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Cessão fa 8
N.° 7.
Presidência do Sr. Gorjâo Henriques.
hamada — Presentes 48 Srs. Deputados. Abertura — Meia hora depois do meio dia. Acta — Approvada.
CORRESPONDÊNCIA.
Um Ojjicio:—Da Sociedade das Sciencias Medicas de Lisboa, enviando 118 exemplares da re-preseniação, que a mesma sociedade dirigiu a Sua Magestade sobre o Decreto do 18 de Septembro uliimo. — Mandaram-se distribuir.
O Sr. Secretario Pereira dos Reis leu o seguinte
PARECER.— D.eho Math." Ferverherd & C.rt expõem no requerimento junto, que sendo negociantes desde muito estabelecidos na Cidade do Porto, e fazendo uma parte do seu commercio a venda de moveis fabricados, e por elles importados de paizes estrangeiros, dos qtiaes haviam despachado uma grande porção na alfândega daquella Cidade na oc-casião de 25 de Abril de 1836, em que, levantando-se um tumulto popular com o fim de destruir todos os artefactos estrangeiros , se dirigiu aos armazéns do supplicante e ahi despedaçaram todos os moveis, que lhe pertenciam, causando-lhe urna perda , que tem judicialmente liquidada na importância de 5:499$645 réis, e que tendo requerido pelo Thesouro Publico a indemnisação deste prejuiso, lhe fora deferido, que se habilitassem com sentença do juiso contencioso; porém que não podendo satisfazer a esta disposição por lhe não dar a sentença direito contra a fazenda publica, vem requerer a esta Camará para que tendo em consideração os auxílios e bons serviços por elle prestados á restauração da Carta, não seja julgado em inferiores cir-cumstancias de Bernardo Raggio, cujas reclamações foram attendidas por esta Camará, sem que elle talvez podesse apresentar tão bons serviços á causa da Carta, e da Rainha, como os supplicantes poderiam justificar, senão fossem tão sabidos por muitos Membros desta Camará.
A Commissão de Fazenda a quem foi mandado o requerimento dos supplicaotes, pesou com madura reflexão todas as rasões por elles expostas em favor da sua pertenção; porem entende que tendo os sup-plicantes ementado perante o Goveino a sua recla-* mação, que s>e acha pendente, não pôde emiltir a opinião sobre o merecimento delia e é de parecer.
Que os supplicantes D.eh° Math.8 Ferverherd & C.a devem requerer ao Governo o que lhes convier sobre a reclamação, a que se julgam com direito.
Sala da Commissão de Fazenda em 6 de Dezembro de ÍS44- —' Florido Rodrigues Peneira Ferraz , B. M. de Oliveira Borges, J. B. da Silvo Cabral, A. Albano , Barão de Chancelleiros, F. A. F. da Si/va Ferrão, J. J. da Cosia Simas.
O Sr. A. Albano :—Eu creio, que esta matéria não ha necessidade de entrar em discussão ; porque sobre ella a Commissão não podia dar outro parecer, senão que fosse remeitida ao Governo para lhe VOL. 3.*— MARCO — 1845.
1845
deferir, ou propor medidas legislativas, no caso que careça disso.
Foi approvado.
O Sr. Tavares de Azevedo:—>É para mandar para a Mesa três Projectos de Lei, que vou ler: peço sobre elies a sua urgeecia.
Leram-se na Mesa os seguintes
RELATÓRIO. — Senhores. E' geralmente notória a depreciação dos géneros nas Províncias, concorrendo para isso (além de outras cau?as, que e'ocioso relatar) a falta de numerário em circulação, a qual deve ainda progredir, não sabemos até que ponto, mas é certo que continuando assim em breve se não descobrirá ali um crusado novo, (ao menos de pra» ta, que falsos já bastante circulam). Nem isso deve admirar; porque sendo a agricultura a primeira base da riqueza em o nosso Paiz, como será possível, que as suas operações possam continuar no estado progressivo de decadência, em que a vemos, sem definhar totalmente! E quando chegar essa crise; qual será então a sorte do proprietário, qual a do com-tnerciante , e qual a do artista!
Mas os males, que opprimem a nossa agricultura, aggravam-se muito mais, nesta época, em que os povos são collectados com um sem numero de contribuições, que elles não podem pagar, umas ordenadas pelo Governo, outras pelas Camarás Municipaes , outras pelos Concelhos de Districto, sem que, entretanto, se tenha excogitado um meio, pelo qual possam (os provincianos principalmente) satisfazer, menos gravosamente , tantos impostos.
Com a intenção, pois, de obviar, quanto seja possível, a um tão grande mal, tenho a honra de propor-vos o seguinte
PROJECTO DE LEI. — Art. 1." Todas as contribuições, quer lançadas pelos Concelhos de Dis-trictos, quer pelas Camará* Municipaes, serão pagas em dinheiro, ou em géneros, á escolha dos col-lectados.
§ 1." Os géneros serão reputados pelo valor, que a respectiva Camará Municipal arbitrar, segundo as circumstancias.
§ 2.° Os arrematantes ou cobradores de taescol-lectas serão obrigados a receber os ditos géneros, uma vez que não estejam deteriorados, e apromptar, para bem os recolher, e conservar, os utensílios , louças, vasilhas, e mais objectos necessários.
§ 3.° Serão igualmente obrigados os mesmos arrematantes, ou cobradores a expor á venda os ditos géneros, tanto nos mercados mais próximos, como em suas próprias casas.
§ 4.° As despezas obrigatórias dos Concelhos, taes como ordenados dos facultativos do partido, do secretario, officiaes de diligencias, salários das amas dos expostos, poderão ser pagas em géneros, ou em dinheiro, a arbítrio das Camarás Municipaes: ex-; cepto a gratificação ao Administrador do Concelho, que será sempre paga em dinheiro.
Art. 2.° Fica revogada toda a Legislação em contrario. .
Sala das Sessões em 8 de Março de 1845.-^- O
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Deputado por Braga. João Tavares dn tfjo.s Machado,
Julgado urgente. Foi remettido â Commissão de J^fzeríêq $ e que se imprima no Diário do G®verno.
ÈELATORIO. — Senhores. Muito se tern fallado , neste parlamento, da miséria das Províncias pela falia de numerário; mas desgraçadamente, pouco, ou nada se tem tractado de remediar esse râo grande mal: com o intuito pois de lhe fazer ate^um bem, ainda quê' pequeno, propofvh*® o seguinte Projecto dw Lei, projecto, que, no meu humilde mod" de pensar, e attenla a vossa sciencia , e prudência , vá merecer-vos moita consideração,
PROJECTO DE LEI —O subsido liíterario, determinado pela Carta de Lei de 21 de Novembro de 1844, será pago em dinheiro de cerrado, ou era vinho, á escolha do collectado.
§ único. Os arrematantes ou cobradores do subsidio serão obrigados, á sua custa ater 03 utensílios, e vasilhas necessárias para bem arrecadarem o seu vinho, que nunca poderão regeitar; excepto se estiver adulterado, ou doutra qualquer maneira deteriorado; o que será decidido por peritos, havendo questão, com a presidência do Adminisuadordo Concelho.
Ari. 2.* Fica revogada, nesta parte, somente a Legislação em contrario.
Sala das Sessões em 8 de Março de 1845.— O Deputado João Tavares de Azevedo Lemos Machado.
Julgado w gente. — i* o i remei f ido á Commissão de Fazenda. •— E que se imprima no Diário do Governo.
RELATOUIO. •— Senhores. A lei e sempre boa , altenta a rnente do legislador, e ate sempre se deve presumir sufficiente em relação ao fim porque é publicada a rasâo, que a diclou ; mas desgraçadamente raros são os casos, em que a lei, depois de posta cm pratico, appareça tão favorável, como se presumia , nem tào sufficienle e própria a produsir os bens que ao legislador se antolhavam, ou evitar os males, que elle quiz acauteMar. E com effeito e muito difficil a tarefa do legislador, principalmente neste nosso século, em que uma liberdade mal entendida ameaça uma licença desmedida ! Certo publicista antigo exprimiu bem a difficuldade de legislar, quando disse — Eíiam etscellentthus ingeniis citius dcfuèrit ars, qtta eivem regant, quam qua hostem super ent.
Nem deve admirar quando se advirta que a lei é sempre urn mal, em quanto ella tolhe ao cidadão uma parte da liberdade, que a naturesa lhe deu. Mas por maior rnal ninda e lida, quando, corrompidos os costumes, os cidadãos não estão aptos para obedecer. Então pouco valem as leis, porque são infringidas indeffereutemente, são substituídas, e n'uma palavra tornam-se vãas é inúteis. Quid vanae proficinnt, sine rnoribus, legcs !
Eis-aqui, Senhores, porque nada; ou muito pou-eo aproveitou a lei de 10 de junho de 1843, não obstante haver sido recebida pelos povos, não só com acolhimento notável, mas ate'com enihusias-mo.
Tehdo-se íevado em mira, por aquella !ei, acabar com a arbitrariedade d'algufnas camarás, que sem attenção ás poucas forças dos municípios sob sua administração lançavam fintas horrorosas, não èó pela sua quantidade, mas ate' pela sua repeti-SRSSÃÔ N." 7.
çâo, experimenta-se desgraçadamente ainda o mesmo mar, ou provenha das mesmas camarás, ou dos conselhos de districto.
Para evitar, pois, um tão grande vexawe (de tanto se ralha, e com justificada rasâo, n» milde pensar) proponho c seguinte ;
PROJECTO DE LEI. — Art. 1.° Todo o orçamen. to municipal será assignado pela maioria dos membros do conselho .municipal , e sem isso nào será remettido ao conselho de districto.
§ 1,° Os membros do conselho municipal serão Iodos obrigados a assistir ás sesíôes da camará, ern que se tracle do orçamento, sendo para esse fim pré v ia meu te a v isados.
§ S.° ~ Todo o membro do conselho municipal que, sendo previamente avisado, não comparecer no dia aprasado, ou não enviar escusa legitima devidamente comprovada, será mulclado pela camará, pela primeira vez em ô^OOO rs., pela segunda em Í0$000 rs. , e pela terceira vez e subsequentes, á proporção, ate 50$000 rs. ittcrusive, e não mais, a arbilrio da mesma camará.
§ 3.° Estas muletas serão lançadas em livro corn-.petente, e^ assignadas pelo presidente e maior parte dos vereadores e membros do conselho municipal depois do que o fiscal oíficiará immediatamente ao administrador do concelho, para que este as faça sem detença cobrar executivamente pelo agente do ministério publico.
§ 4.° Serão rigorosamente responsáveis por seug bens os ditos fiscal da camará, administrador do conselho, e agente do ministério publico, por qualquer ommissão ou demora ria cobrança das sobreditas muletas; quer proceda de simples negligencia, quer seja de propósito.
§ 5.° As ditas muletas, apenas arrecadadas, serão applicaveis para as despesas obrigatórias do concelho, e se a tanto chegarem, para &sfacultati-vas, com tanto que o objecto destas seja de utilidade , reconhecida pela camará e pela maior parle dos membros do conselho municipal, ainda setnau-ctorisação do conselho de districto.
§ 6.° O administrador do concelho será obrigado a remelter anruiahnente ao governador civil uma exacta relação do nuuíero das mencionadas muletas, sua cobrança e applicaçâo, para que seja pre-'sente- em conselho de districto no acto da approva-ção das contas da respectiva camará municipal.
Art. 2.° Se no orçamento municipal se mostrar, que as despesas obrigatórias não podem ser satisfeitas pela receita ordinária do concelho , poderá nesse caso o conselho de districlo lançar contribuições pelo meio directo, com tanto que nunca excedam á terça parte da decima, que qualquer cidadão desse município é obrigado a pagar.
§ único. Se, ainda assim, não chegar essa contribuição para saldar o déficit, será o orçamento levado perante o Governo pelo conselho de districto com informação sua; e o Governo, julgando da necessidade, ou grande utilidade da vetba ou verbas de despesa , mandará supprir por rneio da siza do dito-concelho.
Ari. 3.° As despesas facultativas do concelho só poderão ser satisfeitas pelas rendas do município, depois de saldadas as obrigatórias, se houver rc-siduo. ,
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que ura interesse demonstrado para o concelho, porque então a camará e conselho municipal o proporão ao conselho de districto, e este consultará o Governo, que resolverá o que melhor convier.
Art. 4.* Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala dassessões 8 de março de 1845. O Deputado por Braga — João Tavares d" Azevedo Lemos, Machado.
Julgado urgente— Foi remettido á eornmmão de
administração publica Diário do Governo.
E que fosse impresso no
ORDEM DO DIA.
Continuação da discussão do projecto n.° 58.
O Sr. Presidente: — Continua a discussão sobre o art. 14.e do projecto em discussão, e tem a palavra o Sr. Carlos Bento.
O Sr. Carlos Bento : — Sr. Presidente , eu reconheço, como o illustre Deputado, que me precedeu, que esta questão e uma questão importante, porque tem merecido a consideração de muitos e esclarecidos publicistas: questão que tem sido o objecto de um debate muito serio; e finalmente questão que tem merecido n consideração de um paiz respeitável.
