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SESSÃO DE 22 DE MAIO DE 1871

Presidencia do ex.mo sr. Antonio Cabral de Sá Nogueira

Secretarios — os srs.

Adriano de Abreu Cardoso Machado

Antonio Augusto de Sousa Azevedo Villaça

Summario

Apresentação de projectos de lei e representações — Narração, feita pelo sr. miuistro da marinha, de uma revolta militar no Ambriz. — Ordem do dia: Discussão, que foi interrompida, do projecto de lei n.º 24, que fixa os addicionaes destinados á viação districtal — Discussão, que ficou pendente, do parecer n.º 25, da commissão de fazenda, approvando as alterações feitas na camara dos dignos pares ao projecto de lei relativo á abolição dos privilegios de isenção de impostos concedidos aos estabelecimentos bancados, etc..

Chamada — 38 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs.: Adriano Machado, Agostinho de Ornellas, Osorio de Vasconcellos, Soares de Moraes, Villaça, Sá Nogueira, A. J. Teixeira, Freire Falcão, Pedroso dos Santos, Pequito, Sousa de Menezes, Telles de Vasconcellos, Eça e Costa, Ferreira de Andrade, Pereira Brandão, Eduardo Tavares, Francisco Mendes, Coelho do Amaral, F. M. da Cunha, Pinto Bessa, Guilherme Quintino, Zuzarte, Candido de Moraes, Barros e Cunha, Ulrich, J. J. de Alcantara, Nogueira Soares, J. A. Maia, Bandeira Coelho, Julio Rainha, Luiz de Campos, Camara Leme, Affonseca, Marques Pires, Lisboa, Mariano de Carvalho, D. Miguel Coutinho, Visconde de Montariol.

Entraram durante a sessão — os srs.: Alberto Carlos, Braamcamp, Pereira de Miranda, Antunes Guerreiro, Arrobas, Rodrigues Sampaio, Santos Viegas, Antonio de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Falcão da Fonseca, Augusto de Faria, Saraiva de Carvalho, Barão do Rio Zezere, Barão do Salgueiro, Bernardino Pinheiro, Carlos Bento, Conde de Villa Real, Pinheiro Borges, Francisco de Albuquerque, Francisco Beirão, Costa e Silva, Caldas Aulete, Bicudo Correia, Van-Zeller, Barros Gomes, Silveira da Mota, Jayme Moniz, Santos e Silva, Mártens Ferrão, Mendonça Cortez, Alves Matheus, Pinto de Magalhães, Faria Guimarães, Lobo d'Avila, Gusmão, Dias Ferreira, Mello e Faro, Elias Garcia, Figueiredo de Faria, Rodrigues de Freitas, José Luciano, Almeida Queiroz, Latino Coelho, Moraes Rego, Mello Gouveia, Nogueira, Mexia Salema, Teixeira de Queiroz, José Tiberio, Julio do Carvalhal, Lopo de Mello, Paes Villas Boas, Pedro Roberto, Sebastião Calheiros, Pereira Bastos, Visconde de Moreira de Rey, Visconde dos Olivaes, Visconde de Valmór, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram — os srs: Teixeira de Vasconcellos, Veiga Barreira, Pereira do Lago, Palma, Augusto da Silva, Rodrigues de Carvalho, J. M. dos Santos, Mendes Leal, Luiz Pimentel, Pedro Franco.

Abertura —Á uma hora e um quarto da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Officio

Do ministerio da guerra, remettendo os esclarecimentos pedidos pelo sr. Osorio de Vasconcellos, ácerca do fornecimento de pão e forragens para o exercito.

Para a secretaria.

Representação

De varios commerciantes, proprietarios e artistas do Porto, pedindo que a camara dê um voto de louvor ao sr. deputado Francisco Mendes, pelas declarações de s. ex.ª ácerca de impostos.

Á commissão respectiva.

O sr. Francisco Mendes: — O meu illustre amigo, o sr. Luiz de Campos, já teve a bondade de participar a v. ex.ª que por um motivo para mim bem triste, o mais triste, faltei a algumas sessões passadas.

Agora venho agradecer não só o cumprimento official que me foi feito pelo digno secretario o sr. Pinheiro Borges por parte da camara, mas tambem e mais do que tudo a todos os meus collegas, sem excepção, as provas de consideração e muita estima que me dispensaram por occasião de tão angustiosa e triste provação. Registei-as na lembrança para me considerar sempre muito devedor, e peço a todos que aceitem os meus mais sinceros e cordeaes agradecimentos.

Como estou com a palavra, e ainda que me custa muito roubar tempo á camara, oceupando-me com a minha humilde pessoa, permitta-me v. ex.ª que eu, não desejando nem devendo ser descortez, patenteie tambem aqui os meus agradecimentos aos signatarios de uma representação, que na sessão de antes de hontem pretendeu aqui apresentar o meu illustre collega e amigo o sr. Pinto Bessa.

Essa representação lisonjea-me extremamente, não só porque é para mim muito agradavel ver associar á approvação da minha propria consciencia a de pessoas a quem provavelmente não tenho a honra de conhecer, mas tambem porque me faz ver que, desejando eu interpretar a vontade dos meus constituintes, interpretei igualmente a de muitos habitantes de uma cidade tão importante como é o Porto.

Nada mais tenho a dizer.

O sr. Thomás Lisboa: — Mando para a mesa um projecto de lei.

O sr. Eça e Costa: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal da villa de Figueiró dos Vinhos, em que pede auctorisação para applicar a obras, de que carece o edificio destinado a diversas repartições publicas d'aquella comarca, a importancia de 1:500$000 réis, que se acha em deposito nos cofres d'aquelle municipio, com destino á viação municipal.

Peço a v. ex.ª que dê a esta representação o destino conveniente, e desde já imploro das illustres commissões, que têem de ser ouvidas, que dêem quanto antes o seu parecer sobre este assumpto que é de muita justiça, como espero demonstrar quando elle vier á discussão.

O sr. Ornellas: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal da villa de Ponte do Sor contra o decreto de 30 de outubro de 1868, que estabeleceu as repartições de obras publicas districtaes junto aos governos civis.

O sr. Pereira Brandão: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal do concelho de Penella, que tenho a honra de representar n'esta casa, pedindo a revogação do decreto de 30 de outubro de 1868, que creou e organisou a engenheria districtal. E de inconcussa justiça o pedido feito n'esta representação, como exuberantemente demonstram as solidas rasões, que na mesma representação se allegam e desenvolvem; porisso, não me fazendo cargo de apresentar a tal respeito quaesquer considerações, que, em presença do exposto, seriam desnecessarias e inuteis, e até mesmo, por esta occasião, inopportunas, como v. ex.ª por muitas vezes nos tem advertido, limito-me a pedir a v. ex.ª a bondade de mandar a alludida representação á commissão, a que têem sido enviadas outras muitas representações analogas, que têem sido dirigidas a esta camara, a fim de que seja tomada na consideração, que incontestavelmente merece.

O sr. D. Miguel Coutinho: — Tenho a honra de mandar para a mesa duas representações da camara municipal

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de Ponte de Sor. N'uma d'ellas representa contra o decreto de 30 de outubro de 1868, que creou a engenheria districtal, e na segunda pede modificações na legislação que regula a applicação de impostos para viação municipal.

Peço a v. ex.ª que lhes dê o competente destino.

O sr. Camara Leme: — Partecipo a v. ex.ª que não compareci ás sessões da semana finda, porque o meu mau estado de saude não m'o permittiu.

O sr.Visconde de Montariol: — Mando para a mesa, a fim de que tenha o competente destino, uma representação em que os pharmaceuticos da cidade de Braga se queixara do excesso e injustiça com que são taxados os sues presumidos lucros no projecto de contribuição industrial apresentado pelo sr. ministro da fazenda.

Eu já fiz ver a esta camara, quando sobre igual assumpto lhe apresentei as representações dos artistas e commeciantes da referida cidade, que ás bases que se procuram nas collectas da cidade de Lisboa e Porto para estabelecer relação para a cidade de Braga são injustas, desproporcionadas, porque não se guarda a devida proporção com a população d'esta ultima cidade que é incomparavelmente menor e mais pobre. Estas circumstancias militam tambem em favor dos pharmaceuticos representantes, a favor dos quaes se dão duas outras rasões não menos attendiveis.

Emquanto que todos os artistas e commerciantes podem elevar os seus serviços, salarios, artefactos e generos ao preço que quizerem o quanto a concorrencia lhes permittir, os pharmaceuticos só podem reputar pelos preços da lei as drogas que vendem, as receitas que aviam e as manipulções que fazem.

