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Vianna, de que me considero humilde representante n'esta casa, com o intuito de armar á popularidade e de promover a minha reeleição.

Não é assim, sr. presidente. Não me deslumbra o esplendor ephemero d'isso, a que um eminente escriptor francez, o elegante auctor de Maria Tudor, chamou espirituosamente a gloria em trocos miudos; e francamente o declaro, nem ando a solicitar que me reelejam, nem como, logo o disse desde o começo, estou disposto a representar aqui o papel de procurador de campanario.

Hei de pedir melhoramentos para a localidade de que me lisonjeio de ser oriundo, e que me honrou com o seu suffragio, contra os meus desejos, expressamente manifestados, e quasi a insciencia minha, mas quando esses melhoramentos forem compativeis com as forças do thesouro publico, e quando longe de irem de encontro ao interesse geral, contribuírem para o fortalecer e desenvolve-lo (apoiados).

Sou deputado da nação e não do circulo, e sinto-me com força bastante para resistir a qualquer pressão que sobre mim se quizesse exercer, e para nunca antepor a parte ao todo.

É assim que comprehendo a minha missão; é assim que procurarei desempenha-la (apoiados).

Mas, sr. presidente, este é justamente o caso em que se póde conciliar uma cousa com a outra, e em que, advogando com muito gosto os interesses dos meus eleitores, eu julgo servir, ao mesmo tempo, a grande causa da communidade.

Vou fazer algumas observações, modestas e inoffensivas, ácerca do assumpto, a que me refiro; e para que fique bem claro o fundo do pensamento, que me domina, tomarei de mais longe o meu ponto de partida.

Eu, sr. presidente, como facilmente se acreditará, desejo de todo o coração ver o paiz coberto de uma rede de caminhos de ferro; mas para que d'elles se possa tirar um proveito, solido e perduravel, entendo que é necessario que a sua construcção não importe sacrificios de tal ordem, que extenuem todas as nossas forças, e que nos inhabilitem de o apreciar depois.

Ao enfermo, que sente exhaurir-se-lhe a vida, não o consola a idéa de que tem de morrer sobre um leito de brocado.

O sr. Thomás Ribeiro: — Muito bem.

O Orador: — E, ou sejam de ferro, ou sejam de oiro, de pouco valerão a Portugal as estradas, com que o pretendem dota-lo, se ellas servirem unicamente para lhe transportar o cadaver da sua autonomia.

Quizera que fossemos mais devagar para irmos mais seguros (apoiados). Nisto, como em tudo, o festina lente é, no meu entender, a verdadeira lei de um progresso salutar.

Quizera que nos não empenhassemos nunca em nenhuma empreza d'essas, sem que primeiro se tenteasse o preceito, o valor real dos nossos recursos, e se examinasse pausada e desapaixonadamente se os lucros da obra viriam, embora mais tarde, compensar as despezas.

Tudo o mais é edificar sobre areia. E levantar uma fabrica, ostentosa á vista, mas que póde de um momento para outro submergir-nos nas suas ruinas.

O desejo soffrego de conseguir n'um curto praso de tempo o que a outras nações, aliás em muito melhores condições financeiras, tem levado largos annos, póde ser, não o nego, a expressão de sentimentos muito nobres e generosos, mas compromette gravemente a fazenda e o futuro nacional.

Postos estes principios, cujo enunciado, franco e leal, a camara me não ha de condemnar de certo, eu direi com a mesma lealdade e franqueza, e sem animo de irrogar censuras a ninguem, que se tivesse assento nesta casa quando se tratou da construcção da via ferrea do norte, é muito provavel que tivesse votado contra a sua opportunidade. Votava contra, com certeza. Havia de achar, como ainda acho, que era muita obra para se fazer de uma vez só.

Não sei se as vantagens, que essa linha nos ha de trazer, e oxalá que assim seja, virão desvanecer as minhas apprehensões, e mostrar-me que não tinham fundamento rasoavel; o que sei é que, por causa d'ella e de outras, e obedecendo a uma necessidade fatal, se tem visto o governo obrigado a contrahir, mesmo na baixa dos nossos fundos, emprestimos, com cuja solução o espirito publico começa a mostrar-se seriamente preoccupado.