Sr. Presidente, eu não me posso conformar de maneira nenhuma com a opinião do illustre Deputado, que me precedeu ; e acho que as rasôes apresentadas por o illustre Deputado, pela maior parte, longe de me fazerem mudar de convicção, pelo contrario fortificaram as ideas , que eu tinha a se-milhante respeito.
Sr. Presidente, no systema represenlativo acham-se todas as precauções políticas para que a responsabilidade, que se impõe ao Poder Executivo, previna quaesquer abusos, que podessem resultar da administração. Todos reconhecem a necessidade de exigir muitas garantias pelo lado político, para deixar toda a liberdade ao Governo, quando se tra-cta de administrar, a fim de que da sua administração resultem ao Paiz todas as vantagens possíveis; o contrario seria um absurdo, seria reputar inútil a existência de uma administração qualquer,
Sr. Presidente, ate me parece que o (Ilustre Deputado que me precedeu, disse: que a acção não era administrativa, ou não se podia considerar como administrativa. Não posso comprehender o que seja administrar, se ahi se não cornprehende a acção; porque eu não entendo o que seja uma acção ideal, psycologica.
Sr. Presidente, muitos sustentam mesmo que o julgar os actos administrativos e ainda administrar, proposição esta que serve de base á resolução adoptada na base do projecto para as decisões do Conselho d'Estado sobre matéria contenciosa; mas nada tão fácil, como combater um systema existente ; nada porém tão difficil corno substitui-lo convenientemente.
Sr. Presidente, o illustre Deputado que me precedeu, tcncioso administrativo, entre elles Mr. Fivien, o qual pretende que ao Governo fique reservado o veto em circumstancias extraordinárias; mas quem ha de ser juiz destas circumstancias extraordinárias'f Portanto, Sr. Presidente, os mesmos que combatem o voto consultivo, são aquelles mesmos que reconhecem tacitamente que o principio opposto offe-rece muitos inconvenientes, O illustre Deputado que rne precedeu, disse: que os defensores do projecto queriam estabelecer o Con-selho d'Eslado deNapoleão; queremos o contrario, Sr. Presidente, quem quer crear o Conselho distado como tinha Napoleão, e o illustre Deputado; porque este conselho decidia definitivamente não só estas questões, mas todas as outras; porque os Ministros nessa época não tinham influencia alguma sobre elle, como elle a tinha sobre o Ministério; era o primeiro corpo do Estado; era o Parlamento daquella época; portanto, Sr. Presidente, quem quer pois imitar o Conselho d'Estado de Napoleão é o illustre Deputado; mas, Sr. Presidente, também não é exacto o que o illustre Deputado nos dá como precedente daqudle Conselho, porque longe de representar o inconveniente da centralisaçâo, pelo contrario tendia a corrigir o» inconvenientes que delia resultam ; pelo menos é esta a opinião de Mr. Cormenin, que disse: que o Conselho distado servia de correctivo á excessiva centralisaçâo do funccionalistno. (apoiados) Entretanto eu avalio as consequências da posição que cada um occupa no Parlamento, e a desconfiança nas medidas propostas; e até disso resulta grande vantagem para a discussão. Entretanto o argumento de que se serviu o illustre Deputado, tira todos os receios a este respeito; porque disse: que o Governo na sua proposta originaria não apresentava esta disposição, mais uma prova de que o Governo não é dominado por esse pensamento de cenlraiisação, mais timo. prova de que não ha premeditação neste assumpto. Pois bem, a premeditação data de pouco tempo. Creio que nesse ponto não concordará toda a oppo-sição, porque estas desconfianças são muito antigas; todos sabem que desde 1835 03 Ministérios lêem todos querido malar a liberdade, se acreditarmos o que diz a opposição ; até o Sr. Fonseca Magalhães, quando esteve no Ministério, spffreu essas accusa* coes; em geral, todas as opposições occueam os Ministérios de quererem acabar a liberdade. E quando fallo nas opposições, já se sabe que façodistinc-ção entre muitos indivíduos, que pertencem a ella sem tomar a responsabilidade de todos os seus actos; mas em geral, mesmo da parte dosque fazem opposição com mais moderação, é esta uma das princi-paes accusações.
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mataria, aquelle* que occupam a primeira posição «•m consequência da confiança que mereceram ao rhofc do poder executivo, e aos representantes do í* a'u nas Camarás? (apoiados) Citou-se o exemplo de expropriações por causa de estradar. ; rnas pergunto eu, traclando-se deste mesmo caso, não e verdade que ?e tracla, por um lado do interesse do indivíduo, e por outro do interesse d'uma província? E então não se entende que rnais algumas garantias se devem dar ars interesses representados em tamanha extensão, do que aos indivíduos? ít. por outro lado acaso o indivíduo perde, pelas disposições do projecto, Iodos os meios de deieza, todas as garantias? Pelo contrario, fica com muilo mais do que ate' agora. E é esta a occasião que se escolhe paia querer interessar a favor d'um abandono de direitos, que não é senão supposlo?
Sr. Presidente, quiz-se até" certo ponto prevenir as objecçôes, que se haviam de fazer aos argumentos apresentados, e enlão foi-se buscar o que se sup-punham excepções da regra estabelecida, e quiz-se com ellas destruir esta regra. CUou-se o que se passava nos conselhos de districlo: mas nada se provou ; porque desses mesmos conselhos de districlo lia recurso para o Conselho d'Estado; e se por acao se quer suppôr que o Governo pôde abusar absolutamente de tudo, perguntarei se o Governo não tem direito de dissolução a respeito desses corpos, se o magistrado que os preside, não e' da nomeação do Rei, e se os seus membros não são por e!le escolhidos em lista apresentada pela junta geral do districlo ? Então, se de^confiaes, deveis desconfiar de tudo ; então não vos deve apresentar nenhumas garantias a organisação destes tribunaes, que realmente se acham sujeitos á influencia do poder, que suppondes perniciosa em todo o caso.
Sr. Presidente, quando se combalia com mais força a creaçâo de um tribunal consultivo, recorreu-se ao passado, e pertendeu-se fazer uma comparação injuriosa para com opiesente. Nada ha tão fácil como gabar as vantagens de tempos, que passaram, e cujos inconvenientes nos não podem afectar: se fosse possível interrogarmos, os que soffriam esses inconvenientes, veríamos, se elles achavam as vantagens de então superiores ás de agora. Diz-se, pors —-que naqnelles tempos havia taes instituições, que não ha agora — que se quer concluir daqui? Que devemos julgar, que os interesses dos povos estão inteiramente abandonados, porque não existe juiz do povo! Oh ! Sr. Presidente, pois essas instituições que se suppoz terem existido, mas que nunca existiram realmente da maneira, que se suppoz, não eram uma prova de que o excesso de poder, que existia em alguma parte, precisava de ser contrabalançado por essa forma ! Sr. Presidente, não se pôde comparar o passado com o presente.
Eu não sou dos que entendem, que todas as formas do governo são em todas asciíeumstaricias dadas applicaveis a todos os povos, nem que as mesmas instituições servem para lodosos tempos. O que e' verdade, é que no tempo em que era necessário, por que a organisação social assim o pedia, que o liei se achasse revestido dessas altribuiçòcs omnimodas, era necessário lambem, que existissem, como sempre existiram instituições, que mantivessem o equilíbrio. E então lia mais alguma cousa: ate muitas vezes a liberdade dos povos foi filha do absolutismo dos líeis; 'Srcs?..vo N.* 7.
porque é preciso reflectir, que o estado não foi sempre a cousa simples, que hoje vemos; a civilisação actual e o resultado de muitas faces, porque a sociedade passou, e da combinação de diversos elementos. Nenhuma duvida ha que, até certo ponto, foi o absolutismo dos Reis o meihor meio, que houve para dar a liberdade aos povos. Ate' talvez se possa citar o exemplo de um paiz, que não gosa actualmente do systerna representativo, a Rússia, onde o poder do Soberano, longe de ser prejndicial ás classes inferiores do estado, lhes e mais favorável,, do que a opinião das classes mais elevadas, da aristocracia. Ainda não ha muito tempo, que sof-freu uma grande resistência, uma medida intentada pelo governo, para favorecer as classes sujeitas á escravidão, que naquelle paiz peza sobre alguma?-, foi da parte dos nobres, que entendiam, que aquella medida ia prejudicar os seus interesses de propriedade. Por isso eu tiro a conclusão, de que nem sempre uma ordem de governo existente pôde ser para todos o? paizes a mesma em todos os pontos: e se quizessemos adoptar o que então existia simultaneamente com os melhoramentos agora introduzidos, leríamos uma sociedade que nem era a antiga, nem a moderna.
O que mais admira, e', que o illustre Deputado, quando combalia a existência de um Iribunal consultivo, appellasse para a lembrança da exislencia de tribunaes consultivos (O Sr. /. M. Grande; — Não eram só consultivos) O Orador: — Não queiramos a omnipotência dos tribunaes, que existiam no tempo do absolutismo: nunca tivemos a justiça do Aragão, nem essas entidades superiores á força do Rei, qufí existiam n'oulros povos, e as garantias resultantes dessas instituições nunca foram taes que estivessem a coberto das prepotencias do poder, que então resumia toda a influencia.
Mas, Sr. Presidente, não julgava eu que entre as objecçôes do illustre Deputado havia de apparecer, corno objeclo de censura, a excepção feila nas bases a respeito do determinado pelo decreto do 1.° de agosto a respeito dos professores e dos juizes: confesso, que não esperava, que uma reflexão desta natureza partisse da parle de um Deputado, que faz opposição. E aqui ternos respondidas, em grande parle, as objecçôes que tiveram logar por occasião do debate sobre o mesmo decreto; aqui vemos destruídos os argumentos empregados ad ferrarem, de que o Governo pretendia reunir em sua* mãos a influencia política, sem deixar a estas classes respeitáveis as garantias, que devem ler. Tenho todo o direito de voltar o argumento contra o Sr. Deputado: se elle queria dizer, que se devia dar ao Conselho d'Esiado essa resolução definitiva em matéria de contencioso administrativo, porque isso é uma grande garantia, então tenho direito de voltar esse argumento contra o Sr. Deputado, e dizer-lhe — vede que essa grande garantia se dá a respeito daquellas classes, que vós dixcis ficavam órfãos de todas as garantias.
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sãs decisões 1 — Peço iambcm licença para voltar Q argumento ; pois porque não haveis de ver nisso urna das vantagens resultantes do systema estabelecido ? Pois porqtic não haveis de ver nisso uma das provas, de que a secção do contencioso administrativo, sabendo que as suas resoluções, quando justas, hão de ser adoptadas pelo Governo, não tem até agora abusado da faculdade de julgar? E ate' este e um dos argumentos, que teem sido empregados pelos que sustentam a continuação, do que actualmente está estabelecido em França;' dizem elles: não mudemos o que realmente se tern mostrado não produzir nenhum inconveniente para uma cousa, que ainda não sabemos se produzirá muitos abusos. Por consequência o argumento do Sr. Deputado lambem e contraproducente, (apoiados}
Sr. Presidente, S. Ex.a pressentia de alguma maneira a posição desvantajosa em que,se achava col-locado ; porque a cada cousa tinha a imparcialidade de confessar, que o que dizia tinha resposta: dizia «sei que para isto ha resposta. 55 Effectiva-mente para tudo quanto S. Ex.'disse, havia resposta ; e S. Ex.s não accrescentou nem podia accres-centar, mas posso eu dizer, que a resposta é victo-riosa ; porque effectivamente, Sr. Presidente, quando rTuina nação tão illuslrada como a França se conserva por tanto tempo uma instituição como aquella, e um argumento mais forte, do que muita gente o quer dar a entender, que seja. Eu lambem não sou daquelles, que dizem, que se deve preferir os exemplo? ás rpgras; mas eu entendo, que os exemplos são alguma cousa, os exemplos são au-ctoridades, e auctoridade ate certo ponto e razão. Mas, Sr. Presidente, o illustre Deputado, que me precedeu, quiz ver em algumas, do que elle chamou excepções, estabelecido um argumento contra a regra geral, que apparecia nas bazes do projecto. Parece-me, Sr. Presidente, que as excepções nunca foram uma razão contra as regras geraes; e ale'm disso as excepções, no caso de que gê tra-cta , estão justificadas pela especialidade das circunstancias dos nossos contrários. E assim, Sr. Presidente, que a respeito de uma instituição es-pecialissirna , a do tribunal das contas, não se dá recurso para o Conselho d'Estado senão nos casos determinados, que apparecern nns bazes, em que se attribue ao Conselho d'Estado uma jurisdicção em ultima instancia sobre as matérias, que são sujeitas á sua alçada. Por acaso poder-se-ha argumentar com o estabelecimento desta proposição contra o que se estabelece de inlerloculorio nas resoluções da secção do contencioso administrativo? De nenhuma maneira. Pois, Sr. Presidente, tra-cta-se por ventura do objecto do contencioso administrativo? Pois, Sr. Presidente, não sabemos todos, que as ftmcções deste tribunal limitadas á fiscalização dos actos dos agentes do poder de maneira nenhuma podem constituir, o que fica determinadamente debaixo da inspecção desta secção do tribunal do Conselho d'Eslado? Pois não sabemos todos, como muito bem diz o illustre publicista Mr. Foucard, que em ultima analyse o parlamento e que vem a ser juiz das decisões deste tribunal, ou por outra, que os trabalhos deste estabelecimento vêem a facilitar as decisões do parlamento sobre os objectos de contabilidade , que tem necessariamente de ser sujeitos a sua approvação ? Como é ,V— M A lieo— 1845.
pois, Sr, Presidente, que se quer argumentar cons o que se estabelece a respeito de um caso determinado, de uma jurisdicção especial ? Como e' pois que se quer argumentar deste caso particular para uma regra que nada {em de coinmum com ella ? Como é que se quer confundir, o que naturalmente se apresenta tão distincto ?
