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Discurso que devia ter logar na sessão de 11 do corrente, a pag. 730, col. 1.ª, lin. 68.ª do Diario n.° 58

O sr. T. Lobo d'Avila: — Tive a honra de dizer na ultima sessão á camara que o governo faltára ao seu programma, não havia cumprido as suas promessas; que em voz de fazer economias tinha feito despezas extraordinarias; em vez de propor a reducção da despeza apresentava reformas que envolviam o seu augmento; e que em vez de propor um systema de providencias, que dessem em resultado a resolução da questão financeira, a vinha comprometter!...

Eu não digo e não disse que era um defeito haver intelligencia e idéas no governo, nem podia proferir similhante, absurdo; o que digo e disse é que é necessario que as idéas I do governo sejam taes que se adaptem á sociedade a que f se querem applicar.

E necessario que o homem d'estado não seja puramente philosopho; é necessario que as reformas sejam feitas de accordo com as necessidades publicas; é necessario, quando se quer lançar um importo sobre o paiz, provar primeiro que se tem feito todas as economias possiveis, que esse sacrificio que se exige é indispensavel, e além d'isso que esta de accordo com ao forças do paiz (apoiados).

É necessario que a intelligencia não fuja, não vôe para as regiões abstractas, mas que apalpe mais os factos, que examine mais o estado da sociedade.

E necessario que a intelligencia se não deixe guiar unicamente pelo prurido de apresentar grandes obras, para que em logar de fazer á sociedade um presente proveitoso e proficuo, se lhe não faça um presente funesto que a arraste no caminho da desordem, e que difficulte a resolução das questões, que é da maior urgencia e da maior vantagem publica que sejam traduzidas em factos pelo modo mais conveniente.

Eu disse aqui tambem que era bom ter crença nas idéas e nos principios, mas que não era racional conceber uma reforma no gabinete, e querer que o paiz se acommodasse a ella como num leito de Procusto; que era necessario não provocar resistencias, não provocar a animadversão da opinião publica, accumulando medida sobre medida, providencia sobre providencia, reforma sobre reforma, sem dar tempo de as meditar, nem ao paiz, nem aos corpos legislativos, e pretendendo votar a salvação publica ror atacado (riso).

Eu não podia nunca condemnar o pensamento de procurar a salvação publica, porque este é o ideal de todos os governos; o que entendia e entendo é que faze-lo por similhante fórma não é seguir o caminho mais racional (apoiados).

O que fez o governo? Como se preparou elle para exigir os novos sacrificios ao paiz? Fez porventura alguma reducção na despeza? Pelo contrario, fez despezas cuja utilidade muito se contesta, e mesmo algumas que se têem como uma inutilidade.

Se o governo queria pedir novos sacrificios ao paiz, para que foi elle gastar uma somma avultada no campo de manobras? (Apoiados.)

Pois perigava a nossa independencia, estava em risco a nossa autonomia, se acaso nós passassemos mais um ou dois annos sem ter campo de manobras? Estava a manutenção da nossa liberdade, como nação, dependente de organisar-se o campo de manobras?

Eu agora não quero discutir a utilidade ou inutilidade do campo de manobras para a instrucção do nosso exercito; o que eu quero é lembrar o que tinha aqui dito o sr. ministro da fazenda. Eu vou ler ai proprias palavras de s. ex.ª, porque não quero fazer lhe injustiça, citando as suas idéas menos exactamente. Dizia s. ex.ª:

«Os embaraços que creei (prohibição de crear noves titulos de divida publica sem propor receita) tão para mim constante estimulo para reduzir quanto posso a despeza do thesouro; serão além d'isso impedimento á tentação frequente de propor despezas novas, quasi sempre justificadas com os mais plausiveis fundamentos de interesse publico, mas que nem por isso deixam de aggravar cada vez mais a nossa situação financeira. Ou estou completamente enganado, ou é indispensavel pôr cobro, durante algum tempo, custe o que custar, ao prurido de melhorar serviços, creando novos encargos. O governo esta deliberado a reduzir a despeza publica.»

Mas o que fez s. ex.ª? Como cumpriu s. ex.ª este programma? Pois era indispensavel crear o campo de manobras, não contestando a utilidade que elle possa ter para instruir o exercito? Não tinhamos nós tido o exercito tantos annos sem campo de manobras, e não podiamos deixar de te-lo por mais alguns annos, até que as circumstancias nos permittissem destinar uma verba para esse fim? Catilina batia ás portas de Roma? Não havia outro remedio senão instruir o exercito n'um campo de manobras?

Já se vê que não havia nenhuma d'estas circumstancias extraordinarias, nenhum d'estes motivos indeclinaveis que levam um governo a fazer uma despeza tão avultada como esta. Portanto s. ex.ª faltou ao seu programma, e não preparou bem a opinião publica para receber os sacrificios que se lhe exigem agora (apoiados).

Pois qual foi a reforma que veiu na vanguarda dos impostos? Foi a reforma do ministerio dos negocios estrangeiros.

