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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Discurso do sr. deputado Rodrigues de Freitas, que devia ter sido publicado na sessão de 20 de maio, a pag. 687 d'este Diario.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Parece-me ter hontem demonstrado que o governo não cumpriu as promessas que fizera n'esta camara, e que o parlamento necessitava tomar a iniciativa de importantes reformas, já que o governo não tinha coragem para tanto.

Havendo sido aqui posta uma questão politica, e estando especialmente voltada para ella a attenção de meus collegas, não era opportuno alongar sobre a origem do deficit; por igual motivo me não demorarei hoje em fundamentar a proposta, que hontem mandei para a mesa; creio que o parlamento não deve ter duvida em approva-la, já porque attende ao mais importante principio de administração, já porque ha de contribuir para reorganisarmos os serviços do estado com perfeito conhecimento d'elles.

V. ex.ª e a camara sabem a difficuldade d'essa reorganisação; sigo o parecer d'aquelles que julgam que a discussão do orçamento não é o ensejo mais opportuno para a reforma das diversas repartições do estado; mas creio que a camara poderá reformar bem, quando tiver procedido a sufficientes inqueritos; este systema parece-me assas preferivel ao de continuas auctorisações parlamentares, que desprestigiam o poder legislativo.

Creio que a descentralisação administrativa, largamente applicada, tornando mais facil o trabalho de governar educando os povos, estabelecendo a concorrencia de idéas e de praticas entre vinte e um districtos e entre centenas de concelhos, ha de contribuir para que os povos progridam rapidamente, aproveitem os seus direitos, melhor comprehendam os seus deveres, e sintam quanto é difficil a missão de legislar.

Quando a lei fundamental reconhece, como a nossa, que a soberania é da nação; quando o povo elege representantes, é prejudicial não ser o exercicio d'este direito acompanhado pela experiencia dos negocios publicos.

Ha quem assevere que a descentralisação administrativa só poderá ser um dos meios mais efficazes do desenvolvimento da riqueza nacional, quando o povo estiver sufficientemente educado!

Entendo ao contrario, que a descentralisação serve excellentemente para instruir e educar o povo; o estado não é mais do que o director dos negocios publicos, é o meio de realisar um dos fins do homem, é portanto uma das expressões do direito; o estado não tem por missão impor o progresso, mas unicamente de auxilia-los; é collaborador, não é despota.

Temos de realisar grandes obras para elevarmos o reino até á grande civilisação que necessitam os povos para manterem honrosamente a sua independencia; e o systema até agora seguido não póde fornecer o thesouro de meios indispensaveis a ellas.

Basta olhar para alguns poucos ramos de serviço publico.

Em estradas de 1.ª, 2.ª e 3.ª ordem, por exemplo, temos de gastar ainda cerca de 60.000:000$000 réis sómente para completarmos a rede já de muito decretada.

Que direi da instrucção popular? O estado de New York despende 4.400:000$000 réis na instrucção primaria, tendo cerca de 4.000:000 de habitantes. Nós despendemos poucas centenas de contos no ensino primario e no secundario!

Quando confronto a receita do estado com a do municipio noto uma distancia tal, que exprime claramente um desequilibrio assustador para quem comprehende os pessimos effeitos da concentração de forças n'um ponto, e da falta d'ellas no municipio.

A receita do estado orça por 18.000:000$000 réis; a de conjuncto dos municipios é menor do que a decima parte d'essa verba; a seu turno as juntas geraes de todo o paiz ainda em 1862 tinham para todas as despezas districtaes sómente 21:000$000 réis.

Que falta de vida! Que profundo abatimento! A organisação politica e administrativa desvia as attenções do povo, leva a esperar tudo do estado, e por fim o thesouro não póde auxiliar nenhum municipio de modo conveniente!

O actual systema de administração é uma das principaes causas da nossa decadencia politica; deprime em vez de elevar; quasi sempre impede, e poucas vezes civiliza.

Quem desconhece o que estão sendo e para o que estão servindo o recrutamento e as matrizes?

O recrutamento é uma das mais importantes armas de que usam os delegados do poder executivo, para lhes provarem que são dignos da sua confiança?

E as matrizes? Quantas não são feitas de tal modo que parecem destinadas a permittir que os seus erros sirvam de classificar os mais influentes politicos de cada concelho?

Basta dizer isto para se comprehender qual o modo porque está em Portugal a administração civil.

Em 1867 um dos mais respeitaveis membros d'esta casa, o sr. Mártens Ferrão, ordenou aos governadores civis que visitassem os respectivos districtos e empregassem todos os esforços para a fundação de cursos nocturnos de ensino primario para adultos. Os governadores civis obedeceram ás ordens de s. ex.ª, furam felizmente abertas centenares de aulas.

Este facto prova que as localidades, quando são devidamente esclarecidas pala auctoridade, não têem duvida votar os meios necessarios para estes valiosos melhoramentos. Sucedeu, porém, que dentro de, pouco tempo quasi todas essas aulas foram encerradas! É que a politica da marinha perturbava o regular andamento dos negocios publicos, e a ella era sacrificada essa obra civilisadora!

Direi agora breves palavras sobre a discussão que tem tido n'esta casa o parecer da commissão de fazenda, e sobre o discurso do sr. marquez d'Avila.

O sr. Alcantara disse que ha contas de saco, e cuido que este saco não é aquelle que o chanceller do thesouro inglez levava para o parlamento, e que tinha um nome que os francezes naturalisaram, o qual quer dizer orçamento. Este saco parece-me que é feito para encobrir e não para deixar patente e claro o que encerra. O sr. Barros e Cunha asseverou que não se diz a verdade ao paiz; o sr. Arrobas asseverou que ainda podia dizer muito mais; e no relatorio do tribunal de contas de 12 de outubro de 1869, ácerca das contas de exercicio de 1863-1864, encontra-se o seguinte (leu).

Estas palavras são de um tribunal altamente respeitavel, que não póde ser suspeito, e que, no desempenho das mais importantes funcções, envia ao governo o seu parecer. A camara dos deputados póde entender que não vale a pena ter em attenção estas palavras, eu entendo que são muito significativas, e mais um motivo para a eleição da commissão de inquerito que propuz.