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N.°49.

SESSÃO DE 7 DE ABRIL DE 1902

Presidencia do Exmo. Sr. Matheus Teixeira de Azevedo

Secretarios - os Exmos. Srs.

Amandio Eduardo da Motta Veiga
José Joaquim Mendes Leal

SUMMARIO

Approvada a acta, tem segunda leitura e é admittida uma proposta para renovação de iniciativa do projecto que isenta de pagamento de contribuição predial a Sociedade Martins Sarmento. - O Sr. Moreira Junior chama a attenção do Sr. Ministro da Fazenda sobre a reclamação de classes lesadas pela tracção electrica. Responde-lhe o Sr. Ministro da Fazenda (Mattozo Santos). - Não é reconhecida a urgencia do assumpto sobre que pertende falar o Sr. Fuschini. - O Sr. Conde de Penha Garcia fala sobre a Embaixada Portuguesa á China, e faz considerações sobre politica no Oriente. - O Sr. Fuschini envia para a mesa uma nota de interpellação e um aviso previo. - O Sr. Costa Pinto manda um parecer das commissões de guerra e legislação criminal. - O Sr Conde de Penha Garcia apresenta uma proposta de renovação de iniciativa sobro o projecto de lei n.º 131-A, de 1899, e um aviso previo. - O Sr. Pereira Jardim manda para a mesa um projecto de annexação ao concelho de Figueiró da freguesia de Maçãs. - O Sr. Joaquim de Sant'Anna apresenta um projecto de lei sobre os officiaes de administração naval e um requerimento o Sr. Antonio Cabral.

Na ordem do dia, o Sr. Pereira de Lima requer consulta da Camara sobre dispensa do regimento para discussão immediata do parecer que apresenta, sobre a proposta de lei n.º 48-B. Assim se resolveu. - Refere-se o Sr. Oliveira Mattos a uma representação do Centro Colonial de Lisboa, fazendo varias considerações. Responde-lhe o Sr. Ministro da Marinha (Teixeira de Sousa). - Por parte da minoria faz uma declaração o Sr. Beirão. - Approvado o parecer entra em discussão o projecto da lei n.° 35. Falou largamente sobre elle o Sr. Eduardo Villaça, respondendo-lhe o Sr. Ministro da Marinha (Teixeira de Sousa).

Abertura da sessão - Ás 11 horas e 1 quarto da manhã.

Presentes - 54 Srs. Deputados.

São os seguintes: - Agostinho Lucio e Silva, Alberto Allen Pereira de Sequeira Bramão, Alberto Antonio de Moraes Carvalho Sobrinho, Alberto Botelho, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alexandre José Sarsfield, Alfredo Cesar Brandão, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Anselmo Augusto Vieira, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Augusto de Sousa e Silva, Antonio Belard da Fonseca, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio Sergio da Silva e Castro, Antonio de Sousa Pinto de Magalhães, Augusto Fuschini, Avelino Augusto da Silva Monteiro, Belchior José Machado, Carlos Malheiro Dias, Conde de Castro e Solla, Conde de Penha Garcia, Domingos Eusebio da Fonseca, Ernesto Nunes da Costa Ornellas, Fernando Mattozo Santos, Filippe Leite de Barros e Moura, Francisco José Machado, Francisco Roberto de Araujo de Magalhães Barros, Henrique Matheus dos Santos, Hypacio Frederico de Brion Jayme Arthur da Costa Pinto, João Alfredo de Faria, João Ferreira Craveiro Lopes de Oliveira, João Joaquim André de Freitas, João Marcellino Arroyo, Joaquim Antonio de Sant´Anna, José Antonio Ferro de Madureira Beça, José Coelho da Motta Prego, José Jeronymo Rodrigues Monteiro, José Joaquim Mendes Leal, José Maria de Oliveira Simões, José Nicolau Raposo Botelho, Julio Augusto Petra Vianna, Julio Ernesto de Lima Duque, Luciano Antonio Pereira da Silva, Luiz Gonzaga Los Reis Torgal, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Joaquim Fratel, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Marques de Reriz, Matheus Teixeira de Azevedo e Rodolpho Augusto de Sequeira.

Entraram durante a sessão os Srs.: - Albino Maria de Carvalho Moreira, Alfredo Augusto José de Albuquerque, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Alvaro de Sousa Rego, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio de Almeida Dias, Antonio Centeno, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio José Boavida, Antonio Maria de Carvalho Almeida Serra, Antonio Rodrigues Nogueira, Augusto Cesar da Rocha Louza, Augusto Neves dos Santos Carneiro, Caros Alberto Soares Cardoso, Carlos Augusto Ferreira, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Conde de Paçô - Vieira, Custodio Miguel de Borja, Eduardo de Abranches Ferreira da Cunha, Eduardo Burnay, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco José de Medeiros, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco Henrique Carlos de Carvalho Kendall, João Augusto Pereira, João Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim Pereira Jardim, José Caetano de Sousa e Lacerda, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria de Oliveira Mattos, José Maria Pereira de Lima, José Matinas Nunes, José de Mattos Sobral Cid, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luiz Fisher Berquó Pôças Falcão, Luiz José Dias, Luiz de Mello Correia Pereira Medella, Ovidio de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral e Rodrigo Affonso Pequito.

Não compareceram á sessão os Srs.: - Abel Pereira de Andrade, Affonso Xavier Lopes Vieira, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alipio Albano Camello, Amadeu Augusto Pinto da Silva, Antonio Affonso Maria Vellado, Alves Pereira da Fonseca, Antonio Barbosa Mendonça, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Joaquim Ferreira Margarido, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Roque da Silveira, Antonio Tavares Festas, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Arthur Eduardo de Almeida Brandão, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto José da Cunha, Carlos de Almeida Pessanha, Christovam Ayres de Magalhães Sepulveda, Francisco José Patricio, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Frederico Ressano Garcia, Frederico dos Santos Martins, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Guilherme Augusto Santa Rito, Henrique Vaz de Andrade Basto Ferreira, Ignacio José Franco, João Carlos de Mello Pereira e Vasconcellos, João Monteiro Vieira de Castro, João de Sousa Tavares, Joaquim da Cunha Telles e Vasconcellos, Joaquim Faustino de Pôças Leitão, José Adolpho de Mello e Sousa, José Caetano Rebello, José da Cunha Lima, José Dias Ferreira, José da Gama Lobo Lamare, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Joaquim Dias Gallas, Julio Maria de Andrade e Sousa,

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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Libanio Antonio Fialho Gomes, Luiz Filippe de Castro (D.), Manuel Affonso de Espregueira, Manuel Homem e Mello da Camara, Manuel de Sousa Avides, Marianno Cyrillo de Carvalho, Marianno José da Silva Prezado, Matheus Augusto Ribeiro Sampaio, Paulo de Barros Pinto Osório, Visconde de Mangualde, Visconde de Regnengo (Jorge) e Visconde da Torre.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Segunda leitura

Proposta para renovação de Iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.º 16-E, apresentado na sessão de março de 1900, isentando do pagamento do contribuição predial e de contribuição de registo pela transmissão do legado do Dr. Francisco Martins Moraes Sarmento á benemérita "Sociedade Martins Sarmentos, da cidade de Guimarães.

Sala das sessões, 5 de abril de 1902. = José da Motta Prego.

Foi admittida e enviada á commissão de fazenda.

Refere-se esta renovação de iniciativa ao seguinte

Projecto de lei

Artigo 1.° A Sociedade Martins Sarmento, promotora da instrucção popular, com sede na cidade de Guimarães, é isenta do pagamento da contribuição predial, relativa aos prédios que possue e aos que lhe foram legados pelo bacharel Francisco Martins de Gouveia Moraes Sarmento, para fins scientificos ou de instrucção.

$ 1.º É igualmente dispensada de pagamento de contribuição de registo pela importância do legado do referido bacharel Martins Sarmento.

§ 2.° Se acaso já estiver liquidada e paga a importância d'esta contribuição, ser-lhe-ha restituída.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Lisboa, 16 de março de 1900. = O Deputado, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco.

O Sr. Moreira Junior?: - Pediu a palavra para chamar a attenção do Sr. Ministro da Fazenda para uma representação que foi dirigida a esta Camará por varias classes du capital, que se consideram lesadas com o desenvolvimento que vae tomando a tracção eléctrica.

Foi, ha dias, procurado por uma commissão composta de indivíduos, representantes d'essas classes, para lhe pedir que advogasse, no Parlamento, a justiça das suas reclamações.

São ellas de duas ordens: umas sob o ponto de vista tributário, e outras sob o ponto de vista da concorrência.

Com relação á primeira, pedem que se diminua a contribuição sumptuaria que incide sobre as carruagens de aluguer, que julgam exagerada, e que se diminua também a contribuição que pesa sobre as officinas de carruagens, que igualmente reputam onerosa.

A contribuição sumptuaria é de 156$000 réis por cada carro de quatro rodas, tirado a dois cavallos; de 96$000 réis por cada carro de quatro rodas, tirado por um cavallo, e de 34$000 réis por cada charrete de duas rodas.

Eatas são as reclamações sob o ponto de vista tributário.

Se é verdadeira a crise, e afigura-se-lhe que é, o que de resto não é cousa singular, porque sempre que um progresso material se realiza, é frequente o apparecimento d´estas crises, parece-lhe que alguma cousa deva fazer o actual Ministerio no sentido, da reclamação. Relativamente á segunda ordem de reclamações, o que pretendem os reclamantes é que seja abolida a tabella relativa aos trens de praça, que seja prohibida a importação de carruagens, augmentando-se a sobrecarga aduaneira, que seja prohibido o augmento da rede de exploração da actual companhia de carros electricos; que seja regulamentada a marcha d'esses carros no sentido de se poder fazer em relativa igualdade de condições a concorrencia.

Estes assumptos são extraordinariamente melindrosos, bolem com muitos interesses particulares e, muito principalmente, com muitos interesses geraes, é por isso absolutamente indispensável que o sei estudo se faça com extrema ponderação e de uma maneira reflectida.

Não pede ao Sr. Ministro que lhe dê desde já uma resposta cabal, no sentido positivo ou negativo; mas o que deseja e pede a S. Exa., é que pense sobre este assumpto, e, tanto quanto possível, lhe dê uma solução satisfatória.

Já que está com a palavra, pede ao Sr. Ministro da Fazenda a fineza de transmittir aos seus collegas do Reino e das Obras Publicas as considerações que vae fazer.

Chama a attenção de S. Exas. para o estado verdadeiramente deplorável em que se encontra a canalização da capital, estado de tal gravidade que, na quadra de grandes calores que vamos atravessar, é fácil, associando-se essa situação a outra não menos digna de censura, a immundicie do solo; que o quadro, quer da morbilidade, quer da mortalidade, se torne verdadeiramente terrível.

A canalização da capital, principalmente da baixa, é de qualidade a infiltrarem-se em larga quantidade as immundicies no sub-solo, e por outro lado, nos bairros adjacentes, a falta de limpeza do solo é verdadeiramente censurável.

Não quer apreciar neste momento quaes são as circumstancias que concorrem para que isto succeda, apenas frisa o facto e para elle chama a attenção do Governo.

(O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tackygraphicas).

O Sr. Ministro da Fazenda (Mattozo Santos): - Vou muito rapidamente responder ás considerações do meu particular amigo, o Sr. Moreira Júnior; e é com verdadeiro prazer que aproveito o ensejo de trocar pela primeira vez com S. Exa., a quem me prendem laços da maior sympathia e consideração, algumas palavras nesta casa do Parlamento.

Ouvi com toda a attenção as palavras do illustre Deputado, e S. Exa. foi o proprio que se incumbiu de dizer que o Governo não podia desde já responder affirmativa ou negativamente pelo que respeita á reclamação d'esses industriaes.

Essas reclamações são de duas ordens: uma tributaria e outra administrativa.

D'esta ultima darei conhecimento ao Sr. Presidente do Conselho e Ministro das Obras Publicas, e estou convencido do que, chamada a sua attenção para este assumpto, resolverão por maneira a mais proveitosa aos interesses que se litigam.

Pelo que respeita á questão tributaria, como S. Exa. sabe, ainda o anno passado esta Camara votou uma lei de contribuição sumptuaria, em que algumas taxas foram diminuidas. E entre ellas estavam aquellas do que S. Exa. falou.

A crise com que luta a classe signataria da representação é á crise da concorrencia, tão frequente nas nações civilizadas; e para as conjurar não ha senão a esperar que a harmonia economica estabeleça as cousas nos seus verdadeiros limites.

Até lá porem, é preciso sacrificar aquelles sobre quem incida a crise, e eu procurarei estudar o assumpto de maneira a poder conciliar os interesses que se litigam.

É evidente que eu não posso, nem devo, neste momento, dar uma resposta qualquer, positiva ou negativa; porque me parece que é assumpto que precisa ser estudado, por isso que ha interesses, independentes dos do

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Thesouro, que convem ponderar antes de tomar qualquer resolução.

Transmittirei aos Srs. Ministros do Reino e das Obras Publicas as ponderações feitas pelo illustre Deputado, sobre a hygiene da cidade, tanto pelo que respeita á limpeza, como pelo que se refere á canalização.

Pelo que respeita á canalização, S. Exa. sabe que qualquer providencia que se adoptasse nesta epoca, em que os calores são intensos, daria o resultado contrario áquelle que se deseja; pois é sempre perigoso remexer o sub-solo no verão, por causa das emanações deleterias que geralmente produz a remoção da terra.

Isto não quer dizer que nos conservemos indiferentes á questão.

Eu chamarei a attenção do Sr. Ministro das Obras Publicas, a fim de se ver quaes as providencias que S. Exa. pode tomar.

Parece-me ter respondido ás considerações do illustre Deputado, e posso asseverar á S. Exa. que da minha parte ponho ao seu dispor, para todas as suas reflexões aqui apresentadas, a minha melhor Vontade.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Augusto Fuschini: - Peço a palavra para um negocio urgente.

O Sr. Presidente: - Convido o Sr. Deputado Fuschini a vir á mesa declarar qual o assumpto urgente para que pediu a palavra.

O Sr. Fuschini: - Mando para a mesa a respectiva nota.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Peço a attenção da Camara.

O Sr. Deputado Fuschini pediu a palavra para um negocio urgente; mas como a mesa não o considerou como tal vae ler-se a nota que S. Exa. mandou para a mesa, para que a Camara resolva sobre se deve ou não ser concedida a palavra a S. Exa.

Leu-se. É a seguinte

Nota

Desejo ouvir as opiniões do Sr. Ministro do Reino acerca das violações da lei de imprensa e das violencias exercidas contra o jornal "O Mundo".

A Camara não reconheceu a urgencia.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Conde de Penha Garcia, para a realização do seu aviso previo ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros.

O Sr. Conde de Penha Garcia: - Vou ter a honra de dirigir algumas perguntas ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros sobre questões que se me afiguram da mais alta gravidade, não só pelo que representam para os interesses nacionaes, - mas pelas consequências que por si mesmo importam..

Eu não sei se as minhas palavras serão de ataque ou censura ao Governo, não é essa a ideia que me preoccupa, porque V. Exa., Sr. Presidente, comprehende, que na discussão de um assumpto de caracter internacional não serei eu que me deixe dominar, não direi apenas por qualquer facciosismo politico, mas até mesmo pela preoccupação partidaria.

Poderão as minhas palavras ficar como um Libello aecusatorio violento contra os actos do Governo, não porque nellas venha a haver expressões Violentas, ou arrancos de censura e condemnação, mas porque, collocando a questão no campo justiceiro e imparcial do bom senso e do raciocinio sincero, os actos do Governo senso expostos, por isso mesmo, com clareza e verdade ao veredictum da opinião publica. Se sentença houver que pronunciar, ella será o juiz e não eu.

É com este criterio elevado e imparcial que desejo occupar-me dos intuitos e propositos do Governo ao enviar uma missão extraordinaria á China, e da sua orientação na politica geral no Extremo Oriente.

Em outubro do anno passado, resolveu o Governo enviar uma missão extraordinaria á China.

Desde então até hoje, nada julgou o Governo opportuno dizer ao país ou ás Camaras sobre os intuitos que tinham presidido a esse acto, que denunciava propositos politicos, que se não harmonizavam com a anterior attitude do Governo. Pela incoherencia d'estes factos, como era natural e até certo ponto desculpavel, a opinião publica criou ao redor do procedimento do Governo uma atmosphera de suspeição, tanto mais lamentavel e perigosa, quando se referia a actos que deviam estar fora d'ella. (Apoiados).

Por isso, antes de entrar no assumpto propriamente do meu aviso previo, eu não posso deixar de frisar e pôr em relevo a singularidade d'este procedimento, que me parece menos adequado aos interesses do proprio Governo e aos interesses do pais.

Vejo que em Parlamentos da mais diversa natureza, como os da Inglaterra, da França e da Allemanha, estadistas da envergadura de Salisbury, Delcassé e Bullow, não duvidaram pôr o país e sobretudo as Camaras ao corrente das questões gravissimas, que interessavam esses países no Extremo Oriente, e creio que não faço offensa ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros preferindo o procedimento d'esses estadistas e buscando nelles autoridade sufficiente para estranhar ao Governo que até agora não achasse conveniente dar a minima explicação ao Parlamento sobre os actos da sua politica no Extremo Oriente, actos que no espirito publico produziram tão desagradavel impressão.

A attitude que o Governo entendeu dever tomar por occasião do levantamento geral contra os estrangeiros na China é bastante inexplicavel. O nosso pais adoptou uma politica de isolamento, que deve ser por força grande sublimidade diplomatica, tão opposta se me afigura aos deveres e até ás conveniencias do nosso país no Extremo Oriente.

Como V. Exa. sabe, Portugal tem na China interesses verdadeiramente consideraveis. Fomos nós os primeiros a estabelecer relações entre o mundo do Occidente e o grande Imperio do Meio.

Nas paginas da nossa historia ficaram exemplos memoraveis da rara tenacidade do heroismo português e pode dizer-se que ainda hoje se leem com proveito os escritos dos aventureiros, ou dos missionarios portugueses, que nas suas explorações na China revelaram ao mundo cheio de espanto a civilização extraordinaria, as singularidades, as riquezas, os costumes d'esse grande imperio.

As Peregrinações, de Fernão, Mendes Pinto, são um bello exemplo do genero, e se na sua prosa singela e descriptiva pode haver exageros e algumas inexactidões, se as suas narrações foram postas em duvida pelos seus contemporaneos, é certo que os modernos conhecimentos geographicos teem confirmado muitos dos assertos de Fernão Mendes.

A primeira historia da China que se publicou em lingua europeia foi devida a um português, a Semedo, e a bibliographia dos trabalhos de portugueses sobre a China e as cousas chinesas é bastante valiosa para não termos apenas que nos orgulharmos da nossa prioridade na historia das relações da China com o estrangeiro. (Apoiados).

Mas, Sr. Presidente, e para este ponto chamo a attenção da Camara, se os escritos a que me referi attestam o nosso interesse pelas cousas do Extremo Oriente, outros factos ha ainda que affirmam a legitimidade d'esse sentimento.

Portugal tem ha alguns seculos impresso na China, com o sangue de portugueses, paginas brilhantes da nossa historia nacional, praticando lá notaveis feitos, altos exem-

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pios de patriotismo, que demonstram bem claramente quanto era pujante de tenacidade, vigor e audacia a nossa raça; e hoje ainda, ha bem poucos annos, lá demonstrámos ora Macau, que não estavam de todo perdidas aquellas qualidades que foram os esteios da nossa gloria passada. (Apoiados}.

A nossa politica no Extremo Oriente, com raras excepções, foi durante todo o seculo XIX hesitante, timida, desleixada. For culpa nossa deixámos perder excellentes ensejos de assegurarmos á nossa colonia de Macau a segurança, o territorio, e a influencia commercial a que tem direito.

Antes de expor as considerações que desejo fazer, para apreciar a orientação politica, que o Governo actual tem seguido nas questões do Extremo Oriente, permitta-me V. Ex.ª, Sr. Presidente, que, em poucas palavras, eu diga á Camara, o que me parece dever constituir o minimo dos direitos e aspirações, que o nosso pais tem jus a ver respeitados nas suas relações com a China.

Duas palavras, porem, sobre a situação das relações externas d'aquelle grande imperio, durante os ultimos tempos, são indispensaveis para esclarecimento do assumpto.

Foi no seculo XIX, ou melhor na segunda metade do seculo XIX, que as nações do Occidente e os Estados Unidos da America realizaram a sua obra de penetração na China, qne até ahi se conservara qunsi absolutamente fechada ao livre commercio e ás relações com o Occidente. Nós portugueses tinhamos conseguido estabelecer-nos, ha alguns seculos, á custa de grandes sacrificios e de serviços relevantes prestados á China, na peninsula de Macau, cujas pedras foram mais de uma vez regadas com o nobre sangue português.

No principio da segunda metade do seculo XIX, como ia dizendo, a Inglaterra, precedendo as outras nações do Occidente, annunciava, a tiro de canhão, a sua entrada e apparecimento no grande Imperio da China.

Depois da guerra anglo-chinesa teve logar o tratado de Nankim, em 1842, e por elle se impôs á China, pela primeira vez, a obrigação de abrir alguns dos seus portos ao commercio europeu.

Obrigada a abandonar o seu esplendido isolamento, a China nunca acceitou de boa vontade a sua entrada forçada no convívio dos povos civilizados. Por isso não tardou que a França e Inglaterra tivessem que recorrer novamente ao argumento da força, para evitar que a China continuasse a repellir o contacto europeu. Os alliados entraram em Pekim, e d'essa campanha resultou a celebração do tratado de Tien-Tsin, que alargou ainda a esphera de relações entre o Occidente e o grande imperio chinês.

Passaram annos e a França, que tinha grandes ambições politicas no Extremo Oriente, emprehendeu a guerra do 1884, que lhe trouxe o Tonkim e a Indo-China.

Á proporção que estes actos violentos iam rasgando o caminho por onde os europeus haviam de penetrar na China, a diplomacia por meios mais suaves alcançava triumphos ainda maiores, obtendo da China concessões valiosas para diversos paises, que a pouco e pouco iam firmando em solidas bases as suas relações commerciaes com o Celeste Imperio. Á frente do movimento caminhava a Inglaterra, seguida de perto pela Russia.