Acresce que á cidade de Braga e suas vizinhanças é um paiz muito saudavel, que pouco dá que fazer aos Facultativos e aos pharmaceuticos.

A exactidão e justiça d'estas considerações ha de por certo faze-las attender pela illustre commissão de Fazenda.

Mando tambem para a mesa um requerimento em que D. Emilia Adelaide Gonzaga pede se declare que da pensão de 20$000 réis, concedida a suas duas irmãs por remuneração dos serviços de seu pae Augusto José Henriques Gonzaga, lhe pertence, como filha do mesmo pae, uma terça parte, segundo está julgado pelos tribunaes em sentenças transitadas em julgado, e declara o procurador geral da fazenda em sua informação.

Finalmente mando para a mesa, para que siga os tramites legaes, um projecto de lei que vou ler e é do teor seguinte (leu).

O sr. Pedroso dos Santos: — Em sessão de 14 de abril apresentei um projecto de lei que tinha por fim tornar extensivas aos officiaes de diligencias as disposições da lei de 11 de setembro de 1861.

Desde então tenho esperado, mas debalde, que a commissão dê o seu parecer sobre o meu humilde projecto.

Como ainda não foi presente á camara o referido parecer, julgo do meu dever pedir a algum dos membros da commissão que esteja presente, que me diga se porventura lograrei a fortuna de que a commissão se pronuncie favoravel ou desfavoravelmente sobre o meu projecto, porque, tendo sido dirigidas a esta camara bastantes representações a respeito da lei de 11 de setembro de 1861, é preciso que a estas representações se responda com um sim ou com um não, porque o silencio não é resposta.

Lamentaria, se porventura se usasse d'este comportamento para commigo, e que não se considerasse a iniciativa individual de cada um dos deputados; mas parece-me que da parte da commissão não ha de certo intenção de nos desconsiderar, assim como da minha parte não ha intenção de lhe fazer censura, porque faço justiça aos membros que compõem a commissão, de que têem muito a peito o cumprimento dos seus deveres.

Espero, pois, que a commissão, com a possivel brevidade, dê o seu parecer á respeito d'este negocio.

O sr. Presidente: — Lembro aos srs. depurados que a hora está adiantada, e têem de se discutir alguns projectos na primeira parte da ordem do dia; peço-lhes, pois, que se restrinjam o mais possivel.

O sr. Pinheiro Borges: — Mando para a mesa um requerimento de José Martinho Thomás Dias, pedindo que não lhe seja applicado o artigo 3.° do decreto de 15 de junho de 1870, pelo qual lhe foi tirada a sua jubilação.

V. ex.ª tem dito por diversas vezes que estes requerimentos devem ser lançados na caixa, mas eu faço uma excepção com relação a este individuo, por ter sido meu mestre honrando me depois com a sua amisade.

Mando tambem para a mesa um requerimento de D. Constança Manuel Pimenta de Avellar Costa, viuva do brigadeiro reformado Costa Mendes, pedindo uma pensão que lhe sirva de lenitivo ás difficeis circumstancias em que se acha.

Esta senhora requereu era 24 de abril de 1867 á respectiva secretaria, e até hoje ainda não obteve despacho algum.

Peço a v. ex.ª que tome em consideração estes requerimentos, e que lhes dê o devido destino.

O sr. Falcão da Fonseoa: - Mando para a mesa um projecto de lei, revogando o decreto de 30 de outubro de 1868 sobre engenheria districtal.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

Entrou em discussão o seguinte

Projecto de lei n.º 24

Senhores. — Á vossa commissão de obras publicas foi presente a proposta de lei n.º 23-A, que tem por fim facilitar o desenvolvimento da viação districtal, auctorisando ás juntas geraes a lançarem addicionaes sobre as tres contribuições predial, industrial e pessoal, nos termos da carta de lei de 15 de julho do 1862.

É facto, senhores, que, se a lei de viação municipal tem tido vantajosa applicação em muitos pontos do reino, a legislação de 1862 ácerca de viação districtal, salvo em alguns districtos, não produziu até hoje resultados igualmente proficuos. Este facto tristissimo deve attribuir-se á falta de meios com que lutam as juntas geraes, por mais dedicadas que sejam aos progressos da viação publica. A proposta do lei sujeita ao exame d'esta commissão tem por fim remediar esta deficiencia de recursos pecuniarios, que até hoje tem deixado em completo atrazo a construcção das estradas districtaes.

Sendo urgente dar sem demora rapido impulso á viação districtal;

Considerando que as juntas geraes, bem informadas das necessidades locaes, devem ter proporcionado o imposto que propõem ás necessidades da viação e ás forças contributivas dos seus districtos;

Considerando que a proposta do governo aceita sem modificação as percentagens propostas pelas juntas geraes;

Attendendo a que a proposta de lei está conforme com a letra e espirito da carta de lei de 15 de julho de 1862:

A vossa commissão é de parecer, de accordo com o governo e com a illustre commissão de fazenda, que a proposta de lei n.º 23-A seja convertida no seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º São fixados nas percentagens constantes da tabella annexa a esta lei os addicionaes ás contribuições predial, pessoal e industrial, com que no proximo futuro anno economico hão de concorrer para as despezas da viação districtal os districtos administrativos mencionados na referida tabella, a qual fica fazendo parte integrante d'este artigo.

Art. 2.° Os addicionaes fixados pelo artigo precedente serão lançados e arrecadados cumulativamente com as contribuições do estado, nos mesmos termos e pela mesma fórma em que essas contribuições são lançadas e arrecadadas,

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e o seu producto será mandado entregar nos cofres dos districtos.

Art. 3.° Quando em algum dos futuros annos economicos deixar, por qualquer motivo, de ser votada em côrtes a percentagem addicional, que, nos termos da lei de 15 de julho de 1862, constitue receita ordinaria para a viação districtal, entender-se-ha auctorisada para esse anno uma percentagem igual á votada pela ultima lei.

Art. 4.º A receita proveniente dos addicionaes auctorisados por esta lei póde ser destinada a garantir e amortisar emprestimos applicados a obras de viação districtal.

§ unico. Nos districtos, em que forem auctorisados e realisados emprestimos nos termos d'este artigo, os addicionaes que servirem de garantia e dotação dos mesmos emprestimos ficarão por esse facto auctorisados por tantos annos quantos forem necessarios para a amortisação dos emprestimos e respectivos encargos.

Art. 5.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões, 20 de maio de 1871. = Sebastião Lopes de Calheiros e Menezes = Augusto de Faria = Pedro Roberto Dias da Silva = José Bandeira Coelho de Mello = José Joaquim Rodrigues de Freitas Junior = João Candido de Moraes = José Elias Garcia = Mariano Cyrillo de Carvalho, relator.

Tabella da percentagem proposta pelas juntas geraes de districto para ser lançada coma addicional ás contribuições geraes do estado, com applicação a estradas de 2.ª ordem

Aveiro.............................. 2 por cento

Beja................................ 10 por cento

Braga............................ 2 por cento

Castello Branco...................... 1,35 por cento

Coimbra............................? por cento

Faro............................... 5 por cento

Guarda............................. 4 por cento

Lisboa............................. 4 por cento

Portalegre........................... 1 por cento

Porto............................... ¼ por cento

Santarem............................ 2 por cento

Vianna.............................. 10 por cento

Sala da commissão, 20 de maio de 1871. = Sebastião Lopes de Calheiros e Menezes = Augusto de Faria = Pedro Roberto Dias da Silva José Bandeira Coelho de Mello = José Joaquim Rodrigues de Freitas Junior = João Candido de Moraes = José Elias Garcia = Mariano Cyrillo de Carvalho, relator.

Senhores. — A commissão de fazenda tendo examinado a proposta de lei apresentada pelo governo, que tem por fim auctorisar as juntas geraes dos districtos a lançarem sobre as contribuições predial, industrial e pessoal os addicionaes necessarios para se constituir o fundo de estradas districtaes nos termos da lei de 15 de julho de 1862; e

Considerando que é urgente dar desenvolvimento á construcção da rede de estradas districtaes; que a proposta de lei referida apenas auctorisa os addicionaes propostos pelas juntas geraes, que bem devem conhecer as conveniencias e as faculdades tributarias dos seus districtos:

É de parecer que a proposta de lei está no caso de ser approvada.

