imperatriz das índias, quer dizer filha do monarcha mais poderoso do mundo civilisado, que realisou em pleno século XIX o que não pude conseguir a própria Roma dos Césares, porque logrou estender o seu domínio pelas quatro partes do mundo!
Sabe o que se passou, por occasião deste casamento, o sr. ministro da fazenda?
Foi que a opinião publica revoltou-se contra a idéa de se fazerem á custa do thesouro publico os gastos do real consorcio; e a Rainha de Inglaterra, curvando se á vontade da nação, promptificou-se ella própria a fazei-os e foi quem pagou todas as despezas do casamento da Princeza.
E não são só estes os exemplos da imposição da opinião publica que eu poderia citar.
Ainda ha pouco tomei conhecimento de um decreto, que tenho aqui presente, publicado pelo presidente da republica do Mexico, s. exa. o general Profirio Diaz, decreto que eu peço aos srs. ministros que meditem, porque é um commentario bem eloquente ao que se pretende agora fazer entre nós.
Não estou agora fazendo propaganda das minhas idéas políticas; mas, se assim fosse, eu diria que bastava este documento para bem demonstrar a superioridade do systema por que se rege aquella nação sobre o systema monarchico, que entre nós só sabe fazer-nos pedidos, como o que estamos discutindo.
O México é um paiz rico, é um paiz cheio de recursos, é um paiz que tem uma divida publica muito inferior á divida publica portugueza, é um paiz que deve ser considerado como talvez o primeiro da raça latina na America.
Pois bem unicamente porque as finanças do Mexico não estavam bem regularisadas, o presidente Profirio Diaz, que recebia a magra quantia de 48:000 piastras, que perfazem pouco mais ou menos 50:000$000 réis (e digo magra quantia, porque a comparo com a nossa farta lista civil), publicou um decreto em que, entre outras medidas, reduzia de 50 por cento a sua parca remuneração.
Um paiz como este, do qual uma só provincia tem maior área do que o nosso pequeno Portugal, e em que o funccionario que presidia aos seus destinos recebia apenas 150:000$000 réis, reduzia a 25:000$000 réis a retribuição d'esse funccionario!
Aqui estão os exemplos que eu posso apontar ao partido progressista para norma do seu procedimento, visto que em tempo tanto fallou em economias!
Mas, uma pergunta ainda, porque as perguntas me acoitam a cada momento aos lábios na discussão deste projecto.
O nosso orçamento está em déficit, e em déficit de uns poucos de milhares de contos de réis.
Vão dar-se 100:000$000 a Sua Magestade.
Donde saem estes 100:000$000 réis?
Do orçamento não, porque está em deficit. Evidentemente de uma quantia que vamos pedir ao credito por divida fluctuante a 7 por cento, 8 por cento ou 9 por cento.
Vamos pedir ao credito 100:000$000 réis, a um alto juro, para os dar de mão beijada ao Rei a fim de que possam brilhar nas festas da corte aquellas celebres pérolas a que tão eloquentemente se referia numa sessão bem memorável desta camara o actual sr. ministro dos negocios estrangeiros!
Vão dar-se 100:000$000, réis e vae augmentar-se em 20:000$000 réis a dotação do Príncipe herdeiro.
Pois bem, a casa real, que deve ao paiz uma importante somma, segundo se deprehende da liquidação que está ainda pendente com a fazenda, a casa real, que não tem cumprido, conforme referi numa das sessões anteriores, a disposição da carta de lei de julho de 1855, que manda ter inventariados todos os bens nacionaes com usufructo da corôa; a casa real, a quem nós damos dotação para os Príncipes e para as Princezas, a quem nós festejamos os noivados e pagamos os funeraes, vem ainda hoje pedir mais dinheiro !
Vem pedir nesta hora angustiosa mais; um sacrifício ao paiz, sacrifício que dentro em pouco se ha de traduzir pelo aggravamento das condições de vida das classes mais desvalidas.
