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Discurso do sr. deputado Saraiva de Carvalho, pronunciado nas sessão de 6 de junho, e que devêra ter sido publicado no Diario de Lisboa, n.° 130, de 9 do corrente, pag. 1306, col. 2.º, lin. 77.

O sr. Saraiva de Carvalho: — Sr. presidente, prometto á Camara desde já expor em phrase secca e breve, sem rodeios nem refolhos nem largos commentarios, os motivos que me levaram a subscrever a emenda remettida para essa mesa pelo sr. deputado Costa Simões.

Antes de subscrever essa proposta de emenda declarei que_ a não aceitava em toda a sua plenitude, mas que aceitava o principio fundamental n'ella contido, e por isso que a subscrevia.

Por uma parte não aceitava a proposta no que respeita ao minimo dos vencimentos isentos por ella de qualquer deducção; —entendo que esse minimo deve ser elevado— entendo por outra parte que ella deve ser ampliada a ponto de comprehender a dotação real.

Hei de remetter para a mesa dois §§ como additamento ao artigo 1.° d'aquella emenda, para em tempo opportuno serem lidos e controvertidos copulativamente com ella.

Nós, os homens que nos podemos dizer nascidos da revolução, nós, os que hontem vimos cerrados os horisontes d'esta malfadada terra, nós os que vimos as classes operarias agitarem-se, colligarem-se, arregimentarem-se, prestes a hastearem o estandarte da insurreição, nós, os que nos vimos ameaçados de um violento terremoto politico e social, arvorámos como principio e inscrevemos como mote na nossa bandeira o brado da revolução, o brado das economias.

O ministerio que se senta naquellas cadeiras (indicando as cadeiras do governo) aceitou este principio pelo facto de aceitar as pastas (apoiados). A revolução propozera, e impozera aos homens que assumissem o poder não só a revogação das medidas capitaes promulgadas pelo ministerio transacto, mas conjunctamente a apresentação de reformas economicas que até hoje têem andado em quasi todos os programmas, mas que ella queria ver com fóros de cidade, realisadas e definidas.

Eu fui um dos fautores d'esse movimento; na minha pequenez e humilhado concorri, quanto em mim coube, para que elle vingasse. Os principios que então se propugnaram perfilhei-os á face dos meus constituintes. Protestei que os havia de sustentar aqui, como lá fóra, e que havia de adoptar as propostas do ministerio toda a vez que ellas, sem offender a justiça, tendessem a fazer córtes fundos, bem fundos, em todos os ramos da despeza publica (apoiados).

A proposta trazida á camara pelo dignissimo ministro da fazenda, agradando-me por um dos seus lados, não me agradou por todos elles. Agradou-me no sentido da deducção, mas não me agradou no sentido do privilegio. Eu me explico.

Considero as aposentações, jubilações e reformas como parte integrante dos vencimentos dos funccionarios publicos que têem direito a essas reformas, aposentações e jubilações. Sabemos que a magreza dos seus vencimentos tem n'esses direitos uma compensação, compensação que lhes é garantida pelas leis vigentes do paiz.

Quero eu que se mantenham as aposentações, jubilações e reformas, que se mantenham mesmo os terços, como indemnisação da exiguidade do geral dos vencimentos a que elles dizem respeito. O facto é que o estado, á sombra delles, desembolsa menos. Porém, se as necessidades publicas requerem uma deducção nos ordenados publicos equivalente áquellas jubilações, o nosso dever é proceder de modo que haja igualdade no sacrificio, como ha igualdade no beneficio.

Cercear o direito ás aposentações, jubilações e reformas equivale a uma deducção, ou a uma contribuição lançada sobre os vencimentos dos servidores do estado a quem de direito pertencem. Essa deducção, essa contribuição, essa amputação é sempre dolorosa. O imposto é uma triaga amargosa para aquelles que têem de o solver.

E por isto que todo o cuidado é pouco na verificação das deducções. A igualdade é principio indeclinavel, mormente na materia sujeita, porque o privilegio da dor é a multiplicação da mesma dor e uma gravissima injustiça.

Essa deducção calculada em 14 por cento pelo sr. deputado Costa Simões, como sendo o equivalente das aposentações, jubilações e terços, deve ser extensiva a todos os funccionarios e servidores publicos, não só para obtemperar aos principios da justiça, mas tambem para realisar com largueza o intuito economico que presidiu á elaboração do projecto.

Não creio que as economias procedentes d'esta fonte sejam as mais rendosas nem as mais proveitosas. Quizera votar primeiro a eliminação das funcções estereis. Mas visto ser aquelle o principio gerador do projecto, desentranhem-se todas as consequencias contidas n'esse principio.

O imposto é cousa que eu hei de votar, mas só depois de ter votado todas as economias, sempre inculcadas como meio indeclinavel para a organisação das finanças, e sempre adiadas e procrastinadas (apoiados).

O imposto é o nervo que nutre o estado; é principio que se não póde declinar. Mas o povo não se insurgiu contra este principio. Insurgiu-se contra as medidas emanadas da administração passada e contra as redundancias nas despezas publicas. E n'essa hora solemne declarou que, emquanto não encravássemos a roda dos esbanjamentos, podiamos legislar, mas que elle não pagaria. E confesso que não sei como a camara poderá votar novos impostos, sem previamente ter votado as mais largas economias (apoiados).