Sala da commissão, 20 de maio de 1811. = Anselmo José Braamcamp = José Dionysio de Mello e Faro = João Antonio dos Santos e Silva = José Joaquim Rodrigues de Freitas Junior = João Henrique Ulrich = Antonio Augusto Pereira de Miranda = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens = Henrique de Barros Gomes = Antonio Rodrigues Sampaio = Alberto Carlos Cerqueira de Faria = José Luciano de Castro Pereira Côrte Real = José Dias Ferreira = Mariano Cyrillo de Carvalho = Eduardo Tavares = Francisco Pinto Bessa = Antonio Maria Barreiros Arrobas.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Não é meu in- o pensamento que presidiu á sua formação; no entanto não posso deixar de levantar a minha voz para fazer algumas considerações com relação a alguns pontos accidentaes em que divirjo do parecer da commissão e especialmente da proposta do governo.

Começarei por dizer a v. ex.ª que tanto não sou contra o projecto, que voto a tabella que faz parte integrante do artigo 4.°, mas desejo que ella seja addicionada.

O governo no intuito de dar desenvolvimento á viação districtal e a meu ver com toda a rasão e justiça, pelo que merece louvor, mandou convocar extraordinariamente as juntas geraes de districto, para ellas lançarem uns tantos addicionaes sobre as contribuições industrial, predial e pessoal, porque, segundo o artigo 30.° da lei de 15 de julho de 1862, constituem uma receita ordinaria dos districtos para elles fazerem face ás despezas de viação.

As juntas consultaram todas em diversos sentidos; no relatorio que o governo apresenta na sua proposta, referindo-se ao districto de Bragança, diz o seguinte (leu).

Isto diz o governo no seu relatorio.

Não posso conformar-me com a opinião que vejo aqui exarada, por isso que o governador civil, em conselho de districto, consultou e substituiu muito competentemente a junta geral nas funcções que lhe estavam comrnettidas em virtude d'aquella portaria e em conformidade com a lei de 1862.

É claro que, desde que o codigo administrativo no artigo 212.°, § 1.°, diz isto (leu), só cumpre averiguar se foram preenchidas as formalidades que aqui se enumeram. Preenchidas ellas, e sendo este negocio como é urgente, não ha absolutamente motivo algum para se deixar de se tomar conhecimento da consulta feita em harmonia com estas disposições e conhecer a competencia do governador civil em conselho para substituir a junta geral para o assumpto em questão.

Sei que ha algumas excepções a este principio, que mais confirmam a regra geral, como, por exemplo, com relação á distribuição dos contingentes das contribuições de repartição, que deve ser feita pelo conselho de districto e não por o governador civil em conselho, mas isto porque uma legislação especial determinou que assim se faça; mas com relação a este assumpto, está debaixo das condições geraes, o eu não queria que o districto de Bragança ficasse sem ter uma receita ordinaria, tão importante como esta, isto devido á negligencia dos procuradores á junta geral ou ás faltas motivadas de seus membros que os inhibiram de se reunir.

É por isso que eu entendo que o governo tem necessidade de considerar a proposta feita pelo governador civil em conselho de districto, se é que está feita com as precisas formalidades. Tratando eu de examinar as differentes consultas das juntas geraes que estão na mesa, não encontrei a resolução do conselho de districto ou do governador civil era conselho, pelo que não posso fazer mais considerações a este respeito; mas se o governador civil procedeu como ordena o codigo, o governo não póde deixar de considerar essas consultas do governador civil em conselho de districto, e deve propor uns tantos por cento sobre as contribuições pessoal, industrial e predial, tendo em vista essa mesma consulta, para os applicar á viação districtal. Reputo isto indispensavel.

Diz mais o governo no seu relatorio (leu).

Tambem não me posso conformar com esta proposição. Entendo que melhor seria que a junta geral do districto de Leiria consultasse e dissesse os tantos por cento que queria addicionar ás contribuições; mas porque o não fez directamente, isto é, com a devida clareza, não podemos inhibir o districto dos addicionaes que elle queria que se lançassem; e o calculo é muito simples.

O governo vê essa somma fixa e determinada, e depois calculando sobre as contribuições vê a quantos por cento addicionaes ella corresponde, e lança esses addicionaes. É

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tuito combater o projecto em discussão, e conformo-me com uma cousa simples, e nós não devemos por uma falta, se isto é falta, da junta geral do districto de Leiria, deixar o mesmo districto privado dos beneficios que d'ali lhe podem provir; por consequencia, entendo que n'esta parte é conveniente que o governo ponha, com relação a este districto, os addicionaes em harmonia com o pensamento da junta geral.

Abstenho-me de fallar das juntas geraes dos districtos de Evora, Villa Real e Vizeu. Posto que me conforme com o pensamento enunciado no relatorio do governo na ultima parte, sem querer por fórma alguma lançar censura sobre as juntas geraes que citei, por não terem lançado ou consultado sobre os addicionaes a lançar para serem applicados á viação districtal, lamento comtudo o facto, porque inhibe os districtos de porem em obra os melhoramentos mais uteis e proveitosos aos interesses dos mesmos districtos.

Posto que seja esta uma receita ordinaria, não a reputo obrigatoria; por isso as juntas geraes estavam no seu direito, bem como o governo o está, de propor se quizer os addicionaes que julgar para esses mesmos districtos, porque é certo e claro que o parecer consultivo das juntas geraes não obriga, salvo moralmente, o governo a seguir esse parecer.

Lamento porém, repito, que as alludidas juntas geraes assim procedessem. Respeito a sua opinião.

É verdade que as juntas são as mais competentes para conhecer os interesses dos districtos; mas o governo quando visse que o procedimento d'ellas não estava em harmonia com o pensamento da lei, e que não preenchia os fins para que ella foi promulgada, podia substituir essa falta das juntas, sem haver com isto gravame para os contribuintes, nem desconsideração para com essas corporações (apoiados).

Parece-me que de todas as contribuições nenhuma ha mais bem destinada do que esta, que tem um destino especial para a viação districtal, e que é applicada dentro do mesmo districto aonde a contribuição é lançada.

Posto isto, tenho a fazer mais uma consideração com relação ao artigo 2.°

Parece-me que seria conveniente que se determinasse que d'estes addicionaes não haveria quotas para os empregados que hoje os recebem. Parece-me que n'isso não teria duvida em concordar a illustre commissão. Julgo que não se deve aggravar com mais tributos o contribuinte, tirando-lhe uma parto que póde ser productiva para á viação districtal, com applicação a empregados que estão ou devem estar já sufficientemente remunerados.

Com relação ao artigo 3.°, parece-me que seria melhor que, em vez de se dizer — entender-se-ha auctorisada para esse anno uma percentagem igual á votada pela ultima lei —, se devia dizer —percentagem proposta pela respectiva junta —. É certo que a percentagem que for proposta pela junta não é fixa, e póde ser alterada, segundo as necessidades que a junta reconhecer, e tendo em attenção os recursos do districto.

Se as côrtes não cumprirem o preceito de dar a sua approvação á proposta do governo sobre consulta das juntas geraes, estas não têem culpa da falta, e póde ser-lhes muito prejudicial a continuação da percentagem ultimamente votada.

Por ora nada mais tenho a dizer.

O sr. Pequito: — Não me opponho ao pensamento geral d'este projecto, porque, em parte, não é senão a satisfação ou o cumprimento da disposição consignada na lei de 15 de julho de 1862, artigo 30.°, n.º 1.° Se ao pensamento fundamental do projecto não me opponho, por outro lado entendo que ha n'elle estabelecidas algumas disposições que, longe de serem a satisfação e o cumprimento de outras d'aquella lei, são a sua clara e terminante revogação.

Parece-me que ha aqui uma questão previa a tratar ou a examinar, que vem a ser — se a disposição do artigo 30.° da referida lei é uma disposição facultativa ou obrigatoria.

A maneira por que, a meu ver, as juntas geraes dos districtos a entenderam, foi como eu tambem a entendo, como disposição obrigatoria, e não como facultativa.

A lei diz no artigo 30.° o seguinte (leu).

Já se vê que esta disposição é generica, abrange adjuntas geraes de todos os districtos, porque ordena que o governo, para apresentar ao parlamento a proposta, em que a percentagem ha de ser estabelecida, ouça previamente as mesmas juntas geraes, que nas suas consultas têem rigorosa obrigação de indicar essa percentagem; não podendo, na minha opinião, subtrahir-se nenhuma d'ellas a esse dever, nem ficar um só districto isento de tal encargo.

Se as juntas o não entendessem assim, e julgassem que o cumprimento d'esta disposição da lei era facultativo, então talvez não tivessemos este anno percentagem alguma com relação á maior parte dos districtos, porque se vê perfeitamente da leitura das consultai respectivas que, se as juntas indicam esta percentagem, são a isso compellidas na maxima parte pela necessidade de satisfazerem ao preceito da lei. Pelas circumstancias desgraçadas em que se acham os districtos, pela dura necessidade de terem de sujeitar se a importantes onus por causa da situação deploravel da fazenda publica, declaram em geral que não votam senão pequenas percentagens.