Em 1805 entrava em scena o Japão.

Sobro este facto demorar me hei pouco, mas em todo o caso o bastante para precisar quanto elle modificou, pelo menos temporariamente, a politica das nações estrangeiras na China.

As pretenções do Japão na politica do Extremo Oriente e as consequencias da guerra chino japonesa fizeram recear durante algum tempo que o Japão tomasse demasiada importancia nas relações com a China.

tratado de Simonosaki traduz a intervenção europeia no sentido de diminuir a importancia e pretenções do Japão; como consequencia d'esta orientação politica, as principaes nações, que tinham interesses ligados á China, procuraram alargar a sua esphera de influencia, occupando certos territorios chineses, que obtiveram por concessão temporaria ou permanente, o manifestando a intenção de reservarem certas zonas do grande Imperio do Meio, para a sua influencia especial.

Foi assim que foram occupados os territorios de Porto Artbur, pela Russia; Kian-Tchao, pela Allemanha; Uei-Hai-Uei, pela Inglaterra, e o de Kuaog-Tchieu-Uan, pela França.

Pois bem, Sr. Presidente, durante este tempo e tende-se dado tantos factos anormaes na China, Portugal manteve-se no mesmo pé em que estava desde o principio do seculo, porque se é certo que a nossa diplomacia tinha conseguido a celebração do tratado de 1887, subscripto pelo meu saudoso amigo o Sr. Burros Gomes, como ministro dos estrangeiros, não é menos certo que a obra do tratado de 1887 ficou incompleta, pois ainda até hoje só não realizou a delimitação da colonia de Macau, que era um dos pontos capitães d´esse tratado.

Todos estes factos, e principalmente os que se passaram desde 1890 para cá, trouxeram comsigo, como é natural, um grande recrudescimento de opdios por parte dos chineses, e sobretudo por parte das classes dirigentes. Esses odios explodiram em 1900 (e aqui chego ao ponto capital a que me queria referir), com uma revolução anti-estrangeira das mais perigosas e das de mais tristes consequencias, porque ella trouxe comsigo não só a perda de bens de grande numero de europeus, e o martvrio do bastantes missionarios, mas ainda um ataque directo aos direitos e regalias dos representantes das nações do Occidente, tendo sido cercadas as legações em Pekim, e trucidados o Ministro allemão e o Secretario da legação japonesa.

Dados estes acontecimentos qual devera ser a attitude do Governo Português?

O Governo Português adoptou o commodo expediente, ao que parece, de nada fazer.

Eu me explico:

Em maio de 1890, se bem me recordo, tiveram logar os primeiros ataques aos europeus na China e logo em seguida, em junho, o Governo Português, alarmado pelos perigos que pudesse correr a nossa colonia de Macau, providenciou - ainda era o Governo progressista - para ser enviada uma expedição a Macau para defesa da nossa colonia. Tive até occasião por esse tempo de chamar a attenção do Governo para o que se estava passando no Extremo Oriente o para o que entendia ser absolutamente necessario para garantir os direitos portugueses nessas regiões. (Apoiados).

O Governo regenerador, seja dito em seu louvor, não regateio elogios a quem os merece, assim como não hesito em censurar asperamente aquillo que reputo nocivo aos interesses do país - o Governo regenerador organizou a expedição que já fora planeada pelo Governo progressista e essa expedição foi mandada para Macau. Pelas informações que tenho, os serviços d'essa expedição correram com a maxima regularidade e rapidez necessarias. A expedição, porem, fôra enviada para Macau, para reforçar a guarnição da cidade, e isto não significava cooperação com as outras nações na defesa commum contra as selvajarias praticadas na China.
O facto de mandar uma expedição a Macau era um acto do previdencia e até de dever metropolitano, mas não se exteriorizando alem do territorio português, não correspondeu aos interesses que Portugal tem na China, fora da colonia de Macau, interesses que são valiosos, porque é preciso que se diga que a colonia portuguesa na China é a quinta das colonias estrangeiras na ordem da importancia e no numero do casas commerciaes estrangeiras estabelecidas no Imperio Chinês figuram 10 casas portuguesas. (Apoiados).

E tanto isto é assim que eu estou convencido que ao

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Governo português terão sido dirigidas reclamações de súbditos seus para que obtenha do Governo Chinês que se jam dadas indemnizações aos súbditos Portugueses ou casas commerciaes, que soffreram prejuizos em consequencia da guerra.

O Sr. Presidente: - Faltam 5 minutos para se entrar na ordem do dia.

O Orador: - Vou tanto quanto possivel resumir as minhas considerações, mas V. Exa. comprehende, que assumptos da natureza dos que estou tratando, não podem compadecer-se com a escacez de 5 minutos que V. Exa. me concede ainda, e por isso pedirei a V. Exa. que consulte a Camara para me conceder mais alguns minutos, para poder concluir as minhas considerações.

Ora dizia eu que, sendo de tal importancia os interesses que Portugal tem na China, não posso comprehender como é que o Governo Português entendeu adoptar a politica do isolamento, de um soberbo e incomprehensivel isolamento, numa questão tão grave, porque a verdade é que paises com menos interesses ligados á China do que nós, como a Hollanda e a Belgica, cooperaram directamente na repressão contra os ataques, que visavam, não uma designada nação, mas todos os povos civilizados. E menos ainda se pode comprehender, Sr. Presidente, como e para quê, depois e termos adoptado esta politica, vamos mandar mma embaixada extraordinaria á China. O insucesso de tal empresa é absolutamente irremediavel. (Apoiados).

Nós que foramos os primeiros a estabelecer-nos na China e a pô-la em contacto com o mundo do Occidente, nós que tinhamos ali interesses, que eram classificados em quinto logar na ordem de importancia, nós que possuimos na China a importante colonia de Macau, recolhemo-nos a um isolamento indesculpavel, abandonando a cuidados estranhos aquillo que nos cumpria zelar! Este é um dos pontos em que não posso deixar de censurar acremente o procedimento do Governo.

Como diz um proverbio chinês: "Os bons conselhos são sempre amargos!" Por isso as minhas palavras serão amargas, embora nesta questão eu me tenha isentado de preconceitos partidarios! Portugal fez um papel humilhante na sua intervenção nos negocios do Extremo Oriente!... Foi assignado o protocollo, que punha termo á lastimosa sublevação contra os estrangeiros; este protocollo é assignado por oito nações e entre ellas não figura o nome de Portugal, que tinha interesses tão directamente ligados á questão chinesa. É isto um symptoma de decadencia, que não posso deixar de condemnar, tanto mais que elle deriva apenas da imprevidencia e má, orientação do Governo.

Ente facto junto, a tantos outros, prova bem quanto Portugal esquece o que deve ás suas colonias e á sua propria dignidade de nação colonizadora.

O nosso isolamento durante a sublevação dos boxers é tanto mais condemnavel quanto é certo que nós temos direitos e pretenções justas a fazer valer na China. (Apoiados}.

Já mais de uma vez, Sr. Presidente, nesta Camara e em sociedades scientificas, embora com a incompetencia que me é propria, eu tenho indicado aquillo que julgava poder synthetizar o minimo das concessões a obtermos da China, em occasião opportuna; parecendo-me que essas pretenções deviam fazer parte do programma colonial de todos os Governos portugueses. (Apoiados).

Parecia-me, Sr. Presidente, que as aspirações de Portugal na China devem ser: 1.°, fixar os limites da nossa colonia de Macau, obtendo para Portugal aquillo, que de direito pertence ao nosso país; 2.°, conseguir algumas concessões de influencia commercial na ilha de Hian-Chan.

Esta pretenção não é reclamação de direito que nos seja devido, como a primeira; nós não temos direitos sobre a ilha de Hian-Chan. Mas tenho visto, até em jornaes ingleses do Extremo Oriente, manifestar a opinião de que é legitimo que Portugal, pela conveniencia da sua colonia de Macau, tenha ali uma certa esphera de acção. (Apoiados).

A ilha de Hian-Chan é o celleiro de Macau e, não tendo Portugal esphera de acção na ilha de Hian-Chan, a sorte da nossa colonia pode por vezes perigar.

Em terceiro logar, é necessário regular a questão alfandegaria, questão que tem sido e continua sendo a mais importante para a colonia de Macau e aquella que o Governo precisa cuidar com o maior interesse.

Basta que diga a V. Exa., Sr. Presidente, que uma simples disposição do regulamento alfandegario chinês tem aniquilado quasi por completo o commercio feito por lanchas a vapor com as povoações marginaes do rio de Oeste.

A disposição que prohibe que as lanchas a vapor, partidas de Macau, pudessem commerciar com quaesquer localidades sem subirem até Kong-mun para serem visitadas no posto fiscal, tornou impossivel esta navegação, sobrecarregando-as com despesas dê percursos inúteis, etc.

Veja V. Exa., Sr. Presidente, que a nossa importancia é, tão pequena que Portugal não conseguiu esta cousa mesquinha, que bem facil parece de obter, que a China descesse o posto de despacho que tinha estabelecido em Kong-mun para um ponto mais proximo de Macau.

Seria ainda para desejar que o Governo pudesse obter da China, com a annuencia da Inglaterra, que os funccionarios das alfandegas imperiaes e dos correios na Ilha de Hian-Chan e vizinhanças de Macau fossem portugueses. Dadas as boas relações que felizmente o nosso país mantem com a Inglaterra, quer-me parecer que seria relativamente facil obter uma cousa que, sendo do grande vantagem para nós, cm nada prejudicava os interesses britannicos nem a China.

Finalmente, não menos importante seria que o Governo Português se esforçasse por obter que no rio de Oeste, e nas regiões vizinhas de Macau, as taxas likin, que são uma especie de imposto de consumo, cobradas pelas alfandegas chinesas, fossem abolidas. Não era uma novidade. Este resultado, de alta vantagem commercial, tem-no conseguido a Inglaterra e a França para alguns pontos que consideram mais directamente na sua esphera de influencia.

Ora, a acção do Governo Português até ao momento em que foi enviada a missão diplomatica á China não se revelou por acto nenhum que provasse que tivesse procurado defender os interesses dos portugueses no Extremo Oriente, aproveitando um ensejo que dificilmente se tornara a repetir. (Apoiados).

Uma das questões mais importantes, porque d'ella depende a própria segurança da nossa colonia de Macau, é a delimitação das fronteiras, reconhecendo-se a Portugal aquillo que de direito lhe pertence, e digo que de direito lhe pertence porque existem muitos documentos que provam que tanto a Ilha da Lapa, como a de D. João e a de Tai-vong-Cam pertencem a Portugal, que nellas exerceu desde longa data actos de occupação. (Apoiados}.

Ha mais. Pelo que respeita á Ilha da Lapa, que é a principal reivindicação da colóoia de Macau para sua segurança propria, existem documentos que provam claramente que Portugal não só teria ali exercido actos de soberania, mas mais do que isso, em tempos afastados teve ali uma bateria. (Apoiados).

Estes factos encontram-se narrados num livro de um escriptor sueco, que não nos e em geral demasiado favoravel e existem documentos na Sociedade de Geographia que o comprovam, e d'elles tive eu conhecimento pelos estudos feitos por um escriptor cuja auctoridade é incontestavel em assumptos do Extremo Oriente e que valiosos serviços tem prestado ao pais, estudando esse assumpto com intelligencia e cuidado. O Sr. Marques Pereira, illustre funccionario do Minis-

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terio da Marinha publicou na notavel revista Ta-ssi-Yang-Kuo, que só occupa exclusivamente dos interesses de Portugal no Extremo Oriente, a noticia de um documento em que existe mencionada a referida bateria.

Por varios factos de occupação continuada, pelas necessidades da nossa colónia de Macau, por direito historico e por direito politico a peninsula de Macau a Ilha da Lapa, e as ilhas de D. João, Taipa, Coloane e Tai-vong-Cam são da direito portuguesas. (Apoiados).

Mas o facto é que os acontecimentos a que me tenho referido foram mal aproveitados, no momento presente predomina na politica do Extremo Oriente a doutrina da porta aberta. Era antes dos tratados allemão e japonês com a Inglaterra que deviamos ter procedido. Termos perdido esta occasião representa um acto de incuria. (Apoiados).

Em meado de 1901, em julho, se bem me recordo...

O Sr. Presidente: - Deu a hora.

O Orador: - Peço a V. Exa. que consulte a Camara, se me concede mais dez minutos para concluir o meu discurso.

Vozes da esquerda: - Fale, fale.

Consultada a Camara resolveu negativamente.

O Orador: - Sujeito-me á decisão da Camara; mas annuncio a V. Exa. que vou mandar para a mesa um novo aviso previo nobre a questão da China, que tratarei com a mesma orientação que agora segui, despido de pré occupações partidarias, mas pondo bem em relevo o procedimento do Governo, que me parece ter sido tão pobre de ideias como de energia.

Finalizando registarei, e nisto não vae censura aos meus collegas, que a Camara parece ligar pouca importancia aos interesses de Portugal no Extremo Oriente, e me impede de proseguir no uso da palavra, quando eu estou citando factos que constituem a prova da incuria e desleixo do Governo no estudo e solução de negocios publicos. (Apoiados).

O Sr. Gosta Pinto: - Mando para a mesa o parecer sobre a proposta de lei que prohibe a industria e o commercio dos substancias explosivas.

Foi a imprimir.

O Sr. Fuschini: - Já está na mesa a petição apresentada pelo Sr. Henrique de Paiva Couceiro?

O Sr. Presidente: - Não está.

O Sr. Augusto Fushini: - Peço, nesse caso, a V. Exa., a fineza de me avisar, quando esse requerimento for apresentado, porque desejo requerer a sua publicação.

Mando agora para a mesa a seguinte

Nota de interpellação

Desejo interpellar o Sr. Ministro do Reino e tomar-lhe a precipua responsabilidade sobre o procedimento illegal da policia, obedecendo a ordens de S. Exa., que mandou apprehender, em dois dias seguidos, o jornal O Mundo.

Demonstram factos o documentos irrecusaveis que foram violadas todas as disposições da lei da imprensa, a fim de evitarem publicações contrarias ao projectado convenio, embora consentidas noutros jornaes, taes como o artigo sobre a compra do hiate real, publicado nas duas edições do Imparcial de sexta feita passada, e a representação do Sr. Henrique de Paiva Couceiro, dirigida ao Parlamento e publicada no Correio Nacional de sabbado passado e no Diario Illustrado de hontem.

Lisboa, 7 de abril de 1902. = Augusto Fuschini.

Mando também o seguinte

Aviso previo

Communique V. Exa., Sr. Presidente, ao Sr. Ministro do Reino que lhe dirijo este aviso previo sobre o procedimento illegal da policia obedecendo a ordens de S. Exa., que mandou apprehender, em dois dias seguidos, o jornal O Mundo.

Demonstram factos e documentos irrecusaveis que foram violadas todas as disposições da lei da imprensa, a fim de se evitarem publicações contrarias ao projectado convenio, embora consentidas noutros jornaes, taes como o artigo sobre a compra do hiate real, publicado em duas edições do Imparcial de sexta feira passada e a representação do Sr. Henrique de Paiva Couceiro, dirigida ao Parlamento e publicada no Correio Nacional de sabbado passado e no Diário Illustrado de hontem. = Augusto Fuschini.

Mandaram-se expedir.

O Sr. Conde de Penha Garcia: - Mando para a mesa uma proposta de renovação de iniciativa, sobre o projecto de lei n.° 131-A, de 1899, regime sobre a caça.

Mando tambem o seguinte

Aviso prévio

Desejo interrogar o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros sobre a maneira como tem zelado os interesses de Portugal na China. = Conde de Penha Garcia.

Mandou-se expedir.

A renovação ficou para segunda leitura.

O Sr. Joaquim Pereira Jardim: - Mando para a mesa um projecto de lei pelo qual é annexada ao concelho de Figueiró dos Vinhos a freguesia de Maçãs de D. Maria.

Ficou para segunda leitura.

O Sr. Joaquim Antonio de Sant´Anna: - Mando para a mesa um projecto de lei, pelo qual é reconstituido, na conformidade do artigo 8.° do decreto de 14 de agosto de 1892, o corpo de officiaes da administração naval.

Ficou para segunda leitura.

O Sr. Antonio Cabral: - Apresento o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministerio do Reino, me seja enviada com urgencia uma nota de onde conste:
1.° O nome de todos os administradores do concelho e regedores de parochia contra os quaes, desde 20 de junho de 1900, se instauraram processos crimes, sendo negada auctorização superior para a sequencia d'esses processos;

2.° Designação dos concelhos ou parochias em que os referidos administradores o regedores exerciam as suas funcções;

3.° Motivos por que foram processados;

4.° Razões por que se negou auctorização para o seguimento dos respectivos processos crimes. = O Deputado, Antonio Cabral.

Mandou-se expedir.

O Sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia. Entra em discussão o projecto n.°35.

ORDEM DO DIA

Discussão do projecto de lei n.°35, que modifica o regime administrativo, aduaneiro e fiscal das bebidas alcoolicas, vinhos, cervejas, cidras e outras bebidas fermentadas nas provincias portuguesas de África.

O Sr. Pereira de Lima: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeira que se consulte a Camara sobre a admissão á discussão immediata do projecto de lei que mando para a mesa, dispensando-se o prazo do Regimento e nos termos por este determinado. = J. M. Pereira de Lima.

Foi approvado.

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SESSÃO N.º 49 DE 7 DE ABRIL DE 1902 7

O Sr. Presidente:- Em vista da resolução da Camará, entra em discussão o parecer sobre a proposta de lei n.° 48-B.

Leu-se e é o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 50

Senhores. - À vossa commissão do ultramar foi apresentada a proposta de lei n.° 48-B, que tem por fim prover de remedio e que se prejudique antecipadamente parte da economia do projecto de lei n.°35-C, que já foi dado para discussão nesta Camara.

As razões que justificam tal proposta são obvias e em casos identicos se tem tomado iguaes medidas legislativas.

Camara, em 5 de abril de 1902. = Rodrigo A. Pequito = Augusto Lousa = Manuel Fratel = Custodio de Borja = Domingos E. Fonseca = Almeida Dias = J. M. Pereira de Lima.

N.º 48-B

Artigo 1.° Desde a data da publicação d'esta lei no Diario do Governo, até que as Cortes resolvam acerca da proposta de lei apresentada pelo Governo á Camara dos Senhores Deputados, em 3 de março ultimo, relativa ao regime administrativo aduaneiro e fiscal das bebidas alcoolicas destilladas, vinhos, cervejas, cidras e outras bebidas fermentadas nas colonias portuguesas de Africa, é prohibido o despacho de importação das bebidas alcoolicas destilladas, com excepção das que tiverem sido desembarcadas á data da publicação d'esta lei, nas alfandegas da provincia de S. Thomé e Principe e nas da provincia de Moçambique, ao sul do rio Save.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da Camara dos Senhores Deputados, em 5 de abril de 1902. = Antonio Teixeira de Sousa.

O Sr. Oliveira Mattos: - Sr. Presidente: não pedi a palavra para combater o projecto sobre arrecadação de direitos para salvaguardar os interesses do Thesouro; não podia ser minha intenção deixar a porta aberta á especulação dos exploradores! (Apoiados}.

Chamo a attenção do Governo, e especialmente a do Sr. Ministro da Marinha, para uma representação que acaba de me ser enviada pelo Centro Colonial, associação de classe de Lisboa, para eu a dirigir a esta Camara, e em que se fazem considerações de tal ordem que devem merecer toda a attenção do nobre Ministro.

Não reveste este assumpto caracter politico, em que seja necessario irritar o debate; de forma alguma, visto que estamos todos de acordo na necessidade de acudir, como se deve, ás nossas colonias com o remedio preciso, e principalmente á de S. Thomé.

Tendo sido esse assumpto um dos que mais consideração mereceu ao ex-Ministro da Marinha, o meu illustre amigo Sr. Eduardo Villaça, como a todo o Governo progressista, não será com certeza da nossa parte que se levantarão protestos nem reclamações ás medidas de verdadeiro interesse nacional que se apresentarem nesse sentido. (Apoiados).

O Centro Colonial de Lisboa, uma agremiação composta de cavalheiros importantes e respeitaveis, com interesses na ilha de S. Thomé e em toda a provincia de Angola, capitalistas e proprietarios que conhecem de perto as necessidades d'aquellas localidades por ali terem residido muito annos, e ainda ali haverem interesses ligados a casas commerciaes muito consideraveis, vem representar ao Parlamento, e pedir em resumo, depois de terem apreciado o projecto do nobre Ministro da Marinha, o seguinte.

(Leu).

Sr. Presidente: ao apresentar á Camara estas considerações, e ao chamar para ellas a attenção da commissão e do Governo, e muito especialmente a do nobre Ministro da Marinha, como decerto nem a commissão, nem a maioria tomarão resoluções em contrario das do Governo, principalmente pelo que toca ao principio fundamental do projecto, limito-me a apresenta-las, a fazer-me echo d'ellas, como manifestação de justiça attendivel da parte d'esses proprietarios e agricultores importantes da ilha de S. Thomé, pela consideração que me merecem os signatarios e devem merecer á Camara e ao Governo.

Realmente, o Centro Colonial de Lisboa tem tomado a peito e defendido com muito calor e patriotismo os interesses de Angola o de S. Thomé.

Uma outra representação, de que o illustre Ministro já terá conhecimento, nos foi dirigida sobre o assumpto.

Esta limita-se exclusivamente ás ilhas de S. Thomé e Principe. E mais importante, e é para ella que solicito a attenção do nobre Ministro da Marinha.

Mesmo que se não possa attender integralmente o pedido que esta corporação faz, pode, sem desdouro para o Governo e sem destruir o pensamento fundamental da proposta do Sr. Ministro da Marinha, attender-se em parte as reclamações do Centro Colonial de Lisboa, harmonizando-se tanto quanto possível esse principio com os interesses da Nação e do Thesouro.

Feitas estas breves considerações, que espero o nobre Ministro attenda, nada mais tenho a dizer, e dou o meu voto ao projecto.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ministro da Marinha (Teixeira de Sousa): - O illustre Deputado Sr. Oliveira Mattos mandou para a mesa uma representação do Centro Colonial de Lisboa. Não sendo esta a occasião propria para discutir o assumpto, todavia, pela muita deferencia que me merece o illustre Deputado, direi que os intuitos com que o Governo apresentou esta proposta foi attender á situação vinícola das nossas colonias. (Apoiados).