E diz-se ainda mais, Sr, Presidente «corna se ha de consentir, que o governo n'uma questão destas seja parte e juiz?» Oh ! Sr. Presidente! Por acaso póde-se dizer, que o governo e'juiz, quando se Iracta de negócios desta importância? Pois se por acaso nós quizessemos sempre apear o governo da altura, em que está collocado, poderia elle por ventura ter a menor liberdade noexercicio das suas funcçôes? O que é juiz e parte, quando se tracta dos negócios públicos, cuja gestão está encarregada ao governo ? N7ão se abusa evidentemente desta proposição ?
Sr. Presidente, o illustre Deputado no seu discurso referiu-se muitas vezes a Mr. Dumont. Eu faço ao illustre Deputado a justiça de acreditar, que se queria referir a Mr. Dabord; ma* Mr. Dumont realmente combate o mais logicamente, que é possível todas as opiniões, que sustentou o illustre Deputado, e se a Camará me permilte, eu passo a ler algumas observações feitas por este illustre publicista, u Os agentes do governo, diz elle, (leu). Este Dumont foi citado pelo illustre Deputado. Diz elle mais adiante, (leu) Ah! Sr. Presidente! na verdade não sei, que objecção se possa oppôr ás razões produzidas por este publicista. Sejamos coherentes ate' ao fim. Se por acaso nós entendemos, que o Governo é puramente parte neste objecto, qual hade ser a razão, porque »âo havemos de querer, que tenha as naturaes consequências uma decisão judiciaria sobre este ponto? Eu não sei qual hade ser a razão, porque não devam entrar os agentes desse poder judicial nesta Camará, e fazer penhora nos objectos, que nella seaciiam, seporaca-só o Governo não paga as dividas, a que estiver obrigado? Pois, Sr. Presidente, o que é que nos dá direito para não sermos lógicos ale ao fim? Por que motivo e que nós havemos de querer admittir no principio «nnn especialidade de jurisdicção , e havemos de parar, como muito bem diz Mr. Du-enont, em occasíão 'em que mais devemos ser fieis ao nosso principio? Sr. Presidente, nada ha tão difncil como ser lógico ate' ao fim, e por isso é que eu digo —que, se por acaso os principio? invocados pelo illuslro Deputado fossem realmente aquel-les, que se deviam spguir, era impossível, que das suas consequências não nascessem os absurdos, que visivelmente apparecem, quando por esses princípios se quer ir ao fim.
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Nós já vemos, Sr. Presidente, resumindo direi, que aqueiles que em França rnais tem objectado contra uma disposição alli existente , são os pró-prios, que não sabem propor a sua reforma sern ao mesmo ternpo , ate' certo ponto, reconhecerem as razões que produzem os seus contrários; e 05 rnais illuslrados, que tern proposto reformas a sem ilha n-le respeito, são os próprios, que tem reconhecido, que alguma cousa c necessário conservar naquelle sentido; e se os impugnadores os rnais ardentes e os m ais illustrados do systema seguido são os próprios, que confessam que alguma cousa deste sys-lema se deve conservar, devemos concluir, que as razões são todas do seu lado; e na verdade nào tem faltado ate' agora crn França quem sustente com todo o vigor este systema ; porque o iiluslre Deputado sabe muito bem, que ultimamente a proposta apresentada na Camará para este fim debate-se, o Governo sustenla-a , e segundo todas as apparen-eias , a Camará acha-se muito disposta a aceita-ía. Por conseguinte, Sr. Presidente, vemos que o Corpo Legislativo está disposto, a ir dar a sancçào naquelle paiz , a urn acto , que se acha estabelecido ; a uma proposição administrativa, que tern vigor ha muitos annos : vemos que publicistas distinc-tos a sustentam ; vemos que a collisão resultante do estabelecimento de uma o.utra cousa deveria tra-xer os maiores inconvenientes, e inconvenientes d« que ainda se não pôde apreciar toda a extensão ; porque effeclivarnente ainda esta disposição não existiu, ao passo que da existência da disposição contraria a experiência tem mostrado, que não resultam os inconvenientes, que o iilustre Deputado nos queria fazer ver, que necessariamente deveriam resultar. Quando, Sr. Presidente, o exemplo, a experiência , e as razões votam a favor do objecto parece-me, que-estão auctorisadoá aqyelles, que o aceitam, a manifestarem altamente a sua approva-
Ainda haveria talvez, Sr. Presidente, uma outra razão, é vem a ser—que se por acaso em França, aonde afeição característica do Conselho distado é a inamovibilidade , se por acaso naquelle paiz esta proposição não offerece inconveniente, muito menos o poderia offerecer em o nosso paiz, nonde a organisação do Conselho d'E»tado offerece mais garantias exactamente do que as offerece f m França — porque o Conselho d'E*tado entre nós e mais alguma cousa, que o Conselho d'Estado em França: o Conselho,d'Estado entre nós tem o elemento'político, que realmente não se dá no Conselho d'Estado em França; e.eu ale entendo que, longe de podermos aceitar as.representações , que se fizeram contra o-desenvolvimento, que se queria dar ás attribuições do Conselho d'Estado, devemos applaudif o saber tirar partido de uma disposição, que já existia , e que se completa debaixo de um outro aspecto da maneira porque propõe o projecto.
Sr. Presidente, entendo pois que o Conselho de .Estado em o nosso Paiz offerece as garantias necessárias para que as suas decisões sejam respeitadas pelo Governo no ponto de que se tracta, todas as vezes que forern conformes aos interesses públicos , e aos direitos individuaes.
E, Sr. Presidente , eu pedi algumas vezes a pá-íavra no decurso desta discussão, e não tive occa-SKSSÂO N." 7.
sião de exprimir as minhas ide'as sobre differenlés objectos; mas nern por isso entendo, que as matérias, que si? tem discutido, tivessem sido menos illustradas: no entretanto eu peço licença ao illus-tre Deputado para lhe notar, que a sua opinião a respeito do conflicto entre as auctoridades judiciarias e administrativas era realmente rejeitada por aquelles mesmos que combatem a instituição actualmente existente ern França. Eu não quererei continuar sobre este assumpto , mas pedirei ao iilustre Deputado licença para lhe ler esta parte, (leu)
Nada mais accrescento a similhante respeito, e peço perdão de me ter servido desta occasiuo , em que .fallava sobre um outro assumpto, para mostrar ao iilustre Deputado — que quando a gente se cala , quando conserva o silencio", nem por isso e porque deixe de ter muitas raaòes para combater algumas das propostas, que se fazem nesta Camará ; mas entendo, que muitas vezes calar-se e' mais difficil , que fallar; saber calar-se e mil vezes mais difficil que saber fallar; e por isso entendo, que Iodas as vezes, que uma maioria não e explicita, nem por isso dá aos seus adversários o direito para dizerem que sahiram vencedores na discussão. Sr. Presidente, tenho concluído, (apoiado») O Sr. Gavião: — Depois das opiniões, emittidas não só quando apresentei a questão previa, mas quando se discutiu oart.12.0, talvez que agora não devesse tomar parte no que nos occupa, e essa era a tenção, que tinha formado, pore'm por urn destes enthusiasrnos, de que muitas vezes nos deixamos arrebatar, quando vemos os adversários, empenhados em combater princípios, no meu entender, erróneos, digo, levado desse enthusiasrno, pedi hontem a palavra , e já que isso aconteceu , e que V. Ex.a agora ma concede, não renunciarei a usar delia, para que não pareça, que receio entrar na lide; mas nem por isso usarei estensameute, clirni-tar-me-hei mais a consignar as minhas opiniões, do que a responder a todos os argumentos, que gê tem apresentado; e digo mais , talvez nem a este trabalho me desse, se por ventura não fosse levado a isso pela declaraçà«, ;com que o iilustre Deputado, que me precedeu, concluiu o seu discurso.
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culivo, rnuito menos posso approvar agora a doutrina cio artigo que se discute; por isso que se ella passar, o executivo fica sendo o Conselho d'Estado.
líu já disse e repito, que não sei o que seja contencioso administrativo, mas não admira que o não saiba, quando caracteres muito dislinctos, e publicistas muito abalisados ainda ale hoje o não tem definido. Na verdade não compreendo o que seja, e grande pesar seria o meu, se me não abonasse com auctoridades, que poderia oppôr ás apresentadas pelos illtistres Deputados ; e se eu quizesse cançar a Camará mostrar-lhe-hia , que tenho lambem em meu abono discussões importantes de parlamentos, que podem servir de modelos a todos os outros; porem como já vou renunciando ao syste-ma de converter a Camará em gabinete de leitura, não o farei, e muito mais porque as minhas opiniões boas ou más já , como disse, francamente as emitti.
Tractarei por tanto de mostrar primeiro que tudo que não ha contradicção entre o que sustentei , e o que agora sustento: porque, quando eu propuz, que a Camará meditasse se sim ou não cabia nas suas atlribuiçòes conceder ao Conselho d'Estado outras funcçôes ale'rn da que lhes confere o art. 110." da Carta, e claro, que eu duvidava da competência da Camará ; mas logo que esta se declarou competente, e também claro, que eu não devo lambem impugnar uma decisão já tomada ; e accei-tando-a como caso julgado devo empregar todos os esforços para que este tribunal offereça o maior numero de garantias.
Sr. Presidente, votou-se que o Conselho distado exerça funcçôes além das que lhe confere a Carta : votou-se que o Conselho d Estado conheça não só de todos os recursos dos conselhos de districlo, e dos conflictos entre as auctoridades administrativas, mas dos que occorrerem entre estas, e as judiciarias. Sobre os inconvenientes , que daqui podem resultar já eu fallei ; mas já que tal foi a decisão da Caiuara, ao menos vejamos se e' possível , que as deliberações do Conselho d'Estado exprimam a decisão de um tribunal independente, e nunca de mero instrumento do capricho do executivo, o que na verdade acontecerá, se o artigo passar tal qual se acha.
Sr. Presidente, máo e muito máo era, no meu entender, que a um tribunal, que não tem a sua existência definida, se concedessem allribuições, como se conferiram ao Conselho d'Estado ; mas peor e muito poor será que este tribunal fique sem opinião , e apenas se converta, como já disse, ern mero instrumento do executivo, que com elle se desculpará, quando a consulta lhe for favorável, mas que nem por isso no caso contrario recuará do propósito, que tiver formado: e então pergunto para que serve ludo isto que estamos fazendo? Não sei: mas creio, que e somais ura para accommodar algum saneio da ordem.
Sr. Presidente, já em uma das occasiões, em que fallei, disse, que julgava desnecessário entreter a Camará com uma dissertação histórica sobre oCon-selho d'Estado; porem como o illustre Deputado, que acaba de fallar, alludiu ao conselho d'estado de Napoleâo, e não especificou a época a que se referia, sempre de passagem lhe direi, que me parece, que o seu argumento foi rnal trazido, quer N.* 7.
ern relação ao que era o Conselho d'Estado; no consulado, quer em relação ao que era no tempo do império; porque no primeiro caso, sabe muito bem o nobre Deputado, que o Conselho d'Estado foi um instrumento de destruicção da liberdade; em segundo, também sabe o nobre Deputado, que o Conselho d'Estado era o primeiro corpo, sendo os Ministros secundários: pergunto eu, e quererá hoje al.íruetn fazer-nos tão bello presente? Não o posso crer; ao menos eu rejeito, e faço a justiça de acreditar, que o nobre Deputado não deseja offe-recer-nos tão bello mimo; mas se eu não quero, nem Conselho d'Estado, que prepare a tyrannia, nem Conselho d'Eslado , que absorva todos os poderes, também não quero o Conselho d'Estado, que signifique a mera vontade ministerial; e na verdade espanlo-me de ver o desejo desta estran-geiro-mania de importações; mas na verdade ainda mais me espanto de ver que este desejo se li-rnita a imporlar tudo que é mác^, e despresando o que é bom.