Na sociedade o lançamento do imposto é sempre uma cousa grave. O imposto resolve-se na sociedade, como o sal se dissolve na agua. Vae affectar todas as classes, todos os individuos.

A contribuição predial, por exemplo, que mais parece fugir áquelle principio, resvala, por via de regra, do senhorio para o inquilino ou rendeiro, porque o senhorio incorpora na renda aquella parte do imposto que desembolsa.

Sé porém o senhorio não consegue alijar de si esse onus, o imposto equivale ao confisco do capital que lhe é correlativo. Furta-se á circulação esse capital, que podia fecundar o commercio e a industria, pois a propriedade no acto da venda soffre no seu valor uma deducção correspondente aos encargos que o oneram. A rotação da propriedade envolve a consequencia de ser n'esta hypothese o primeiro proprietario quem paga exclusivamente o imposto. Todo o imposto importa comsigo o sequestro do capital que lhe é correlativo, e que fica fóra do giro social. Todo o imposto vae por isso affectar mais ou menos todas as classes.

O sr. Freitas e Oliveira: — Tambem os empregados publicos.

O Orador: — Os empregados publicos tambem. Mas a consequencia é que antes de realisar economias não devemos aggravar o imposto.

E quando o funccionario desfructa uma conesia, uma sinecura qualquer, de que aufere grossos proventos, deve-se eliminar a funcção improductiva, e o funccionario ver cessar esses proventos, que tudo podem ser, menos a compensação do serviço que presta (apoiados).

A situação do nosso paiz não é tão prospera como alguem julga. Demonstraram aqui na legislatura passada, os homens do governo e os homens da opposição, que as classes populares estavam em condições tão precarias, que não podiam sustentar-se de carne. A nutrição mais substancial, a que nos póde dar uma raça tenaz e robusta, é defeza á maioria da povoação. Em vista d'este facto cumpro o meu dever, abstendo-me de votar qualquer novo imposto emquanto as despezas do estado não forem reduzidas ao stricto indispensavel, emquanto a sua area não for estreitada até satisfazer as exigencias publicas.

Os terços, aposentações e jubilações são reputados a compensação da parcimonia dos vencimentos daquelles funccionarios que hoje os desfructam. Esses ordenados são magros a par dos pingues ordenados que vemos desfructar por muitos outros funccionarios publicos.

Qual é a rasão por que havemos de ir cercear os honorarios dos individuos feridos por este imposto, e não havemos de adoptar o principio, obrigando todo o funccionario a pagar para o thesouro publico, como pagarão esses seus collegas? Como poderemos promulgar hoje essa lei, sem ámanhã promulgar outra mais justa que a envolva e generalise?

Mas entre os funccionarios publicos ha uns certos que devem ser poupados; a contribuição não os deve alcançar. Devemos ser inexoraveis para com todos, menos para com os humildes, que dão todas as suas horas para obter o stricto necessario para poderem viver.

As classes pobres, as classes humildes em Portugal vivem mais pela abstinência, mais pela reducção das suas despezas ao stricto necessario, do que por terem meios sobrecellentes. N'esta reducção, n'esta abstinência ha términos improrogaveis, ha certas fronteiras, que se não podem ultrapassar sem que o astro da vida descenda ao seu occaso.

E certo que o estipendio, que o salario é a indemnisação dos serviços prestados; mas tambem é certo que esses funccionarios humildes não são os que auferem largas retribuições, não são a causa das prodigalidades do thesouro. Não levemos pois as reducções a ponto tal, que a morte tenha de ceifar todos esses individuos redundantes, todas essas bôcas supranumerárias a quem negarmos um logar no convivio social, negando-lhes os meios de poderem subsistir.

Mas se digo isto em relação aos humildes e aos pequenos, direi tambem em relação aos grandes e aos potentes, que elles devem contribuir para a causa publica, porque se esses mais têem lucrado, sem que os seus serviços sejam mais relevantes, mais devem tambem contribuir (apoiados).

Creio que o principio das jubilações, aposentações e reformas, considerado como uma contribuição que deve onerar todas as classes do estado, deve alongar-se até á corôa, até á lista civil (apoiados). Não vejo para isso objecção alguma, porque considero o Rei como o primeiro magistrado do estado; e ninguem contesta que uma das attribuições das côrtes é proceder á fixação das dotações, como succede com todos os vencimentos (apoiados).

As côrtes ordinarias podem alterar tudo o que não for constitucional, como declara expressamente o artigo 144.° da carta (apoiados).

Sabemos por este artigo que é só constitucional o que diz respeito aos limites e attribuições respectivas dos poderes politicos, e aos direitos politicos' e individuaes dos cidadãos, e que tudo que não é constitucional póde ser alterado sem as formalidades referidas em outros artigos da carta, pelas legislaturas ordinarias.

Ora, as dotações, bem como os outros vencimentos, não foram nem podem ser consideradas como direitos politicos e individuaes dos cidadãos, nem dizem respeito aos limites e attribuições respectivas dos differentes poderes politicos do estado. Quando se pretende alterar um artigo constitucional, temos um processo marcado na carta, temos um processo a seguir em virtude do qual trazemos para a camara os poderes necessarios para alterar esse artigo. Mas quando o artigo que se pretende alterar não é constitucional, esta nas attribuições de qualquer camara ordinaria realisar essas alterações (apoiados).