Na proposta que apresentei não faço questão em nenhum dos seus pontos. Bem pelo contrario, a sinceridade com que ella foi apresentada ao Parlamento mostra claramente os desejos que tenho de que toda a, Camara collabore nella, por maneira a fazer dasapparecer quaesquer defeitos que porventura encerre, augmentando-lhe o valor.

Feitas estas considerações, reservo-me para na occasião opportuna tratar do assumpto.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Oliveira Mattos: - Peço a V. Exa. Sr. Presidente, que consulte a Camara sobre se permitte que a representação seja publicada no Diario do Governo.

Foi auctorizada a publicação.

O Sr. Francisco Beirão: - Em nome da opposição progressista declaro que não temos duvida em votar a proposta do Sr. Ministro da Marinha, reservando porem a nossa opinião sobre a questão principal.

(O orador não reviu).

Não se achando mais algum Sr. Deputado inscripto, foi o parecer posto á votação e approvado,

O Sr. Presidente: - Vae ler-se, para entrar em discussão, o projecto de lei, alterando o regime administrativo aduaneiro e fiscal das bebidas alcoolicas e outras no ultramar.

Foi lido. É o seguinte

PROJECTO DE LEI N.°35

Senhores. - A proposta de lei n.° 20-C, que o actual Ministro da Marinha e Ultramar apresentou perante esta Camara e sujeitou ao estudo e ao criterio das vossas commissões do ultramar e de agricultura, é assás importante nos effeitos que d'ella podem emanar quanto ao regime civilizador do nosso vasto imperio africano, e tende a prestar um valioso auxilio á viticultura da metropole, que se tem visto em perigosa luta com a maior crise que até hoje tem

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sofrido, e á qual o Governo já obtemperou com salutares medidas, continuando no proposito firme de envidar todos os meios ao seu alcance, para se conseguir a completa solução das difficuldades que emergiram no nosso meio agricolo vinicola.

São assim dois os fins principaes que a proposta põe em mira, e que por si só teem os commentarios sufficientes para se aferir a grandeza dos escopos que ella pretendo attingir.

Ninguem duvida que o alcool, considerado como bebida e sem que seja ligado ás outras materias chimicas d'onde ello deriva, vinho, cerveja, cidra, etc., o alcool, e principalmente o de cereaes, que, pela sua barateza é de maior consumo no velho continente e muito mais nas terras de alem-mar, é um flagello que produz mais victimas que o cholera ou a tuberculose, os dois grandes espectros e devastação epidemica ou epidemica, que a humanidade mais teme.

O vinho puro, quando bebido em quantidade moderada não pode ser rejeitado pelos mais fanaticos apostolos das sociedades de temperança, porque não só é salutar pelas suas propriedades tonicas e excitantes, mas tambem por muitas auctoridades medicas é considerado como um alimento. Como prova d'esta ultima asserção cita-se o caso de terem podido resistir sem outra alimentação os naufragos da Medusa, pelo espaço de dezasete dias.

Longe vão os tempos em que Lulle, o discipulo exaltado de Villoneuve, dizia, levado pelo empirismo confuso e infantil da sciencia do seculo XIV, que o espirito de vinho, esprit-de-vin, nome com que o seu mestre baptisara o producto da distillação da materia vinica, era uma panaceia para todas as doenças, e como tal a cognominava eau-de-vie, agua da vida, da saude.

Mas, ainda assim, só se vendia, e vendeu por muito tempo, nas boticas privativas d'aquellas eras.

Nós, que tomámos dos árabes as lições de distillação, e o apparelho para a sua feitura, achámos uma denominação talvez melhor e mais apropriada para fazer temer os resultados do seu uso como bebida habitual, no termo vulgar e correntio de «agua-ardente», a agua que queima e devora o organismo dos seus incorrigiveis amadores.

Mas o augmento da plantação das vinhas, deixando um saldo para a producção da aguardente, nos meados do seculo passado; a distillação dos melaços da fabricação do assucar de canna saccharina, e, mais recentemente, a distillação dos residuos da preparação do assucar do beterraba, desenvolvendo enormemente o producto alcoolico, fizeram, pela necessidade da collocação mercantil, expor á venda, em centenas de milhares de lojas, armazens, cafés e tabernas, o alcool, que assim entrou na economia biologica de todas as nações.

E, quando, ha alguns annos, a industria de mãos dadas com o capitalismo se apoderou de todos os progressos proclamados pelas sciencias physico-naturaes, pullularam por toda a parte as fabricas de distillação de cereaes e tuberculos, dando para o mercado um alcool, com propriedades toxicas mais elevadas, que se consome por milhões de hectolitros, e a preços baixos, comparando-os com os do seu ancestral, o alcool vinico.

Então deu-se o caso historico de que a velha Europa, depois de ter deixado criar no antigo continente um grande exercito de alcoolicos, que são os principaes clientes dos seus manicomios, das suas prisões e dos seus hospitaes, depois de ter deixado degenerar as qualidades physicas e moraes de tantos filhos do povo, o grande operario de todos os tempos, depois de ter consentido inscientemente que uma legião de imbecis e idiotas, de desequilibrados e fanaticos revolucionaes sejam os descendentes dos pães que se deixaram atrophiar pelos excessos alcoolicos, a velha Europa tratou de vender os seus alcooes de cereaes aos indigenas dos novos continentes. E aos habitantes das regiões, onde a civilização não logra entrar, na phrase de tantos sabios, fez que lhes fosse introduzido sob mil formas e aspectos bons e maus, sendo nestes ultimos um dos mais nocivos o da propaganda mercantil do alcool.

A breve trecho, porem, começou a reconhecer-se, que tão nocivo mercantilismo applicado entre raças que não logram medir o alcance d'esta intoxicação lenta e fatal, e que se deixam dominar pelos sentidos, impondo silencio á sua razão embrionariamente desenvolvida, não só inutilizava o indigena e o collocava na miseria a mais sordida, mas tambem enfraquecia todos os esforços de colonização, e empobrecia, as riquezas naturaes dos paises a explorar, pelo desapparecimento de milhares de trabalhadores e pelo depauperamento das forças de muitas dezenas de milhares, que não eram bons para outra cousa que não fosse para actores do espectaculo horripilante a que se prestam os profissionaes do alcoolismo.

Veiu então a reacção, fingiu-se que se ouviam os gritos das sociedades de temperança e dos verdadeiros sabios, prepararam-se congressos, e nelles se legislaram beneficas medidas, que foram e são, em parte, um dique a oppor a esta corrente mercantil de intoxicação universal.

Era o interesse que falava, ainda pela voz do humanitarismo, para não deixar perder a machina humana, que se chama o preto, a unica que pode impunemente, sob o sol tropical, arrotear campos, abrir estradas e valorizar as riquezas das floras pujantissimas dos continentes inexplorados.

Conjugados, porem, os principios emergentes do interesse e das theorias humanitarias, actualmente os paises concordatarios da conferencia de Bruxellas teem de fazer obra pela jurisprudencia que d'ella resultou.

Após tudo isto, o que importava fazer? Certamente o que a proposta do digno titular da pasta da Marinha e Ultramar elaborou para se converter no actual projecto de lei.

Impunha-se com toda a força de argumentos, deduzidos por um bom e são criterio scientifico e economico, o salvaguardar a grande riqueza em vidas, em forças biologicas das populações indigenas, que estão sob a suzerania portuguesa.

Era mister arcar de frente contra a invasão do alcoolismo que em pouco arruinará, se não se prover de remedio, as nossas provincias africanas, tão ricas ainda hoje de braços aptos para trabalho aspero o duro d'aquellas regiões.

E dizemos tão ricas, porquanto basta só apontar o facto de que em Moçambique a população nativa é tão importante em densidade relativa, e um aptidões trabalhadoras, que não só é sufficiente para a laboração agricola e mineira, industrial e mercantil das novas empresas e companhias da provincia, mas tambem fornece grande parte dos braços necessarios para a exploração dos filões de ouro do Transvaal.

E é de notar, que na região mineira do Rand não permittem aos mineiros da raça negra o uso do alcool.

Defrontado assim o problema, claro está que bem fundamentado e de grande alcance moral e economico é este projecto de lei, na parte que tende, já a prohibir o uso do alcool aos indigenas, nas regiões onde não só firam interesses economicos criados, já a restringi-lo em todos os nossos dominios africanos pela forma de imposto com taxas feitas de modo que, protegida a importação dos vinhos da metropole, a nossa vinicultura substitua, sob um justo e racional proteccionismo, pelos optimos productos das vinhas nacionaes as perigosas bebidas vendidas sob a epigraphe genérica de alcool.

E aqui vem a proposito citarmos, em abono das nossas asserções, a opinião auctorizada de Lunier que, na sua Memoria sobre o alcoolismo, apresentada á Academia Francesa, finaliza pelas seguintes conclusões:

«1.ª A introducção, no consumo corrente, dos alcooes industriaes constituo um perigo dos mais graves para a saude publica.

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2.ª Um dos meios mais racionaes para sustara invasão de toes alcooes e de impedir os seus perniciosos effeitos é o favorecer e desenvolver o consumo dos vinhos naturaes.»

A plethora do nosso vinho é propriamente uma crise de abundancia em toda a accepção da palavra.

Chegamos a esta affirmação comparando o pequeno augmento da população, nos ultimos 20 annos, com a maior quantidade de hectares plantados de vinhedos, e o computo (por calculo de probabilidades, visto que não ha estatistica exacta) da producção e consumo de hoje em face do que estes foram antes da invasão, phylloxerica.

A principal causa, que nos produziu e produz a existencia de tantas pipas, em ser nas possas adegas, foi o deixarmos perder as posições que tinhamos nalguns mercados da Europa e nos do Brasil principalmente, foi outrosim não procurarmos novos mercados, como fizeram e estão fazendo todas as nações productoras, foi o descurarmos por differentes modos a boa fama dos nossos preciosissimos vinhos, consentindo até, sem vigorosos e energicos repulsivos, que os estranhos se apresentassem, sob a egide de uma falsa proveniencia portuguesa, em mercados que ha seculos nos estavam vinculados.

Tantos erros accumulados deveriam produzir a actual crise, para a qual todos concorreram e da qual todos só agora se queixam.

A França soffreu tambem de dificuldades passageiras na collocação dos seus vinhos, quanto a preços e quanto a quantidades exportadas, porque o valor total das suas exportações em hectolitros tem baixado, nos ultimos annos, das medias anteriores. Não estava preparada para a grande luta economica, não tinha commis-voyageurs á altura da sua modernissima missão, é não contava que as suas adegas se encheriam do vinhos, como outr'ora, antes da apparição do phylloxera.

Está, porem, neste momento, a dar a branle-bas para a luta, e a toda a pressa se prepara para invadir os paises onde a cerveja domina ainda, e onde o vinho, a bom marché, o vinho barato, fará perder grande consumo ao producto de Gambrinus.

Degroully, Riant, Berget e tantos outros mestres da sciencia agronomica francesa, e tantos outros praticos da grande nação productora dos mais afamados crus do mundo, são todos acordes nas affirmações que deixamos feitas.

E lá, governantes e governados, envidam todos os esforços para, com a maior rapidez possivel, conquistarem novos debouchés para os milhões de hectotitros da sua producção.

Agora mesmo, com auxilio do Governo, estão criando, na Belgica, taberdas para a venda a retalho, dos vinhos algerianos.

Claro está, assim, que todo o auxilio que se possa dar para a collocação de mais alguns milhares de pipas dos nossos vinhos é uma benemerencia perante o pais vinhateiro e, portanto, perante a economia portuguesa, o bem evidente fica, que digno de todo o louvor e elogio é o Ministro, que procurou pelo legitimo proteccionismo, que se deduz das bases da proposta 20-C, desenvolver e fomentar nas nossas possessões africanas a importação e venda dos vinhos nacionaes.

Desde o decreto de 25 de abril de 1895, que reduziu o direito de importação dos vinhos nacionaes a l real por litro, augmentando as taxas dos vinhos e bebidas alcoolicas estrangeiras, começou a desenvolver-se a exportação dos vinhos da metropole para as nossas duas provincias africanas.

Exportação para a Africa Oriental

Litros
Em 1894 (antes do decreto).............. 873:080
Em 1895............................................... 1.654:570
Em 1896........................................ 2.532:300
Em 1897...................................................... 3.928:500
Em 1898........................................ 4.970:870
Em 1900...................................... 6.228:330

Exportação para a Africa Occidental

Litros
Em 1894 (antes do decreto).......... 3.094:200
Em 1895............................. 3.652:360
Em 1896.................................. 3.163:340
Em 1897............................. 3.397:090
Em 1898'............................ 3.460:110
Em 1900............................. 3.901:490

u seja, em 1900, um total, para as duas provincias africanas, de 10.129:820 litros, ou 20:260 pipas, de 500 litros cada pipa.

É preciso accrescentar tambem que para o augmento da exportação para Moçambique concorreu tambem, em parte, a propaganda realizada pelos delegados especiaes que o Governo mandou, depois de 1895, ao sul da Africa.

E não se pode tambem olvidar, como muito bem frisa o bem elaborado relatorio do illustre Ministro da Marinha, que após o decreto de 25 de abril de 1895, o Estado perdeu parte da importante receita aduaneira do imposto sobre o alcool, embora isto fosse em beneficio da nossa exportação vinicola.

Assim, os direitos do alcool em Lourenço Marques, que em 1896 foram de 227:651(5207 réis, attingiram em 1898 apenas a somma de 86:948$820 réis, emquanto naquelle anno o vinho foi importado na quantidade de 1.803:657 litros, e neste ultimo anno, na de 3.263:644 litros.

Pode e deve, portanto, admittir-se que o consumo dos nossos vinhos nas possessões portuguesas da Africa deverá augmentar consideravelmente com a conversão da proposta n.° 20-C em lei do país.

Porque não só augmenta a possibilidade do consumo ao sul do Save, com a prohibição da importação e producção do alcool, mesmo sob a forma de bebidas cafreaes, embora se permitta a passagem em transito para a região limitrophe do Transvaal, mas tambem quanto ao norte do Save (Moçambique), S. Thomé e Principe e Angola, principalmente, respeitando-se as condições economicas das provincias, tendo em conta as circumstancias agricolas dos plantadores de canna saccharina, e as neccessidades cria-las pelas permutas tradicionaes com o gentio, não podia ser prohibida a producção e venda do alcool fabricado nas respectivas regiões, mas ficando prohibida a importação de bebidas alcoolicas distilladas, decerto ha a esperar que a importação do vinho nacional cresça progressivamente, em beneficio dos nossos attribulados vinicultores.

Para proseguir pacificamente e sem ferir interesses justamente adquiridos visa a actual proposta: a impedir que sob pretexto de falta de alcooes importados se pretenda subir excessivamente o alcool saccharino, determinando que este nunca possa exceder o preço superior ás medias dos ultimos tres annos; a prohibir novas plantações de cannas ou installações de novas fabricas e apparelhos distillatorios, isto quanto a S. Thomé e Principe, a rica provincia ultramarina, que, á semelhança de Cuba, bem se pode appellidar a perola do Atlantico.

Em Angola não podiam, porem, applicar-se estas medidas transitorias para nova prohibição de producção, por quanto a provincia na parte agricola tem hoje e pensa em poder desenvolver mais para o futuro as plantações de canna saccharina, que não só produzirão o assucar para fornecer os mercados da metropole, sob a protecção pautal que lhe concedeu para o seu fomento o actual Governo, mas ainda, pela distillação dos melaços, a aguardente

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necessaria para permutar com a população sertaneja os chamados generos coloniaes.

Angola, está portanto em condições excepcionaes, que foram attendidas e bem pesadas no systema geral da proposta.

Diz, e muito bem, o relatorio do titular da pasta que não permittem as circumstancias economicas actuaes applicar já o regime d'esta proposta á província de Moçambique ao norte do rio Save; a experiencia ao sul d'este rio e a melhoria das circumstancias economicas ao norte virão a determinar a igualdade do regime em toda a província, sobretudo até ao Zambeze.

Mas, para ainda desenvolver mais o consumo dos nossos vinhos no ultramar, a doutrina da base 10.ª propõe-se isentar de qualquer imposto addicional ou municipal os vinhos portugueses, o que é um grande beneficio, por quanto sabido é de todos, que em algumas das nossas colonias africanas os vinhos pagam pesados impostos municipaes.

* *

O decreto de 25 de abril de 1895, não limitando a graduação alcoolica dos vinhos communs, acarretou abusos, principalmente em Moçambique, onde, á sombra da protecção concedida aos vinhos, se introduziu grande quantidade de alcool corado, prejudicando assim a intenção do legislador, em detrimento das receitas do Estado, e introduzindo assim subrepticiamente o alcool, que se vendia mais barato aos indigenas, visto que não pagava os direitos respectivos.

A portaria do illustre estadista Sr. Eduardo Villaça, em 21 de fevereiro de 1899, obviou a este mal, relativamente a Moçambique, determinando que a graduação do vinho commum fosse inferior a 19°, e que, quando fosso superior a 15.º, mas ainda inferior a 19°, se analysasse o vinho para se avaliar a sua natureza, e que a analyse se dispensasse quando o vinho se fizesse acompanhar de certificado da Inspecção Geral dos Vinhos e Azeites.

De tal legislado resultou que raras remessas de vinho appareciam depois com graduação superior a 17°.

O actual Ministro pesou bem os pros e contras, que vão ainda desde a graduação de 12º, admittida pelas auctoridades medicas que conhecem praticamente as regiões africanas, até á de 19°, defendida por aquelles que sustentam sor necessario, em nome dos interesses mercantis, não lutar de repente com o paladar do preto acostumado ás altas graduações do alcool industrial.

Vinho de 19° não é vinho chamado de mesa, é, em regra, alcool addicionado com vinho, o que é differente. Mão não se pode vencer de uma só vez difficuldades economicas, que respeitam interesses dos nossos commerciantes mais ainda do que dos nossos viticultores. Piano, piano, se vá lontuno, diz o adagio na sua alta philosophia.

Assim mui acertadamente se propõe uma tributação diversa para os vinhos até 15°, e para os de 15° até 17°, e uma prohibitiva para os de graduação superior a 17.º

Subentende-se, que se faz excepção quanto aos nossos vinhos generosos e licorosos, typo Porto e Madeira e Moscatel, de graduação até 23°.

E natural a tendencia do vendedor, em longinquas paragens, aonde o vinho attinge já preços bastante elevados, para o seu barateamento pela adulteração".

Este periodo do relatorio do titular da pasta ultramarina é a justificação plena e absoluta da necessidade de ás analyses chimicas que justifiquem a pureza e boa qualidade dos vinhos.

São optimos os nossos vinhos, são conscienciosos os nossos commerciantes exportadores, que só mandam para os portos de alem-mar os genuinos productos da uva dos nossos vinhedos. É mister, porem, contar com as excepções á regra geral, é necessario prever tambem que o espirito do ganho, o sacra fames auri, poderá induzir algum menos escrupuloso a desdobrar o liquido, já addicionando-lhe materias inoffensivas, já misturando-lhe substancias chimicas, que são toxicos mais ou menos energicos.

Para remediar os males que poderiam vir assim para os honestos exportadores sobre os quaes os falsificadores, domiciliados em terras longinquas, lançariam todas as culpas, existe na essencia da proposta a acertada disposição da analyse em laboratorio official, gratuita, para verificar as boas qualidades do vinho exportado. Da maneira como proceder á analyse, das penalidades que importam sobre os falsificadores, diz assas a proposta, justificadas por si proprias como corollario da necessidade da garantia do producto, que deixamos defendida pelas razões expostas.

Nem podia pensar-se em prohibir o uso das bebidas alcoolicas numas partes e de modificar o seu uso noutras, pelos princípios altruistas de defender a saude publica e, portanto, o desapparecimento gradual dos indigenas, que são o principal elemento da nossa riqueza colonial, se permittissemos, com o auxilio de um favoritismo pautal, que elles fossem depauperados por differentes processos, que todos vinham a dar no mesmo resultado criminoso, em face dos verdadeiros princípios da civilização.

Demais, a doutrina da analyse, da vigilância, inspecção e verificação da genuidade do producto existem já na legislação vinícola do 1894 e 1899.

As vossas commissões do ultramar e agricultura approvam a proposta n.° 20-C, e tem a honra de a apresentar á vossa ponderação e são criterio, sob a forma do presente projecto, que espera será convertido em lei, para bem do país e das nossas possessões ultramarinas.

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° O regime administrativo, aduaneiro e fiscal das bebidas alcoolicas distilladas, vinhos, cervejas, cidras e outras bebidas fermentadas, nas províncias portuguesas de Africa, é modificado segundo as bases que se seguem e que ficam fazendo parte integrante d'esta lei.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Bases

1.ª

É prohibida na província de Moçambique, ao sul do rio Save, a importação de bebidas alcoolicas distilladas, qualquer que seja a sua procedencia, com excepção dos casos previstos na base 5.ª

No districto militar de Gaza, no districto de Inhambane e até ao rio Save, são prohibidas, alem da importação, a producção e venda de bebidas alcoolicas distilladas, comprehendendo-se tambem n'esta prohibição as bebidas cafreaes, fermentadas ou distilladas.

3.ª

Ao sul do rio Save é prohibido estabelecer fabricas de bebidas alcoolicas distilladas e installar quaesquer apparelhos productores das mesmas bebidas ou de bebidas cafreaos, fermentadas ou distilladas.

4.ª

Na Alfandega de Lourenço Marques é permittido o despacho, em transito pelo caminho de ferro, de quaesquer bebidas alcoolicas distilladas com destino ao Transvaal.

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SESSÃO N.º 49 DE 7 DE ABRIL, DE 1902 11

5.ª

O governador geral da provincia de Moçambique, ou o funccionario que elle designar, pode auctorizar, por meio de licença, que os não indigenas importem ao sul do Save aguardentes preparadas, cognacs, genebras e licores, mas sob condição de não serem entregues, sob qualquer titulo, ao consumo dos indigenas.