E desculpe o sr. Gomes de Castro, se participando d'esses receios quasi geraes, eu tambem neste ponto me vejo forçado a não concordar com as idéas de s. ex.ª

Quem ha de pagar os encargos da divida assustadora a que os caminhos de ferro nos tem arrastado, e a respeito da qual o meu illustre amigo e correligionario, o sr. Pinto Coelho, nos fez outro dia as mais dolorosas revelações?

A resposta é facil. Quem costuma pagar a final tudo isso é a propriedade e a industria, ou, em phrase mais clara, o povo.

E poderá elle com tamanho peso? Eu não sei. Eu receio que não possa.

E não nos illudamos. Não vejamos as cousas através de um prisma optimista e á luz dos fogos fatuos de um enthusiasmo que eu desculpo e admiro, mas não posso partilhar.

É preciso que haja a coragem de se dizer aqui a verdade toda inteira.

O povo não está nadando em prosperidades como se imagina (apoiados). Ha lagrimas, e lagrimas de sangue por baixo da apparente tranquillidade que se lhe divisa na physionomia (apoiados).

Se não se queixa, soffre.

Soffre em toda a parte, com a excessiva carestia dos generos alimenticios de primeira necessidade, e em muitas das nossas provincias, com a esterilidade dos campos, com as exigencias vexatorias do fisco, e principalmente, com as injustiças inauditas a que dá logar a lei do recrutamento, cuja reforma por tantas vezes aqui se tem pedido (apoiados), e que é o verdadeiro flagello da classe agricola (apoiados), não tanto pelos braços que lhe tira, como pelas dependencias em que a põe, e pelo tempo que a obriga a esperdiçar (apoiados).

E v. ex.ª sabe que o tempo é o capital mais precioso do pobre e desattendido lavrador (apoiados).

Seja porém como for, o caminho de ferro do norte fez se, está feito. É necessario conclui-lo. E assim o entendeu muito bem o sr. Gomes de Castro. Nisto estamos nós de accordo.

Deixa-lo em meio, parar n'estas circumstancias seria o mais grave e o mais pernicioso de todos os erros, economicamente fallando, porque obras de tal genero, feitas á custa de tão grandes sacrificios, nunca são verdadeiramente proficuas, senão quando, por assim dizer, perdem o seu caracter nacional, e se tornam europeas, habilitando os povos que as emprehendem a alimentar-se nas grandes arterias por onde circula a riqueza dos estados vizinhos.

Se não foi bom intenta-lo, muito peior seria agora não o completar.

Ora, esse complemento não póde ser outro, creio eu, senão o seguimento da linha até á fronteira hespanhola.

Se é assim que se deve considerar o annunciado caminho de ferro do Minho, eu applaudo-o e applaudirei ainda que se façam em seu favor, quando d'isso se tratar, as concessões possiveis.

Mas n'esse caso, e, tomando esta hypothese para base das minhas ponderações, é de receiar que a directriz que se lhe tem designado não preencha os altos fins que se levam em vista. Digo-o sem a mais leve sombra de desacato pela auctorisada opinião das pessoas competentes, e nomeadamente pela do sr. Gomes de Castro.

O mais logico, o mais natural, o que primeiro se apresenta aos olhos do espirito de quasi toda a gente é que a linha, em vez de seguir para Braga, como se imagina e ter de estacar ali ou de superar, á custa de trabalhos dispendiosíssimos, as difficuldades materiaes que lhe estorvam a passagem de lá para diante, siga antes da Povoa de Varzim a Vianna, e d'ahi pelo litoral até correr parallela com o rio Minho, e vá entroncar-se em Valença ou nas suas immediações com a linha que o governo de Hespanha se apresta para abrir pela margem direita d'aquelle rio.

Está-se-me afigurando que ha differentes considerações economicas e até estrategicas que abonam a superioridade d'este traçado.

Todos sabem que Valença é uma excellente praça, é uma das melhores que temos, e a especialidade da sua collocação na extremidade da raia ainda lhe augmenta o valor.