Dizem os illustres Deputados, que sustentam-o projecto, que em França o Conselho d'Eslado com esta organisaçâo tem produzido bellos resultados, e exclamam os nobres Deputados, por ventura seremos nós mais liberaes, que os francezes, ou estaremos melhor educados do que elles? Eu respondo, que não : mas espero, que se me responderá á per-gunla, que vou fazer com igual franqueza e sinceridade: não haverá em. Inglaterra liberdade? Gozarão os francezes.de mais liberdade do que os in-glezes ? Não e a Inglaterra o paiz clássico da liberdade? Não foi al!i que começou a era dos no-•vos governos? Creio, que não contrariam: e agora pergunto, ha alli Conselho d'E«tadoí Ou tem por ventura o Conselho Privado asattnbuiçôes do Conselho d'Estado de.França? Não: os nobres Deputados bem o sabem : mas talvez pretendam escudar-se no respeito, que os inglezes conservam ás suas antigas instituições, e queiram daqui tirar argumento, que elles preferem continuar nostaíu quo antes que admiuir innovações, embora d'ahi lhes provenham melhores resultados; e eu que estou disposto a ser mais condescendente com os defensores do projecto, do que S. $.ni tem sido com os impugna-, dores, concedo-lhes este argumento; mas pergunto, e poderá dar^se a mesma razão para com a Belgi» ca? De certo não: e tem os nobres Deputados a bondade de me citar a data da organisaçâo do Conselho d'Estado da Bélgica, e quaes.os seus regulamentos? Ora vejam, se fazem esse favor, porque o receberei como uma graça muito especial, (pausa) O Orador : — Não querem, ;pois e uma ingratidão; mas ao menos digam-me se a liberdade, de que gosa o povo belga, não será digna de se lhe pres-lar homenagem ? Oh ! Sr. Presidente, repito, que devemos ser cautelosos nas importações, e muito mais o devem ser os nobres Deputados, .atlendendo a um dos argumentos apresentado pelo ultimo, que fallou, e de que tomei nota..
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ca? Pnr ventura terá entre nós o poder eleitoral a tnesma influencia, que tern em França? Por acaso o exercício eleitoral, que até hoje estava entre nós dependente dos conselhos dedistricto, (e que já não estava bem) não fica agora dependente1 do capricho ministerial e mil vezes peor ? Mil vezes peor, digo, porque os conselhos de districto ainda em parte participam da natureza eleitoral, rnas hoje as suas decisões são subordinadas ao capricho do executivo. Ora pois se tudo isto e exacto, se effectivamenle estamos muito mais atrasados, que os fjancezes, e temos muito menos garantias, doque elles, para que e argumentar com o Conselho d"Estado de França? Sim com o Conselho d'Estado de França, que já foi denominado — Arlequim por um distincto Senador hespanhol, se bem me lembro, o Sr. Herós. E não sei com que fundamento os illuslres defensores do projecto pertencem achar na responsabilidade ministerial correctivo para todos estes males, porque, se os nobres Qcputados estão sinceramente convencidos da verdade deste argumento, muito maior correctivo devem achar na responsabilidade imposta nos Conselheiros d'Estado; e senão digam-me em boa fé, qual será mais fácil tornar effectiva a responsabilidade aos Conselheiros d'Estado, que não
concedem nem empregos nem honras, ou aos Ministro?, que alem de serem senhores do cofre das graças, tem na sua mão viciar os recenseamentos, affastando da urna os eleitores, organisando uma Camará de Deputados a seu bei prazer, e escolhendo asíim 09 seus próprios juizes 1 Creio, que a garantia a favor da liberdade e tão saliente, que não me ali evo a fazer mais considerações sobre este objecto.
Agora só de passagem responderei duas palavras a outro argumento apresentado pelo illustre Deputado, que ultimamente fallou. Disse S. S."—que muitar, vezes o absolutismo dos Reis tem contribuído para a liberdade dos povos —e citou-nos para cxen>[;!o um facto á pouco acontecido na Rússia — mas se o nobre Deputado se lembrasse do qne pouco nntes tinha dicto, do que nem todos os governos servem para todos os tempos nem para to«!os 09 povos, àc, certo nos não fallaria nem da Rússia, nem do absolutismo dos Reis; porque devia lembrar-se, que a organisação política daquelle império é inteiramente diversa da do nosso Paiz ; e na verdade parece-me grande extravagância confundir situações tão distinctas, pois quem é hoje entre nós o Rei,a que aqui se allude? Não é o Pod^r Executivo? E, e o Poder Executivo da Carta será o mesmo que o Czar de todas asRussias? Quem são os parlamentos, quem são os eleitores, que contrariam a vontade do Autocrata? E aonde está a Polónia e a Sibéria de Port«igal ? Confesso sinceramente, que só pela muita deferência, que tenho pelo nobre Deputado, e que me faço cargo de responder a este seu argumento ; e por isso apenas accresceritarei, que se o Monar-cha Russo neutralisa a tendência arbitraria da aristocracia contra o povo, e isso importa uma garantia, polo contrario, eu não sei, que garantias nós podemos esperar d'homens, que todo sacrificam para se conservarem no poder: e se o nobre Deputado não entende, o que e uma administração espiritual, como muito espirituosamente disse, eu respondo sem preterição, que não sei o que seja diante da Carta um;» administração omnipotente. SESSÃO N.° 7.
Sr. Presidente, não me faço cargo de responder ás citações dos publicistas feitas pelo nobre Deputado ; porque se o fizesse, seria contrapondo lhe outras, que destruíam completamente os argumentos apresentados por S. S.a; mas como renunciei a converter a Camará em gabinete de leitura, conlentar-ine-hei em notar ao nobre Deputado, que se as citações dos publicistas, a que reco/reu, não são mais exactas do que os factos da historia contemporânea, que nos recordou, de certo está em rnuito má situação : pois como pretenderá o nobre Deputado provar a asserção, de que todas as opposições, que tem havido no nosso Paiz, tem constanlemente accusado todos os ministérios de quererem acabar com a liberdade? Como o pertenderá, digo, diante dos factos? Pois não se lembra que a opposição de 1836, aonde militava o Sr. Fonseca Magalhães, a quem S. S.a alludiu, e documento vivo, que contraria a sua asserção? Pois o Ministério do Sr. Mousinho e Loureiro foram jamais accusados de liberticidas ? Não foram, nem o podiam ser! Mas eu que desejo saldar sempre contas com os meus adversários, e repor oa factos taes elles se passaram, e estão passando, digo em resposta ao nobre Deputado, que o que nunca houve neste Paiz foi um Ministério como o actual, que precise viver á custa da reputação dos seus adversários, e que constantemente os esteja accusando de attentaretn contra a lei do Estado e contra a Dynastia,
Sr. Presidente, os illustres defensores do projecto acostumados ao triumfo de todas as questões, logo que são declaradas de confiança ministerial, não se tem esquecido de recorrer a este argumento favorito ; e não serei eu, que lho contrariarei , mas sempre quero lembrar-lhes, que esta questão tanto deve ser de confiança para um como para outro lado da Camará, porque eu não me espantarei, que hoje se repita o acontecimento de 1835; pois ha ahi alguém que ignore, que o voto de confiança concedido então ao Ministério, de que formavam parte os Srs. Agostinho José' Freire e Silva Carvalho aproveitou depois ao ministério dos Srs. Marechal Saldanha e Francisco António de Campos, e bem assim ao que lhes succedeu dos Srs. Loureiro e Mousinho d* Albuquerque, a que já me referi, e haverá alguém , que se não lembre , quão grande foi o arrependimento dos que tinham concedido esse voto de confiança? Por isso digo que a questão deve decidir-se pelos princípios , attenden-do sobre tudo á nossa situação política eleitoral , e não se illudarn os Srs. Deputados da maioria, lembrem-se que pôde muito bem acontecer, que sejam os primeiros, que pertendam revogar, o qne hoje tanto advogam, (apoiados) E não se illudam com uma outra reflexão, que aqui se apresentou — de que nós queríamos atar as mãos ao Executivo — porque este argumento só serve ad captandum, e eu em resposta peco-lhes, que não queiram concentrar no executivo todos os poderes do Estado, o que eíTectivamente acontecerá se o artigo passar tal qual se acha.
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excepções, ou alràs eu estou em grande erro; e como o meu desejo único e' acertar, estimarei que me digam, se as attribuições, que hoje exercem ascom-missôes mixtas , (depois do tractado com a Gram-Bertaníia) são judiciarias ou administrativas ? (pauta) O Orador: — Não respondem, nem podem responder s«não que são administrativas: do contrario teríamos o absurdo de haver as funcções judiciarias exercidas por pessoas estranhas ao poder judiciário. Ora sendo como efectivamente são todas as funcçôes das cocnmissôes mixtas, pergunto para quem se recorre das suas decisões? Creio que para ninguém : e então já se vê, que a jurisdicção administrativa pôde delegar-se , e que rejeitando-se o principio não só se respeita a Carla, mas vai-se em harmonia com as praticas. Voto portanto contra o artigo.
.O Sr. Ferrão: — Sr. Presidente, acha-se em discussão o art. 14.° das bases sobre a organisaçâo do Conselho d'Estado, e neste artigo o ponto principal que ha a examinar é se as decisões do Conselho d'Estado tomadas na secção do contencioso, deverão ser obrigatórias, e executadas sem depen-cia do consentimento, ou approvação do Governo; e também este ponto que fez o principal objecto do discurso do Sr. Deputado José Maria Grande. Sr. Presidente, eu não me referirei ao que nos é extra» nho, quero dizer ao que se passa ern França, na Bélgica etc. e tractarei esta questão, porque só tanto me e' preriso, pelos princípios da nossa organisaçâo política, segundo os princípios da Carta Constitucional , e também segundo a naturesa do objecto que se discute.
Sr. Presidente, a palavra administrar no sentido lato comprehende tudo o que «'governar, e portanto abrange o complexo de todos os poderes políticos do estado, que constituem o regimen social, e sem os quaes não pode haver ordem nem segurança ;— mas n'uin sentido restricto, e mais geralmente recebido a palavra administrar exprime a acção do Poder Executivo, e por consequência neste sentido o executivo e o administrativo são synonimos, exprimem a mesma cousa — O executivo, ou administração, comprehende dois pontos distinctos, mas que lhe são essenciaes. Um é o que se chama administração propriamente dita, e que consiste na acção do Governo para a execução das leis, e manutenção da ordem publica , mas sem reclamação nem contestação dos cidadãos; e o outro consiste nessa mesma acção, oppiicada para o fina de resolver todas aã questões e reclamações, que occorre-rem na sua marcha, e e isto o que constitue o contencioso administrativo, que e' uma parte por tanto da Poder Executivo, cuja acção não poderia ser exercida, sem o emprego dos meios nece«*arios, e entre estes é o da remoção de quaesquer duvidas ou obstáculos, que possam nascer dessa mesma acção; e por isso collocar-se fora do Poder Executivo o contencioso administrativo seria tirai a esse Poder uma parte sua integrante, e inseparável, (apoiado)
Posto isto, Sr. Presidente, eu passo a responder a algumas das reflexões apresentadas pelo illustre Orador, a que me referi, seguindo a mesma ordem que elle seguiu , e por isso começarei a notar que tendo o nobre Deputado principiado o seu discurso por dizer que «e tracta de saber se o Governo VOL. 3.°—MARÇO—1845.
hade delegar a jurisdicção contenciosa, ou se a ba-de exercer por si mesmo; se o Conselho d'Eslado ha-de ser o que deve ser, ou se unicamente um puro autómato ; direi quanlo á primeira proposição, que não ha duvida, que se tracta de delegar jurisdicção administrativa, mas também e' certo que residindo essencialmente esta jurisdicção na pessoa do Rei, segundo a Cartn, não pode a delegação, vir da immediata disposição de uma lei, mas sim do mesmo Rei, e neste sentido dizendo se que toda a jurisdicção administrativa edelegada, o mesma na-turosa desta delegação auppõe um mandato, que não pode ser nunca exercido com superioridade demandante. — Quanto á segunda proposição digo que o Conselho d*Estado hade ser o que deve s>er, e o que unicamente pode ser. — O Conselho d'Estado segundo a Carta exerce unicamente funcçôes cônsul* tivas, ou seja para o exercício do Poder Moderador, ou seja para o exercício do Poder Executivo, quando se tracta de negócios graves; e alem dá Carta, cumpre que as novas attribuiçôes que a lei lhe conferir, vedem ao Poder Executivo alguma parte do que lhe pertence segundo a mesma Carta, o que necessariamente assim aconteceria, se lhe fosse submettido o contencioso da administração sem o correctivo apresentado na base que se discute.
O Conselho d'Estado não fica assim puro auto-matot como disse o Sr. Deputado, porque, Sr. Presidente , as decisões do Conselho d'Estado não são menos respeitadas, per ficarem dependentes da resolução Regia, a qual e' conveniente para que nó caso de não serem as mesmas decisões conformes á justiça, segundo a convicção dos Ministros do Rei* possam elles exercer o seu velo, e impedir por tal modo o effeito dessas decisões, o que muito poucas vezea ha-de acontecer , ?e ajuizarmos pelo que dia* riamente está acontecendo a respeito das resoluções de consultas de outros tribunaes administrativos. — Mas alem de conveniente a resolução Regia nos negócios do contencioso administrativo, torna-se indispensável, porque sendo este contencioso uma parte do Executivo, cumpre que por tal forma os Ministros adoptem as decisões do Conselho d*Estado, para que assumam a responsabilidade, que somente a elles se pode e deve impor, segundo a Carta, nos actos do Poder Executivo.