Se não é com o fim de parodiar, como galanteria, o procedimento dos Orleans, pedindo á França 40.000:000 de uma indemnisação mais que problemática nos dias mais fúnebres desta nobre nação, é incontestavelmente a prova de quão profundamente ella anda divorciada dos interesses do paiz, de que em certos momentos lhe convém dizer que ainda é a representante!
Concluindo, pois, direi que a camara não póde admittir á discussão este projecto, porque os membros do governo o declararam anti-constitucional, e todos os partidos monarchicos estão amarrados a essa declaração! Alem disso o parlamento não ha de querer nesta hora solemne por voto tão anti-patriotico, lançar um verdadeiro repto á miséria do paiz! Que auctorisado terão os srs. ministros amanhã quando apresentarem as suas propostas de fazenda, para pedirem á nação novos sacrificios?
A camara não pôde, portanto, admittir á discussão este projecto e o governo devia acceder á minha indicação para que elle fosse retirado do debate: arrependa-se porque até ao ultimo momento o póde fazer sem desdouro. Acima de tudo estão os interesses do paiz.
Se o não fizer, porém, continue seguindo o malfadado caminho que trilhou, pois já agora creio que é fatal a senda em que está compromettido, e não serei eu que me empenhe em afastal-o della.
Desprezou em tempo opportuno conselhos insuspeitos de amigos e avisos leaes de adversários; não quiz salvar-se; a responsabilidade é toda sua. Mas lembre-se, e serão estas as minhas ultimas palavras, que por mais que faça para que lhe esqueçam o passado, ha de alcançar apenas um predomínio muito ephemero lá nas altas regiões, onde procura o valimento, porque a historia sempre tem escripto com caracteres indeléveis em mais de uma pagina sombria dos erros ou da ingenuidade dos partidos, que «os Reis não perdoam nunca!»
Tenho dito.
(O orador foi cumprimentado por diversos srs. deputados.)
O sr. Carrilho: - Mando para a mesa dois pareceres da commissão de fazenda; um abrindo um credito supplementar e outro prorogando por mais dois annos o praso para a feitura das matrizes.
Leu-se e approvou-se a ultima redacção dos projectos n.os 21, 26 e 188 de 1885.
O sr. Presidente: - A ordem do dia para amanhã é
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SESSÃO DE 22 DE MARÇO DE 1886 691
a continuação da que estava dada e mais o projecto n.° 50 de 1885.
Está levantada a sessão.
Eram seis horas da tarde.
Discurso proferido pelo sr. Ministro da Fazenda, na sessão de 20 de março de 1886, e que devia ler-se a pag. 666, col. 1.ª, lin. 5.º
O sr. Ministro da Fazenda (Mariano de Carvalho): - Parece que eu advinhava o desejo do illustre deputado, relativamente a um dos negócios sobre que me pedia informações, porque tambem hoje pedi esclarecimentos sobre o assumpto, do qual não tinha tomado conhecimento, depois que entrei na gerencia da pasta da fazenda.
Pedi hoje todos os esclarecimentos necessarios. Sobre os trabalhos da commissão encarregada de liquidar as contas da casa real, principalmente com a alfandega a respeito de despachos; procurei munir-me de todos os elementos a fim de estar habilitado para uma discussão que vem breve.
Devo, porém, dizer que estes negocios não são tão simples, como parecem á primeira vista. Tenho idéa, sem poder agora dar informações mais detalhadas, de que por occasião de se querer liquidar estas contas, se oppoz duvidas por parte da administração da fazenda da casa real, em consequencia de dividas avultadas do thesouro á mesma casa.
Todos estes negocios prendem uns aos outros, porque ha liquidação de contas entre o thesouro e a administração da fazenda da casa real.
Quanto ao segundo negocio, a respeito do inventario dos bens da nação em posse da casa real, devo dizer que ainda não pedi informações, mas vou pedil-as e brevemente poderei dar conta do resultado d'essas informações.