Não tive occasião de examinar todas as consultas, mas pude examinar um grande numero d'ellas, e vi que começavam por fazer a declaração de que, pelas circumstancias que acabei de referir, não podiam indicar uma percentagem mais avultada, e algumas até votaram uma percentagem insignificantissima.

Já se vê que as juntas que indicaram estas percentagens, partiram do principio, de que não eram isentas d'essa obrigação, que deviam satisfazer ao preceito da lei, e consideraram como obrigatoria esta despeza.

E sendo isto assim, sendo essa despeza obrigatoria, se gundo tambem entendo, como é que vae estabelecer se n'este projecto n.º 24 um privilegio que realmente não me parece ter fundamento legal, com relação aos districtos de Bragança, de Evora, de Vizeu, de Leiria e de Villa Real? (Apoiados.)

O que me parecia era, que se as juntas geraes d'esses districtos não satisfizeram ao preceito da lei, poderia o governo ou manda-las convocar de novo, ou desde logo indicar na proposta, pouco mais ou menos, qual era a percentagem que entendia que cada um d'esses districtos dovia pagar. Mas não podia fazer o que se faz n'esta proposta, porque ella assim é em parte o cumprimento ou a satisfação de uma disposição da lei de 15 de julho, e na outra parte envolve umas poucas de excepções em favor de certos e determinados districtos (apoiados).

De mais, se adoptarmos tambem o principio, que se acha consignado no artigo 3.° d'este projecto, então maior é o inconveniente; porque o artigo 3.º do projecto diz:

«No anno em que se não votar a percentagem nos termos da lei de 15 de julho, considera-se auctorisada para esse anno uma percentagem igual á votada pela ultima lei.»

Ora, passando este projecto, fica elle sendo a ultima lei, e votada pela ultima lei não fica nenhuma percentagem com relação aos districtos que citei. Já se vê que é necessario attender tambem a esta circumstancia.

E por outro lado a disposição do artigo 3.° não póde sustentar-se, porque ou suppõe a suspensão do exercicio regular do poder legislativo, deixando de funccionar annualmente, o que só póde dar-se com infracção da carta; ou suppõe que o governo, faltando ao seu dever, deixa de lhe apresentar a respectiva proposta, sem que o parlamento, na supposição de funccionar regularmente, o constranja ao seu cumprimento.

Ora qualquer d'estas hypotheses não póde admittir-se para se estabelecerem em uma lei providencias da natureza d'aquellas, que se encontram no artigo 3.° do projecto, artigo que por isso deve, na minha humilde opinião, ser supprimido.

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Resumindo as minhas idéas, porque não desejo tomar tempo á camara, e até porque não pude examinar detidamente este projecto, como desejava, nem ter com a devida attenção todas as consultas das juntas geraes de districto, limito-me a dizer em primeiro logar que d'esta tabella foram excluidos os districtos de Vizeu, Leiria, Bragança, Evora e Villa Real, e que não póde adtnittir-se tal exclusão em viata da lei, pois que seria estabelecer, revogando-a, um privilegio em favor dos mesmos districtos.

As circumstancias de todos ou quasi todos são tambem graves e difficeis; e se por acaso as juntas respectivas estivessem convencidas de que era uma mera faculdade e não obrigação a indicação d'esta percentagem, uma grande parte d'ellas diria «em virtude das circumstancias especiaes, em que nos achâmos, entendemos que não devemos indicar percentagem alguma, porque se não deve pagar este anno».

Entendo, pois, que a disposição do artigo 1.° não póde approvar se como está, quanto á tabella, porque esta não abrange aquelles cinco districtos.

E em segundo logar não concordo com a disposição do artigo 3.°, porque me parece irregular e inconveniente estarmos a legislar para hypotheses que suppõem transtor nada a marcha regular da administração.

Ainda poderia apresentar mais algumas considerações, mas antes de o fazer desejaria que o illustre relator da commissão me esclarecesse com relação ás que deixo enunciadas no sentido de mostrar os inconvenientes que, a meu ver, resultam de algumas disposições do projecto que se discute.

O sr. Mariano de Carvalho: — Nenhum dos illustres deputados, que me precedeu, combateu o pensamento d'este projecto de lei, nem me parece que elle podesse ser combatido. Trata-se de proporcionar por elle ás juntas geraes um imposto para a construcção de estradas districtaes, que n'um grande numero de districtos está atrazada por falta de meios.

Os illustres deputados, ao que me pareceu pelos seus discursos, desejam apenas algumas modificações no projecto de lei que se discute.

Devo em resposta a s. ex.ªs fazer as considerações que me parecem convenientes.

O sr. Francisco de Albuquerque, instruido pela leitura do relatorio da proposta do governo, diz que as juntas geraes dos districtos de Bragança e de Leiria não ficam contempladas com percentagem nenhuma para estradas districtaes, porque no districto de Bragança a junta geral de districto não se reuniu, e em logar d'ella o conselho de districto votou uma percentagem; e porque no districto de Leiria a junta, em logar de votar um addicional, contra as disposições da lei de 1862, votou quantia certa e determinada.

O illustre deputado quer que se vote para o districto de Bragança a percentagem proposta pelo conselho de districto, visto ser opinião de s. ex.ª que o governador civil, em conselho de districto, em todos os casos urgentes póde occorrer com providencias quando a junta geral de districto não tiver providenciado.

Penso que o projecto de lei do governo está redigido como deve estar e nos termos mais liberaes. Trata-se nem mais nem menos que de lançar aos districtos um tributo para os fins determinados na lei de 1862.

Ora, a lei de 1862 está redigida com espirito liberal, não tanto como eu desejaria, mas ainda assim bastante quando comparado com a nossa organisação administrativa. Deixa toda a iniciativa ás juntas geraes para a conservação e construcção das estradas districtaes.

N'estes termos, se o governo tomasse em consideração uma proposta feita por um governador civil, ouvido o conselho de districto, como prescreve o codigo administrativo, parece-me que nos fazia retrogradar no verdadeiro caminho das doutrinas liberaes (apoiados).

Não era já a junta geral representante do districto, que vinha propor despezas para certas obras; era o governador civil, empregado de confiança do governo, que resolvia tributar.

É verdade que a proposta do governador civil ficava sujeita á sancção parlamentar; mas tambem é verdade, que o governador civil não tem os mesmos elementos que as juntas geraes dos districtos, que, por assim dizer, são os parlamentos districtaes, para conhecer as faculdades tributarias dos districtos e as suas necessidades.

As despezas para a construcção das estradas districtaes pela lei de 1862 não são obrigatorias senão em casos muito restrictos, como logo mostrarei.

O artigo 30.º d'essa lei determina:

«Constituem a receita ordinaria com applicação especial a estradas: 1.° Uns tantos por cento addicionaes ás contribuições predial, pessoal e industrial, que serão annualmente votados em côrtes por lei, sob proposta do governo, precedendo consulta das juntas geraes de districto.»

Disse o sr. deputado Francisco de Albuquerque, que estas consultas das juntas geraes de districto são mera formalidade. Pois é mera formalidade uma consulta da junta geral de um districto, sem a qual, nos termos expressos da lei, não se póde tributar o districto? (Apoiados.)

É claro que não, a lei de 1862 deu-lhe um grandissimo valor. Torno a repetir a leitura d'este paragrapho, para elucidar a questão (leu).

Portanto, emquanto não revogarmos esta lei, nem as proprias côrtes podem lançar aos districtos impostos para a construcção de estradas districtaes sem precedencia de consulta das respectivas juntas geraes.

Estas despezas de construcção de estradas districtaes não são obrigatorias. Se recorrermos aos artigos 26.º e 27.° da mesma lei, n'elles encontraremos as despezas dos districtos para estradas districtaes, classificadas em despezas obrigatorias e despezas facultativas. Segundo o artigo 27.° são despezas obrigatorias:

«Todas as despezas com a policia, reparo e conservação da estradas de districtos, classificadas como taes. »

É evidente que estas despezas haviam de ser obrigatorias, aliás as juntas geraes podiam deixar de votar os meios para a conservação de estradas, já construidas, as quaes se deteriorariam com grave prejuizo da riqueza nacional.

N'este caso a despeza é obrigatoria, e entendo que, se as juntas não votarem os meios necessarios, o governador civil em conselho de districto póde preencher essa falta.

O n.º 2.° do mesmo artigo diz, que tambem são despezas obrigatorias do districto:

«As despezas com as expropriações e a construcção d'aquellas estradas districtaes, para as quaes o governo contribuir com metade do custo das mesmas estradas.»