6.ª

Ao sul do rio Save é prohibido vender, sob qualquer titulo, aos indigenas bebidas alcoolicas distilladas, comprehendendo-se tambem n'esta prohibição as bebidas cafreaes, fermentadas ou distilladas.

7.ª

Na provincia de S. Thomé e Príncipe é prohibido:

1.° Fazer plantações de canna saccharina, assim como installar novas fabricas ou apparelhos productores de alcool ou aguardentes;

2.° Vender alcool ou aguardente de producção local por preço superior á media nos ultimos 3 annos.

3.° A importação de bebidas alcoolicas distilladas.

§ unico. O governador da provincia pode auctorizar, por meio de licença, os não indigenas a importar aguardentes preparadas, cognacs, genebras e licores, mas sob condição e não serem entregues, sob qualquer titulo, ao consumo dos indigenas ou trabalhadores de origem africana.

8.ª

As pautas de 16 de abril e 29 de dezembro de 1892, o decreto de 25 de abril de 1895, os decretos de 7 e 19 de julho de 1900, de 2 de setembro e de 23 de dezembro de 1901 e outras disposições legaes, com relação a impostos de importação e producção dos generos n'este artigo mencionados, ficam assim Alterados.

Provincia de Moçambique (ao sul do rio Save)

Vinhos de producção nacional:

a) De graduação até 15° - 8 réis por litro.

b) De graduação de 15° a 17°-10 réis por litro.

c) De graduação superior a 17°-200 réis por litro.

Vinhos especiaes, generosos e licorosos, dos typos Porto, Madeira, Moscatel, de producção nacional e engarrafados, de graduação até 23°-10 réis por litro ou garrafa até á capacidade de l litro.

Vinhos estrangeiros, importados directamente de paizes estrangeiros ou reexportados da metropole; de qualquer typo ou graduação:

a) Em cascos - 300 réis por litro.

b) Engarrafados - 500 réis por litro ou garrafa até á capacidade de l litro.

Vinhos espumosos:

a) Estrangeiros - 600 réis por litro.

b) Nacionaes:

Typo de pasto, branco ou tinto - 10 réis por litro.

Outros typos - 50 réis por litro.

Aguardentes preparadas.

Genebras, licores e outras bebidas similares:

a) Estrangeiros - 700 réis por litro ou garrafa até esta capacidade.

b) Nacionaes ou de preparação local - 450 réis por litro ou garrafa d'esta capacidade.

Cerveja, cidra e outras bebidas fermentadas não especificadas na pauta:

a) Estrangeiras ou reexportadas da metropole - 200 réis por litro;

b) Nacional - 100 réis por litro.

Alcool e aguardentes de producção no districto de Lourenço Marques:

a) Até 60° centesimaes - 300 réis por litro;

b)De graduação superior a 50° centesimaes - 10 réis por litro e grau;

c) Alcool desnaturado de producção no districto de Lourenço Marques - 10 réis por litro.

Quando exportado vigorará o disposto no decreto n.°3, de 2 de setembro de 1901.

S. Thomé e Príncipe

Vinhos nacionaes (regimen nos tres primeiros annos que se seguirem á publicação d'esta lei):

a) De graduação até 15°- l real por litro;

b) De graduação de 15° a 17°- 4 réis por litro;

c) De graduação superior a 17°- 200 réis por litro.

d) Vinhos nacionaes (regimen no quarto e quinto annos que se seguirem á publicação d'esta lei):

a) De graduação até 15°- 4 réis por litro;

b) De graduação de 15° a 17°- 8 réis por litro;

c) De graduação superior a 17°- 200 réis por litro.

Vinhos nacionaes (regimen passados cinco annos que seguirem á publicação d'esta lei):

a) De graduação até 15°- 8 réis por litro;

b) De graduação de 15° a 17º- 10 réis por litro;

c) De graduação superior a 17º- 200 réis por litro.

Em qualquer epoca, os vinhos especiaes generosos e licorosos, dos typos Porto, Madeira, Moscatel, de producção nacional e engarrafados, pagarão até 23° o imposto de importação que vigorar para os vinhos de graduação até 17°.

Vinhos estrangeiros, importados directamente de paizes estrangeiros ou reexportados da metropole, de qualquer typo ou graduação:

a) Em cascos- 300 réis por litro;

b)Engarrafados- 500 réis por litro.

Vinhos espumosos:

a) Estrangeiros- 600 réis por litro.

b) Nacionaes:

Typo pasto, tinto ou branco - 10 réis por litro;

Outros typos- 50 réis por litro.

Aguardentes preparadas, genebras, licores e outras bebidas similares:

a) Estrangeiros - 700 réis por litro ou garrafa até esta Capacidade;

b) Nacionaes ou de preparação local- 450 réis por litro ou garrafa d'esta capacidade.

Cerveja, cidra e outras bebidas fermentadas não especificadas na pauta:

a) Estrangeiras ou reexportadas da metropole- 200 réis por litro;

b) Nacionaes - 100 réis por litro.

Provincias de Moçambique (ao norte do rio Save), Angola, Guiné e Cabo Verde

Vinhos nacionaes:

a) De graduação até 15°, l real por litro;

b) De graduação de 15° a 17°, 4 réis por litro;

c) De graduação superior a 17°, 200 réis por litro.

Os vinhos especiaes, generosos ou licorosos; dos typos Porto, Madeira, Moscatel, de producção nacional e engarrafados, pagarão, até 23°, 4 réis por litro.

Os vinhos estrangeiros, os vinhos espumosos, as cervejas, cidras e outras bebidas fermentadas não especificadas nas pautas pagarão o que fica estabelecido para a provincia de S. Thomé e Principe e para a provincia de Moçambique ao sul do rio Save.

9.ª

Os vinhos que passarem da margem esquerda para a margem direita do rio Save serão considerados como descaminhados aos direitos, para os effeitos do pagamento de multa correspondente a vinte vezes os mesmos direitos, alem da perda dos vinhos, vasilhas e vehiculos que os conduzirem, se estes tambem forem apprehendidos,

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12 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

10.ª

São isentos de qualquer imposto addicional ou municipal, nas provincias portuguezas de Africa, os vinhos de producção nacional.

11.ª

A Companhia de Moçambique adoptará o regimen d'esta lei nos territorios da sua concessão ao sul do rio Save.

12.ª

A importação clandestina de bebidas alcoolicas distilladas, de vinhos, cervejas, cidras ou outras bebidas fermentadas na provincia de S. Thomé e Principe e na provincia de Moçambique ao sul do rio Save, quer passando este rio, a fronteira terrestre, quer pelos portos maritimos e qualquer que seja a sua procedencia, é punida com a multa de 10$000 réis por litro, prisão correccional de tres mezes a um anno, alem da perda das bebidas, vasilhas e vehiculos que os conduzirem, se forem apprehendidos.

13.ª

A contravenção do disposto nas bases 2.ª e 3.ª, e bem assim a do disposto na base 5.ª e § unico da base 7.ª, é punida com a multa de 100$000 róis a 500$000 réis e prisão de um mez a seis mezes; e,

a) As bebidas alcoolicas distilladas e os apparelhos de distillação serão apprehendidos, sendo inutilizadas aquellas e perdidos estes a favor da Fazenda Nacional;

b) A licença, de que tratam a base 5.ª o § unico da base 7.ª, será retirada, não podendo ser concedida nenhuma outra ao individuo, sociedade ou firma delinquente.

14.ª

A contravenção do n.º 1.º da base 7.ª é punida com multa de 100$000 réis a 1:000$000 réis, as plantações da anna serão destruidas e os apparelhos de distillação perdidos a favor da Fazenda Nacional.

15.ª

A contravenção do disposto no n.° 2.° da base 7.ª é punida com multa de 50$000 réis a 500$000 réis, alem da perda do alcool ou aguardente que o vendedor tiver em deposito.

16.ª

A contravenção da base 6.º é punida:

a) Pela primeira vez com multa de 50$000 réis a 500$000 réis, com prisão, não remivel, de l mez a 6 mezes;

b) Pela segunda vez com multa de 100$000 réis a 1:000$000 réis e prisão, não remivel, de 3 mezes a l anno;

c) Pela terceira ou outra vez com multa de 500$000 réis a 2:000$000 réis e prisão, não remivel, de 6 mezes a 2 annos.

17.ª

Nos armazens ou locaes destinados á venda de vinhos nas colonias portuguezas de Africa, por grosso ou a retalho, assim como nos armazens ou locaes contiguos áquelles, quando pertencentes ao mesmo individuo, sociedade ou firma de que este faça parte ou em que elle tenha interesse, é prohibido ter em deposito ou a outro titulo, qualquer que seja a quantidade, alguma das substancias mencionadas na base 20.ª e, quando sejam encontradas:

a) O infractor pagará, em policia correccional, multa comprehendida entro 20$000 réis e 200$000 réis;

b) As substancias encontradas a que esta base se refere serão apprehendidas e inutilizadas ;

c) Os vinhos que existam n'aquelles armazens ou locaes serão suspeitos de impuros, as vasilhas serão lacradas e selladas, e de tudo será levantado auto em duplicado, ficando um dos exemplares em poder do interessado;

d) De cada typo ou qualidade de vinho serão colhidas tres amostras, uma das quaes será analysada em laboratorio official existente na provincia ou, quando o não haja, para ser remettida á Direcção Geral do Ultramar, a fim de mandar proceder á analyse em laboratorio official; as duas restantes ficarão em poder da auctoridade administrativa e serão entregues ao interessado quando queira usar do direito consignado na alinea f);

e) Se, em resultado da analyse, se verificar que o vinho contém alguma das substancias mencionadas na base 20.ª, e em dose superior á estabelecida na mesma base, o vinho será inutilizado e o infractor punido com a pena de prisão, não remivel, de um a seis mezes, e multa de 100$O0O réis a 500$000 réis.

f) Se o interessado se não conformar com os resultados da analyse, ser-lhe-ha applicavel o que é determinado nas bases 22.ª, 23.ª e 24.ª

18.ª
Se o vinho a que a base antecedente se refere for posto á venda antes de ter para isso auctorização escripta passada pela auctoridade administrativa que mandou proceder á diligencia, o infractor será punido com a pena comminada na alinea e) da base anterior.

19.ª

A auctoridade administrativa, sempre que suspeite de que é impuro o vinho armazenado ou posto á venda, deverá mandar colher amostras para analyse na provincia ou em Lisboa, a fim de verificar se elle contém alguma das substancias mencionadas na base 20.ª em dose superior á fixada na mesma base, e n'este caso serão colhidas tres amostras de cada typo e qualidade do vinho, com as mesmas formalidades e signaes que garantam a verificação da authenticidade, uma das quaes será destinada á analyse de oficio, ficando as duas restantes em poder da auctoridade administrativa que ordenou a diligencia e que servirão para novas analyses feitas nas condições da base 22.ª, quando o interessado se não conforme com o resultado da primeira. Provado que o vinho está nas condições da primeira parte d'esta base, será o infractor punido com a pena estabelecida na alinea e) da base 17.ª

20.ª

De todo o vinho exportado pelas alfandegas do continente do reino e ilhas adjacentes serão colhidas amostras ao acaso para, pela analyse, se verificar se contém alguma das substancias a que esta base se refere.

As amostras serão acondicionadas em garrafas bem rolhadas, lacradas e selladas por maneira que o liquido que conteem não possa ser substituido sem d'isso haver conhecimento ao conferil-as, designadas por numeros escriptos na etiqueta, e serão remettidas ao laboratorio da respectiva alfandega, quando o haja, ou a estabelecimento official de analyses que for designado. No mesmo acto será remettida á Direcção Geral do Ultramar uma guia correspondente a cada uma das amostras, contendo:

1.º Numeração das amostras;

2.° Nome ou firma do expedidor;

3.° Local do estabelecimento exportador;

4.° Qualidade e cor do vinho;

5.° Data em que foi colhida a amostra;

6.° Nome do empregado que colheu a amostra;

7.° Quantidade de vinho a que se refere;

8.° Porto e alfandega do destino.

No laboratorio que receber as amostras proceder- se-ha á analyse do vinho para verificar se contém alguma das substancias em seguida mencionadas, em dose superior á fixada nas instrucções para a analyse dos vinhos approvada por portaria de 31 de agosto de 1901;

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SESSÃO N.° 49 DE 7 DE ABRIL DE 1902 13

1.ª Gesso;

2.ª Chloreto de sodio;

3.ª Gommas;

4.ª Glycerina;

5.ª Acidos sulfurico, azotico, chlorydrico, salicylico, borico e benzoico;

6.ª Saes ou oxydos de baryo, de magnesio, de stroncio, de aluminio, de chumbo e de ferro;

7.ª Materias corantes derivadas da hulha e outros productos chimicos corantes, cochonilha, madeiras tinturiaes, urzella e phytolaces;

8.ª Qualquer substancia toxica.

21.ª

O resultado da analyso, a que se procederá dentro de um praso não superior a dez dias, será immediatamente communicado á Direcção Geral do Ultramar com a designação da numeração da amostra.

Quando pela analyse se verificar que o vinho contem alguma das substancias mencionadas na base 20.ª e em dose superior á na mesma base fixada, será o facto communicado pelo telegrapho e alfandega destinataria, e o individuo ou firma consignataria será intimado a ver inutilizar o vinho e as respectivas vasilhas, podendo declarar que reclama contra o resultado da analyse, devendo para isso -:

1.° Fazer o deposito correspondente a 50 réis por litro de vinho, que será perdido a favor do Estado, se o reclamante dentro do praso de seis mezes não provar com o resultado de analyses feitas cm dois estabelecimentos officiaes, que o vinho não contém alguma das substancias designadas na base 20.ª;

2.° As amostras serão colhidas na alfandega em garrafas lacradas, selladas e rubricadas pelo interessado ou seu representante, e remettidas á Direcção Geral do Ultramar, que as enviará aos laboratorios designados pelo reclamante.

23.ª

Se as novas analyses forem conformes em que o vinho não contém as substancias que o fizeram considerar impuro, será submettido a despacho, e será restituido o deposito; se o contrario acontecer, o vinho e as vasilhas serão inutilizados, o deposito - perdido a favor do Estado, e o nome do expedidor será publicado no Diário do Governo e no Boletim Official da Provincia e com a nota das impurezas encontradas.

24.ª

O praso de seis mezes a que se refere o n.° 1.° da base 22.ª poderá ser prorogado por motivo de força maior, devidamente comprovado perante a Direcção Geral do Ultramar.

25.ª

São considerados estabelecimentos officiaes de analyse, para os effeitos d'esta lei, os laboratorios da Escola Polytechnica, Instituto de Agronomia, Instituto Industrial de Lisboa, Laboratorio de Analyses Chimico-Fiscaes, Laboratorio da Estação Agronomica de Lisboa, Academia Polytechnica do Porto, Instituto Industrial do Porto, Laboratorio Municipal do Porto, Inspecção Geral dos Serviços Tectnicos Aduaneiros, alem dos laboratorios de analyses que venham a ser estabelecidos junto dos alfandegas:

§ unico: Os laboratorios officiaes são obrigados a proceder ás analyses e a enviar os respectivos relatorios duraste os prasos estabelecidos na presente lei, quer se trate das primeiras analyses, quer das de recurso.

26.ª

Todos os serviços de analyses não gratuitos para o exportador, excepto as analyses de recurso, que serão pagas pelo recorrente, para o que, com a respectiva declaração, depositará quantia que, segundo as tabellas dos laboratorios designados, corresponder ao serviço das analyses.

27.ª

Do disposto nas bases 20.ª a 25.ª da presente lei serão exceptuados os vinhos exportados com marca official, a qual attestará a força alcoolica do vinho o que não contém nenhuma das substancias mencionadas na base 20.ª em dose superior á na mesma base mencionada.

28.ª

Os chefes das casas commerciaes, de fazendas agricolas, fabricas, de lavras mineiras, ou outras pessoas que tenham empregados ou trabalhadores sob as suas ordens, ou, quando os chefes não residam na respectiva colonia, os seus representantes, procuradores, administradores ou feitores, são responsaveis pela contravenção do disposto n'esta lei, quando praticada pelos seus subordinados, salvo quando provarem que não podiam ter conhecimento de tal contravenção.

29.ª

Quando o infractor não pagar a multa que lhe foi imposta, soffrerá prisão correspondente a 2$000 réis por dia, a qual, junta á pena de prisão a que for condemnado, não poderá exceder a dois annos.

30.ª

Nas provincias portuguesas de Africa cessa, com relação a vinhos e bebidas alcoolicas distilaadas, cervejas, cidras e outras bebidas fermentadas, qualquer beneficio differencial concedido pelas pautas em vigor ás mercadorias produzidas, nacionalizadas ou reexportadas da metropole ou das outras provincias ultramarinas, ou da provincia de Moçambique ao norte do rio Save.

31.ª

O disposto n'esta lei é sem prejuizo de tratados e convenções internacionaes e das cartas de concessão de companhias privilegiadas.

32.ª

O Governo e os governadores das provincias portuguezas de Africa farão os regulamentos que se julgarem necessarios para a completa execução d'esta lei.

Sala das sessões da Camara dos Senhores Deputados, em 22 de março de 1902.= Marianno de Carvalho = Alberto Navarro = Custodio Miguel de Borja = Antonio Alberto Charula Pessanha = Rodrigo A. Peguito = Manuel Fratel = Luiz de Mello Correia = José Maria de Almeida Simões = Joaquim F. Poças Leitão = Antonio Rogue da Silveira = Ernesto Nunes da Costa e Ornellas = Anselmo Vieira=Augusto Louza = Belchior José Machado = Antonio de Almeida Dias = Luiz G. dos Reis Torgal = José Maria Pereira de Lima, relator. = Tem voto dos Srs.: D. Luiz Filippe de Castro -Antonio Rodrigues Ribeiro.

Senhores.- A vossa commissão de fazenda concorda com o parecer das commissões do ultramar, e agricultura.

Sala da commissão de fazenda, em 22 de março de 1902. = João M. Arroyo = Conde de Pacô - Vieira = D. Luiz de Castro = Augusto Louza = J.M. Pereira de Lima = Manuel Fratel = H. Matheus dos Santos = Anselmo Fieira = Lopes Navarro = Alberto Navarro = Abel Andrade = Rodrigo A. Pequito.

N.º 20-C

Senhores. - Todos os paizes que exercem dominação na Africa se preoccupam vivamente com a mão d'obra. Não bastam a acção dos Governos, a iniciativa de poderosos capitaes, construir caminhos de ferro, rasgar estradas, regular a distribuição e exploração das terras, melhorar os portos,

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14 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

ligá-los pela navegação maritima aos centros commerciaes da Europa: todos esses esforços serão baldados, se no sertão africano faltar o indigena, o unico capaz de impunemente affrontar os rigores e perigos do clima. Sem o indigena tudo seria perdido, averiguado como está que o branco, entregue ao trabalho do campo, exposto ao sol ardente dos tropicos e ás exalações pestilenciaes dos pantanos, a breve trecho seccumbe na lacta com tão formidaveis inimigos.

Se no centro e sul da Africa ha um ponto ou outro onde a raça branca se pode aclimar e perpetuar, não é ahi exactamente onde o solo offerece riquezas agricolas, florestaes e mineiras, que os povos europeus procuram e precisam explorar.

É preciso, pois, considerar o indigena africano como precioso elemento de riqueza, e não como um ser inferior a quem não devemos protecção e tutela.

Duas verdades se impõem como evidentes nos países que olham as colonias de Africa, não já como theatros de façanhas que engrandecem a historia, mas como campo de exploração economica que enriquece os povos: evitar as guerras, que entre indigenas e contra indigenas são quasi sempre do exterminio, e afastar d'estes tudo quanto possa inutilizá-los para o trabalho, precipitar-lhes o termo da vida o prejudicar-lhes as faculdades procriadoras. Se não fossemos levados pelo indeclinavel dever moral de lhes dar uma tutela honesta, se não fossemos determinados por sentimentos de humanidade, teriamos de proceder em virtude da força da razão economica, que nos obrigará a não deixar desvalorizar os territorios, que, sem o indigena, ficariam reduzidos a nullo valor.

Não é, pois, sentimentalismo e que possa classificar-se de exagerado, mas a comprehensão de que a manutenção da raça indigena africana, com toda a sua resistencia para o trabalho, é ao mesmo tempo o cumprimento de um dever e a satisfação de uma necessidade economica.

O peior, o mais formidavel inimigo do indigena africano, a principal causa da sua mortalidade, é o alcool, o alcool que lhe dá morte precoce pelo alcoolismo chronico quando o não prostra pela forma fulminante. Inutiliza-o para o trabalho, deprime-lhe as funcções procriadoras tornando-o esteril, o alcool é, emfim, inimigo que, se não for desviado, reduzirá a proporções minimas a população africana e com ella a riqueza do continente negro.

Comprehende-se quaes sejam os resultados da embriagues habitual pelo alcool e, sobretudo, quando este é o mais impuro e venenoso.

Por ser assim, o Estado Independente do Congo prohibe o uso de bebidas alcoolicas distilladas em determinadas regiões do seu territorio; nas colonias inglesas do sul da Africa prohibe-se pela maneira a mais absoluta a venda das mesmas bebidas aos indigenas, com penas gravissimas aos contraventores.

Procedendo assim, reconhecem como obrigação de tutelar uma raça inferior e como principio de proveitosissima administração, o evitar que a raça indigena africana se reduza por maneira fatal para as suas colonias.

Desde muito tempo que os delegados do Governo Português na provincia de Moçambique veem reclamando providencias que ponham termo ao horroroso espectaculo que ali quotidianamente se observa, em que o definhamento da raça indigena se faz correndo parelhas com a mais repugnante immoralidade. E não podia deixar de ser assim, dada a propensão do indigena para a embriagues, dada a, profusão de bebidas enebriantes que enchem a provincia. Alcool que é importado pelas alfandegas maritimas, alcool produzido em condições regulares de exploração industrial, e, como se isto não chegasse, o indigena distilla a canna saccharina, ananazes, mangas, mandioca, plantas, fructos, raizes, tudo quanto possa fornecer-lhe o terrivel veneno, que destina aos adultos, e ás creanças em substituição seios das mães.