O illustre deputado estranha que ainda hoje não se cumprisse uma lei de 1855. Não se admire porque ha um documento official mais antigo, de 1833, a respeito da liquidação de dividas do thesouro á casa de Bragança. Devia ser nomeada uma commissão para liquidar essas contas; estamos em 1866, e as contas nem se liquidaram, nem a casa de Bragança recebeu o que lhe era devido.
Este negocio tem cincoenta annos de data o ainda não está resolvido; portanto, não nos admiremos de não estarem ainda liquidados os créditos que o thesouro possa ter sobre a casa real.
Repito ao illustre deputado que o governo ha de fazer cumprir as leis todas; a respeito do primeiro negocio pedi hoje informações officiaes e na segunda feira poderei dar conta d'ellas á camara; a respeito do segundo negocio o governo ha de fazer cumprir a lei, e tomarei as informações necessárias para responder mais cabalmente ao illustre deputado.
Discurso proferido pelo sr. Ministro da Fazenda, na sessão de 20 de março de 1886, e que devia ler-se a pag. 666, col. 1.ª, lin. 59.
O sr. Ministro da Fazenda (Mariano de Carvalho): - Agradeço ao illustre deputado as duas lições que me quiz dar, uma sobre o modo como devo resolver os negocios publicos, e outra sobre a melhor administração da casa de Bragança, o que não tem nada que ver com a casa real. Agradeço as duas lições que me quiz dar, porque tenho sempre muito que aprender com s. exa., mas parece-me, sem antecipar uma discussão que ha de vir dentro em pouco, que a questão dos festejos por occasião do casamento do Principe Real, nada tem com as questões da casa real; do mesmo modo que os republicanos francezes deram ao presidente Mac-Mahon 180:000$000 réis para os festejos por occasião da exposição universal, é necessario nas monarchias occorrer a despezas de representação.
Em todos os paizes, desde que ha um chefe do estado, qualquer que seja a designação ou a condição em que a constituição o estabeleça, ha solemnidades nacionaes que são custeadas pela nação. (Apoiados.) Festejar essas solemnidades nacionaes é perfeitamente legitimo e indispensável para o proprio decoro da nação, e não tem nada com uma liquidação de coutas entre o thesouro e a administração da casa reinante.
Isto pelo que respeita á primeira lição que o illustre deputado me quiz dar.
Quanto á segunda lição, direi que sei perfeitamente que os negocios da casa de Bragança são hoje estranhos na posse, no modo de administração e no modo de ser aos da casa real; mas, quando s. exa. me lembrava que não se tinha cumprido uma lei de 1855 a respeito de um determinado inventario, eu estava no direito de lhe recordar que não se tinha ainda cumprido uma lei de 1833 a respeito de liquidação de dividas do thesouro á casa de Bragança. Allegar que uma lei mais antiga não se tinha cumprido não era contundir duas cousas ou duas entidades diversas.
Na discussão que vae ter logar muito brevemente o illustre deputado terá occasião de me esclarecer com o seu conselho e eu de o informar com os elementos officiaes de que podér dispor.
Discurso proferido pelo sr. Ministro da Fazenda, na sessão do dia 20 de março, e que devia ler-se a pag. 667, col. 1.ª
O sr. Ministro da Fazenda (Mariano de Carvalho): - Fallou o illustre deputado num decreto publicado no Diario do governo de hoje sobre a readmissão dos guardas fiscaes que não se alistaram em tempo competente.
Em primeiro logar devo dizer a s. exa. que não é um decreto, mas uma portaria. Em segundo logar, quando o illustre deputado quizer interrogar o governo a respeito de questões de direito, annuncie uma interpellação e annunciada ella o ministro dar-se-ha por habilitado para responder. Pela parte que me toca, dar-me-hei por habilitado para responder immediatamente e cabalmente; mas antes da ordem do dia e n'este momento não o julgo opportuno.