Parece á primeira vista que todas as vezes que o governo decretar um subsidio para estradas districtaes, as juntas geraes ficarão obrigadas a votar os meios, isto é, metade da despeza, que portanto será obrigatoria.

Mas soccorrendo-nos ao artigo 19.° da mesma lei, esta supposição não se verifica, porque o governo não póde decretar subsidios para estradas districtaes sem que os peçam as respectivas juntas.

Veja pois v. ex.ª como o pensamento d'esta lei é harmonico dando ás juntas geraes toda a iniciativa em tudo que diz respeito a construcções de estradas.

V. ex.ª e a camara dir-me-hão que o corpo legislativo na sua soberania póde modificar a lei. De accordo.

Se quizermos alterar a lei vigente de 15 de julho de 1862, poderemos attender á proposta do governador civil feita em conselho de districto; se não quizermos, havemos de cingir-nos á lei vigente que, no meu entender, não permitte que se votem impostos para estradas districtaes sem consentimento previo das juntas geraes.

Se a camara quer votar a derogação da lei, sujeitar-me -hei ás prescripções do corpo legislativo que é soberano n'este ponto, e então a lei ficará alterada como os illustres deputados requerem; mas sem a modificação d'esta lei não entendo que se possa proceder como desejam.

Ainda assim parece-me possivel introduzir um § ao arti-

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go 1.°, auctorisando as percentagens que as juntas geraes votarem este anno nos districtos em que esses addicionaes não foram lançados. Então cumprem-se as formalidades legaes. Se ámanhã a junta geral de Bragança propozer uma percentagem, essa percentagem ficará auctorisada por lei e satisfeitos os desejos do sr. Albuquerque.

Quanto ao districto de Leiria, é tambem a lei de 15 de julho de 1862 que estatue bem claramente que as juntas geraes não hão de votar uma quantia fixa, mas uns tantos por cento addicionaes. Não podemos conceder-lhe o que ella propoz sem derogação da lei de 1862.

Parece-me porém que, adoptando se o expediente que lembrei, todos os inconvenientes desappareceno; as duvidas dos srs. deputados devem cessar, porque fica tudo remediado.

A proposta do sr. Francisco de Albuquerque, em relação a Bragança, mesmo tendo em vista as disposições do codigo administrativo, não póde ser aceita, porque foi o conselho de districto, e não o governador civil, que propoz o addicional.

O exemplo que s. ex.ª apresentou, da distribuição da contribuição de repartição, prova contra a these que queria sustentar, porque demonstra que as leis tributarias derogaram o codigo administrativo no sentido de tirar ao governador civil, em conselho, a faculdade de distribuir os impostos. A lei de 15 de julho de 1862 derogou do mesmo modo a disposição do codigo, artigo 212.°, porque não permitte que ninguem substitua a junta geral. Se o legislador quizesse a substituição, te-lo-ía dito, como o disse em relação ás contribuições de repartição.

É portanto só ás juntas geraes que compete distribuir este imposto; a ellas, e a mais ninguem.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Nunca se reune.

O Orador: — Póde não se reunir n'uma epocha de sessão, mas que succeda isso em todas, não me parece admissivel, Em todo o caso o expediente que proponho, que é auctorisar os addicionaes que as juntas geraes votarem este anno, occorre a todas as objecções, mantendo-se o principio legal e liberal de não se poder impor tributo para estradas districtaes sem ser auctorisado com o voto da junta geral do districto.

O sr. Pequito combateu o artigo 3.° do projecto, mas esse artigo tem toda a rasão de ser. Eu me explico.

Pela lei de 1862 as juntas geraes de districto são auctorisadas a contrahir emprestimos para estradas districtaes, e esta disposição é muito util.

Pergunto: que credito poderiam ter as juntas geraes de districto se uma interrupção dos trabalhos parlamentares não permittisse que se votasse a percentagem necessaria para os juros e amortisação dos emprestimos que contrahissem?

É necessario que os estabelecimentos de credito, ou os cidadãos a quem as juntas geraes tenham de recorrer para levantar fundos, adquiram a certeza de que a amortisação e juros dos emprestimos contrahidos hão de ser satisfeitos regularmente.

Lembra-se que em logar de se dizer no artigo «entender-se-ha auctorisada para esse anno uma percentagem igual á votada pela ultima lei», seria melhor estabelecer-se que «ficava auctorisada a percentagem votada pelas juntas geraes n'esse anno». Mas supponha-se que uma junta geral está de má fé, que votava este anno 10 por cento para o juro e amortisação de emprestimos contrahidos, e que no anno seguinte só votava 8 por cento? N'este caso, se por um motivo qualquer o parlamento não podesse modificar a percentagem, ficando por consequencia em vigor a votada pela junta geral, não haveria os meios necessarios para pagar os juros e amortisação dos emprestimos contrahidos. Portanto parece me ser mais conveniente manter o artigo como está, até porque não póde ter applicação senão n'um caso excepcional, no caso de uma interrupção dos trabalhos parlamentares.

Não tenho mais nada que responder ás observações feitas pelos illustres deputado, excepto ao sr. Pequito, que propoz que fossem tambem tributados os districtos de Evora, Villa Real e Vizeu,

Sou contra essa idéa. Desejo que as juntas geraes de districto procedam a este respeito com a maxima liberdade, porque entendo que só ellas são as representantes legitimas das localidades, e conhecem melhor as suas necessidades emquanto á construcção de estradas e emquanto ás faculdades tributarias.

Estou mesmo convencido de que não hão de resultar inconvenientes de se proceder d'esta modo, e quando os districtos de Evora, Villa Real e Vizeu virem que nos districtos seus comvizinhos ha toda a actividade e zêlo na construcção de estradas districtaes, coagirão as suas juntas geraes a votarem a percentagem necessaria para que se façam estradas. Entendo que atacava o principio de liberdade tributar os districtos contra a opinião expressa das juntas geraes. Não o podemos mesmo fazer sem derogação da lei de 1862, que não permitte que se lancem tributos aos districtos, para a construcção de estradas, sem que as juntas geraes sejam consultadas a esse respeito.

O sr. Secretario (Adriano Machado): — A commissão de redacção não fez alteração alguma ao projecto de lei n.º 22.

O sr. Ministro da Marinha (Mello Gouveia): — Tenho o sentimento de dar conta á camara de um acontecimento que profundamente me penalisa, comquanto as suas consequencias tenham terminado.

No dia 9 de abril, no Ambriz, estando, depois do toque de silencio, varios soldados do batalhão de caçadores n.º 4 fazendo algum motim, o alferes que estava de inspecção, em vez de procurar outro meio de os corrigir, mandou buscar uma palmatória e mandou dar grande numero de palmatoadas em tres soldados da 1.ª companhia e em dois da 2.ª! (Sensação.) Não contente com isto, vendo um soldado deitado no chão, que estava de reforço á guarda, mandou-lhe applicar o mesmo castigo, e este, querendo obstar a esta singular correcção, lançou ambas as mãos á palmatoria. O alferes, que não quiz recuar diante d'aquellas tentativas de castigo, mandou buscar um pau e espancou-o vigorosamente!

Em presença d'este espectaculo um soldado da guarda foi á janella e bradou por todos os camaradas da companhia para que acudissem a um camarada que estavam matando! Os soldados vieram á parada do quartel e gritaram contra o alferes, que immediatamente fugiu e teve a fortuna de se poder transportar para o Quicembo.

O commandante do batalhão, advertido pelo primeiro sargento da 2.ª companhia, correu ao quartel, fallou aos soldados e conseguiu que recolhessem ás companhias; mas d'ahi a pouco dois energumenos levantaram a voz da indisciplina, foram seguidos pelos seus camaradas, e por mais diligencias que o commandante no seu relatorio declara ter feito, não póde conseguir que se contivessem os soldados amotinados e deixou-os. Depois dispararam para o ar tiros de artilheria e fuzilaria, e n'este exercicio andaram tão desastradamente que fizeram um soldado victima de uma bala!

No meio d'esta desordem, alguns soldados de indole mais perversa, apresentaram a idéa de irem a Loanda queixar-se ao governador geral; e com o pretexto de arranjarem mantimentos para a marcha, foram a algumas casas de negociantes pedir dinheiro e coral, e receberam o que se lhes deu; só fizeram mais pesadas exigencias a um parocho de quem receberam 300$000 réis, a um negociante de quem receberam 200$000 réis; e afora estas extorsões, ha tambem a lamentar uma outra feita a uma casa estrangeira, d'onde levaram objectos avaliados em 291 libras!!