Perguntou mai& o illustre Deputado se se tracta-vá de annuliar asaltribuiçòes concedidas pelo código administrativo ás camarás municipaes, aos conselhos de districto, ás comínissões de recenseamento, e ate se queríamos revogar as próprias providencias adoptadas pelo Governo ha poucos dias e sanc-cionadas por esta Camará ? Eu não vejo de modo algum que seannullem as attribuições conferidas pelo código administrativo ás camarás municipaes, aos conselhos de districto , á* com missões do recenseamento, eu o que vejo, Sr. Presidente, é consignar-se o principio fundamentai de que todas essas attribuiçôes devem ser exercidas de modo que não fiquem absolutamente independenles, poique são todas subordinadas ao chefe do Poder Executivo. Sr. Presidente, não é isto novo, é doutrina conhecida, no mesmo código administrativo, ahi se estabelec que haja uma jerarchiaadministrativa; detuodoque as auctoiidades inferiores fiquem sempre subordinadas ás superiores. É a doutrina do Art. 355." do mesmo Código, aonde.se \c o seguinte. = « Em to-
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ítda a jerarchia administrativa, publica e municipal, «singular e collectivamente considerada, as aucio-«ridades inferiores são subordinadas ás superiores, «e obrigadas a cumprir todas as suas decisões e or-« dens legaes; salvo o direito de respeitosa represen*-sí tacão ás mesmas auctoridades. As aucturidades «superiores podem cumprir por delegados especiaes «as suas decisões e ordens, em cujo cumprimento, 44 depois de primeira e segunda advertência, com in-«tervallo rasoavel, as inferiores se mostrarem omis-« sãs , negligentes ou refractárias.«— Nem podia deixar de ser assim, Sr. Presidente, porque o contrario seria crear um estado no estado; e admiuir corpos ou entidades heterogéneas, dentro do circulo de um e mesmo poder, o que seria o maior dos absurdos, e importaria uma completa nnarchia.
Disse mais o iilustre Deputado, com applicação ao contencioso administrativo quequando setracias-se de interesses sociaes, elle queria dar toda a latitude ao Governo , mas quando se traclasse do interesse dos cidadãos, a decisão devia pertencer aos Tribunaes; e nunca ao Governo.
Mas se no contencioso administrativo se acham sempre etn causa os interesses sociaes com os interesses iudividuaes; se é o choque entre estes interesses que forma esse contencioso, se é precisamente nisto que elle se distingue do contencioso judiciário, em que somente lutam interesses inclividuaes; segue-se que no contencioso administrativo sempre se ventilam interesses sociaes, e por tanto segundo os mesmos princípios do iilustre Peputatada, deve o Governo ter toda a latitude em sua acção , e isto mesmo apparcce n^s exemplos, que produziu ares- . peito de duas povoações, que questionassem entre si sobre a direcção de uma estrada, ou de um cidadão que fosse expropriado por essa direcção; —por que em ambas as hypotheses apparecetn os interesses sociaes em luta com os interesses particulares; — c na primeira é certamente ao Chefe do Poder Executivo que pertence, attendendo aos interesses de todos designar o rumo , que deve levar essa estrada para bem de todos; e na segunda, provada a utilidade publica, ou a necessidade da expropriação, e liquidado o valor delia, toda a questão se reduz a forçar o cidadão a esse .sacrifício, compensando-o a aceitar esse valor, o que segundo a lei em vigor compete ás aucloridades administrativas, em quanto o expropriado não contesta os actos de avaliação. O iilustre Deputado argumentou ainda contra a or-ganisação do Conselho de Estado, quanto ao contencioso administrativo, comparando-a com as dos nossos antigos tribunaes, dizendo-nos^ que nesses iribunaes, como era o Conselho de Fazenda, o Al-tnirnntado, o Dezembargo de Paço e outros, havia um contencioso administrativo ; cujos negócios se resolviam definitivamente.
Ora, Sr. Presidente, não ha argumento mais fora de propósito, mais contraproducente do que este. Em primeiro logar é sempre máo argumento de analogia o que se lira de um regimen absoluto e de confusão, de poderes, para um Governo constitucional, em que a separação desses poderes é um dogma po-litico; em segundo logar os antigos trihunaes não praticavam acto algum de jurisdieção, quer voJun» «.ária , quer contenciosa , senão cotno delegados do Hei, e em nome do Rei. .Vléui disso não decidiam ao por si senão os negócios menos graves, e que SESSÃO N.* 7.'
erarn de mero expediente, porque os que tinham alguma gravidade, ou em relação ao objecto ,, ou em razão de algum comprometimento aoGoverno, eram sempre consultados, e ficavam por consequência dependentes da resolução regia. Era para estes eíieitos que em todos esses tribunaes entravam os procuradores da Coroa ou Fazenda, e constituíam um Ministério publico, que representava os interesses e a dignidade do Governo; que as leis os mandavam ouvir em todos os negócios; e que tinham o direito de requerer consulta, sempre que a julgassem necessária , e que por tanto eram o veto em acção sempre em nome e por parte do Rei. Esta mesma faculdade de requerer consulta era imposta como um dever de consciência a todos os Membros dos mesmos tribunaes, e bastava a exigência de um para que assim se praticasse.
É eis-aqui o corno nesse tempo a ultima decisão de todos os negócios vinha a pertencer ao Rei. Alem de que ainda na legislação se achava consignado um outro principio, por virtude do qual a aucloridade do Governo, e as prerog-ativas da Coroa , ficavam sempre defendidas , e era o de que a todo o cidadão era licito interpor o recurso imme-diato , ou o extraordinário para a pessoa do Rei, que sobre as respectivas petições ordenava então que os tribunaes consultassem , e reconsiderassem as suas decisões. E este princípio não está revogado, antes dontro da esfera do poder executivo, e paro com todas as suas ramificações, não pôde deixar de se considerar em vigor, e assim se tem cons-lantemente entendido, como e' fácil de provar em .vista de tantas portarias do Ministério do Reino, da Fazenda, e do Tribunal do Thesouro , sobre decisões tomadas em conselho de dislricto , camarás municipaes, e outras auctoridades administrativas, desfazendo ? modificando, ou mandando reconsiderar essas decisões, por se entender que são menos justas, ou contrarias ás leis, cuja execução competindo ás auctoridades superiores immediatas ao chefe do poder executivo, também aão pôde deixar de competir-lhes a suprema inspecção e revisão dos actos praticados para execução das mesmas leis por auctoridades subalternas.
Achou também o iilustre Deputado que o piin-cipio que estabelecemos, era falso, por isso que fa-zianios excepções nos casos apontados no decreto do 1.° de agosto de 1844, e também porque exceptuávamos 09 recursos que se inlerpozessem do tribunal de contas.
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Ministério dos Negócios da Fazenda Já fim de tudo ser presente ás Cortes. E debaixo deste ponto de vista tem este tribunal alguma cousa de político, por isso que seus trabalhos são destinados a ser sub* rnetlidos ao conhecimento do corpo legislativo. Em segundo logar com pé te-1 li e julgar as contas de cada um dos exactores ou responsáveis á fazenda publica, em processos especiaes, e lavrar a final ac-cordâo, que fixe as respectivas responsabilidades, revestido para esse fim de toda a jurisdicção necessária não só para ordenar o sequestro dos bens e prizão dos alcançados, mas lambem para fazer executar as suas ordens ou julgados tanto pelas au-ctoridades judiciarias como pela-i administrativas. K debaixo deste ponto de vista o tribunal de con-las e inquestionavelmente um tribunal especial, assim como o de commercio , ou outro por privilegio de causa , mas judiciário com estes.
Tem finalmente o tribunal de contas uma terceira atlribuição, e e' a do recenseamento em geral da divida do estado, e a da liquidação do? atrazos do Tliesouro. E debaixo deste ultimo ponto de vista é um tribunal puramente administrativo. No primeiro caso faz consultas ao Governo para serem presentes ás Cortes : no segundo decide em virtude de accorddo de que se recorre cm revisão para o Conselho d'Estado, não para que este conheça do mérito das contas, mas sim da inobservância das for-mulas, ou das leis, e mande instaurar novo exame nas mesmas contas; no terceiro caso decide, como os mais tribunaos administrativos, por meio de despachos, dos quaes se ha direito de parte offendi-do se pôde recorrer para o Conselho d'Estado, entrando assim na regra geral do contencioso administrativo. Já se vê portanto a razão da differença quanto aos recursos interpostos no segundo caso do tribunal de contas para o Conselho d'Estado, em que o mesmo Conselho não e' segunda nem ultima instancia nos julgamentos de contas, mas tão somente um como tribunal de cassação , para conhecer de nullidades e falia de execução das leis, e conceder por esses fundamentos , quando demonstrados, a revisão dos processos, que tem de ultimar-se no mesmo tribunal de contas. Já se vê pois, Sr. Presidente, que se não ferem os princípios, iií'm ha contradicção alguma ; e que esta excepção não faz mais do que pôr em harmonia a organisa-çào do Conselho d'Estado, com a do conselho fiscal de contas, instituição nova entre nós, mas eminentemente libera! , e que por isso convém por todos os modos fortalecer.
Concluo portanto, Sr. Presidente que o artigo assim como está, deve ser approvado. (apoiados)
O Sr. J. M. Grande: — Eu pedi a palavra sobre a ordem, porque quero mandar para a Mesa uma «menda ao artigo que se discute, mas antes de a mandar na conformidade dos uso? desta Casa hei de fundamenta-la: e e' a seguinte
EMENDA.—'«Proponho como emenda ao artigo em discussão, o § 3.° do artigo da mesma proposta. « — J. M, Grande.
O Orador: — De modo, Sr. Presidente, que esta emenda e' para assim dizer a formula, que resulta de tudo quanto hontem apresentei nesta Casa, e e' urna formula que impugna por si só todos os argumentos, que hoje teern sido aqui apresentados como hontem já disse. Combatendo corno hei de combater alguns Si** Ã d K.' T,
destoa argumentos, »ão faço senão, sustentar a etnon-da, que vou mandar, para a Mesa,
Sr. Presidente, tem-se confundido tudo; tem-se confundido princípios, mas o que é mais, Sr.xPresidente ! Tem-.se confundido....
O Sr. Silva Cabral; —- Isso não é ordem: (com vê h emenda) eu chamo o Sr. Deputado á ordem, por que veiu inverter a ordem da discussão, (apoiados)
O Orador:—Vamos a seguir o regimento: eu defenderei que estou na ordem....
O Sr. Presidente :—- O regimento diz : que dupan-te a discussão se pôde propor qualquer emenda; mas o regimento diz lambem, que a ordern da discussão imo pôde ger alterada ; coro tudo se a practica tem admiltido, que sobre a ordern se mande alguma proposta, e que o Deputado, que a manda, possa funda menta-la, e fazendo^o de modo, que não tire a palavra aos Deputados que a teem sobre a matéria.
O Sr. J. M. Grande:—-Eu quero a palavra para me defender; quero mostrar que estava na ordem ; na forma do regimento ao Deputado que e' chamado á ordem dá-se-lhe a palavra para se justificar.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra.
O Sr. Silva Cabral: — Peço a palnvra sobre esta ordern.
O Sr. J. M. Grande:—Eu estava na ordem, quando quiz mandar uma emenda para a Mesa; e vou mostrar que estou na ordem, quando tracto de expor e defender a minha emenda. Estamos no mesmo caso, que já se deu no decurso desta discussão, será que V. Ex.a fizesse reparo algum : já por 3 ou 4 vezes eu, e não só eu, foram muitos Srs. Deputados que lêem mandado emendas para a Mesa. Pois então a Camará toda não tem visto, que quando alguém manda urna emenda para a Mesa, tracta de a justificar e defender! Ha de dar-se a um Deputado a faculdade de mandar para a Mesa uma emenda, e não lia de ter o direito de apoia-la!
V. Ex.* poderá estabelecer regras; poderá estabelecer a legislação regulamentar que quizer, mas o qut* é certo, e, que isto está em opposição com os precedentes nesta* Casa, e com tudo o que se tem seguido nesta discussão, e que eu já tenho feito 4 ou 5 vezes impunemente. Contradiga-me agora V. Ex.% e eu fallarei outra vez, se me deixarem.
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lisse, o que o Hluslre Deputado agora quiz fazer ? É que qualquer poderia formular quantas vezes qui-zesse «ma emenda, e pedindo a palavra sobre a ordem, se metteria de permeio dos oradores, que lêem a palavra, e inverteria deste modo a discussão. E um tal arbitrio seria um perfeito absurdo.
O illustre Deputado poderá ter proposto e sustentado alguma emenda, mas não seria nesta discussão; na actualidade ainda não houve um exemplo de urn caso destes. (OSr. J. M. Grande folheava os Diários do Governo). Pôde recorrer ao que ahi está escriplo; eu também lenho recorrido, tenho visto tudo o que se tem passado nesta discussão; que me diga o nobre Deputado se ha um único caso de haver sustentado uma emenda, nem uma só, porque o illustre Deputado ate' tem tido a desgraça, de que pela maior parte, as suas emendas lhe não teeni sido admittidas á discussão. (O Sr. Fonseca Magalhães: — Isso não é desgraça...) O Orador: — Não sei se «desgraça, ou seja ou não seja; eu tomo-o como desgraça; o illustre Deputado pôde toma-lo como quizer; eu não o tomo no sentido, que o illustre Deputado gosta; tomo-o no sentido opposlo; cha-tno-lhe desgraça porque todos gostam, quando mandam alguma proposta para a Mesa, que lhe seja ad-mittida a sua idea.