Por agora devo significar apenas que o que vem publicado no Diario de hoje não é um decreto, mas uma portaria, que é conforme com a legislação vigente, equitativa, convenientissima para o serviço e que defende os interesses da fazenda nacional. É isto o que sustento por emquanto.
Discurso proferido pelo sr. Ministro da Fazenda, na sessão do dia 20 de março, e que devia ler-se a pag. 667, col. 1.ª
O sr. Ministro da Fazenda (Mariano de Carvalho): - Sr. presidente, com relação aos factos a que só referiu o illustre deputado como Decorridos em Fafe devo dizer que não tenho conhecimento d'elles, mas prevenirei a esse respeito o sr. ministro do reino, e s. exa. providenciará como for conveniente.
Não quero referir me ás minhas informações particulares; se me referisse a essas informações, o que posso afiançar é que ellas eram contrarias ás informações que tem o illustre deputado. Limito-me a declarar ao illustre deputado que transmittirei ao sr. ministro do reino as considerações do sr. Oliveira Peixoto, e estou certissimo de que s. exa. fará manter a ordem e a liberdade de todos.
É certo que n'uma cidade muito importante foram atiradas bombas de dynamite para casa do governador civil, por occasião da queda do governo progressista.
O mesmo ou peior fizeram os regeneradores em outros pontos do reino.
Agora, não sei se &e deram os factos a que se referiu o illustre deputado; mas, se se deram, tão reprehensiveis são
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692 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
elles como os que se deram em tempo no Porto e n'outras terras.
Affirmo, porém, a v. exa. e á camara que o governo ha de empenhar todos os seus esforços para que seja mantido o programma de tolerancia que apresentou.
Não sei se haverá ou não haverá uma eleição de deputados; mas, se a houver, estou certissimo de que o illustre deputado, pela importancia e influencia que tem n'aquelle concelho, ha de vir aqui represental-o.
Conto, portanto, com a ventura de o ver na camara a confessar que correu liberrimamente para todos essa eleição eventual.
Discurso proferido pelo sr. Ministro da Fazenda, na sessão de 20 de março e que devia ler-se a pag. 671, col. 1.ª
O sr. Ministro da Fazenda (Mariano de Carvalho): - Parece-me que o assumpto para o qual o illustre deputado chamou a attenção do governo, é muitissimo importante; mas tambem me parece que não será esta a occasião opportuna para resolver um caso complicadissimo, que se subdivide em muitas e complicadas hypotheses, cada uma das quaes precisaria de uma solução n'este projecto para que os principios n'elle adoptados obedecessem aos preceitos da justiça.
É intenção do governo tornar lei do paiz um conjuncto de proposições que constituam como que uma lei geral de funccionalismo publico, e será então, me parece, occasião opportuna para estabelecer seriamente o que sejam vencimentos fixos e o que sejam gratificações que se podem dividir em variadas espécies; porque ha gratificações meramente accidentaes, que dependem de commissões eventuaes que duram muito pouco tempo, e que evidentemente a lei não quiz tributar com emolumentos, sólios e direitos de mercê, emquanto que ha gratificações que te em um caracter permanente.
D'estas umas são a remuneração unica de serviços, e outras correspondem apenas a uma despeza de representação.
Todas estas hypotheses precisam de ser claras e distinctas umas das outras.
Emquanto ao caso do seminario de Coimbra, não é esta occasião opportuna para ser discutido e o illustre deputado, com a sua esclarecida intelligencia e muitos conhecimentos que tem dos negocios publicos, tambem se absteve, n'este momento, de discutir o assumpto.
O que posso affirmar a s. exa. é que, para as ultimas nomeações de professores para o seminario de Coimbra, houve confirmação do governo.
São estas as considerações que tinha a fazer em resposta a s. exa.
Aproveito a occasião para mandar para a mesa uma proposta de lei prorogando por mais dois annos o praso marcado na lei para revisão das matrizes prediaes.
Redactor = Rodrigues Cordeiro.