Um alto funccionario português e que foi tambem um notavel homem de lettras, recentemente prostrado pela morte, dizia em relatorio apresentado ao Ministerio da Marinha e Ultramar:

«Numa revista de caçadores das terras, a que assisti na Maxixoc, a minha propria observação inexperta reconheceu caracteristicos inequivocos de degradações moraes e de degenerescencia physica. Parecia-me estar vendo ali, pintadas de preto, as escorias humanas das grandes cidades devassas. Na geral decadencia sobresaiam os regulos e as suas aristocraticos familias, quasi todos tremelicantes, estupidos, jogralescos ou furibundos, sem lampejo dos mais naturaes instinctos da dignidade humana, espojando as burlescas cabaias encarnadas em todas as immundicies, e não tendo senão um gesto e uma palavra para exprimirem as suas aspirações perante um induna a ré: bater com a mão no estomago e dizer, fome, fome!

Fome chamam elles á implacavel sêde do alcool.»

Já na actualidade são graves os inconvenientes que resultam de tal estado de cousas: escasseiam os trabalhadores agricolas, os carregadores para o transporte de productos commerciaes, e o indigena que regressa do Transvaal, com o producto do seu labor mineiro, longe de manter a regeneração de costumes, imposta pelo trabalho e pelo regime hygienico ali adoptado, vem novamente debater-se nos effeitos da embriaguês alcoolica, desaproveitando tudo quanto adquirira em regneração moral e em meios de vida.

No futuro, e em futuro proximo, a provincia de Moçambique verá accentuar-se a desvalorização que já agora se mostra bem saliente e por forma a preocupar quem tem de abranger o problema colonial em toda a sua plenitude.

O que dizemos de Moçambique com mais fundada razão ainda deve ser considerado dito da provincia de S. Thomé e Principe.

A ilha de S. Thomé é, sem duvida, a mais florescente colonia do oceano Atlantico, que bem attesta quanto são poderosas os qualidades colonizadores dos portugueses e quanto vale e pode a iniciativa particular, quando é intelligentemente dirigida.

No mesmo caminho de prosperidade segue a ilha do Principe, mas uma e outra luctam com as difficuldades da mão d'obra, peculiares ás colonias onde o trabalhador tem de ser importado. Na verdade, a mão d'obra preoccupa os agricultores da provincia, porque, a despeito de as possiveis facilidades, não dispõem do necessario numero de trabalhadores para a exploração regular de todos os terrenos que na provincia são exploraveis. Ali, como em nenhuma outra das colonias portuguesas africanas, conservar a vida e energia do indigena para o trabalho, evitar-lhe o definhamento, afastar tudo quanto obste á sua propagação, são condições essenciaes para que a provincia de S. Thomé e Principe mantenha a prosperidade que tão notavelmente a salienta.

Ao contrario do que os seus detractores affirmam, o trabalhador de S. Thomé é cuidado, considerado como elemento indispensavel de riquesa; mas a comprehensão do problema da mão d'obra ainda não adquiriu a nitidez que faça ver aos agricultores que todos os seus cuidados com os serviçaes se esbarram e perdem de encontro aos graves inconvenientes que resultam do uso do alcool, que lhes consentem e facultam.

Tem, pois, a questão de sair da alçada dos principaes interessados para a acção dos poderes publicos.

Tudo, pois, aconselha que se prohiba já o uso de bebidas enebriantes aos indigenas, onde a prohibição é possivel sem determinar perturbações economicas, e que o uso d'ellas se restrinja em todas as colonias portuguesas africanas, tributando-as e substituindo-as por bebidas que,

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sem os effeitos deleterios das bebidas alcoolicas distilladas, sejam recebidas pelos indigenas.

Se países que não produzem vinho prohibem aos indigenas africanos o uso das bebidas alcoolicas distilladas Portugal pode cumprir esse dever de humanidade, evitar a desvalorização das suas colonias e ao mesmo tempo concorrer poderosamente para a resolução de um dos mais importantes problemas da sua economia.

Façamos tratados de commercio, onde e quando for possivel, facilitemos a formação indispensavel de typos de vinho por meio de adegas sociaes, facilite-se a transformação dos vinhos baixos em aguardente, promova-se a exportação por meio de premios, proteja-se a agremiação de lavradores com o fim de obterem capitães necessarios para ir procurar novos mercados, faça-se aturada e intelligente propaganda lá fora, mas não esqueçamos que as nossas colonias podem, ser importantes mercados dos nossos vinhos, evidentemente em excesso, devido á imprevidente extensão dada á cultura da vinha e ao decrescimento da exportação.

Não é o nosso país o unico que se debate nesta difficuldade, economica. Os mercados são limitados no seu consumo; a vinha tem tomado consideravel desenvolvimento em todos os países susceptiveis de produzir vinho, e o resultado é uma crise de abundancia, que a muitos afflige.

No Journal des Economistes, de 15 de fevereiro do anno corrente, Mr. La Clavière publica um artigo notavel sob o titulo La crise viticole, que em nada esclarece a nossa questão, mas que mostra quantos pontos de contacto ha entre os dois paises, no que diz respeito á crise vinicola. Os periodos que se seguem, d'aquelle artigo transcriptos, mostram a paridade da situação, e, coincidencia curiosa, mostram ainda que uma e outra teem a mesma causa, as mesmas responsabilidades e que, por vezes, para a debellar, os interessados pedem o mesmo remedio, que, em França como em Portugal, é improficuo.

«Em 1899, a situação é a seguinte: existem em França 1.697:000 hectares de terrenos plantados de vinha, dando um rendimento de 47.908:000 hectolitros, ou seja um augmento, sobre 1886, de 22.845:000 hectolitros. No curto espaço de 13 annos a producção é quasi dupla, a concorrencia foi supprimida e os viticultores continuam a procurar compradores por toda a parte. Mas tambem os países estrangeiros lançaram sobre os nossos vinhos direitos prohibitivos enormes, e de 1886 a 1896 a exportação desceu de 2.700:000 a 1.700:000 hectolitros; ou seja uma perda de 1.000:000 hectolitros.

Diante da imminencia do perigo, tem-se novamente recorrido ao Estado encarregando-o de encontrar a suprema panacéa para o mal presente.

A lei de 1897 tinha dado um grande passo para a suppressão do imposto do consumo...

... O Ministro da Fazenda fez votar a lei de 20 de dezembro de 1900, que concede ás bebidas hygienicas uma isenção quasi integral do imposto.

Parecia que todo o perigo seria afastado, mas o contrario foi o que aconteceu: o Meio Dia agita-se cada vez mais; desde o começo de 1901 os comicios de protesto succedem-se, os syndicatos entreteem por toda a parte uma vasta agitação, emquanto que as assembléas municipaes e departamentaes estão em vesperas de dar a sua demissão. Reclama-se ainda o apoio do Governo, é accusado de todo o mal, e os viticultores, cegos ás verdadeiras causas da crise, negam-se a confessar que são elles os proprios auctores da sua ruina».

No artigo citado, Mr. La Clavière encontra como principal obstaculo á resolução da crise vinicola em França o regime protector do seu país. A quem as portas fecha, os mercados se não abrem, verdade economica que tão bem nos quadra como á França.

Nós tambem não viamos que a exportação decrescia, sendo por isso perigoso o desenvolvimento dado á cultura da vinha, e o resultado evidencia-se agora.

A media annual dos vinhos exportados de 1896 a 1900 foi no valor de 10.860:000$1000 réis; isto é, menos 3.730:000$000 réis do que em 1885, menos 6.023:000$000 réis do que em 1886, menos 2.596:000$000 réis do que em 1892.

Se, com relação ao anno de 1892, fizermos a correcção, attenta a circumstancia de naquelle anno haver a exportação extraordinaria de vinhos do Porto para as docas de Londres e ligada á operação da prata, ficam ainda com a sua desoladora evidencia os algarismos que representam o decrescimento da exportação em relação aos annos de 1885 e 1886.

Indo procurar uma epoca mais proxima, o anno de 1898, notaremos que a exportação de vinhos communs excedeu a de 1900 em 202:000$000 réis e a de vinhos do Porto em 717:000$000 réis. A exportação em 1898 já estava notavelmente diminuida, pois sendo no valor de réis 11.491:000$000, fôra em 1886 no valor de 16.883:000$000 réis; em 1900 ainda baixou de 919:000$000 réis da que fôra em 1898.

Em 1900 tinha a exportação descido para 8.024:586 decalitros da de 1899, que fôra de 8.352:624 decalitros.

Pois o conhecimento d'este cair de anno para anno da exportação não impediu, que as plantações de vinha se desenvolvessem, como se novos e grandes mercados se nos tivessem deparado e que nos dessem a segurança de que a antiga e florescente exportação ia augmentar consideravelmente, e até ao ponto de dar saída ao excesso de producção.

Como em França, se fez appello ao Governo, e o Governo, animado do mais vivo desejo de attenuar uma crise que se desenhava grave nos seus effeitos, promulgou o decreto de 14 de junho ultimo, em que foi attendido o que nessa epoca lhe pareceu mais proprio para conseguir o desejado fim, e, para attender uma instante reclamação que lhe era feita e que os interessados apresentaram como tendo effeitos rapidos e seguros, foi até ao sacrificio de alguns impostos.

É certo que os viticultores continuam pedindo novos auxilios; mas muito mais grave seria a crise se as providencias contidas no decreto acima referida não fossem adoptadas.

Com o mesmo decidido empenho o Governo traz ao Parlamento a presente proposta de lei, complementar das medidas já tomadas.

Os mercados coloniaes poderão dar largo consumo aos nossos vinhos? Sem duvida. Estão já iniciados, devido isto a acertadas providencias adoptadas por illustres antecessores meus na gerencia da pasta da marinha e ultramar.

O quadro que se segue o demonstra.

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Quantidades e valores dos vinhos nacionaes recebidos nas colonias portuguesas de Africa no anno de 1900

[ver tabela na imagem]

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Como se vê, em 1900, as nossas colonias africanas consumiram vinho português no valor de 936:574$000 réis, para o que Angola entrou com 300:430$000 réis e Moçambique com 478:174$000 réis.

Este consumo foi favorecido, se não foi determinado, pelo decreto de 25 de abril de 1895, decreto francamente protector para os vinhos nacionaes, pois que, augmentando as taxas de importação dos vinhos, cervejas e bebidas distilladas, estrangeiros, reduziu a l real por litro o direito de importação dos vinhos nacionaes, communs e licorosos, nas alfandegas das provincias ultramarinas de Africa.

A designação de vinhos communs ou ordinarios, sem limite para a sua graduação alcoolica, prestou-se a abusos, principalmente em Lourenço Marques, onde, á sombra do direito estatistico, l real por litro, se introduzia alcool corado, verdadeira aguardente preparada, sem, comtudo, pagar o elevado direito que esta tinha na pauta que vigorava. Para o Estado resultava grande prejuizo, porque o alcool entrava disfarçado em vinho sem pagar direitos, o que se traduzia na baixa consideravel da importação do alcool e aguardente por aquella alfandega; para o indigena resultava a embriagues que o impossibilitava para o trabalho e o definhava, pelo motivo de encontrar uma bebida com os effeitos excitantes do alcool, mais barata por não pagar direitos, podendo por isso augmentar a quantidade.

Pelo quadro seguinte, relativo á importação do vinho e alcool em Lourenço Marques nos 3 annos que precederam o de 1899, se vê:

a) Emquanto que augmentava a importação de vinhos, diminuia a importação de alcool;

b) Que o Estado fez em beneficio da viticultura o sacrificio de uma receita importante.

[ver quadro na imagem]

Vê-se que de vinho e alcool o Estado cobrou, em 1898, 90:213$464 réis, quando dos mesmos productos cobrara, em 1896, 232:215$988 réis. Só em 1898 o Estado perdeu, feita a comparação para 1896, 142:002$255 réis.

É conveniente relembrar estes factos para se reconhecer quanto os Governos se teem empenhado em proteger a viticultura.

A portaria de 21 de fevereiro de 1899, do meu illustre antecessor, o Sr. Eduardo Villaça, poz termo ao abuso. D'ella se fará adeante mais larga referencia.

É indubitavel que as nossas colonias africanas poderão vir a ser muito importante mercados para os nossos vinhos. A população indigena, que é grande, e que não dispensa bebidas enebriantes, poderá vir a fazer um grande consumo de vinho. Persuadi-la de que o uso do vinho é preferivel, de que não produz os effeitos nocivos do alcool, é inutil.

Ha só um meio seguro: é prohibir, onde seja possivel, o uso do alcool. Ao mesmo tempo que procederemos com humanidade, evitando ao indigena a sua ruina em connsequencia dos deleterios effeitos do alcool, defenderemos a economia das colonias impedindo que ellas se desvalorizem pela falta de trabalhadores, e defenderemos a economia da metropole promovendo o consumo dos seus vinhos.

Poderemos nós prohibir o uso do alcool em todas as nossas colonias de Africa? Não; é preciso attender ás circumstancias economicas de cada uma.

Seria a provincia de Angola um vasto mercado para os nossos vinhos, onde, em 1900, já o consumo attingiu o valor de 300:430$000 réis; mas, prohibir ali o uso do alcool, sem que mudem as circumstancias da sua economia, a ruina da provincia seria um facto. Angola é uma colonia, cuja riqueza consiste na permuta commercial com os indigenas do interior e na agricultura de uma parte do littoral. Com uma imprevidencia lastimavel foi ali dado grande desenvolvimento ás plantações de canna saccharina, destinada á transformação em alcool. Sem inquirirem da capacidade do consumo do alcool na provincia, deram consideravel desenvolvimento á sua producção, por maneira que, quando teve de ser tributado, como fôra convencionado em Bruxellas, os productores se viram em difficuldades.

Por um lado, a cultura da canna é a base da agricultura da provincia; pelo outro, o alcool é ainda o principal elemento de permuta para o commercio com os indigenas, e continuará a sê-lo emquanto não podermos chegar directa e activamente aos centros commerciaes do interior. Só ali prohibissemos a producção, venda e uso do alcool, alem da ruina agricola da provincia, veriamos o indigena procurá-lo onde o houvesse, levando para troca a borracha, a cera e os outros productos do sertão.

Já o mesmo se não pode dizer do sul da provincia de Moçambique. Nem ali tem importancia a troca de artigos de commercio com os indigenas nem ha, como em Angola, a canna saccharina a constituir a base da agricultura. O sul da provincia de Moçambique caminha a passos tão agigantados para a civilização, que tudo aconselha que ali se proceda como em país civilizado; tudo aconselha, visto que é exequivel, que se proteja a vida do indigena afastando-o de bebidas deleterias, o que é tanto mais facil quanto é certo que uma grande parte dos indigenas d'aquella região vão ás minas do Transvaal encontrar trabalho remunerador, mas onde o uso das bebidas alcoolicas lhes é prohibido, devendo por isso perder o mortificante habito.

Na presente proposta de lei prohibe-se, salvos casos de excepção, a importação de bebidas alcoolicas distilladas ao sul do rio Save e adoptam-se medidas destinadas a afastar dos indigenas as bebidas enebriantes, quer de industria regular, quer as cafreaes, fermentadas ou distilladas.

Dada a facilidade como os indigenas d'aquella região se habituam ao vinho e em substituição d'aquellas bebidas legitimo é concluir que elle irá ali ter largo consumo, o qual irá rapidamente, com as providencias na presente proposta de lei adoptadas, a muitas dezenas de mil pipas.

Não permittem as circumstancias economicas actuaes applicar já o regime d'esta proposta á parte da provincia de Moçambique ao norte do rio Save; a experiencia ao sul d'este rio e a melhoria das circumstancias economicas ao norte virão a determinar a egualdade do regime em toda a provincia, sobretudo até ao Zambeze.

Faz-se uma excepção, no que diz respeito á importação, para as bebidas alcoolicas distilladas que os europeus usam; em taes condições, que não é prejudicado nenhum dos fins que se tem em vista.

Está, prohibida no Transwaal a venda das bebidas alcoolicas aos indigenas, o que não impede que os europeus as usem; e, como não devemos impedir o transito de quaesquer mercadorias para ali, permitte-se que ellas sejam despachadas em transito pelo caminho de ferro, por haver assim a segurança de que não ficam em territorio português.

O mesmo regime não pode desde já ser inteiramente applicado á provincia de S. Thomé e Principe, embora tenha de ser especialmente considerada para o fim que esta proposta de lei visa.

Como já acima ficou dito, em nenhuma outra colonia

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portuguesa se justifica mais a prohibição do uso das bebidas espirituosas, o mais formidavel inimigo do indigena do sertão africano; as circumstancias de occasião impedem porem, que se proceda exactamente na provincia de S. Thomé e Principe como fica estabelecido para o sul da provincia de Moçambique.

Ha ali importantes fazendas, onde a cultura da canna saccharina e sua transformação em aguardente representam valiosos capitães empregados, que não devem ser levados á ruina.

Na presente proposta de lei prohibe-se a importação de bebidas alcoolicas distilladas, mas respeitam-se os direitos dos proprietarios das actuaes plantações. E para que o preço das aguardentes produzidas na provincia não augmente pela falta de concorrencia das aguardentes e alcool estrangeiros, não poderão ser vendidas por preço superior ao medio dos ultimos tres annos. Não se permittem novas plantações de canna, não é consentida a installação de novas fabricas, nem de quaesquer apparelhos de distillação, por maneira que, quando as actuaes plantações se esgotarem, o uso das bebidas alcoolicas destilladas estará extincto na provincia. Não serão lezados os direitos adquiridos pelos proprietarios das plantações da canna existentes, e chegada a epoca em que estas se extinguem, os terrenos poderão, talvez, ser aproveitados para outras culturas mais ricas.

Se podesse merecer reparos por parte dos plantadores de canna a medida que esta proposta de lei contem, evidentemente restrictiva da cultura da principal materia prima para a producção de aguardentes em Africa, citariamos o procedimento do governo local do Transvaal, que acaba de prohibir, com severissimas penas, a venda de bebidas alcoolicas aos indigenas. E, todavia, no Transvaal ha muitas e importantes fabricas do alcool e aguardentes.

Modifica-se em S. Thomé a tributação dos vinhos estrangeiros, cervejas, cidras e outras bebidas fermentadas não especificadas na pauta, eleva-se a tributação das aguardentes preparadas, cognaes, genebras e licores, e estabelecem-se tres tributações diversas nos vinhos nacionaes, correspondentes aos tres primeiros annos depois de publicada esta lei, ao quarto e quinto annos, e ao periodo que começa passados cinco annos.

A razão é obvia. Por emquanto, attenta a producção consideravel de aguardente na provincia, os vinhos nacionaes não teem livre e desembaraçado o seu consumo. Tendo de luctar com as aguardentes é necessario que o seu preço os proteja na lucta.

D'ahi a razão porque se estabelece a tributação progressiva, sendo a maxima quando se suppõe que estará extincta inteiramente a aguardente de producção provincial.

Se ao Estado incumbe auxiliar os interesses da economia da nação, é preciso não esquecer que o Thesouro necessita dos meios para occorrer ás suas despesas, e que estes são tão importantes como aquelles.

Não se trata agora de procurar receita nova, mas de compensar os prejuizos que nos rendimentos das alfandegas ultramarinas se dito pela protecção aos vinhos nacionaes.

Como já acima fica dito, o decreto de 25 de abril reduziu a l real por litro o direito sobre os vinhos communs e licorosos, nacionaes, quando importados pelas alfandegas das nossos provincias africanas.

A designação de vinhos communs, sem limite de graduação alcoolica, trouxe os abusos já referidos e que, para Moçambique, foram evitados pela portaria de 21 de fevereiro de 1899, em que se preceituou:

1.º Que nas alfandegas da provincia de Moçambique fossem classificados como vinhos communs ou ordinarios os que tivessem graduação inferior a 19°;

2.º Que a verificação da força alcoolica do vinho fosse feita nas alfandegas d'aquella provincia, por meio de ebuliometros, de Malligand ou Salleron;

3.° Que quando a força alcoolica fosse superior a 15° e não superior a 19° poderia o producto ser submettido á analyse, a fim de se avaliar a sua natureza, sendo, comtudo, permittido o despacho, mediante o deposito dos direitos, como aguardente preparada, restituindo-se a differença apenas se provasse que era vinho genuino;

4.° Que emquanto na provincia de Moçambique não estivessem organizados os serviços para as analyses, seriam remettidas ao Ministerio da Marinha e Ultramar amostras dos productos sobre que houvesse contestação, o qual os mandaria examinar nos estabelecimentos officiaes para tal fim designados;

5.° Que a verificação da força alcoolica e analyse seriam dispensadas quando os vinhos fossem acompanhados de certificados da inspecção geral de vinhos e azeites, garantindo a genuidade e indicando a força alcoolica do producto e as vasilhas tivessem apposta a respectiva marca official.

A dois fins visava a portaria, cuja extracto fica feito: evitar os prejuizos que para o Thesouro e para o credito dos vinhos resultavam de uma alcoolização alem de 19°; garantir a genuidade do vinho. Os resultados beneficos não se fizeram esperar, e raro é o vinho que hoje ali entra com graduação excedente a 17°. A alcoolização media é muito inferior. É alcoolização sufficiente? É maior do que a precisa para que os vinhos possam impunemente supportar as elevadas temperaturas dos climas tropicaes?

É uma questão largamente debatida.

Os medicos de Lourenço Marques entendem que se deve imitar a alcoolização a 12°. As auctoridades da provincia pedem que a alcoolização tolerada não exceda 15°, devendo ser inferior. Por outro lado ha quem sustente que a alcoolização até 19° é necessaria para que o indigena possa preferir o vinho ás bebidas alcoolicas distilladas.

E todos julgam ter razão: os que sustentam a conveniencia d'esta forte alcoolização, por entenderem que d'esta maneira é mais seguro o successo dos nossos vinhos; os que recommendam uma alcoolização inferior, porque os vinhos de fraca alcoolização são inoffensivos, porque salientam melhor as suas qualidades e ainda porque se evitam os desdobramentos, os quaes fariam que uma parte de agua substituisse o vinho.

Comprehendia-se a alcoolização até 19° para concorrer com o alcool e aguardente; mas, dada a prohibição d'estas bebidas, a graduação a adoptar deve ser a que mais convenha ao consumidor e ao credito dos vinhos. Evidentemente, vinho de pasto com uma alcoolização de 19° deixa de ser vinho de pasto para se tornar em uma bebida alcoolica.