Pois era de urgente necessidade que fossemos reformar já o ministerio dos negocios estrangeiros, de modo que se augmentasse a despeza em cento e vinte e tantos contos? Não podiamos passar nem mais um anno sem essa reforma? Não tinham existido até agora os nossos diplomatas sem as despezas de representação? Era indispensavel que para elles terem mais luxo e ostentação, e para que a secretaria dos negocios estrangeiros se constituisse de um modo inteiramente independente das outras secretarias d'estado, fossemos augmentar os encargos publicos?

Perigava a nossa independencia se não fossemos pela nossa politica estrangeira, pela acção dos nossos diplomatas, exercer uma pressão sobre a balança da Europa? Pelo amor de Deus, nós somos uma nação pequena, mas somos uma nação séria, e não lhe queiramos dar um caracter ridiculo (apoiados), attribuindo-lhe uma importancia que não podémos exercer nos destinos do mundo.

Não havia pois rasão alguma de urgencia que aconselhasse a votar immediatamente o augmento de despeza para a organisação do ministerio dos negocios estrangeiros. Agora não discuto a reforma em si, o que digo é que, apesar da muda intelligencia dos srs. ministros, ás vezes o tal prurido de quererem apresentar muitas reformas leva-os a praticar actos contradictorios ao seu programma, sem attenderem ás circumstancias do paiz, creando embaraços e difficuldades para a resolução da questão financeira (apoiados).

Pois foi por este modo que s. ex.ªs prepararam a opinião publica para receber bem o lançamento dos impostos? E depois admiram-se que haja uma reacção contra o augmento d'esses impostos?! Pois admiram se que de toda a parte do paiz comecem a apparecer representações, pedindo que não se aggravem os impostos, sem primeiro se reduzir a despeza ao estrictamente necessario; bem se provar primeiro ao paiz, que se têem feito todas as economias compativeis com o nosso estado; e sem uma analyse conscienciosa e detalhada do orçamento, de modo que a nação se convença de que é indispensavel esse augmento?

E irritam-se os srs. ministros por virem essas representações, e qualificam-nas até muitas vezes de um modo inconveniente!

Eu lastimo, e é caso para deplorar, que muitas vezes o fanatismo pela idéa leve o homem a ser injusto e intolerante, porque póde, seguindo esse caminho, chegar ao despotismo e á tyrannia.

Foi dominado por um sentimento tão condemnavel que o sr. ministro do reino dirigiu algumas expressões inconvenientes á camara da invicta cidade do Porto, porque ella representou, com dignidade e cordura, em nome dos seus municipios.

Pois se é respeitavel o direito de todo o deputado, se é livre e independente a emissão da sua opinião, porque não será respeitavel o direito de petição? (Apoiados.)

Porque é que o que dizem os srs. ministros e os seus amigos ha de ser a verdade, porque não estarão elles enganados, e porque não será verdade aquillo que diz a opinião publica? Onde esta o criterio para julgar? Querem elles ser juizes e partes ao mesmo tempo?

Ss. ex.ªs, quando não têem uma maioria na camara electiva, dissolvem-na; e para que? Para appellarem para o paiz, para consultarem a opinião publica (apoiados).

Então, se a opinião publica dá uma maioria, a opinião publica é sensata, tem o direito de emittir o seu juizo e parecer, e merece o menor respeito e consideração (riso); mas se ss. ex.ªs dissolvessem esta camara e appellassem para o paiz, estou convencido de que elle havia de lhe dar a mesma lição que lhes deu o circulo n.° 111, e então se veria o valor, não só moral, mas legal e constitucional, que tem a opinião publica legitimamente manifestada (apoiados).

É respeitavel o direito do mandatario do povo; é livre no exercicio d'esse mandato. Sim, senhores, é respeitavel; não se lhe deve contestar a independencia do seu voto e a liberdade d'elle; mas é tambem respeitavel o corpo eleitoral, a nação inteira que delegou n'esse mesmo mandatario; e não se póde contestar á nação o direito de petição, nem se póde contestar o valor moral que tem a opinião publica no governo constitucional (apoiados).

Só um homem, fanatizado por idéas utópicas ou dominado pela paixão, é que póde desconhecer principios d'esta ordem, principios elementares do systema constitucional (apoiados).

Mas vamos ás provas das minhas asserções

Que o governo andou sem tacto politico; que o governo não soube apreciar as conveniencias publicas e respeita-las devidamente, na direcção geral dos negocios, é fóra de duvida; porque, em vez de preparar o paiz por uma severa economia, para receber bem o aggravamento do imposto, pelo contrario, indispus lo, fazendo despezas cuja utilidade é contestada (apoiado).

Vejamos se nas reformas apresentadas resolve de algum modo a nossa questão de deficit, ou se nós, depois de fazermos todos estes sacrificios, permanecemos exactamente na mesma situação em que estavamos, ficando o paiz sujeito a uma séde de impostos analogos, e na impossibilidade de resolver tão cedo a questão financeira.