Em ultimo resultado V. Ex.a por bem da ordem não pôde deixar etfeclivarnente, como já queria fazer, de propor á Camará se admitte a emenda á discussão; se for admittida á discussão, terá o illustre Deputado a palavra no seu logarcompetente; senão for admittida, não pôde a Camará tractar do objecto. Portanto não pôde V. Ex.* deixar de propor este methodo, que é tal qual o adoptado e marcado no regimento.
O Sr. /. M. Grande: — Direi a V, Ex.a e ao illustre Deputado, que acaba de fallar, que S. Ex.a está perfeitamente equivocado. Efectivamente vou mostrar neste diário, que tenho na mão, que eu dei para a Mesa duas emendas, que propuz, e que fundamentei a doutrina em que as apoiava. (Q^Sr. Silva Cabral. —É porque tinha a palavra) Perdoe o nobre Deputado (leu o Diário)
E com effeito, quando mandei a emenda, tinha tomado a palavra sobre a ordem para mandar essa emenda, e tinha-a justificado e apoiado; nisso não ha a menor duvida. Mas não me importa, não faço questão disso.
O illuslre Deputado não quer que emendas, sejam propostas: propostas são emendas, addilamen-4os, e tudo; proposta é o género, o mais são espécies; mas não me importa fallar, eu não fallarei se a Camará me permittir de mandar a emenda antes de se fé xá r a discussão.
O Silva Silva Cabral: — O illustre Deputado respondeu a si próprio, porque foi ler e citou o Diário, e não accrescenlou, que tinha pedido a palavra sobre a ordem, portanto a minha proposição está inteiramente em pé'.
Em quanto a dizer o illustre Deputado, que proposta é o género, emenda a espécie; pôde ter muita razão naquillo que diz, mas não no caso, de que.se traeta. O que e facto, é, que o regimento faz diíferença de substituições, emendas, ou addi-tamenlos: porque as propostas tem um artigo especial, que é o art. 45." ; e a respeito da doutrina, que acaba de dízer, para as emendas e additamen-STÍSSÂO y." 7.
tos tem outro artigo especial, que e o arl. 52." Por tanto está visível, que o illustre Deputado somente por querer sustentar a sua opinião e, que insta n'uma doutrina opposta ao melhodo, que é practica da Casa. (apoiado)
(dlffumas voiea:— Continue a discussão.)
O Sr. Presidente: — É necessário que isto não passe como precedente, que tornemos uma resolução definitiva sobre este assumpto.
O regimento diz (leu) tern-se comtudo alterado algumas destas disposições; tem-se perrnillido, que os illustres Deputados mandem as suas emendes, mas não se discutem, e tanto que nesta discussão algumas se tem fundamentado, mas simplesmente á face das emendas e não a sua discussão.
ísto e urna prevenção para osSrs. Deputados ; os que quizerem usar da palavra para apresentar algumas emendas, o podem fazer, mas nunca discuti-las, senão depois da Camará julgar a matéria discutida sendo aquellas admiltidas á discussão.
Portanto fiquemos nesta prevenção, fiquemos cer. tos, e fiquem os Srs. Deputados certos, que quando tem a palavra sobre a ordem é para fallarem e oc-cuparem-se do objecto, que apresentam ; rnas quando tem a palavra sobre propostas, não as podem motivar.
O Sr. J. M. Grande: — Sr. Presidente, eu cedo da palavra. Lá vai a proposta sêccasinha para a Mesa; mas desde já peço a palavra para fallar depois do illustre relator da comtnissâo.
Leu-se na Mesa a emenda.
Não foi admittida á discussão.
O Sr. A. Líbano: — Sr. Presidente, eu tinha pedido a palavra quando o nobre Deputado, que tem impugnado este artigo com o novo additamcnto, fal-lou a respeito do tribunal de contas, e quiz negar a este certas attribuições que lhe competem. Foi nesta occasião que eu pedi a palavra para de alguma maneira impugnar esta doutrina. Os nobres Deputados que teem sustentado o artigo primitivo com o additamento que tem estado ern discussão, teem prevenido complelamente as minhas idéas, e o que podia dizer sobre esta matéria: mas o ultimo Deputado que falloti, o Sr. Ferrão, expendeu, em poucas e resumidas palavras, rnas muito claras e explicitas, qual era a empreza deste tribunal de de contas, qual eram as suas attribuições, e qual a maneira porque administrava, consultava, e julgava. Isto posto podia dispensar.me de fallar sobre o assumpto; mas tomei ainda a palavra, não para que haja de aocrescentar nada ao que disse o illuslre Deputado que ultimamente fallou, mas sim para combater nesta parte a opinião do nobre Deputado, que tem impugnado este artigo, como tem feito nos precedentes.
Sr. Presidente, a grande questão que se tem sustentado ate' agora, era uma independência do Conselho d'Estado no que pertence ao contencioso ad-ininistrativo, enlendendo-se que as suas decisões seriam levadas sem recurso. É esta a doutrina e a opinião para que concorri de accordo com alguns dos membros da commissão administrativa, e mesmo com o Governo, quando se coordenou primeiramente o projecto originário n.° 58 que em 2 de junho foi apresentado a esta casa.
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cto primitivo, pôde havê-las; porque o tempo e o estudo das matérias e! que traz o aperfeiçoamento das ide'as. E na verdade assim aconteceu ; porque desde o tempo que este projecto foi apresentado ate ao tempo actual , muitas outras cousas, muitas outras opiniões se tem estabelecido : tern-se controvertido a matéria, e este caso acha-se julgado affir-mativameníe, e não lhe falia á lei senão a sancção para ser executada.
Na verdade urn tribunal administrativo com julgamento definitivo sobre matéria administrativa seria o maior absurdo, que fé podia conceber.
É ne.sle sentido que íalla Mr. Corminin, quando tracla do Conselho d'Estado, vindo a dizer que o principio de que os Ministros são responsáveis, o Conselho d'Estado assumiria a si esta responsabilidade , se acaso fosse julgar n'um tribunal , na mesma razão que eslá o poder judiciário. Isloseria instituir entre rios um poder que realmente não existe na Carta Constitucional. Mas esta matéria lem sido já combatida, no meu modo de pensar viclorio-samenle, e por isso não entrarei mais nella , porque estou certo que o illustre relator daComrnissão ha de defendel-a e sustenlal-a como tem costumado sempre, com razões e argumentos poderoso» , que são aquelles que convencem , e que me parecem mostrar a absoluta necessidade de approvar o primitivo projecto nesta parte.
Sr. Presidente, restringir-me-hei simplesmente ao tribunal de contas: muito bem disse o nobre Deputado que se senta no banco superior, que este tribunal se acha instituído felizmente no nosso Paiz. Entendo que foi uma fortuna muito considerável queo Governo tomasse esta medida por um acto diclato-rial; supposlo que os actos dictatoriaes não são aquelles que mais respeito. Mas hoje este tribunal acha-se consiituido por lei; (O Sr. Ministro do Reino:—" Apoiado) a conveniência e a necessidade justificou este acto: se acaso não fosse assim, a Camará não teria approvado esta importantíssima instituição.
O tribunal de conlas ha muito tempo desejado no nosso paiz, proposto pelo corpo legislativo desde 38 para cá, já mesmo reconhecida a sua necessidade rnais anteriormente , acaba de ser estabelecido e organisado em estado de poder começar os seus trabalhos. Tenho muito boas esperanças, que elle haja de corresponder á espectativa que a respeito do mesmo tribunal existe, sem embargo de que ainda lhe faltam para seu complemento algumas cousas, que o tempo ha de vir trazendo ern confor-aiidade das suas altribuições e do seu serviço. Se elle o merecer, estou certo que o corpo legislativo ha de conceder o que for necessário para o seu cabal complemento, e espero que elle haja de corresponder ã espectativa que geralmente ha a respeito do serviço deite importante tribunal. Elle, como já foi dicto, tem as mesmas atlribuições com que foi creado em França , e tem ale'm destas uma terceira, que lhe foi addicionada pela correlação intima que ella tem com o seu serviço. O tribunal de contas administra , julga e consulta: o tribunal de contas administra em quanto tem a seu cargo o recenseamento de divida publica e a liquidação das contas: porque são actos administrativos, que podem ter recurso para o Conselho d'Estado. Estes actos puramente administrativos não existem assim em França, mas foram-lhe addicionados muito ju-VOL. 3.°— MARÇO — 184*.
diciosamenle pela grande correlação que tem com a sua obrigação, que pôde facilmente desempenhar por eífeito desta mesma correlação. O tribuna! de contas julgando exerce uma faculdade judiciaria , perfeitamente judiciaria, da mesma maneira como a exercem os tribunaes a que são levadas as ap-pellaçôes, e que são contenciosos; entretanto isto é um contencioso administrativo, mas decidido corno o que e judiciário, não pôde ir para os tribunaes porque é administrativo, nos termos que estabelece a Carla, mas esse recurso que não pôde ter para os tribunaes porque não e questão judiciaria, pôde ser admillido segundo as excepções marcadas nas ba-zes para um tribunal de cassação , e este recurso é quando esse tribunal de contas tiver commettido alguma falta de cumprimento de lei, porque d'ou-tra maneira não pôde haver recurso; este recurso havia de ser para o poder judiciário, porque esta questão e' propriamente judiciaria, segundo a opinião que tem Cormenin, e que tem todos aquelles andores que tem escripto «obre esta matéria, os quaes dizem que isto é um.tribunal judiciário, e puramente judiciário. Ora Cormenin que entende e sabe destas matérias, e que as sabe como Cormenin , diz assim; «Do principio que as decisões do tribuna! de contas eonstituern verdadeiros julgamentos , e que estes julgamentos são soberanos, segue-se, que contra os accordâos do tribunal de conlas, não ha senão dois caminhos extraordinários , é independentes um do outro por seu objecto, pelas formas, e termos dos recursos; a saber — a cassação , e a revisão, »
Eis-aqui o que diz Cormenin, e elle sabe o que diz ; foi apenas a revisão o que deixou para o próprio tribunal. (O Sr. Fonseca Magalhães: — Mas para quem mais?) O Orador: — Este e o recurso que a parte tern para o próprio Tribunal: — Vede vós, eis-aqni a jurisdicção, vede vós, tribunal que errasteis, que não abonasteis taes, e taes verbas, omittisteis, ou duplicasteis taes, e taes, ou ainda faltam algumas que devem ser abonadas, as quaes eu novamente vos vou apresentar dentro de certo praso ; esta revisão e' para o propiio tribunal, nem pôde sahir delle; e' como o recurso da appellação por embargos , e estes embargos não se podem ad-miltir como se «abe, senão para decisão de matéria nova, e esta matéria nova não pôde ser neste caso senão o erro de contas, omissão , ou duplicação de verbas, ou o addicionamcnto, ou adeducção de matéria nova, ou a apresentação de documentos novos ; em consequência essa revisão importava effe-ctivamente ao que no judicial se chamam embargos, e é o que compete ao tribunal. Ora o outro recurso, esse e aquelle qfle não pôde deixar de haver, porque e o que justamente vem nas bazes; logo o illustre Deputado combateu o que não podia com-baler, porque exisle effeclivamente nas bazes, por conseguinte gastou o seu tempo em pura perda, sem necessidade, poris&o mesmo que são as próprias bazes que o dizem (leu) e então já vê o illustre Deputado que o que1 desejava ver estabelecido, já s« acha prevenido, e que não havia necessidade de combater o» fantasmas, porque não existia a diííi-culdade de haver um Iribnnal de contas organisado por essas bazes, porque devia ser como o artigo estava, se elle passasse; mas onde está elle? Esta doutrina não podia sustentar-se, como foi primeira-
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m e n lê proposto, mas o arligo addictado com a minha emenda, e depois seguindo-se-!he o arligo intercalar lem satisfeito completaraente o objecte que o illustre Deputado tinha em vista, não ficando ao mesmo tempo o tribunal de contos sem o recurso de cassação nos casos em que eu disse. Sr. Presidente, eu entendo que o artigo deve passar tal qual se acha ; agora quanto ao rnais deixo ao illustre relator o responder.
O Sr. Barros: — Peço a V. Ex.a queira consultar a Camará se quer que a Sessão se prorogue por mais meia hora até se votar o artigo, que se tem discutido.
Foi approvado o requerimento.
O Sr. Silva Cabral: — Sr. Presidente, a minha tarefa como relator, é na Verdade bem difficil, não pela força ou solidez dos argumentos dos illuslres impugnadores do projecto, a que eu tenho de responder ; mas porque os meus illustres amigos OiSrs. Carlos Bento e Ferrão, percorrendo o campo das verdadeiras doutrinas, deixaram-me poucas espigas, que eu possa rebuscar.