Depois de passarem um dia e duas noites n'esta orgia, e sentindo-se por ella extenuados, começaram a pensar no crime e no castigo, e foram procurar um official para os levar até Loanda, a fim de pedirem perdão ao governador; e apparecendo então o commandante mandou tocar a re-

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unir, entraram em fórma muitos dos amotinados, obteve que entregassem a polvora, prometteram não continuar na desordem e ficaram socegados; porém sem sujeição alguma á disciplina, desamparando as guardas, a policia do quartel, e

recusando-se a todos os actos das suas obrigações militares!!

Eis aqui a noticia abreviada do que se passou.

Agora as providencias tomadas pelo governador geral, para reprimir esta escandalosa insubordinação, constam do officio de 19 de abril, que acabo de receber, e que vou ter á camara, pois que por elle tomará mais exacto conhecimento do acerto com que procedeu este digno funccionario.

«Ill.mo e ex.mo sr. — Tenho a honra de levar ao conhecimento do governo de Sua Magestade o seguinte:

«No dia 15, ás dez horas da manhã, recebi um officio do chefe do Ambriz, o capitão Leite Mendes, escripto em termos inquietantes e de grave alcance, em que este official me communicava a revolta do seu batalhão na noite do dia 9.

«A noticia havia-me chegado ao conhecimento muito tarde, como se vê pelas datas....

«Não havia pois tempo a perder: e visto não se achar no porto a corveta D. Henrique, mandei apromptar a canhoneira Guadiana, afretei o vapor Andrade, da companhia do Quanza, e na noite d'esse mesmo dia partia para o Ambriz, levando commigo 140 homens, que tantos julguei necessarios para contrapor á força do batalhão sublevado, cujo effectivo se compunha de 180 a 200 homens.

«Chegando ao Ambriz mandei que na manhã do dia 17 formasse toda a força na fortaleza, e descendo ali, exhortei o batalhão sublevado, restitui-lhe o commandante que estava virtualmente deposto, e mandei em continente castigar, seguindo as formulas legaes, e precedendo o devido processo, os principaes cabeças do motim á frente do batalhão. O exito foi completo, e eu tenho a consciencia, ex.mo sr. de haver feito um bom serviço á ordem publica, etc..»

É verdade, senhores, fez, como elle diz, um bom serviço á ordem publica o governador geral de Angola, e nós devemos aqui louvar a decisão e a coragem com que elle acudiu logo com a sua pessoa a reprimir uma revolta indigna, cujas circumstancias determinantes o governo ha de averiguar com particular empenho, quer ellas sejam peccados de commissão, quer sejam de omissão, para dar a todos os responsaveis a demonstração que merecerem, porque é um facto que se recommenda á maior severidade (muitos apoiados).

O sr. Barros e Cunha: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se me dá a palavra.

O sr. Presidente: — Devo lembrar que tanto o projecto que se discute, como o que se lhe ha de seguir immediatamente era discussão, são projectos de fazenda que a camara deseja discutir urgentemente. E alem d'isso, antes de submetter á votação da camara o seu requerimento, é preciso que o sr. deputado declare o assumpto sobre que deseja fallar.

O sr. Barros e Cunha: — É para tratar d'este mesmo objecto, e parece-me que não ha nada mais urgente.(apoiados).

Vozes: —Falle, falle.

O sr. Presidente: — Em vista da manifestação da camara, tem a palavra o sr. deputado.

O sr. Barros e Cunha: — As explicações dó nobre ministro dispensam-me de roubar á camara o tempo que ella deseja applicar á discussão dos assumptos que estavam dados para ordem do dia. O que só tenho a lembrar ao governo, porque me parece que é opportuna a occasião, é que a revolta que foi apenas limitada, como o nobre ministro acaba de explicar, teve logar era uma paragem ou local em que estava completamente desarmado de todos os meios de defeza, e que se ella continuasse, em logar de ser de 291 libras o prejuizo causado a essa casa ingleza, podia ser de muitos milhares de libras.

A corveta D. Henrique estava no sul, e a canhoneira Guadiana estava tambem distante d'ali, e o primeiro navio que ali chegou foi o que o governador alugou.

Conheço o governador a que se referiu o nobre ministro, e sei que é um cavalheiro cheio de energia (apoiados). Confio em que elle não ha de deixar continuar esta insubordinação; mas o que lembro ao governo e á camara é que a segurança das nossas provincias ultramarinas precisa ser considerada com o cuidado que demandam, para não termos a lamentar acontecimentos muito mais deploraveis do que este (apoiados).

O sr. Presidente: — Continua a discussão do projecto n.º 24.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Tomo segunda vez a palavra n'este assumpto, porque realmente não posso, pela parte que me toca, como tendo alguma experiencia e pratica de negocios administrativos, deixar passar sem reparo a doutrina, a meu ver pouco orthodoxa, expendida ha pouco pelo sr. Mariano de Carvalho.

Diz s. ex.ª que «a doutrina apresentada pelo governo, referindo-se especialmente á parte do relatorio em que falla do districto de Bragança, estava concebida nos termos mais liberaes».

Não sei que se possa chamar liberal a um principio que ataca as leis vigentes do paiz; parece que é isso um liberalismo, com o qual não póde a camara concordar. Que seja mais liberal estabelecer um principio em harmonia com o que acaba de enunciar o sr. Mariano de Carvalho, de aecordo; se se trata de constituir direito aceito os seus principios, mas no caso presente trata-se de direito constituido. Emquanto existirem as leis que temos e que regem este assumpto, não posso achar liberal o que está em desharmonia completa com as suas disposições.

O artigo 212.° do codigo administrativo é terminante a este respeito. Diz elle (leu).

Por consequencia, na questao sujeita ha a examinar: 1.°, se foram preenchidas todas as formalidades legaes, depois das quaes o governador civil fica auctorisado para consultar em conselho de districto; 2.°, se o negocio era urgente.

Desde que se tenham dado estas circumstancias, nós não podemos negar a auctoridade devida á reclamação feita pelo governador civil de Bragança em conselho de districto.

Diz o illustre relator da commissão que nós retrogradavamos se fossemos aceitar esta doutrina. Então porque não apresenta s. ex.ª um projecto de lei para revogar este artigo do codigo administrativo? Eu votaria de boa vontade com pequenas modificações a sua doutrina, porque acho mais liberal a doutrina do illustre deputado; mas emquanto este artigo não estiver revogado, nós devemos seguir as suas disposições, e estas conferem ao governador civil a attribuição de consultar em conselho de districto, no caso em que a junta geral do districto se não reuna, preenchidas as devidas formalidades.

E esta disposição, que é uma excepção ao principio geral, é uma garantia, porque muitas vezes essas corporações, nas quaes é sabido que não ha a maior parte das vezes a diligencia devida, nem sempre se reunem, e era necessario providenciar de fórma que se obviasse a essa falta.

Por consequencia, entendo que é necessario considerar se se preencheram as formalidades estabelecidas no § 1.° do artigo 212.° do codigo administrativo.

Na minha argumentação tenho presupposto que essas formalidades foram preenchidas; mas eu não sei se o foram, porque, quando tratei de examinar os documentos que estão sobre a mesa com relação a este assumpto, não pude encontrar a reclamação do conselho de districto, ou do governador civil em conselho de districto, porque não se achava lá.

Abstenho-me portanto de fazer mais considerações; mas direi ainda que me parece que o illustre relator da com-

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missão não tem rasão quando quer argumentar que a junta póde ser obrigada a cumprir e a reunir-se, e que por isso, não póde ser substituida na fórma do artigo 212.° do codigo administrativo, porque a lei de 1862 falla só da consulta das juntas geraes. Primeiro que tudo a junta não póde ser coagida a reunir se, o que póde é ser-lhe applicada a penalidade por tal facto, quando não justificado, e póde dar-se a hypothese de não se reunir por motivo justificado.

Se não pudesse ser substituida, ficaria o districto privado dos beneficios da iniciativa á ella.

Pergunto pois ao illustre deputado se, não se reunindo a junta, não poderá ser substituida, se não competirá ao governador civil em conselho de districto prover do remedio á sua falta?

Isto é de primeira intuição.

Não ha lei nem disposição legal que auctorise a opinião do illustre deputado. Eu, pelo menos, não tenho conhecimento d'ella. E se o illustre deputado tem conhecimento de alguma disposição que faça tal distincção, peço-lhe que haja de a revelar á camara.

Em todo o caso, como já disse, eu argumento como se tivessem sido observadas as formalidades estabelecidas, na falta das quaes o governador civil do districto de Bragança podia proceder da maneira por que procedeu.