E assim, estabelece-se tributação diversa para os vinhos até 15º, de 15° a 17°, e prohibitiva para os vinhos de graduação superior a 17°.

Faz-se excepção para os vinhos especiaes, generosos e licorosos, dos principaes typos, de graduação até 23°. É a alcoolização normal e indispensavel d'estes vinhos. Estabelece-se a restricção para os vinhos engarrafados, porque só os vinhos especiaes, caros, podem supportar as despesas do engarrafamento, por maneira que se deve ficar seguro de que os vinhos communs não poderão aproveitar-se da excepção.

Como em algumas colonias os vinhos pagam grandes impostos municipaes, o que lhes difficulta o consumo, que será sempre influenciado pelo preço da venda, fica estabelecido que são isentos de qualquer imposto addicional ou municipal, nas provincias portuguesas de Africa, os vinhos de producção nacional.

Como vereis, tendo sido extensivo a todas as colonias

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portuguesas de Africa o disposto no decreto de 25 de abril de 1895, acêrca da tributação dos Vinhos nacionaes, na presente proposta de lei estabelece-se uma alteração naquelle diploma, ainda com o fim de se evitar que, sob o nome de vinho, pelas alfandegas ultramarinas entrem vinhos de graduação alcoolica superior ás exigencias da sua conservação, o que prejudicaria o credito do vinho, a saude do consumidor e ainda o Thesouro Publico nas suas receitas.

E assim, nas provincias de Cabo Verde, Angola, Guiné, e na provincia de Moçambique, ao norte do rio Save, os vinhos nacionaes pagarão:

Por litro

Até 15º .............................. $001
De 15º a 17º.......................... $004
De graduação superior a 17° .......... $200

Eleva se a tributação da cerveja e de outras bebidas fermentadas; augmenta-se a tributação dos vinhos estrangeiros, tudo concernente a proteger os nossos vinhos, por maneira que, alem do consideravel augmento de consumo que é legitimo esperar em S. Thomé e Moçambique, elles obtenham augmento de venda em todas as colonias portuguesas de Africa.

Se nos convencemos de que as colonias virão a ser os melhores mercados dos nossos vinhos, se nellas prohibir-mos, por uma taxação elevada, os vinhos estrangeiros, a cerveja, cidras e outras bebidas fermentadas não especificadas na pauta; se somente em condições excepcionaes se permitte a importação de bebidas distilladas para uso proprio de não indigenas, tudo para se favorecer a importação de vinhos nacionaes, necessario e logico é que o consumidor tenha as seguranças e garantias de genuidade da bebida que, pela força das circumstancias, tem de usar.

Condemnavel seria restringir ao vinho a venda de bebidas, de caracter alcoolico, quando o consumidor se visse forçado a usar vinhos de inferior qualidade e nocivos á saude.

Sem cuidados especiaes, em taes circumstancias, a adulteração dos vinhos seria consequencia fatal.

É natural a tendencia do vendedor, em longinquas paragens, onde o vinho attinge já preços bastante elevados, para o seu barateamento pela adulteração. É trivial este facto, que se dá com todas as mercadorias de preço elevado e que sejam susceptiveis de adulteração ou de imitação. Se nos decretos de l de setembro de 1894 e 23 de dezembro de 1899 se reconheceu a conveniencia de providenciar em ordem a evitar que no reino os vinhos fossem adulterados, no reino onde a abundancia do vinho menos provavel deixava a adulteração, com mais razão ainda é conveniente providenciar no sentido de evitar que nas colonias, onde o vinho chega já por preço elevado, se offereça ao consumo uma bebida que, prejudicando pela sua concorrencia a venda dos vinhos puros e genuinos, seja nociva á saude publica.

Adoptam-se, por isso, na presente proposta de lei providencias destinadas a combater a adulteração do vinho nas colonias, punindo fortemente as falsificações. É necessario e logico.

Mas, de que servirá uma rigorosa fiscalização nas colonias, se o importador ou vendedor allegar que não foi ali que os vinhos foram adulterados e que os recebeu como foram postos á venda?

Haverá só uma resposta: demonstrar, que os vinhos enviados da metropole, quando exportados, não continham nenhuma das substancias consideradas prejudiciaes á qualidade e ao credito do vinho.

Os vinhos exportados são genuinos e puros, a esse respeito não pode haver duvidas, e o que se disser em contrario é calumnioso; mas, comprehende-se bem que, sendo facil e convidativa a adulteração e falsificação nas colonias, para serem reprimidas e punidas, necessario, indispensavel se torna mostrar que o abuso, a falta punivel, são de ali e não do reino. Fora d'isto, a fiscalização nas colonias seria inutil, e em logar de abrirmos mercados aos nossos vinhos, abri-los-iamos aos productos da fraude.

Não vem o Governo propor que os vinhos só possam ser exportados para as colonias com marca official de garantia, apposta em armazens do Estado, rigorosamente fiscalizados, e por maneira que ella seja inilludivel na sua significação; vem apenas habilitar a fiscalização nas colonias a reprimir com segurança as falsificações.

A marca de garantia é dispensavel, pois genuinos e puros são os vinhos exportados, e no seu credito ninguem é mais interessado do que o exportador, commerciante ou não. Traria difficuldades, despesas e damnos, que embaraçariam o commercio.

Como apenas se trata de cortar nas colonias a allegação de que os vinhos foram recebidos do reino já improprios para o consumo, allegação que seria derimente se prova em contrario não fosse feita, estabelece-se na presente proposta de lei que no acto do embarque sejam colhidas amostras para a analyse, não para se saber se o vinho é bom ou mau, de qualidade fina ou inferior, porque isso é vago, arbitrario é perigoso para os interesses do commercio, mas para se averiguar se contem alguma das substancias que mais geralmente podem ser empregadas para operar as falsificações.

Esta analyse é negativa nos seus resultados? O vinho é considerado como genuino. Se, pelo contrario, as substancias prohibidas forem encontradas, o facto é passado ao conhecimento da alfandega destinataria, e o vinho é inutilizado, se o importador não quiser usar do recurso.

Poderia esta operação ser feita na alfandega destinataria, á chegada dos vinhos? Teria isso duas ordens de inconvenientes: obrigar á instalação de laboratorios em todas as alfandegas, o que traria consideraveis despesas, e, com prejuizo dos commerciantes, reteria o vinho nas alfandegas pelo espaço de tempo necessario para as analyses. Ás alfandegas fina apenas o serviço de determinação de alcoolização do vinho, operação simples e rapida.

Com taes providencias julga o Governo concorrer para a civilização das nossas colonias de Africa, encetar vantajosamente a lucta contra a sua desvalorização, e prestar um assignalado serviço á viticultura portuguesa, acautelando ao mesmo tempo as receitas do Thesouro, sem que, todavia, esta circumstancia influa nos fins que se tem em vista.

Tenho por isso a honra de apresentar á vossa consideração a seguinte proposta de lei.

Artigo 1.° O regime administrativo, aduaneiro e fiscal das bebidas alcoolicas distilladas, vinhos, cervejas, cidras e outras bebidas fermentadas, nas provincias portuguesas de Africa, é modificado segundo as bases que se seguem e que ficam fazendo parte integrante d'esta lei.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Bases

1.ª

É prohibida na provincia de Moçambique, ao sul do rio Save, a importação de bebidas alcoolicas distilladas, qualquer que seja a sua procedencia, com excepção dos casos previstos na base 5.ª e no § unico da base 7.ª

2.ª

No districto militar de Gaza, no districto do Inhambane e até ao rio Save, são prohibidas, alem da importação, a producção e venda de bebidas alcoolicas distilladas, com

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prehendendo-se tambem n'esta prohibição as bebidas cafreaes, fermentadas ou distilladas.

3.ª

Ao sul do rio Save é prohibido estabelecer fabricas de bebidas alcoolicas distilladas e installar quaesquer apparelhos productores das mesmas bebidas ou de bebidas cafreaes, fermentadas ou distilladas.

4.ª

Na alfandega de Lourenço Marques é permittido o despacho, em transito pelo caminho de ferro, de quaesquer bebidas alcoolicas distilladas com destino ao Transvaal.

5.ª

O Governador Geral da provincia de Moçambique ou o funccionario que elle designar pode auctorizar, por meio de licença, que os não indigenas importem ao sul do Save aguardentes preparadas, cognaes, genebras e licores, mas sob condição de não serem entregues, sob qualquer titulo, ao consumo dos indigenas.

6.ª

Ao sul do rio Save é prohibido vender, sob qualquer titulo, aos indigenas bebidas alcoolicas distilladas, comprehendendo-se tambem nesta prohibição as bebidas cafreaes, fermentadas ou distilladas

7.ª

Na provincia de S. Thomé e Principe é prohibido:

1.° Fazer plantações de canna saccharina, assim como installar novas fabricas ou apparelhos productores de alcool ou aguardentes;

2.° Vender alcool ou aguardente de producção local por preço superior á media nos ultimos 3 annos;

3.° A importação de bebidas alcoolicas distilladas.

§ unico. O governador da provincia pode auctorizar, por meio de licença, os não indigenas a importar aguardentes preparadas, cognaes, genebras e licores, mas sob condição de não serem entregues, sob qualquer titulo, ao consumo dos indigenas ou trabalhadores de origem africana.

8.ª

As pautas de 16 de abril e 29 de dezembro de 1892, o decreto de 25 de abril de 1895, os decretos de 7 e 19 de julho de 1900, de 2 de setembro, e de 23 de dezembro de 1901 e outras disposições legaes, com relação a impostos de importação e producção dos generos neste artigo mencionados, ficam assim alterados.

Provincia de Moçambique (ao Sul do rio Save)

Vinhos de producção nacional:

a) De graduação até 15° - 8 réis por litro;

b) De graduação de 15° a 17° - 10 réis por litro;

c) De graduação superior a 17° - 200 réis por litro.

Vinhos especiaes, generosos e licorosos, dos typos Porto, Madeira, Muscatel, de producção nacional e engarrafados, de graduação até 23° - 10 réis por litro ou garrafa até á capacidade de l litro.

Vinhos estrangeiros, importados directamente de países estrangeiros ou reexportados da metropole, de qualquer typo ou graduação:

a) Em cascos - 300 réis por litro;

b) Engarrafados - 500 réis por litro ou garrafa até á capacidade de l litro.

Vinhos espumosos:

a) Estrangeiros - 500 réis por litro.

b) Nacionaes - 50 réis por litro.

Aguardentes preparadas;

Cognaes, genebras e licores:

a) Estrangeiros - 700 réis por litro ou garrafa até esta capacidade;

b) Nacionaes ou de preparação local - 450 réis por litro ou garrafa d'esta capacidade.

Cerveja, cidra e outras bebidas fermentadas não especificadas na pauta:

a) Estrangeiras ou reexportadas da metropole - 200 réis por litro;

b) Nacional - 120 réis por litro.

Alcool e aguardentes de producção no districto de Lourenço Marques:

a) Até 50° centesimaes - 250 réis por litro;

b) De graduação superior a 50° centesimaes - 10 réis por litro e grau;

c) Alcool desnaturado de producção no districto de Lourenço Marques - 50 réis por litro.

Quando exportado vigorará o disposto no decreto n.° 3 de 2 de setembro de 1901.

S. Thomé e Principe

Vinhos nacionaes (regime nos tres primeiros annos que se seguirem á publicação d'esta lei):

a) De graduação até 15° - l real por litro;

b) De graduação de 15° a 17° - 4 réis por litro;

c) De graduação superior a 17° - 200 réis por litro.

Vinhos nacionaes (regime no quarto e quinto annos que se seguirem á publicação d'esta lei):

a) De graduação até 15° - 4 réis por litro;

b) De graduação de 15° a 17° - 8 réis por litro;

c) De graduação superior a 17° - 200 réis por litro.

Vinhos nacionaes (regimen passados cinco annos que seguirem á publicação d'esta lei):

a) De graduação até 15° - 8 réis por litro;

b) De graduação de 16° a 17°- 10 réis por litro;

c) De graduação superior a 17° - 200 réis por litro.

Em qualquer epoca, os vinhos especiaes generosos e licorosos, dos typos Porto, Madeira, Muscatel, de produção nacional e engarrafados, pagarão, até 23°, o imposto de importação que vigorar para os vinhos de graduação até 17°.

Vinhos estrangeiros, importados directamente de paises estrangeiros ou reexportados da metropole, de qualquer typo ou graduação:

a) Em cascos - 300 réis por litro;

b) Engarrafados - 500 réis por litro.

Vinhos espumosos:

a) Estrangeiros - 500 réis por litro;

b) Nacionaes - 50 réis por litro.

Aguardentes preparadas, cognaes, genebras e licores:

a) Estrangeiros - 700 réis por litro ou garrafa até esta capacidade;

b) Nacionaes ou de preparação local - 450 réis por litro ou garrafa d'esta capacidade.

Cerveja, cidra e outras bebidas fermentadas não especificadas na pauta:

a) Estrangeiras ou reexportadas da metropole - 200 réis por litro;

b) Nacionaes - 120 réis por litro.

Provincias de Moçambique (ao norte do rio Save), Angola, Guiné e Cabo Verde

Vinhos nacionaes:

a) De graduação até 15° - l real por litro;

b) De graduação de 15° a 17º - 4 réis por litro;

c) De graduação superior a 17° - 200 réis por litro.

Os vinhos especiaes, generosos ou licorosos, dos typos Porto, Madeira, Muscatel, de produção nacional e engarrafados, pagarão, até 23°, 4 réis por litro.

Os vinhos estrangeiros, os vinhos espumosos, as cervejas, cidras e outras bebidas fermentadas não especificadas

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SESSÃO N.º 49 DE 7 DE ABRIL DE 1902 21

nas pautas pagarão o que fica estabelecido para a provincia de S. Thomé e Principe e para a provincia de Moçambique ao sul do rio Save.

9.ª

Os vinhos que passarem da margem esquerda para a margem direita do rio Save serão considerados como descaminhados aos direitos, para os effeitos do pagamento de multa correspondente a vinte vezes os mesmos direitos, alem da perda dos vinhos, vasilhas e vehiculos que os conduzirem, se estes tambem forem apprehendidos.

10.ª

São isentos de qualquer imposto addicional ou municipal, nas provincias portuguesas de Africa, os vinhos de producção nacional.

11.ª

A Companhia de Moçambique adoptará o regime d'esta lei nos territorios da sua concessão ao sul do rio Save.

12.ª

A importação clandestina de bebidas alcoolicas distilladas, de vinhos, cervejas, cidras ou outras bebidas fermentadas na provincia de S. Thomé e Principe e na provincia de Moçambique ao sul do rio Save, quer passando este rio, a fronteira terrestre, quer pelos portos maritimos, e qualquer que seja a sua procedencia, é punida com a multa de 10$000 réis por litro, prisão correccional de tres meses a um anno, custas e sêllos do processo, alem da perda das bebidas, vasilhas e vehiculos que os conduzirem, se forem apprehendidos.

13.ª

A contravenção do disposto nas bases 2.ª e 3.ª e bem assim o do disposto na base 5.ª e § unico da base 7.ª é punida com a multa de 100$000 réis a 500$000 réis e prisão de um mês a seis meses; e

a) As bebidas alcoolicas distilladas e os apparelhos de distillação serão apprehendidos, sendo inutilizadas aquellas e perdidos estes a favor da Fazenda Nacional;

b) A licença, de que tratam a base 5.ª e o § unico da base 7.ª, será retirada, não podendo ser concedida nenhuma outra.

14.ª

A contravenção do n.° 1.° da base 7.ª é punida com multa de 100$000 réis a 1:000$000 réis, as plantações da canna serão destruidas e os apparelhos de distillação perdidos a favor da Fazenda Nacional.

15.ª

A contravenção do disposto no n.° 2.° da base 7.ª é punida com multa de 50$000 réis a 500$000 réis, alem da perda do alcool ou aguardente que o vendedor tiver em deposito.

16.ª

A contravenção da base 6.ª é punida:

a) Pela primeira vez com multa de 50$000 réis a 500$000 réis, com prisão, não remivel, de l mês a 6 meses;

b) Pela segunda vez com multa de 100$000 réis a 1:000$000 réis e prisão, não remivel, de 3 meses a l anno;

c) Pela terceira ou outra vez com multa de 500$000 réis a 2:000$000 réis e prisão, não remivel, de 6 meses a 2 annos.

17.ª

Nos armazens ou locaes destinados á venda de vinhos nas colonias portuguesas de Africa, por grosso ou a retalho, assim como nos armazens ou locaes contiguos áquelles, quando pertencentes ao mesmo individuo, sociedade ou firma de que este faça parte ou em que elle tenha interesse, é prohibido ler em deposito ou a outro titulo, qualquer que seja a quantidade, alguma das substancias mencionadas na base 20.ª e, quando sejam encontradas:

a) O infractor pagará, em policia correccional, multa comprehendida entre 20$000 réis e 200$000 réis;

b) As substancias encontradas a que esta base se refere serão apprehendidas e inutilizadas;

c) Os vinhos que existam naquelles armazens ou locaes serão suspeitos de impuros, as vasilhas serão lacradas e selladas, e de tudo será levantado auto em duplicado ficando um dos exemplares em poder do interessado;

d) De cada typo ou qualidade de vinho serão colhidas tres amostreis, uma das quaes será analysada em laboratorio official existente na provincia ou, quando o não haja, para ser remettida á Direcção Geral do Ultramar, a fim de mandar proceder á analyse em laboratorio official; as duas restantes ficarão em poder da auctoridade administrativa e serão entregues ao interessado quando queira usar do direito consignado na alinea f);

e) Se, em resultado da analyse, se verificar que o vinho contem alguma das substancias mencionadas na base 20.ª, o vinho será inutilizado e o infractor punido com a pena de prisão, não remivel, de um a seis meses, e multa de 100$000 réis a 500$000 réis;

f) Se o interessado se não conformar com os resultados da analyse, ser-lhe-ha applicavel o que é determinado nas bases 22.ª, 23.ª e 24.ª

18.ª

Se o vinho a que a base antecedente se refere for posto á venda antes de ter para isso auctorização escrita passada pela auctoridade administrativa que mandou proceder á diligencia, o infractor será punido com a pena comminada na alinea e) da base anterior.

19.ª

A auctoridade administrativa, sempre que suspeite de que é impuro o vinho armazenado ou posto á venda, deverá mandar colher amostras para analyse na provincia ou em Lisboa, a fim de verificar se elle contém alguma das substancias mencionadas na base 20.ª, e neste caso serão colhidas tres amostras de cada typo e qualidade de vinho, com as mesmas formalidades e signaes que garantam a verificação da authenticidade, uma das quaes será destinada á analyse de officio, ficando as duas restantes em poder da auctoridade administrativa que ordenou a diligencia e que servirão para novas analyses feitas nas condições da base 22.ª, quando o interessado se não conforme com o resultado da primeira. Provado que o vinho continha alguma das substancias mencionadas na base 20.ª, será o infractor punido com pena estabelecida na alinea e) da base 17.ª

20.ª

De todo o vinho exportado pela alfandega de Lisboa, Porto e Figueira serão colhidas amostras ao acaso para, pela analyse, se verificar se contém alguma das substancias a que esta base se refere.

As amostras serão acondicionadas em garrafas bem rolhadas, lacradas e selladas por maneira que o liquido que conteem não possa ser substituido sem d'isso haver conhecimento ao conferi-las, designadas por numeros escritos na etiqueta, e serão remettidas ao laboratorio da respectiva alfandega, quando o haja, ou a estabelecimento official de analyses que for designado. No mesmo acto será remettida á Direcção Geral do Ultramar uma guia correspondente a cada uma das amostras, contendo:

1.° Numeração das amostras;

2.º Nome ou firma do expedidor;

3.° Local do estabelecimento exportador;

4.° Qualidade e cor do vinho;

5.° Data em que foi colhida a amostra;

6.° Nome do empregado que colheu a amostra;

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22 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

7.° Quantidade de vinho a que se refere;

8.º Porto e alfandega do destino.

No laboratorio que receber as amostras proceder-se-ha á analyse qualitativa do vinho para verificar se contem alguma das substancias seguintes:

1.ª Gesso;

2.ª Chloreto de sodio;

3.ª Gommas ou substancias destinadas a augmentar a materia extractiva;

4.ª Glycerina;

5.ª Acidos sulfurico, azotico, chlorydrico, salicylico, borico e benzoico;

6.ª Saes ou oxydos de baryo, de magnesio, de stroncio, de aluminio, de chumbo e de ferro;

7.ª Canella;

8.ª Alcool industrial não rectificado;

9.ª Glucose e assucar invertido, impuros;

10.ª Materias corantes derivadas da hulha e outros productos chimicos corantes, cochonilha, madeiras tinturiaes, urzella e phytolacea;

11.ª Qualquer substancia toxica.

21.ª

O resultado da analyse, a que se procederá dentro de um prazo não superior a dez dias, será immediatamente communicado á Direcção Geral do Ultramar com a designação da numeração da amostra.

22.ª

Quando pela analyse se verificar que o vinho contém alguma das substancias mencionadas na base 20.ª será o facto communicado á alfandega destinataria, e o individuo ou firma consignataria será intimado a ver inutilizar o vinho o as respectivas vasilhas, podendo declarar que reclama contra o resultado da analyse, devendo para isso:

1.° Fazer o deposito correspondente a 50 réis por litro de vinho, que será perdido a favor do Estado, se o reclamante dentro do prazo de seis meses não provar com o resultado de analyses feitas em dois estabelecimentos officiaes, que o vinho não contém alguma das substancias designadas na base 20.ª;

2.° As amostras serão colhidas na alfandega em garrafas lacradas, selladas e rubricadas pelo interessado ou seu representante, e remettidas á Direcção Geral do Ultramar, que as enviará aos laboratorios designados pelo reclamante.

23.ª

Se as novas analyses forem conformes em que o vinho não contém as substancias que o fizeram considerar impuro, será submettido a despacho, e será restituido o deposito; se o contrario acontecer, o vinho e as vasilhas serão inutilizados, o deposito perdido a favor do Estado, e o nome do expedidor será publicado no Diario do Governo e no Boletim Official da Provinda, com a nota das impurezas encontradas.