Depois dofe seus eloquentes e sólidos discursos, não sei como o primeiro illustre impugnador desta base continuará ainda a sustentar o seu posto — insistindo n'uma doutrina, que o progresso da illus-tração, e o adiantamento dssciencia administrativa altamente repellern ! ! ! (apoiados}
Sr. Presidente, confesso que entro hoje fraco, e débil neste combate, não por falta da mais decidida e sincera consideração para com o saber e talentos do mesmo illustre Orador, a quem me refiro; mas porque independentemente da boa refrega que aquel-
que estavam no campo dos princípios, e da doutrina? Pois o illuslre Deputado, essencialmente doutrinário, segundo a sua asserção, deixa escapar esta confissão — e continua o seu discurso, marchando em caminho opposto ? Assevera que está a doutrina pelos seus adversários — e continua a impugnação? É muito ! ! !
O Sr. /. M. Grande:—Eu não disse isto.
O Orador: — Eu tomei nota.
Fozes:— l!/ verdade, e verdade.
O Orador: — E como abyssus abyssum invocai —• não admira que seguidamente procurasse n'umerro histórico a primeira base da sua opinião!! ! Desgraçada lei de6 de setembro de 1790, senatus-con-sullo de 5 de nivose do anno VIII, que tiveram de carregar com a imputação da excepção feita á sempre constante e sempre uniforme doutrina de que as decisões do Conselho d'Estado foram em França avís, e não arréts! (Riso.—fozes: — Muito bem)
Pois o illuslre Deputado não viu que esse mesmo relatório donde extrahiu o seu argumento (o apresentado em 17 de março de 1843 na Gamara dos Deputados de França por Mr. Perfil) traz a resposta a esse reparo seu ? Esqueceu que ahi mesmo diz a Commissâo, que e' um erro concluir das palavras daquelle senatus-consullo, que fosse a intenção do Chefe do Governo dar ao Conselho de Estado uma jurisdicção própria^ e directa sobre a decisão dos negócios contenciosos? Não se lembrou que a lei de 1790, transportando a decisão do contencioso administrativo á administração departamental, deixou salvo o principio da inspecção supre-
lês meus illustres amigos lhe deram, eu, no longo ma, que a assemble'a constituinte respeitara tanto,
que para não o enfraquecer, recuara diante da idéa de crear um tribunal administrativo independente? (apoiados)
Pela mesma forma o ilíustre Deputado, tendo estabelecido como base da jurisdicção administrativa o grande principio da divisão dos poderes — nunca, como fizera, podia tirar por consequência o estabelecimento de um tribunal administrativo independente, como lem pretendido introdu?.ir nes-; tas bases, e cuja ulilidade e necessidade altamente proclamou no seu ultimo discurso ! E esquecer-se do que é contencioso administrativo: da importância ou influencia que pôde ter, ou exercer sobre o próprio Governo, que pela natureza da sua missão, e amplitude dos seus deveres para com a sociedade, não pôde, nem deve achar embaraços ou obslacu-!os no cumprirnenlo da larcfa que e chamado a desempenhar. (O Sr. Baríholomeu:—É verdade, muito bem.)
Mas, Sr. Presidente, eu desejo, por honra da Camará, perante a qual o illustre Deputado n*um dos seus desculpáveis esquecimentos disse, quenáo/«s«a gosto de argumentar (signaes de surpresa,} desejo, digo, quanto operrnitlem minhas débeis forças, desenvolver esta matéria em todas as suas relações, e então não rne leve a mal a Camará que eu principie por chamar a sua atlenção sobre o próprio arligo que está em discussão, (apoiado)
Da leitura delle se vê: l.° Que na opinião do-Governo e da Commissâo, qualquer que seja o modo porque o Conselho d'Estado funccione, as suas decisões não são senão votos, em vez de sentenças, e por isso não podem ter execução, menos q,ue não-
discurso que o illustre Deputado pronunciou na Sessão de hontem, não tive senão a admirar-me do quanto S, Ex.a se tinha esquecido dos principio» fundaroentaes do direito administrativo — que formavam uma das principaes jóias da sua aureola parlamentar!
Mas seja como for em princípios e política, — eu, sinceramente o digo, tcmdo lido por qtiasi quatro annos a honra de ser collega de S. Ex," na Com-missão de Administração Publica; tendo por isso mesmo tido occasiâo de observar os seus conhecimentos, e de admirar o seu estudo da scieneia administrativa ; não pude deixar de me surprehender \endo-o nesta questão perder o alto logar que lhe pertence de distincto Orador desta Camará! E o que e ainda mais ! . . . . faltar á exactidão da historia para firmar um argumento frágil, ou ás regras de argumentação para deduzir consequências inteiramente oppostas aos princípios ! ! ! (apoiado}
Nem o itlustre Deputado pense que assevero tal para o.deprimir; bem pelo contrario desejo-o seguir nos voos de sua imaginação assustada, para que podendo conseguir que retome sua natural energia, desterre a confusão de idéas, em que talvez uma forçada posição o colloqUe.
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intervenha a confirmação regia: 2.* Que esta regra geral se modifica uua pouco por motivos e razões especiaes, que não podem escapar á penetração da Camará, nos casos do art. 1.* e 10.° do Decreto do 1." de Agosto de 1844.
Esta doutrina achava-se ern parte estabelecida, e consignada no plano originário do Governo, e da antiga Commissâo, em quanto no art. 49.° se determinava que as decisões da secção administrativa não teriam execução sem previa decisão ou confirmação por consulta j mas differe essencialmente, em quanto pela combinação dos artigos 52.°, 54.°, e 60.* se vê manifestamente que á decisão da secção do contencioso se queria dar o caracter de sentença judicial^ executoria por si só, et ex própria auctori-iate, em quanto no actual syslerna do Governo e da Commissâo, se vê em regra estabelecida a doutrina ; que também as decisões do contencioso para serem executarias, carecem da intervenção, e da confirmação do Chefe do Governo!
Fozes:— E verdade, é verdade.
Este modo de propor a questão era natural, era simples, mas em vez delle, oillustre Deputado mais quiz embrenhar-se no obscuro de uma ou duas the-ees geraes, que tomou por thema de uma argumentação, sempre opposta aos verdadeiros princípios do nosso direito constitucional ; ao espirilo de nossa legislação; á lição da historia e experiência; c á força irresistível, eexactidão incontestável dos princípios, (apoiados numerosos)
A questão que o illuslre Deputado propoz, foi •=.Se a justiça administrativa se podia delegar ? ... E se era ao Governo a quem competia decidir da coherencia dos seus actos com a lei, sendo juiz, e parte ao mesmo tempo?
A resposta simples a tal pergunta seria: 1.* Que a justiça administrativa senão pôde delegar, porque sendo em ullima analyse administrar o mesmo que governar, o Hei não pôde delegar sem abdicar o Governo; o que é contra a natureza das cousas: 2.° Que o mesrno auctor, de donde o illustre Deputado tirou a sua segunda objecção (iMr. Perfil, a pag. 18 do seu relatório) e' o próprio que lhe responde cabalmente (riso geral) a pag. 19, dizendo : = que não é senão uma distincção subtil essa de confundir o Governos ser moral, colleclivo e político-^= com os homens a quem a Carta e o Rei confiam o seu exercido. O Governo, isto e, a sociedade, para bem da qual o Governo obra, tem todo interesse na decisão, porque ella deve aproveitar-se do seu resultado, e as razões de decidir devem sempre ser procuradas na maior vantagem social, mas daqui ao interesse dos Ministros, que são chamados a pronunciar, vai uma distancia immensa. Estes não tem maior interesse na decisão que qualquer outro cidadão, não podem logo ser suspeitos de parcialidade ? . . . .
Fozes: — E x c.e 11 e n te m e n te. (apoiados )
Demais, não dão as bases urna satisfação plena aos mais incrédulos? O Conselho d'Eítado não ha de intervir com o seu conselho? O publico não ha de assistir ás discussões? Os advogados, os officiaes públicos não hão de assistir aos debates ? São estas pequenas garantias de imparcialidade e justiça ? (apoiados numerosos)
Isto, que venho de dizer, de certo satisfaz cabalmente ás objecçôes apresentadas pelo illuslre Deputado pelo Alemtejo ; mas eu quero charnar a "quês-Sr.ssÃo N.° 7.
tão mais ao positivo, e aparta-la desse sentimentalismo de que o illustre Deputado, tanto e por tantas vezes costuma revestir os seus argumentos; se assim não fosse, e se elle tivesse noticia da lei de 5 de janeiro de 1757, decerto não clamaria tão pouco propriamente, que era indecente, que o Governo f os se jui% e parte ao mesmo tempo, esquecendo que as questões do contencioso, sendo o resultado do conflicto dos interesses, ou direitos do indivíduo com a sociedade ; a mesma razão que se dá nos Ministros se daria em quaesquer outros cidadãos, uma vez que se não quizessem ir procurar no seio do estrangeiro, (apoiados geraes) (Fozes:— Muito bem; excellentemente). Sr. Presidente, na Carta é aonde a opinião do illustre Deputado acha o mais formidável escolho!.. E não n'um só dos seus artigos; rnas em muitos delles. Desde que no art. 10,° da Carta Constitucional se estabeleceu , e firmou o grande principio da divisão , ou separação dos poderes j desde que esses poderes se classificaram devidamente no art. H.% ficou entendido, como consequência itmnediata desse principio, que pondo de parte o Poder Legislativo, de que aqui não pôde haver questão , a execução da lei em que entra em parte o Poder Executivo, e o Poder Judiciário, não pôde menos livremente na amplitude da sua esfera conceder-ge ao primeiro, que ao segundo poder.
Se fora da escala jerarchiea , que a^Carta estabelece, se pcrlendesse crear no seio do mesmo Poder Judiciário um tribunal administrativo; a quem se quizesse dar o controle dos actos, e decisões judiciarias; qual seria a indignação do illustre Deputado?.. Do illustre Deputado, que somente, porque não entendeu a matéria de conflictos, clamou, quando :5e tractou de votar o art. 12.°, que o principio alli estabelecido avassalava ao Executivo o Poder Judiciário? Qual seria? Muito grande! Talvez rnesmo impossível de dèscrever-se, se ajuizarmos pela que em pequenitas cousas tem figurado domina-lo na presente questão! Mas, se tal reclama para o Poder Judiciário pelo principio bem justo, de que a sua acção deve ser livre para que o fim da sua sancta missão dar a cada um o que é seu seja comprido; ha de (queira, ou não queira), vèr-se obrigado a confessar, que não pôde querer cousa differente para o Poder Executivo para que no centro de sua acção não venha introduzir nmramo do Poder Judiciário, (numerosos apoiados) Um ramo do Poder Judiciário!.. Sim!.. Porque o illustre Deputado não somente queria, que essa secção do contencioso tivesse jurisdicção própria, mas queria que ale'm do vitalício, que a Carta garante aos seus membros, ainda demais a mais/osse/rt estes inamovíveis II/. O que a Camará sabiamente rejeitou na sua sessão de 6. (Fozes: — De certo). De sorte , que o illustre Deputado esquecendo , que o contencioso administrativo não pôde deixar de suppôr os interesses sociaes em col-lisão com os direitos individuaes, ou civis do cidadão , a estes não quer, indigna-se rnesmo de pôr pêas administrativas; e áquelle quer pô-las judiciarias!!! (hilaridade geral) Ora ha de confessar, que e esta uma pertençâo alem de summamente destituída de razões, eminentemente anarchica, e subversiva, (apoiado, apoiado)
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o illuitrc Deputado podia ver igualmente a cíaro a condemnaçâo de suas doutrinas, ou antes de sua isolíidissima opinião, e o art. 75,°, aonde dizendo-se , que o Rei é o chefe do Poder Executivo , e que o exercita pelos seus Ministros j evidentemente torna o mesmo chefe do Governo centro do movimento administrativo, de que os Ministros, e todos os mais agentes são apenas os instrumentos. O Rei não podendo levar por si a acção governativa a todas as partes da Monarchia, necessariamente devia ter agentes; mas esses agentes não são senão commissarios, e instrumentos de uma acção que tem o seu principio no chefe do Governo; em quanto no Poder Judiciário , aliás uma emanação do Poder Executivo , e tanto que e em seu nome que as suas sentenças são executadas, ha uma desligação permanente, e perpetua do mesmo Poder Executivo por effeito não somente da separação dos poderes decretada no art. 10.°; mas por effeito da disposição do art. 118.°, o qual corresponde ao da carta franceza nas palavras. E ella (justiça) se administra por juizes que elle (Rei) institue, e estabelece (art. 48.°)
Eu estou convencido por honra aos talentos do illustre Deputado, que estes princípios, mesmo antes de expendidos pela minha débil voz tinham já calado na razão do mesmo illustre Deputado; nem d'oulra sorte eu posso explicar a fraca, e insuficiente distincção, ou prevenção com que elle se pertendeu preparar, contra a insistência necessária, e forte, com que devia de necessidade ser apertado! O illustre Deputado disse-nos, que se reparasse bem que quando elle fallava na instituição de um tribunal administrativo independente, inamovível, e com jurisdicção própria, elle nào per-tendia que a sua competência se extendesse além do contencioso administrativo, porque em quanto ao que era verdadeiramente discricionário (acção): nesse ponto queria elle o Governo inteiramente livre!
Permitta-me o illustre Deputado que lhe diga, que recorrendo a tal distincção ainda mostrou outra vez que se tinha inteiramente esquecido do que tem lido. (riso) (Vozes:—De certo).