E com relação ao districto de Leiria subsistem os argumentos que apresentei.

Diz o illustre deputado que isto é um assumpto que pertence ás juntas geraes de districto. Está enganado; é meramente uma consulta; e por consequencia o governo póde, recebida a consulta, proceder como julgar conveniente.

S. ex.ª segue a opinião de que não é uma mera formalidade; e eu disse, repito e sustento, que é uma mera formalidade, mas essencial para a validade do acto, ouvir as juntas geraes, ficando em vigor o remedio do § 1.° do artigo 212.° do codigo administrativo, quando ellas se não reunam.

D'aqui, porém, não se segue que o governo, preenchida a formalidade, e seja qual for o sentido da consulta, não haja de proceder como entender mais conveniente para os interesses do districto (apoiados).

E é por isso que eu lastimei que as juntas geraes do districto de Vizeu, Evora e Villa Real não tivessem lançado as percentagens addicionaes ás contribuições.

(Áparte.)

Sim, senhor, lamento tambem que o governo não tenha, pela sua iniciativa, resgatado a falta que houve n'aquelles districtos.

Por consequencia eu insisto nas minhas observações, porque entendo que são fundadas e de tanta justiça que de vem ser tomadas em consideração.

Quanto ao districto de Leiria, creio que o sr. ministro póde mandar fazer na secretaria, o que é facilimo, me parece, uma conta da percentagem que dê em resultado a percentagem correspondente á quota fixa que deve pagar aquelle districto, para ser lançada n'esta tabella.

Quanto a s. ex.ª dizer que é contraproducente o argumento que apresentei de que a doutrina do artigo 212.°, § 1.°, não é applicavel á distribuição dos contingentes das contribuições de repartição, direi que o sophisma de s. ex.ª prova o seu muito engenho, e nada com referencia á nossa questão.

Esta excepção á disposição do artigo do codigo feita pelo decreto de 31 de dezembro de 1853, e outra legislação, confirma a regra geral. Se pois era mente do legislador não sujeitar á iei commum, promulgasse outra ou invalidasse aquella.

Esta excepção assim restricta ninguem dirá que deva applicar-se á hypothese em questão, desprezando a disposição generica.

Sr. presidente, a camara está impaciente por a questão politica e pouco lhe importa com estas bagatellas que se discutem, por isso termino aqui as minhas reflexões.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Marquez d'Avila e de Bolama): — Tenho ouvido com muita satisfação as observações que têem sido feitas pelo illustre deputado que acaba de fallar, pelo sr. Pequito e pelo sr. Mariano de Carvalho, porque tudo quanto s. ex.ªs disseram é a justificação do acto que pratiquei.

A verdade é que eu, apresentando esta proposta, fui inspirado pelas considerações que fez o sr. Mariano de Carvalho, e que o illustre deputado que acaba de fallar não contestou.

Entendi a lei no sentido mais liberal, e o sr. Francisco de Albuquerque reconheceu isso mesmo.

Quando tive a honra de gerir a pasta das obras publicas, procurei dar o maior desenvolvimento á viação municipal e á viação districtal. Quanto á viação municipal, achei a maior parte das camaras habilitadas para satisfazerem aos encargos que lhes eram commettidos; mas não aconteceu o mesmo com relação ás juntas geraes de districto.

Os srs. deputados que representavam os diversos districtos estavam constantemente a pedir estradas districtaes, o eu não me julgava auctorisado a manda-las fazer, porque as juntas geraes de districto não estavam habilitadas com os meios necessarios para isso.

Quando reuni as funcções de ministro do reino, procurei preencher immediatamente esta lacuna, mandando reunir sem demora as juntas geraes para proporem as percentagens que as habilitassem a satisfazerem aos encargos que lhes impunha a lei de 15 de julho de 1862.

Quanto a este ponto confesso que não esperava o resultado que obtive. Eu estava convencido de que todas as juntas geraes se apressariam em votar as percentagens que entendessem necessarias para a construcção das estradas que tinham a seu cargo. Esperava isso, francamente; mas aconteceu o contrario com relação a alguns districtos; e eu, não querendo prejudicar os outros, vim trazer esta proposta, acompanhada das consultas das respectivas juntas geraes.

Ora, o sr. Mariano de Carvalho, nas considerações muito sensatas que expoz, parece-me que exprimiu a intenção de mandar para a mesa uma proposta, pouco mais ou menos n'este sentido (leu).

Se a camara se conformar com esta disposição, que eu pela minha parte não acho difficuldade alguma em aceitar, fica preenchida esta lacuna.

(Áparte.)

Eu pela minha parte, confesso a verdade, não tenho repugnancia em aceitar o alvitre indicado pelo sr. Francisco de Albuquerque, se a camara o approvar; mas, na minha posição de ministro, e de ministro que pertence francamente á escola liberal, que respeita, como deve, as disposições da carta, entendo que em materia de impostos é necessario ser muito parco, e nunca dar ás leis uma interpretação latitudinaria, porque d'ahi podem resultar grandes abusos.

A lei de 15 de julho de 1862 diz expressamente que «as percentagens para a viação districtal são propostas ás côrtes pelo governo sobre consulta das juntas geraes»; esta lei é posterior ao codigo administrativo, e a disposição do codigo administrativo, quando manda substituir as juntas geraes pelos conselhos de districto, para o caso em que ellas não queiram exercer as attribuições que lhes são commettidas, não me parece que comprehenda a hypothese de que se trata; mas, se a camara resolver o contrario, não me opporei a isso.

O que eu não quero é tomar a responsabilidade de dar ás leis, em materia de impostos, uma interpretação mais lata do que me parece que ellas têem.

Quer a camara que os conselhos de districto substituam as juntas geraes para o effeito das percentagens sobre as contribuições predial, pessoal e industrial com destino á viação districtal? Não me opponho a isso; mas tome a camara a responsabilidade d'essa doutrina, e não parta ella da iniciativa do governo.

Espero que a camara respeite os meus escrupulos, porque

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se referem a uma materia muito importante, como é a iniciativa de impostos; porém não creio que seja materia em que nós possamos desunir-nos, e pelo contrario, porque to dos nós temos o mesmo pensamento, qual é dar o maior desenvolvimento possivel á viação districtal, mas nos termos legaes.

Portanto se a camara se conforma com a proposta do sr. Mariano de Carvalho, eu tambem a aceito.

E se a camara quizer que passe a doutrina de que, mes me para a distribuição d'esta contribuição, os conselhos de districto substituem as juntas geraes, aceitarei a sua decisão; mas, fallando francamente, eu julgo que em materia de impostos é necessario seguir estrictamente o espirito e a letra da lei.

A junta geral não quiz votar...

O sr. Francisco de Albuquerque: — Uma questão é não querer votar, outra é não se reunir.

O Orador: — São effectivamente hypotheses diversas.

Aqui ha tres hypotheses: primeira a das juntas geraes que nada votaram; segunda, a das juntas geraes que não se reuniram e foram substituidas pelo conselho de districto; terceira, a das juntas geraes que votaram uma quantia certa e determinada.

A lei citada de 15 de julho de 1862 determina que as juntas geraes de districto indiquem as percentagens de que carecem para prover ás necessidades da viação dos respectivos districtos; isto é uma questão importantissima, e eu peço á camara que a discuta com placidez.

Eu sinto estar tomando tempo á camara, mas persuado-me de que a camara, na presença das considerações feitas pelos illustres deputados e d'aquellas que eu tive a honra de submetter á sua apreciação, ha de querer que este parecer volte ás commissões para que o examinem; e n'esse caso eu pediria ás commissões que sem demora apresentas sem o seu parecer definitivo a este respeito.

Estou prompto a aceitar a resolução que as commissões propozerem no sentido de se dar a maior latitude ás juntas geraes de districto, para que esta grande necessidade publica se possa satisfazer.

Peço desculpa de ter tomado tanto tempo á camara; mas entendi que não devia deixar de o fazer para exprimir qual a opinião do governo a este respeito.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Mariano de Carvalho: -— Eu dizia ha pouco, e mantenho, que a disposição da lei de 15 de julho de 1862 é mais liberal do que a do codigo administrativo.

E o illustre deputado, o sr. Albuquerque, objectou-me que «não póde ser liberal um principio que ataca as leis do paiz, que está em desharmonia completa com a nossa legislação».

Pois a organisação administrativa dos Estados Unidos, ou a da Belgica, porque não está em harmonia com a nossa, não será liberal?

A feição liberal ou antiliberal de um principio ou de uma lei não depende da natureza da legislação do paiz em certa epocha. Depende unicamente da sua propria indole.