24.ª

O prazo de seis meses a que se refere o n.º 1.° da base 22.ª poderá ser prorogado por motivo de força maior, devidamente comprovado perante a Direcção Geral do Ultramar.

25.ª

São considerados estabelecimentos officiaes de analyse, para os effeitos d'esta lei, os laboratorios da Escola Polytechnica, Instituto Industrial de Lisboa, Laboratorio de Analyses Chimico-Fiscaes e da Estação Agronomica de Lisboa, Academia Polytechnica do Porto, Instituto Industrial do Porto, Laboratorio Municipal do Porto, Inspecção Geral dos Serviços Technicos Aduaneiros, alem dos laboratorios de analyses que venham a ser estabelecidos junto das Alfandegas de Lisboa, Porto e Figueira.

§ unico. Os laboratorios officiaes são obrigados a proceder ás analyses e a enviar os respectivos relatorios durante os prazos estabelecidos na presente lei, quer se trate das primeiras analyses, quer das de recurso.

26.ª

Todos os serviços de analyses são gratuitos para o exportador, excepto as analyses de recurso, que serão pagas pelo recorrente, para o que, com a respectiva declaração, depositará quantia que, segundo as tabellas dos laboratorios designados, corresponder ao serviço das analyses.

27.ª

Do disposto nas bases 20.ª a 25.ª da presente lei serão exceptuados os vinhos exportados com marca official, a qual attestará a força alcoolica do vinho e que não contém nenhuma das substancias mencionadas na base 20.ª

28.ª

Os chefes das casas commerciaes, de fazendas agricolas, fabricas, de lavras mineiras, ou outras pessoas que tenham empregados ou trabalhadores sob as suas ordens, ou, quando os chefes não residam na respectiva colonia, os seus representantes, procuradores, administradores ou feitores são responsaveis pela contravenção do disposto nesta lei, quando praticada pelos seus subordinados.

29.ª

Quando o infractor não pagar a multa que lhe foi imposta soffrerá prisão correspondente a 2$000 réis por dia, a qual, junta á pena de prisão a que for condemnado, não poderá exceder a dois annos.

30.ª

Nas provincias portuguesas de Africa cessa, com relação a vinhos e bebidas alcoolicas destilladas, cervejas, cidras o outras bebidas fermentadas, qualquer beneficio differencial concedido pelas pautas em vigor ás mercadorias produzidas, nacionalizadas ou reexportadas da metropole ou das outras provincias ultramarinas ou da provincia de Moçambique ao norte do Rio Save.

31.ª

O disposto nesta lei é sem prejuizo dos tratados e convenções internacionaes e das cartas de concessão de companhias privilegiadas.

32.ª

O Governo e os governadores das provincias portuguesas de Africa farão os regulamentos que se julgarem necessarios para completa execução d'esta lei.

Sala das sessões da Camara dos Senhores Deputados, em 3 de março de 1902. = Manuel Francisco de Vargas. = Antonio Teixeira de Sousa. = Fernando Mattozo Santos.

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 1.º com as respectivas bases.

O Sr. Eduardo Villaça: - O projecto que está em discussão é d'aquelles quo se impõem á attenção da Camara, pelos fins que se propõe obter. Considerado na sua contextura, e avaliado, tambem, pelo relatorio do Sr. Ministro da Marinha e pelo parecer da commissão, vê-se que este projecto visa a dois fins: 1.°, a morigeração do indigena, de parte das nossas possessões africanas, pela diminuição do consumo do alcool, que é uma das causas principaes, não só da sua inhabilitação, mas tambem da diminuição da raça negra; 2.°, o alargamento do nosso commercio de vinhos, pela obtenção de maiores mercados, em parte das nossas colonias.

A seu ver, um projecto d'esta natureza, tem de se avaliar pelos fins a que visa o pelos meios que emprega para a realização d'esses fins.

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SESSÃO N.º 49 DE 7 DE ABRIL DE 1902 23

Quanto aos fins a que visa, deve elle, orador, dizer, com toda a franqueza, que está, em principio, de acordo com o projecto. Sendo esta a sua maneira de ver, deve dizê-lo, aberta, franca e sinceramente á Camara.

Está de acordo com o quo se diz no relatorio, porque effectivamente as raças civilizadoras, que teem possessões em Africa, precisam de aproveitar o trabalho do indigena.

Precisamos de aproveitá-lo como meio de trabalho e desenvolvimento das nossas colonias. E a consequencia a tirar d'aqui é que devemos empregar todos os meios, não para extinguir a raça preta ou afasta la do convivio europeu, mas, pelo contrario, para chamá-la á civilização.

Procura o projecto realizar este desideratum, não em todas as nossas colonias africanas, mas numa parte dellas, nomeadamente ha região de Moçambique, ao sul do Save, comprehendendo propriamente Inhambane, Gaza e Lourenço Marques, e ainda em S. Thomé e Principe, e isto por meio da prohibição absoluta do consumo do alcool.

Não ha duvida de que o alcool é um dos principaes elementos do depreciamento da raça indigena, e, alem d'isso, um dos que mais contribuem para, por assim dizer, annullar o individuo ou torná-lo improprio para todos os trabalhos.

Não podia, portanto, elle, orador, deixar de estar de acordo com o principio que se lê no projecto, principio, que, aliás, vemos seguido em toda a parte.

Ainda num dos ultimos congressos realizados em Paris, por occasião da Exposição Universal, no congresso, internacional colonial, foi apresentada, por M. Augustin Bernard, director das questões diplomaticas, assumptos politicos e coloniaes da França, uma proposta que constitue um voto do congresso.

Para o comprovar, lê o orador essa proposta e o voto proferido, na mesma occasião, no congresso de sociologia colonial, e que é da mesma natureza.

Nestes dois votos, emittidos por congressos auctorizadissimos, a idéa predominante é que se deve reduzir, tanto quanto possivel, o consumo do alcool, visto que o alcool é um dos agentes mais perniciosos da destruição da raça indigena e, ao mesmo tempo, da inhabilitação do indigena.

Não ha, pois, duvida, alguma a este respeito; e nem elle, orador, nem os que comsigo collaboraram no ultimo Governo, podiam ter idéas oppostas a esta, que, com prazer, vêem ter confirmação por parte do actual Governo.

Por mais de uma vez se tem dito, e se tem escrito, que o Governo, a que elle, orador, pertenceu, indo á conferencia de Bruxellas não soube respeitar ahi os interesses mais vitaes de uma das nossas provincias ultramarinas; e que, sob o apparente color de um mal entendido humanitarismo, esse Governo prejudicou interesses de alta valia para as nossas colonias africanas.

Seja-lhe, pois permittido, sem que isto represente um ataque, ou qualquer sentimento de opposição, apresentar algumas considerações tendentes a justificar o procedimento d'aquelles que, em nome dos principios humanitarios, cumpriram o seu dever, indo áquella conferencia, defender os seus verdadeiros interesses.

Qual era o fim da conferencia de Bruxellas? A restricção do consumo do alcool, pela elevação do seu preço, na região convencional, comprehendida entre o 20° de latitutude norte e 22° do sul.

Convidados a uma conferencia d'esta natureza, Portugal não podia lá ir com outro proposito que não fosse a restricção do consumo do alcool. Tudo estava, portanto, em saber se, restringindo o consumo do alcool, se chegava, realmente, ao resultado que se tinha em vista, e que se julgava conveniente aos interesses da industria da aguardente colonial, á sombra d'esse humanitarismo, deixando introduzir nas nossas colonias, álcool de outras procedencias.

Alguma cousa se conseguiu nessa convenção, não se podendo demonstrar que o Governo de então tivesse deixado prejudicar a nossa industria local, em beneficio de qualquer industria estrangeira.

Como este assumpto se prende intimamente com o projecto em discusssão, ninguem pode estranhar que na tribuna algum dos membros d'aquelle Governo justifique os seus actos.

A administração de um Governo, ou de um Ministro, não pode avaliar-se por actos isolados da sua gerencia.

Querer apreciar o trabalho de um Ministro, por um acto isolado, da sua gerencia, é, quasi sempre, incorrer em erro. É necessario apreciar os actos na sua connexão uns com os outros; e, sem faltar ao fim da conferencia de Bruxellas, o Governo devia adoptar um conjunto de disposições que, até certo ponto, visassem, sob o ponto de vista dos interesses locaes, a evitar os inconvenientes que poderiam advir da conferencia de Bruxellas.

Foi tambem, objecto de reparos que, nessa conferencia, se discutisse o meio de fazer a cobrança do imposto do alcool.

Disse-se então que effectivamente a cobrança por meio do processo de avença com gremios, não cabia, propriamente, no acto de Bruxellas de 1899.

Elle, orador disse nessa occasião que nada havia, na conferencia de Bruxellas, que impedisse esse systema de cobrança. A conferencia não indicava qual havia de ser esse meio; mas ninguem pode contestar que um dos meios de arrecadação e cobrança do imposto é, realmente, o de avença com ou sem gremio.

A conferencia de Bruxellas, estabelecendo um imposto de 70 francos por hectolitro, não podia pretender que todos os países tomassem o compromisso dos 70 francos por cada hectolitro de vinho para consumo.

Não podia ter este ponto de vista restricto, porque não ha nação nenhuma que se prestasse a um compromisso como este, já não digo em Africa, mas na Europa.

Portanto, se não se podia tomar esse compromisso nos países civilizados, muito menos se poderia tomar em Africa.

Conseguintemente a conferencia de Bruxellas não podia estabelecer isso terminantemente; ella mesmo disse que o estabelecia dans la limite du possible.

E pergunta: o processo de arrecadação, por meio de avença com gremio, como elle, orador, estabeleceu, ou mesmo sem gremio, como actualmente se acha preceituado, estava fora dos termos da conferencia de Bruxellas?

Não estava.

E como é que o Governo Português melhor poderia attender ao desideratum d'aquella conferencia?

Ou determinando uma quantidade total de imposto, paga integralmente por uns, e pouco ou nada por outros, ou estabelecendo uma totalidade de imposto, mais elevada, e distribuida uniformemente por todos.

Por este processo, nós nos approximariamos mais do desideratum da conferencia de Bruxellas.

Tambem se disse que elle, orador, tinha tomado compromissos com um grupo de productores de alcool, no interesse de fazer um gremio, pela quantia de 300 contos.

Essa asserção é menos verdadeira.

Não tinha tomado compromisso algum a esse respeito.

É verdade que funccionarios distinctos, e, um d'elles,, é governador de Angola, tinham conferenciado com differentes productores de alcool, de Angola, para ver em que condições se podia estabelecer esse gremio; mas elle, orador, não tomou compromisso algum com respeito á quantia fixada.

O que pediu foi que lhe dissessem o maximo a que podiam ir.

O Sr. Presidente: - Adverte o orador de que faltam cinco minutos para dar a hora, tendo depois S. Exa. mais quinze minutos para concluir o seu discurso.

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24 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O Orador: - Agradece a advertencia, e procurará resumir as suas considerações.

De acordo com o principio que estabelece a restricção do consumo do alcool, parece-lhe em todo o caso que, conjuntamente com esta medida, outras se devem adoptar, indirectas, tudo no intuito de chamar os pretos aos habitos da civilização.

Se, por um lado, a falta do alcool deve contribuir para que o preto se afaste um pouco do embrutecimento em que costuma estar, por outro lado, não ha duvida nenhuma de que outras providencias indirectas podem ser estabelecidas em relação ao preto, e para o mesmo fim.

Passando á segunda parte da proposta, relativa á questão vinicola, é incontestavel que ella tem grandissima importancia.

Tudo quanto se faça para alargar esse genero de consumo, deve ser bem recebido; e não ha duvida nenhuma de que, provam-o, mesmo, as estatisticas, o consumo de vinho tende a augmentar em Africa, constantemente.

Por outro lado, não ha duvida de que nós estamos atravessando, hoje, uma crise agudissima, porque, não só a nossa producção vinicola augmenta, mas a exportação diminue.

O Sr. Ministro da Marinha indica no seu relatorio as estatisticas até 1900; mas, já posteriormente a isso, as estatisticas não são infelizmente mais favoraveis do que as antecedentes.

De l900 para 1901 a exportação de vinhos accusa uma baixa de 896 contos.

Mas a crise do excesso de producção não é só nossa; atravessa-a tambem a França neste momento, e por que lhe pareça que muitas das disposições que lá se adoptam para a debellar, podem ser applicadas no nosso país, o orador lê á Camara alguns trechos de dois relatorios de duas sociedades agricolas importantes que, juntamente com muitas outras, responderam ao inquerito aberto pela commissão parlamentar encarregada de tratar do assumpto.

Varios são os alvitres propostos nesses relatorios; o que, porem, não vê em nenhum é a redacção das plantações de vinha, processo este que lhe parece perfeitamente artificial, porque a verdade e que não deve ser contrariada a tendencia de solo e clima que prefere a vinha a qualquer outra cultura, e antes se deve aproveitar esse dom da natureza para procurar alargar os mercados de consumo, quer interno quer externo.

Depois de mais algumas considerações, conclue o orador agradecendo á Camara a, attenção que lhe dispensou.

(O discurso será publicado na integra quando S. Exa. o restituir).

O Sr. Sergio de Castro: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que a commissão de redacção seja auctorizada a reunir durante a sessão. = Sergio de Castro.

Foi approvado.

O Sr. Ministro da Marinha (Teixeira de Sousa): - Discursos como o que foi agora pronunciado pelo Sr. Conselheiro Villaça mostram com quanto proveito para o país podem os Parlamentos collaborar com os Governos.

O discurso do illustre Deputado foi brilhantissimo em todos os seus pontos de vista, quer de justa apreciação, quer de extremada correcção.

Nada d'isso porem mo surprehendeu, porque de ha muito sei apreciar as primorosas qualidades de espirito e de caracter do meu illustre amigo o Sr. Villaça, a quem com o maior prazer e espontaneidade presto a homenagem de estima e de respeito

O illustre Deputado, iniciando a discussão do projecto, fez a declaração, extremamente honrosa para o partido progressista, de que não faria opposição systematica, antes estava disposto a collaborar numa medida que representa um alto serviço prestado ao país.

Correspondendo a essa declaração, cumpro o dever de affirmar que, por minha parte, estou disposto a acceitar tudo quanto possa melhorar o projecto, sem alterar a sua economia.

Disso S. Exa. que o projecto tinha grande importancia, não só sob o ponto de vista colonial, como sob o ponto de vista da metropole; e que por isso S. Exa. concordava com elle, quanto aos fins que o Governo teve em vista, ao trazê-lo á discussão.

Este projecto corresponde na verdade a uma grande necessidade publica; mas, francamente, se neste momento me levanto é por um acto do deferencia para com o Sr. Villaça, e vejo-me necessariamente embaraçado- porque S. Exa. não o combateu.

O discurso de S. Exa. divide-se em três partes distinctas.

Na sua primeira parte, S. Exa. declarou que concordava com o projecto, aparte algumas reservas que lhe fez; a segunda parte versou sobre a justificação da attitude do partido a que S. Exa. pertence, na conferencia de Bruxellas, reunida em 1899; e na terceira parte visou S. Exa. o justificar-se da maneira como providenciara sobre a cobrança do imposto do alcool em Angola.

Comprehende-se bem o embaraço que resulta d'este facto, não só, como disse, porque o projecto não foi combatido, com grande prazer meu, mas por não rebater as affirmações de S. Exa. no que respeita á interferencia do seu partido na conferencia de Bruxellas, visto que não tenho as minhas responsabilidades ligadas ao assumpto.

Alem d'isso, não vejo motivo algum por que esse assumpto viesse á estacada.

E eu d'aqui a momentos mostrarei como estou concorde na maior parte das affirmações que o illustre Deputado fez, relativamente á nossa attitude perante a conferencia de Bruxellas.

A dois fins visa o projecto que se discute: primeiro, melhorar a situação moral e material dos africanos nas nossas colonias, e ao mesmo tempo protegê-los por maneira que não falte ás nossas colonias o trabalhador indigena, que é absoluta o essencialmente preciso para nós tirarmos a ellas as riquezas que podem dar; segundo, e de aproveitar os mercados para darem saida ao excesso de vinhos na metropole.

Qualquer dos fins que este projecto tem em vista realizar, estão no meu espirito inteiramente justificados.

Para a demonstração exacta de que chegou o momento em que é urgente providenciar neste sentido, venho munido dos precisos documentos.

Eu recebia, e já o illustre Deputado os recebeu, insistentes pedidos no sentido de olharmos para a manifesta despopulação de algumas colonias africanas.

Estou ha 22 meses no poder, e constantemente as reclamações que me teem sido feitas, principalmente com respeito á provincia de Moçambique, referem-se á despopulação d'aquella provincia, figurando como causa primacial o abuso das bebidas alcoolicas. E ao mesmo tempo nessas reclamações se me fazia notar que as bebidas alcoolicas estavam fazendo, dia a dia, a ruina da provincia de Moçambique, pondo em confronto o nosso procedimento com o de nações estrangeiras colonizadoras, que prohibiam os usos de bebidas alcoolicas nas suas colonias de Africa.

V. Exa. sabe muito que nas colonias inglesas antigas e modernas, vizinhas da nossa provincia de Moçambique, a venda das bebidas alcoolicas é prohibida expressamente. Como se isto não bastasse, no Cabo e no Natal não passavam muitos meses sem que o Governo local não publicasse uma providencia, pela qual estabelecia penas

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gravissimas, até trabalhos forçados, para aquelles que vendessem aos indigenas bebidas alcoolicas naquelle territorio.

Sr. Presidente: perguntava eu a mim mesmo se nós, convencidos de que o alcool era uma das causas do despovoamento das nossas provincias ultramarinas, não deviamos empregar os nossos esforços para evitar esse mal, e perguntava isto quando empregava principalmente os meus olhos na nossa provincia de S. Thomé.

O illustre Deputado, que com muita distincção foi Ministro da Marinha, sabe muito bem que essa joia das nossas colonias tem no seu horizonte um ponto negro, que deve causar as mais serias preoccupações a quem ali tem interesses.

A difficuldade, a causa de apprehensões, o ponto negro estão no que diz respeito á mão de obra.

O illustre Deputado sabe as difficuldades que existem em se alcançarem elementos em S. Thomé, já não digo para qualquer grande exploração, mas para uma regular exploração.

Se esta difficuldade é manifesta, e se está reconhecido o afastamento de trabalhadores africanos de S. Thomé, e se está demonstrado que o abuso do alcool concorre para reduzir as qualidades da propagação das raças, por estas razões no meu espirito formou-se a opinião de que nós devemos restringir tanto quanto possivel o uso de bebidas alcoolicas nas nossas colonias africanas, e neste ponto não fiz mais nem menos do que ir na corrente do que estabeleceram os Governos representados na conferencia de Bruxellas.

Aqui tem o illustre Deputado as razões por que eu estou dentro das opiniões expendidas neste projecto.

O Governo, quando foi á conferencia de 1899, não tinha em vista outro qualquer ponto que não fosse a reducção do consumo das bebidas alcoolicas.

Que eu estou de acordo com essa ideia, até se prova numa proposta que foi presente á Camara, e lamento-me de não poder estender as disposições d'este projecto a todas as nossas colonias de Africa.

Mas comprehende-se que não o poderia fazer sem ferir assim muitos interesses legitimos e causar grandes perturbações na presente ordem de cousas, que só com o decorrer do tempo poderá convenientemente ser alterada.

Se não estendi este projecto á nossa provincia de Angola, foi exactamente pela mesma razão por que na conferencia de Bruxellas se estabeleceu que o imposto de importação sobre as bebidas alcoolicas pudesse ser elevado alem do que ficava marcado na conferencia, 70 francos por hectolitro, mas que o direito de accise nunca pudesse ser obrigatoriamente elevado alem do que era fixado para o minimo de entrada.

Este foi o ponto favoravel para nós da conferencia; e digo para nós, sob o ponto de vista da defesa dos interesses dos agricultores da canna da nossa provincia de Angola, e a este respeito dou já a minha opinião acêrca do que o illustre Deputado disse.

Na verdade, augmentou-se o direito da importação do alcool na nossa provincia de Angola; mas, disso o illustre Deputado, não havia motivos, para grandes reclamações, e não havia motivos para grandes reclamações porque nos ficava o direito de elevar até onde entendessemos o direito de importação e não podiamos elevar l real aos 70 francos por hectolitro do direito do accise, por maneira a poder manter-se a importação: de onde resultou o regime de prohibição da entrada do alcool na nossa provincia de Angola.

Nem o illustre Deputado nem eu dizemos que fomos nós quem levou a conferencia a resolver no sentido de que o direito de accise não pudesse ir alem do minimo do imposto de entrada. O illustre Deputado sabe muito bem que nessa conferencia se quis estabelecer que o direito de accise nunca pudesse ser inferior a um imposto de entrada e sabe muito bem S. Exa. que nesse sentido sustentamos que o direito de accise ou o imposto de consumo - assim se pode traduzir-fosse exactamente igual ao direito de importação; quando o direito de importação diminuisse, diminuiria o direito de accise, e quando o direito de importação augmentasse, augmentaria tambem o direito de accise.

Se isso se desse, era evidente a ruina da agricultura na nossa provincia de Angola; mas tivemos a fortuna de não haver acontecido assim.

É isto motivo para applaudirmos todos quantos concorreram para que as cousas se passassem por maneira diversa.

O que é certo é que a conferencia decidiu a este respeito; que houve uma porfiada luta, porque não foi sem grande difficuldade que a conferencia chegou a resolver, por maioria, que o direito de accise não fosse superior ao minimo direito de entrada, e este era de 70 francos por hectolitro, e o direito de accise não podia ir alem.

Mas, dizia eu, que ao trazer esta proposta de lei ao Parlamento tinha em vista melhorar as condições moraes e materiaes dos indigenas das nossas colonias africanas, e que fui levado a isto, não só pelo conhecimento das resoluções de congressos e dos tratadistas de hygiene, mas mais ainda pelas reclamações instantes dos nossos governadores e pelas suggestivas relamações feitas nesse sentido em dois notaveis livros de dois distinctissimos funccionarios portugueses já fallecidos, Antonio Ennes e Mousinho de Albuquerque.