A historia e' a primeira que se levanta para lhe dar uma melhor lição. O contencioso administrativo foi sempre reputado a parte mais importante da administração, e nenhum Governo se pôde privar delia, que não tenha, logo de sentir os funestos effeitos do seu erro. E por tal principio , que a Convenção tomando conta do Governo do Paiz, não o tomou menos do contencioso administrativo, que fez administrar pelas suas Com missões.. . E como o faria ella d'outra sorte abandonando aos outros a attribuição de estatuir sobre as queixas suscitadas contra as suas próprias decisões?.. Não seria isto conservar uma auctoridade, a administração activa, destituída de sancção ! (Muitos apoiados)
A doutrina e a verdadeira noção do que é contencioso administrativo ainda convencerão melhor o illustre Deputado da confusão de idéas, em que la« bora. tt Jl administração não consiste somente em obrar por via de iniciativa j e em tomar nas vistas da conservação e desenvolvimento do interesse da sociedade as medidas e decisões que lhe parecerem úteis ou necessárias. Estas medidas, estas decisões podem
levantar da parle dos interesses e dos direitos particulares , que ferem , resistências, e obstáculos, que a administração somente é chamada a levantar : apreciar essas resistências , reformar o acto que as produziu\- ou ordenar a sua execução é ainda administrar , e é ao mesmo tempo. Iodas as ve%es que essa resistência é fundada sobre um pretendido direito, estatuir sobre uma queslâo do contencioso administrativo. (O Sr. Albano: — Apoiado—muito bem.)
Taes são as sabias considerações do guarda-sel-los no seu relatório de 17 de Março de 1843, e que elle comprova com as profundas e solidas ponderações de Mr. o presidente Henrion de Pansey. (O Sr. Grande:—Com esse quero argumentar.) O Orador:— O illustre Deputado sempre quer argumentar, e o que e verdade e' que em nada argumenta. (riso) Concluindo delias que se estes princípios são exactos; s.e é verdade que. a administração quando estatuo sobre uma questão do contencioso administrativo, não deixa de administrar; também e' inne-gavel que a ide'a do estabelecimento de um tribunal administrativo independente, está evidentemente destruída pela baze , e se é obrigado a reconhecer que o Rei , chefe supremo da administração , deve continuar soo a responsabilidade dos Ministrost e esclarecido pelas luzes do Conselho d'Eslado a exercer a attribuição inseparável da administração mesma, (apoiados)
E1 ainda a Carta Constitucional n'outro, ou outros artigos, que devia ter feito accordar o illustre Deputado do profundo lethargo em que eslá a respeito da verdadeira doutrina na questão dada.
Tenha o illuslre Deputado a bondade de abrir o capitulo 7.° da Carta Constitucional. Que diz o ar« tigo!07? Que haverá um Conselho d'Estado, composto de Conselheiros vitalícios. Para q»t? fim? Di-lo o artigo 109 — para aconselharem conforme a sua consciência , attendendo somente ao bem do Estado-
— e e isso somente o que juram, e são obrigados a jurar, na conformidade do artigo Í2." do plano originário do Governo e da Commissão. Porque são elles responsáveis? Ainda o artigo 111." responde
— que somente pelos Conselhos (e não decisões) dados contra as leis, ou manifestamente dolosos. Logo o principio, o objecto, e até o resultado no Conselho d'Eslado não é senão Conselho, e em virtude de Conselho; e por tanto este corpo que não é nenhum dos Poderes do Estado, mas essencial e conslitucionalmente auxiliador de um delles, tam-bern é essencialmente consultivo ern regra, (apoiados repetidos)
Ora como sobre esta doutrina que é a da nossa casa, porque é da Carta, está evidentemente formada a baze actual offerecida pelo Governo e Corn-missão, segue-se que ella não é impugnável por uma maneira plausível e decente. E ei»-aqui levada á evidencia pela própria Carta , e muitas vezes comprovada a constitucionalidade , a justiça, e até a alta conveniência publica da baze agora oITerecida pela Commissão (muitos apoiados — e vozes: muito bem).
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dida delegação do poder administrativo ; era mais bom applicavel a esta sua segunda lembrança a fabula de Tantalo , do que foi á substituição da ba-ze antiga e moderna o estratagema de Penelope ; e mesmo se esta siibsliLuição da Comrnissão tem de livrar-nos do mal de. um quinto poder , como o il-luslre Deputado pretendia estabelecer com o seu tribunal administrativo e independente, de certo que a fabula ainda as^irn e bem applicada, se bem que contra o propósito do illustre Deputado.
Sr. Presidente, no argumento, que sepertendeu fazer com as leis , ou systema antigo, e com as leis ou syslemci moderno falhou completamente a memória , e a reconhecida habilidade do illustre Deputado ninda de um modo mais saliente, se e' possi-ve! , do que no argumento deduzido da Corta,
Na ausência do regimen constitucional não ha alguém, que não reconheça, que existia uma completa confusão do regimen económico , e administrativo com o judiciário, e que assim corno este exercia f micções meramente administrativas , corno eram os juizes ordinários, os de fora, e principalmente os provedores e corregedores; assim as Camarás exerciam attribuiçôes judiciarias, (apoiados) A ninguém pôde ter já esquecido a disposição'da crd. liv. l.8 tit. (>5 § 25 , que dava ás C/.rnaras a faculdade de julgar as injurias verbaes", e de con.-dernnar até 6$000 reis de multa sem mais pena nem appellaçào, nem agravo; assim como ninguém pôde ter já esquecido a disposição da ord. liv. 1." tií. 58, 62 e 65, aonde ao lado de cada funcção judiciaria se vê uma altribuiçao administrativa. (apoiados) Não era n'outra qualidade, que os juizes de fora eram os presidentes das camarás mu-nicipaes, nem que os provedores syndicavam dos actos das camarás, e exerciam sobre cilas acção sob muitos respeitos. ( f^o%cs: — E' verdade.)
O decreto de 31 de agosto de 1833 publicado depois da restauração da Carta na capital, mas de certo antes de posto em vigor o novo systema judiciário ainda nos offcrece uma prova mais exuberante desta confusão, porelle as Camarás conjunc-tamenle com o juiz inslrnctor do processo sobre perdas e damnos pela usurpação, não somente decidiam questões de propriedade, mas o que e mais em forma de processo crime decidiam em ultima instancia, e sem appellação, netn aggravo, e com • ttido
A mesma confusão de poderes e altribuições, que havia nas primeiras instancias, existia também nas relações e tribunaes; e assim por exemplo das camarás recorria-se em matéria de almotaçaria, penas, e cousas si milha n lês para a relação do districto (ord. i i v. 1.° tit. 65.° § 23.'). Nas eleições para o desembargo do paço ou para o corregedor, os tribunaes ora exerciam funcções judiciarias, ora administrativas,.ora mesmo governativas, corno em muitos casos o desembargo do paço, mas o ultimo termo era sempre do Rei ; que em quanto ao Poder Judiciário o exercia já pelo meio de avocatorios, já pelo rneio de commissões nomeadas ad hocj já, e mais frequentemente pelo rneio de revista, e neste sentido mesmo se exercia em dois sentidos por com missão no de-VOL. 3.°— M,\RÇO — 1845.
sembargo do paço, a que era consagrada uma boa porção de provisões no respectivo regimento (§ 32.° e seguintes), e pessoalmente pelo Governo nos casos da revista especial, e de graça especialissima. E em quanto aos outros objectos o exercia ora por decretos, ora por avisos, ora por consultas; mas nestes casos ao Rei ficava inteira liberdade de se conformar, ou não com o parecer do tribunal consulente, ou de adoptar um novo arbítrio: é exactamente o que actualmente se dá com relação ao tribunal do thesouro no decreto de 18 de setembro de 1844, no art. 8." § 2.° (apoiado, apoiado).
Do que deixo dicto parece-me ficar incontestavelmente demonstrado — que ou se não pôde argumentar com O systema da velha monarchia — aonde existia a confusão dos poderes — ou a querer-se instar em trazer á memória a jurisprudência da época, el-la prova inteiramente o contrario do que o illustre orador pertendeu, porque não é somente quanto á parte administrativa, mas quanto á parte judicial, que o Governo tinha uma interferenciaj directa. (apoiados)
Com bastante graça se lembrou neste logar o illustre Deputado dos embargos de ob e subrepção, que o alvará de 30 de outubro de 1751 adrnittia contra quaisquer provisões; e cujo conhecimento a provisão do desembargo do paço, de 39 de abril de 1780 declarou pertencer aos mesmos tribunaes, de donde tivessem dimanado, ou a ob e subrepção — se oppozesse por via de embargos, ou por acção — dizendo que esta garantia mesma, da antiga legislação, se tirava ás partes no nosso caso — (hilaridade geral j.
Deos perdoe a quem rnelteu estas cousas na cabe-, ca ao i Ilustre Deputado, (apoiadoJ
Sr, Presidente, primeiramente o illustre Deputado esqueceu se da matéria da base que vem proposta pela Comrnissão no art. 15.°—ahi se deixa visivelmente para o desenvolvimento a forma do processo — perante o Conselho d'Estado ou seja n*uma ou n'oulra secção, ou em secção plena—e se o illustre Deputado tivesse querido estudar sern prevenção esta matéria, se quizesse ter-se dado ao trabalho de avivar a memória sobre o que se passa em França, havia de conhecer, que no regulamento vem, e no que o Governo- fizer ha de também vir, o caso ou da falsidade das cônsul ias, ou da sua ob e subrepção. Em segundo logar devia notar, que no antigo systema podiam ser frequentes essas ob e subrepções, porque essas provisões, e avisos eram alcançados por alto sem audiência nem conhecimento da parte interessada— em quanto no nosso caso ha publicidade, ha audiência centradieíona — ha em fim dilações, e com estas garantias não é possível dar-se esse caso, como frequentemente se dava na antiga organisação. (repelidos apoiados)
Nas leis, ou systema novo ainda o illustre orador menos pôde encontrar motivo de plausível apoio.
Quer o illustre Deputado^lar alguma attenção ao systema judiciário ? Pois nelle encontrará, que salva a ingerência necessariamente resultante da jerarchia do poder, a lei não consente ou cora relação ás pessoas dos juizes — ou com relação aos seus crimes, e erros commettidos no exercício ou fora do exercício de suas funcções, outra jurisdicçâo que a doproprio Poder Judiciário, e isto porque ? Porque justo, e consequente é, que seus actos não estejam sujeitos á in-
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fluoneia,, que p E como esqueceu alem .disto o illuslre Deputado, que desde que ha direito administrativo entre nós (falto do Poder Administrativo no sentido da orga-nisação moderna, e constitucional) já mais deixou de seguir-se o mesmo principio? Porque não viu o sábio relatório que precede o decreto de 16 de maio de 1832? Porque não leu o próprio relatório offe-recido ás Cortes em 1839 pelo Sr. A. Fernandes Coelho, a respeito da creação de um supremo tribunal administrativo? Porque não quiz estudar mais desprevenidamente o systema do código? E porque em fim não passa pela memória a constante interpretação dada pelo Governo a esse mesmo código ? De certo que cada uma destas cousas — era sufficiente o fazer ver ao illustre Deputado que também se enganou com a legislação moderna! (Hilaridade — e apoiados geraes). O argumento feito com o tribunal de contas — e com os conselhos de districto—nem é novo, nem e do illustre Deputado. Nesse relatório de Mr. Perfil lá vêem oppostas essas objecçôes com respeito ao tribunal de contas em França e conselhos de prefeitura; mas ahi mesmo aCommissão dá uma cabal res-posla a essas objeccões, e de certo a Com missão era composta de caracteres illustres, denotabilidadcs, que não hão de merecer no nobre Deputado o conceito de idiotas. (Hilaridade geral—e vozes: — Bem dito e bem feito). Em resultado, Sr. Presidente, visto que a hora es- tá adiantadíssima, e a Camará fatigada, visto que os meus illuslres collegas, que me precederam, melhor do que eu teem esclarecido a matéria, visto que está levado á evidencia, que a doutrina que está na base e a mais constitucional — a mais approvada pela experiência — em fim aquella que tem por si a doutrina, e a mesma experiência, a Camará não pôde deixar de votar por ella, até porque já indirectamente a approvou, não admittindo á discussão a emenda do illustre Deputado, e approvando as antecedentes bases. Voto pois pela base da Comrnissão. (Apoiados numerosos e repetidos — e VOZCR: — Muito bem, excellenlemente). O Sr. A. D. d'*d Foi approvndo o artigo. O Sr. Barão de Leiria:—Mando para a Mesa o parecer da Comrnissão de Guerra sobre a fixação da forca do exercito para o anno económico de 45 a 46. Peço a sua impressão com urgência, (e publi-car-se-ha guando entrar em discussão), O Sr. Ministro do Reino : — Era isso mesmo que eu queria pedir, que seja impre:~so quanto antes, por que tem de entrar no parecer da Commissão de Fazenda. A Camará decidiu affirmativam.ente. O Sr. Presidente:—A ordem do dia para a Sessão seguinte, e' a mesma de hoje, acabada ella, entrará em discussão o projecto n.° 155, que já está adiado; e depois os projectos n.° 160 e 161. Está levantada a Sessão.—Eram quatro horas e meia da tarde i O REDACTOR INTERINO,