É por consequencia evidente que muito convirá a maxima facilidade de transportar para ali quaesquer forças militares, de cuja presença se careça em um momento dado.

Eu que sou uma das pessoas mais anti-ibericas de Portugal (muitos apoiados), e que me glorio de ter combatido na imprensa, tanto quanto posso, a propaganda que procurava minar a nossa independencia (muitos apoiados), confio plenamente na lealdade do governo hespanhol; considero-o estranho a todas essas maquinações, e sei que era incapaz de nos querer invadir com mão armada. No entretanto quem nos diz que as peripecias inevitaveis de uma grande conflagração europea, que, ainda mal, parece estar imminente, nos não trarão a necessidade de nos defendermos?

Convem prevenir de longe e com tempo (muitos apoiados).

Alem d'isso, e embora a minha absoluta carencia de conhecimentos technicos me não auctorise a entrar nessa questão, parece-me que a construcção de uma via ferrea por uma superficie sempre plana deve ser, sem duvida, preferivel para os interesses do thesouro á perfuração de montanhas elevadas e á creação de aterros collossaes.

E assim o caminho de ferro pelos pontos por onde eu tomo a liberdade de pedir que se resolvam a traça-lo, seria, sem se tornar talvez mais extenso, não só muito mais barato, se me não engano, mas até muito mais fecundo, porque atravessaria um tracto de terreno importantissimo.

(Interrupção do sr. Francisco Manuel da Costa, que se não percebeu.)

O Orador: — Peço perdão, mas talvez possa afoitar-me a dizer que é o mais importante d'aquella provincia. Debaixo de alguns pontos de vista, de certo.

Os valles do Cavado, do Lima e do Minho, a que o illustre deputado, o sr. Gomes de Castro, alludiu, e dos quaes o caminho de ferro se afastaria, levando a directriz para Braga, são com effeito, como s. ex.ª disse, de uma fertilidade prodigiosa, e estão no melhor estado de cultura possivel, relativamente ao atrazo em que ainda se acha entre nós a sciencia agricola. Podia dizer-se que o suor dos seus habitantes, regando de noite e dia esse abençoado sólo, o têem convertido n'um verdadeiro jardim.

Ha ali disseminadas, pelo menos, doze povoações de um certo vulto, cuja concorrencia se não póde pôr de parte quando se trata de um tão grande commettimento economico, preponderando entre ellas Caminha e Vianna que, pelos seus estaleiros, pelo seu movimento commercial, e consideradas como celleiros naturaes da riqueza agricola do districto, são duas terras dignas de attenção.

Esta ultima cidade principalmente, e não se tome como suspeito o meu voto, parece estar destinada para ser, não direi a primeira da provincia, mas uma das mais prestaveis do paiz.

Se a linha ferrea a animar com o seu contacto, e se chegar a dar-se lhe ás obras da sua barra o devido desenvolvimento, e para isso couto eu inteiramente com a esclarecida boa vontade do nobre ministro das obras publicas, que estimarei tome nota d'estas minhas observações, poderá ser ao mesmo tempo um excellente ancoradouro durante a estação invernosa, com manifesta economia nacional, e o verdadeiro porto auxiliar do commercio portuense, que deverá com essa consideração banir do seu espirito os vagos receios, receios talvez exagerados, que mostra alimentar a respeito da sua ligação com a ria de Vigo, e não sei se prescindir da projectada obra de Leixões, que ouço será tão difficil como despendiosa.

Para que se faça uma idéa approximada da actividade que ali se deve desenvolver com o desejado estabelecimento do caminho de ferro, basta dizer-se que na estrada, ainda incompleta, que vae daquella cidade para a praça de Valença, correm diariamente, e apenas na extensão de uns 20 kilometros, de 12 a 15 transportes accelerados, todos a regorgitar de passageiros! Afóra o consideravel trafego de mercadorias.

Não me consta nem imagino que haja em todo o paiz uma estatistica mais eloquente.