Em face d'isto, impunha-se me a obrigação de tanto, quanto fosse possivel, proceder por maneira que este facto pudesse trazer comsigo outro: o de dar saída ao excesso de vinhos que manifestamente se está produzindo na metropole (Apoiados), e assim, ao mesmo tempo que propunha se restringisse o uso de bebidas alcoolicas em algumas das nossas colonias de Africa, modifiquei os direitos de imporportação das bebidas alcoolicas chamadas de luxo e dos vinhos estrangeiros, por maneira a que os nossos vinhos fiquem ali singularmente protegidos. (Apoiados).

Disse S. Exa.:

«Eu duvido muito que as nossas colonias estejam collocadas em circunstancias da fiscalização poder ir até á prohibição absoluta do uso de bebidas alcoolicas pelo indigena».

Sr. Presidente: desde que estamos convencidos de que o indigena africano não prescinde do uso das bebidas inebriantes; desde que nós lhe prohibamos a importação de bebidas alcoolicas, a producção de bebidas alcoolicas fermentadas que elles fabricam na sua industria domestica, para mim é inevitavel, é seguro que da approvação d'este projecto de lei resulta o immediato augmento de consumo dos nossos vinhos. (Apoiados).

E devo informar o illustre Deputado que um funccionario distinctissimo, como é o actual Governador da provincia de Moçambique, concordando com a maior parte das bases do projecto de lei que estão affectas á apreciação do Parlamento, affirmou que estava convencido que só na provincia de Moçambique o augmento do consumo de vinho iria a 72:000 pipas, desde que este regime possa passar do rio Save para o Zambeze.

Sr. presidente: dois são os fins que o projecto tem em vista, disse eu: primeiro, melhorar a situação dos indigenas das nossas colonias; segundo, dar saida aos vinhos.

E então, Sr. Presidente, disse eu tambem que me parecia immoral que prohibissemos a entrada de bebidas alcoolicas nas colonias, que fizessemos uma tarificação exagerada, que augmentassemos os direitos da importação sobre os vinhos estrangeiros, por maneira que quem tivesse de beber, mesmo o branco, tenha de beber o vinho português; que isto me parecia immoral, se ao mesmo tempo não adoptassemos providencias que dessem todas as garantias

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possiveis de que o vinho é genuino, é authentico. (Apoiados).

Sr. Presidente: e assim é que o projecto que está em discussão é constituido por tres partes inteiramente distinctas: a que diz respeito á diminuição e restricção das bebidas alcoolicas nas nossas colonias africanas; a que estabeleceu a protecção aos nossos vinhos, facilitando a sua importação nas colonias; terceira, a que diz respeito á fiscalização dos vinhos exportados para as colonias, não apenas sob o ponto de vista de hygiene do consumidor, mas ainda sob o ponto de vista do credito dos vinhos nacionaes, visto que vamos abrir mercados novos de que podemos tirar um notabilissimo resultado. (Apoiados).

Sr. Presidente: prohibe-se o uso de bebidas alcoolicas ao sul do Save, abrangendo os districtos de Lourenço Marques, Inhambane e districto militar de Gaza.

É evidente que nestas regiões, onde o consumo dos vinhos portugueses era já grande, ha de passar a fazer-se um consumo muitissimo maior.

A este respeito, nem eu nem ninguem em Lourenço Marques tem duvidas.

Mas, como disse, no Transvaal prohibiu-se da maneira mais absoluta a venda, de bebidas alcoolicas aos indigenas.

Nós fizemos um modus vivendi com o Governo inglês no Cabo, prorogando, entre outras concessões, o tratado de 1876; e tivemos de fazer uma excepção para as bebidas alcoolicas; quer dizer: que nem no Transvaal nem fora d'elle, é possivel o consumo de bebidas alcoolicas em larga escala, como se fazia ainda ha bem pouco tempo.

O que é preciso é que nós procedamos por maneira a explorar convenientemente o mercado transvaaliano, que pode dar logar a consumir quasi todo o stock do nosso vinho, e a exportarmos vinho bom e genuino e não vinho em circunstancias que o illustre Deputado conhece. (Apoiados).

Não venho desacreditar os nossos vinhos, comquanto se me afigurasse ser da minha obrigação mostrar que é absolutamente indispensavel velarmos pelas circunstancias em que a exportação se faz; e como a este respeito não tive objecção, nada preciso accrescentar, apesar de ter trazido commigo varios documentos.

Mas um documento existe que o illustre Deputado conhece muito bem, e para o qual chamo a attenção da Camara.

Em 1898 o Governo do Transvaal prohibiu o uso das bebidas alcoolicas na região das minas, porque o indigena ficava, em consequencia da embriaguez, dois, quatro e cinco dias impossibilitado para o trabalho.

Prohibidas as bebidas alcoolicas, os proprietarios e os administradores das minas reconheciam que o indigena entristecia consideravelmente, e, cousa curiosa, não dispunha da actividade necessaria para o trabalho. E então o que fizeram?

Fizeram importantes encommendas para Lourenço Marques do que se chama vinho de preto e permittiram a sua entrado nas minas transvaalianas.

Pois não passou um mês, depois da entrada dos nossos vinhos na região das minas, que não viesse uma prohibição absoluta para a entrada d'esse producto no Tranvaal, porque o abuso das bebidas alcoolicas se dava do mesmo modo.

Isto quer dizer que da boa fiscalização dos vinhos que exportarmos resulta portanto vantagem para o consumidor e para a necessidade que temos de estabelecer para elles mercados. (Apoiados).

O illustre Deputado depois de dizer que concordava com o projecto falou da conferencia de Bruxellas, não porque S. Exa. entendesse que alguma cousa tinha de derimir neste ponto, mas porque, segundo S. Exa. disse, o Governo de que fez parte foi accusado de, na conferencia de Bruxellas, não defender tanto quanto devia os verdadeiros interesses nacionaes. E, dizia S. Exa., o Governo não podia deixar de ir á conferencia de Bruxellas sem correr o risco de renegar todo o passado de civilização, firmado durante seculos, da nossa acção colonial.

Não ha duvida.

Sr. Presidente: por suggestões do Governo Inglês, o Governo Belga dirigiu-se ao Governo Português pedindo para se fazer representar numa conferencia a fim de se proceder á revisão do que havia sido convencionado em Bruxellas em 1889.

Em 1889 as potencias tinham-se obrigado a tributar o alcool importado em regiões onde não fosse de prohibição absoluta, mas comprehendidas numa arca limitada ao norte pelo 20° de latitude, ao sul pelo 22°, ao oriente pelo Oceano Indico e ao occidente pelo Oceano Atlantico, com um imposto de importação, que não podia ser inferior a 15 francos por hectolitro durante os primeiros 3 annos, podendo elevar se a 25 francos por hectolitro nos 3 annos que se seguissem. Ao mesmo tempo fixou-se o direito de accise até ao minimo de direito de entrada, para o alcool destinado ao consumo no interior.

Sr. Presidente: fomos á conferencia de 1887, acceitámos essa conferencia; acceitámos tudo que diz respeito ao imposto de importação e ao direito de accise e finalmente acceitámos a obrigação de no fim de 6 annos irmos á revisão. A conferencia teve execução em julho de 1892, e passando os 6 annos fomos convidados a lá ir.

Não era possivel recusarmo-nos.

Portanto, o illustre Deputado escusava de justificar-se, a si e ao Governo de que fez parte, do facto de ter comparecido na conferencia de Bruxellas.

Foi á conferencia de 1899, porque em 1889 se tinha obrigado a lá ir.

Defendeu o Governo de que S. Exa. fez parte os legitimos interesses do seu país?

O illustre Deputado não precisava de fazer essa affirmação. Pois quem é que, sentado numa cadeira ministerial, não defende tanto quanto possivel os legitimos interesses do seu país? (Apoiados).

Eu sei muito bem que em questões internacionaes muitas vezes a força das circumstancias prevalece, pesa mais do que o nosso desejo.

Evidentemente, desde que Portugal ia a um concerto de potencias, aonde appareceriam algumas nações poderosas, com valiosos interesses em Africa, não podia tomar sobre si a responsabilidade de isolamento completo, em materia d'esta ordem.

Mas podia ter a pretenção de impor-se, no sentido de vingar qualquer alvitre?
Não podia.

O que é que tinhamos feito na conferencia de 1889? Nesta conferencia tinhamos aceitado um regime que fixava a restricção do uso das bebidas alcoolicas durante 6 annos.

Desde que se verificou que o imposto não podia ser cobrado para o restringimento do uso das bebidas alcoolicas, fez-se nova conferencia. Realizada ella, por iniciativa do Governo Inglês, pediu-se que em logar dos 25 francos estabelecidos se estabelecesse 100 francos.

Nós fomos á conferencia de 1885 com o fim de restringir as bebidas alcoolicas, e da mesma maneira fomos á de 1889. Pergunta o illustre Deputado se, segundo o meu modo de ver individual, nós não devemos concorrer, com deliberada vontade, para que se adoptasse tudo quanto pudesse restringir o uso das bebidas alcoolicas?

Respondo que sim. O meu modo de ver tem identidade de opiniões tem este projecto que se discute: nelle vem a prohibição absoluta do uso de bebidas alcoolicas em determinadas regiões.

E tenho muita pena que circunstancias locaes não permittam applicar este mesmo principio a outras provincias.

Sei bem as difficuldades com que se luta no campo de

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concerto das potencias. Bem sei, Sr. Presidente, que quando se discutiu na conferencia de Bruxellas - e se não tivesse conhecimento do que se fez nessa conferencia, sabê-lo-ia pela leitura do Livro Branco - sei bem que os allemães e franceses obtiveram benefícios para elles, se se pode considerar beneficio a reducção do imposto; enquanto que nós e as outras potencias coloniaes se obrigaram ao pagamento do imposto de 70 francos por hectolitro. O Governo Allemão pediu excepção para o Congo, mas o representante francês, apesar de não ter instrucções especiaes para dar assentimento, concordava, com a condição de ser tambem incluido o Dahomey.

Eu entendo que, dando-se todas as facilidades ao desenvolvimento do consumo do alcool nas nossas colonias se podia ter obtido o mesmo beneficio que os franceses obtiveram para o Dahomey; evidentemente era tudo isso uma vantagem sob o ponto de vista do barateamento do alcool, sob o ponto de vista, que não é o meu, dos que entendem que sé devem dar todas as facilidades ao desenvolvimento do consumo do alcool nas nossas colonias.

Assim, era realmente um beneficio.

Obtermos nós o que obteve a Allemanha para Umtali e a França para Dahomey, não é esse o meu ponto de vista, repito.

É certo, como dizia o illustre Deputado, que se começou por pedir na conferencia de Bruxellas que o imposto fosse de 100 francos por hectolitro, e que afinal, apesar do nosso pedido, ficou em 70 francos. E verdade; foi o regime de transacção proposto pelo representante do Governo Inglês, e a meu ver, digo-o com franqueza, foi devido á tenacissima resistencia que o Governo Português apresentava em elevar a tributação até 100 francos; e se nós concordamos em que a tarificação ficasse em 70 francos, tambem não ha duvida nenhuma de que o Governo Português defendeu tanto quanto possível, porque tínhamos dado instrucções até 50 e 60 francos, o abaixamento da tarificação na região baseada pela conferencia de Bruxellas, e por consequencia nenhum reparo tinha a fazer ao que o illustre Deputado veiu aqui affirmar.

Disse o illustre Deputado que o Governo de que S. Exa. fez parte empregou todos os esforços para os interesses nacionaes serem defendidos. Sou o primeiro a prestar homenagem á maneira como S. Exas. procederam.

O illustre Deputado sabe muito bem que, sob o ponto de vista da retaliação partidaria, não tinha motivo para vir fazer aqui as considerações que fez.

O chefe do partido a que tenho a honra de pertencer teve com o Sr. Beirão uma demorada discussão sobre o assumpto.

Em principio, o Sr. Hintze Ribeiro concordou de uma maneira absoluta nos fins humanitarios em que se baseava a conferencia.

Havia algumas divergencias e da parte do Sr. Hintze Ribeiro o desejo vivissimo de que as conclusões da conferencia de Bruxellas não viessem prejudicar o desenvolvimento da exportação dos vinhos portugueses para as nossas colonias, sobretudo d'aquelles que iam com uma forte alcoolização.

Neste ponto, comtudo, não havia divergencias de opinião.

Portanto escusava o illustre Deputado de estar a defender-se d´aquillo do que não foi accusado.

Se S. Exa. fez essas considerações para ter o pretexto de vir dizer ao Parlamento que não é exacto ter tomado o compromisso do estabelecimento do gremio com respeito ao imposto do alcool na província de Angola, por 300:000$000 réis annuaes, S. Exa. já mais de uma vez teve occasião de dizer que isso não era exacto, e no Ministerio da Marinha não se encontram vestígios de tal compromisso.

Todos affirmam, desde o respectivo director geral até ao mais modesto funccionario d'aquelle Ministerio, que não ha elementos para tal affirmação.

Não ha outras razões que o illustre Deputado possa invocar para mostrar a necessidade das suas considerações e por falta de tempo não insisto.

A offerta era de 300:000$000 réis, mas depois as circumstancias variaram porque a tributação não era de 80 réis por litro, como foi fixada na lei de 19 de agosto, mas a tributação fixada na conferencia de Bruxellas.

Aqui tem o illustre Deputado a razão por que discordei num acto administrativo praticado pelo meu amigo o Sr. Eduardo Villaça, a cuja honestidade e saber me cumpre, prestar inteiramente justiça.

É a primeira vez que, defrontando-me com o illustre Deputado, tenho occasião de falar neste assumpto.

Fui accusado de ter o proposito de desfazer dia a dia tudo quanto S. Exa. havia feito. Absoluto e puro engano. Eu não podia pôr-me nesse proposito, quando exactamente entendo que não podia ter sido melhor a intenção, nem mais intelligente a direcção que S. Exa. deu á sua pasta. (Apoiados). Foi este unicamente o acto de administração em que discordei.

O illustre Deputado pela lei de 17 de agosto mandava cobrar 80 réis de imposto por cada litro de alcool, e por uma simples portaria vinha pôr ao mesmo tempo em execução a lei de 17 de agosto de 1899, que evidentemente já estava derogada, visto que tínhamos acceitado em Bruxellas uma tributação nova.

Por um lado punhamos em execução a lei de 17 de agosto e por outro púnhamos em execução a conferencia de Bruxellas, para que ainda não tínhamos lei.

Entendi que uma simples portaria não podia annullar uma disposição e entendi que antes de tudo o que ora preciso era pôr em execução a conferencia de Bruxellas, isto é, a modificação que devia fazer-se ao direito de importação ; e então suspendi a portaria do illustre Deputado em que se mandava cobrar por meio de gremio o imposto sobre o alcool.

Não que essa portaria não fosse ditada pela mais recta intenção, mas porque entendi que podia trazer difficuldades de natureza grave, e o que tinha a fazer era annullar a portaria, como annullei, para providenciar posteriormente.

O illustre Deputado expiçou a razão por que, nas vesperas de deixar de ser Governo, publicou aquella portaria.

Comprehende-se perfeitamente a necessidade que S. Exa. teve do publicar essa portaria. O illustre Deputado deixou o seu nome ligado a um melhoramento de ha muito tempo insistentemente reclamado - o caminho de ferro de Benguella.

O illustre Deputado, a par da lei de 17 de agosto de 1899, que estabeleceu a tributação de 80 réis, publicou outra lei que auctorizava a applicar esse e outros impostos á construcção do caminho de ferro de Benguella, gloria que lhe pertence, que tenho prazer em lhe confirmar aqui, que com justiça se lhe não pode regatear. Não querendo porem deixar a sua obra incompleta, e como saiu do Governo e não podia, não tinha tempo, nem estava em circunstancias de convenientemente providenciar acerca da arrecadação do imposto do alcool na província de Angola e da sua applicação á construcção do caminho de ferro de Benguella, não quis que se dissesse que criava o caminho de ferro, e não criava, a receita correspondente, e por isso publicou a portaria de 25 de julho de 1900, levado, a meu ver, pela mais recta das intenções.

O illustre Deputado passou em seguida a apreciar este projecto. Como V. Exa. viu, Sr. Presidente, o illustre Deputado não manifestou nenhuma discordancia acêrca do que nelle se propõe, mas muito proficientemente lembrou algumas providencias que se podem adoptar no sen-

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tido do aperfeiçoar o pensamento do projecto, qual é o de dar desenvolvimento á saída dos nossos vinhos.

Sr. Presidente: como eu disse ha pouco, a rainha unica vontade é acertar, é prestar algum serviço ao meu país. Eu não tenho a estulta vaidade de acreditar que só por mim penso mais que a Camara dos Senhores Deputados, e estou disposto a acceitar tudo quanto, com sinceridade, seja apresentado de forma a melhorar o projecto em discussão. S. Exa. lembrou-se do alguns alvitres, de algumas modificações ao projecto. Peço-lhe que os formule e mande para a mesa, pois estou certo de que a commissão do ultramar os recommendará á Camara, quando evidentemente elles visem, como estou certo visarão, a melhorar a economia do projecto.

Sr. Presidente: este assumpto é muito complexo e, a meu ver, muito importante em todos os seus aspectos.

Em resposta ao illustre Deputado eu não tenho sequer pretexto para justificar ou defender alguns dos pontos mais salientes d'este projecto, e mal pareceria que eu antecipadamente me defendesse de accusações que não foram feitas. Ha todavia dois pontos que teem sido discutidos com uma certa vivacidade: um e o que diz respeito á fiscalização dos vinhos exportados para as colonias, principalmente á fiscalização exercida no reino; o outro é o que diz respeito ás circunstancias em que podem ser exportados os vinhos do typo do Porto até 23° de alcoolização.

Sr. Presidente: eu não vou neste momento, nem pretexto tenho para isso, justificar o que aqui está. Estou convencido que a discussão ha de ir longe e eu terei talvez de voltar ao debate, e então provarei a sinceridade e boa fé com que procedi no sentido em que está redigido este projecto, e ao mesmo tempo mostrarei a V. Exa. as informações ponderosas que não deviam deixar a ninguem, o em nenhum espirito, a duvida de que nós não podemos alterar o que aqui está. Pediu se que se permittisse a exportação para as nossas colonias do vinhos do Porto ato 23°. V. Exa. a comprehende a sinceridade do meu procedimento ao recusar-me a ceder a este pedido, sabendo que o pouco que possuo, e poderei deixar aos meus filhos, estava naquella região a que se referia o pedido com que não concordo. Para isto peço a attenção da Camara: transigir neste ponto é fazer ruir toda a economia do projecto. (Apoiados).

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador foi muito cumprimentado).

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Mendes Leal: - Declaro que a commissão de redacção não fez alteração alguma no projecto de lei n.º 56.

O Sr. Sergio de Castro: - Mando para a mesa a ultima redacção do projecto de lei n.° 27.

O Sr. Presidente: - Amanhã haverá sessão de manhã, sendo a primeira chamada ás dez horas e meia e a segunda ás onze horas.

A ordem do dia será a mesma que estava dada para hoje e mais os projectos de lei n.° 24 e 43.

Está levantada a sessão.

Eram 2 horas e 25 minutos da tarde.

Documentos mandados para a mesa nesta sessão

Representações

l.ª Da Camara Municipal do concelho da Guarda pedindo que seja revogado o decreto de 24 de setembro de 1898, de modo que o julgamento das contravenções e transgressões de posturas passe novamente para os juizes de paz.

Apresentada peto Sr. Deputado Mendes Leal, enviada á commissão de legislação civil e mandada publicar no Diario do Governo.

2.ª Da direcção da Associação Commercial de Lisboa pedindo que sejam approvadas as emendas relativas ás propostas de lei n.ºs 20-C e 2Q-D acêrca da crise vinicola.

Apresentada pelo Sr. Deputado José Cavalheiro, enviada á commissão de agricultura e mandada publicar no Diario do Governo.

3.ª Do Centro Colonial (associação de classe) pedindo que não seja approvada a proposta sob n.° 20-C referente ao regime administrativo, aduaneiro e fiscal de bebidas alcoolicas e fermentadas, nas possessões portuguesas da Africa.

Apresentada pelo Sr. Deputado Oliveira Mattos, enviada á commissão de marinha e mandada publicar no Diario do Governo.

4.ª Da Camara Municipal de Lagos, pedindo que não seja approvado o $ unico da proposta de lei n.° 19-D, na parle em que prohibe percentagem dos corpos administrativos sobre as taxas que se querem fixar aos generos sujeitos ao imposto do real de agua.

Apresentada pelo Sr. Deputado Magalhães Barros, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do Governo.

5.ª Da Camara Municipal do concelho da Figueiró doa Vinhos, contra a proposta de lei n.° 19-D, na parte em que despoja os corpos administrativos da faculdade de lançarem as suas porcentagens sobro as taxas do real de agua.

Apresentada pelo Sr. Deputado Joaquim Jardim, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do Governo.

6.ª De varias classes que vivem da tracção animal, contra o estabelecimento da tracção mechanica.

Apresentada pelo Sr. Presidente da Camara, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do Governo, eliminando as palavras que vão sublinhadas.

Justificação de faltas

Declaro que o Sr. Deputado José da Cunha Lima tem faltado ás sessões por motivo de doença. = Conde de Paço Vieira.

Encarrega-me o illustre Deputado Exmo. Sr. João de Sousa Tavares de communicar a V. Exa. que, por motivo justificado, não tem comparecido ás ultimas sessões d'esta Camara, e que pelo mesmo motivo terá de faltar a mais algumas. = Joaquim de Sant'Anna.

Declaro a V. Exa e á Camara que por motivo de força maior não pude assistir ás sessões de l a 6 de abril. = Belard da Fonseca.

Para a acta.

Declaração

Declaro que lancei na caixa de petições um requerimento documentado do major medico Manuel de Lemos Vianna, que pede lhe seja contado, para os effeitos da reforma, o tempo em que serviu como medico municipal, e na conformidade de concessões feitas a outros medicos militares.

Requeira por isso que esta petição seja enviada á commissão respectiva, a fim de ser tomada na consideração que for de justiça. = O Deputado, Antonio José Boavida.

O redactor = Affonso Lopes Vieira.

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