É incontestavel que a cidade de Vianna, pelas admiraveis condições em que a natureza e a industria a tem collocado, deve auferir grandes proveitos para si e para o estado, desde que se achar ligada por uma viação rapida e facil com a cidade do Porto e com o reino de Galliza; mas é tambem ponto incontroverso que se esse beneficio se lhe recusar, a sua decadencia, assim como a do districto de que é capital, será manifesta e talvez irreparavel.

Esta questão é para ella de vida ou de morte. E o to be or not to be, se me é permittido applicar para aqui a bella phrase do grande tragico inglez.

Debilitadas as suas relações commerciaes, a estagnação ha de vir, e o seu aniquilamento será então infallivel. Desde que a ferirem no seu commercio, ferida está ella, e no coração!

E creia a camara que não estou carregando de proposito o assombreado do meu quadro, para melhor a impressionar. Digo o que sinto e o que a minha experiencia e observação me suggerem.

E note-se que, ao passo que uma tão consideravel parte do paiz ficaria assim exposta a ser completamente sacrificada, não é de receiar que a nobre cidade primaz, por cuja prosperidade faço votos, venha a soffrer prejuizo com a adopção da directriz que eu proponho e que hei de sustentar.

Alem de serem differentes os seus interesses, poderá aproveitar se do beneficio da linha no concelho de Espozende, de que o sr. deputado Gomes de Castro é digno representante, e d'ahi um ramal pela margem do Cavado, que, como v. ex.ª sabe, é innavegaval, não parece aos peritos de difficil construcção.

Collocada a questão nestes termos, e considerada em relação ao aproveitamento commum, eu hei de pedir á camara, quando for occasião, que me diga se não entende na sua alta sabedoria que a linha é preferivel por onde acabo de designar.

Póde ser que eu me engane e não admira; mas a consciencia diz-me que a rasão está do meu lado.

E demais, sr. presidente, com que direito se havia de chamar caminho de ferro do Minho a uma estrada, que deixasse de fóra, que votasse ao ostracismo, que condemnasse a uma immobilidade perpetua e mortifera quasi a metade da provincia, cuja representação economica pomposamente se quizesse arrogar?

E se me é licito empregar tambem um argumento sentimentalista, que mal fizeram, para assim serem punidos e desherdados, os milhares e milhares de habitantes que occupam e enriquecem com a sua industria essa feracissima area de terreno?

Haveria alguma rasão occulta, que justificasse uma tal desigualdade? Eu não a conheço, nem supponho que a possa haver.

De duas uma, e terminarei assim as minhas reflexões, que a camara tão benevolamente me tem escutado — ou o caminho de ferro, que deve entrar na provincia do Minho, representa, ou não representa o complemento da linha que nos tem de ligar com a Europa pelo lado do norte.

No primeiro caso, o traçado ha de ser feito conforme as indicações da conveniencia geral; e a empreza, que houver de se incumbir da sua construcção, tem a meu ver direito á protecção do estado, quer na garantia de um juro, rasoavelmente modico, quer ainda na concessão de outras vantagens, que ahi se pediram n'um ante-projecto, já impresso, de estatutos da chamada companhia de caminhos de ferro do Minho, que se quiz organisar na cidade do Porto, quaes são, por exemplo, a acquisição dos terrenos baldios, que a linha tiver de atravessar e o direito de fazer expropriações por utilidade publica.

No segundo caso, não significando mais do que os esforços de uma empreza, aliás louvavel, digna de boa sorte e que dará ao paiz um exemplo muito para imitar-se, é claro que o caminho de ferro poderá seguir a direcção que mais convier aos interessados, mas perde por isso mesmo todo o direito á protecção ou antes ao beneficio com que o estado o pretendesse favorecer.

No thesouro publico entra o dinheiro de todos. É a beneficio de todos que a sua applicação deve ser feita (apoiados).

O contrario seria estabelecer a desigualdade (apoiados) e excluir a justiça, que não póde deixar de ser a unica norma dos poderes publicos no seu exercicio legislativo (apoiados).

Se o projecto do meu nobre amigo, o sr. Sá Nogueira, se chegar a discutir, eu terei occasião de expender com mais desenvolvimento as opiniões que professo a tal respeito. Agora limito-me a pedir ao governo, e em especial ao honrado ministro das obras publicas, que tome em considera-