Pôde propor-se uma interpretação da lei, que seja muito liberal; e póde

propor-se uma interpretação que seja pouco liberal. A interpretação nada tem com o caracter proprio da lei.

Não será mais liberal o principio que dá completa liberdade de acção ás camaras municipaes, debaixo da fiscalisação do governo, que o principio que rouba a acção ás corporações locaes para da-la ao governo? E comtudo esse principio é contrario á legislação do paiz.

Mas se quizermos comparar os dois principios em discussão, então creio que a resposta da camara não póde deixar de ser a meu favor.

Pois qual é o ponto de divergencia?

Sustento eu que não admitto que o districto seja tributado para despezas locaes senão pelo voto da junta geral que o representa.

Sustenta o illustre, deputado, que seja tributado o districto pelo governador civil, que não representa o districto, porém o governo. Qual de nós sustenta idéas mais liberaes?

O sr. Francisco de Albuquerque: — Eu concordo que é mais liberal esse principio, mas em theoria.

O Orador: — Outra cousa, que s. ex.ª continua a sustentar, é que a consulta da junta geral é uma formalidade, e eu digo que não é tanto assim, porque sem ella nem o governo póde propor á camara, nem a camara póde votar.

O illustre deputado disse-nos depois que era uma formalidade essencial; de accordo.

(Interrupção do sr. Francisco de Albuquerque.)

Está claro, desde que é uma formalidade essencial, como s. ex.ª confessa,

chame-se-lhe embora formalidade, porque sempre fica essencial, e não se póde prescindir d'ella.

Sendo formalidade essencial, como s. ex.ª disse, se é facto que a junta geral do districto de Bragança não propoz cousa alguma, póde o governo propor e a camara votar uma percentagem sobre o districto para construcção de estradas districtaes, não sendo cumprida uma formalidade essencial? Não póde de certo, pelo menos emquanto não revogar a lei de 1862.

Quer a camara modificar a lei? Modifique-a, mas se entende outra cousa, escusamos de estar agora a cansar-nos em discutir, e por fim não se construir nem um palmo de estrada, sob pretexto de que se não construiram em dois districtos.

Quanto ás idéas do sr. Pequito, pela minha parte não voto de modo nenhum que as attribuições das juntas geraes de districto passem para os governadores civis em conselho de districto. Para mim o principio liberal e verdadeiro é, que impostos para despezas locaes votam-os as corporações locaes, e portanto não quero modificações na lei n'este ponto. E se tivesse de fazer uma lei como a de 1862, se me reconhecesse coro competencia para isso, havia de deixar á junta geral de districto a completa liberdade de proceder n'este caso, visto que a legislação vigente permitte ao governo alterar as propostas da junta geral, e eu não queria isso.

Não tenho mais nada a dizer, porque se a camara aceita a proposta que o sr. presidente do conselho leu, e que está em harmonia com as minhas idéas,

parece-me que ficam desfeitas todas as difficuldades propostas, e que podemos votar já este projecto sem necessidade de voltar ás commissões, avançando um grande passo no caminho do desenvolvimento da viação publica em estradas de segunda ordem.

O que peço á camara é que vote este projecto quanto antes, porque se querem aperfeiçoar a lei podemos ficar talvez sem nada (apoiados).

O sr. Pequito: — Não entro na questão relativa á competencia dos conselhos de districto para, no caso sujeito, substituirem as juntas geraes. No entretanto sempre direi que me parece que realmente não se póde admittir a substituição dos conselhos de districto ás juntas geraes, porque, alem de outras rasões, essa substituição está até em desharmonia com a lei de 15 de julho de 1862, a qual diz « que os addicionaes serão annualmente vatados em côrtes por lei, sobre proposta do governo, precedendo consuta das juntas geraes de districto». Por consequencia não me inclino á opinião de serem, para este fim, as juntas geraes substituidas pelos conselhos de districto.

As juntas geraes de districto têem necessariamente do indicar a percentagem...

(Interrupção do sr. Francisco de Albuquerque.)

As juntas têem obrigação de indicar a percentagem, têem obrigação de consultar...

(Interrupção do sr. Francisco de Albuquerque)

E quando o não façam, insisto em que o governo tem direito de as obrigar a consultar a tal respeito...

(Interrupção do sr. Francisco de Albuquerque.)

É sempre a mesma questão, a saber: se é ou não é obri-

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gatoria a disposição do artigo 30.° da lei de 15 de julho de 1862. Eu entendo que é obrigatoria (apoiados). Não se póde dizer que fica dependente do mero arbitrio das juntas geraes de districto indicar, ou não, as percentagens ás differentes contribuições que hão de ser applicadas para a construcção das estradas districtaes (apoiados).

A lei de 15 de julho de 1862 não deixou unicamente á vontade dos representantes dos municipios a construcção ou não construcção das estradas districtaes de que a mesma lei trata.

Esta lei considerou a construcção das estradas districtaes como um negocio de interesse publico geral (apoiados).

A disposição do artigo 30.° é obrigatoria, e a sua execução não ficou dependente da mera velleidade das juntas (apoiados). De outra maneira, dando a lei todo o arbitrio ás juntas, não se fariam as estradas se ellas não quizessem, ou senão quando ellas quizessem consultar a respeito da percentagem; não é assim, não póde ser assim (apoiados).

A lei diz:

«Haverá consulta, ou precederá consulta das juntas geraes.»

Porventura as juntas podem deixar de consultar? Não; se uma junta qualquer deixa de consultar, se alguma deixou de o fazer, se não indicou ou não indicar a percentagem, falta ao cumprimento da lei, infringe a lei (apoiados).

(Interrupção do sr. Francisco de Albuquerque.)

A lei manda consultar as juntas geraes de districto, e nenhuma junta póde subtrahir-se a essa consulta ou indicação da percentagem, porque sobre essa consulta ou indicação da percentagem é que assenta a proposta do governo.

Eu entendo que as juntas não podem fugir a esta indicação. Se as juntas geraes dos districtos de Villa Real, Evora, Vizeu, Bragança e Leiria procederam de outra maneira, entendo que o governo deve dizer a essas juntas: «Reunam-se para satisfazer ao preceito consignado no artigo 30.° da lei de 15 de julho de 1862, porque a necessidade de indicar a percentagem foi imposta pela lei».

Portanto, é dever das juntas indicar a percentagem, e sobre essa indicação o governo apresenta a respectiva proposta ás côrtes.

(Interrupção do sr. Francisco de Albuquerque.)

Se o governo alterar essa percentagem indicada pelas juntas, para mais ou para menos, fará mal, se para isso não tiver fortissimas rasões, porque as juntas geraes é que podem bem indicar a percentagem, por conhecerem melhor as forças tributarias dos respectivos districtos.

A junta diz: «Entendo que a percentagem d'este anno deve ser tanto»; se o governo propozer outra, sem motivos muito ponderosos, não obra com prudencia, porque o governo não póde saber melhor que a junta os recursos e circumstancias do districto. Agora, o que a junta não póde é dizer: «Entendo que não devo indicar nada para as estradas».

Não póde fazer isso, porque a lei de 15 de julho de 1862 é uma lei de interesse publico, e ordena que consulte a tal respeito, e que sobre essa consulta assente a proposta do governo.

Sei perfeitamente que as estradas districtaes são utilissimas, e penso que a lei fez bem em deixar ás juntas geraes de districto, que são as mais competentes para avaliar as posses dos contribuintes, a indicação da percentagem.

Mas estou persuadido de que n'este anno a maior parte d'ellas só compellidas pela convicção que tinham de que deviam satisfazer a uma obrigação que a lei lhes impunha, é que indicaram as percentagens.

Aqui, por exemplo, diz a junta geral do districto de Aveiro (leu).

Vem com todas estas considerações, e com ellas dá a entender que só por satisfazer á necessidade do cumprimento de uma obrigação impreterivel é que indica a percentagem de 2 por cento; indicando outras juntas, por motivos identicos ou analogos, percentagens ainda muito mais insignificantes.

Mas supponha v. ex.ª que era permittido ás juntas geraes indicar ou deixar de indicar a percentagem, não é muito provavel que a junta geral do districto de Aveiro e outras muitas fizessem o mesmo que a de Evora, Villa Real e Vizeu? Faziam o mesmo.

O motivo mais poderoso que as levou a indicar a percentagem foi o persuadirem-se que era um dever que a lei lhes impunha; foi o entenderem que esta disposição da lei era obrigatoria, e que não pertencia ás juntas geraes de districto a faculdade de a cumprir ou deixar de cumprir.

Eu entendo o assim tambem.

Estou de accordo com o sr. relator da commissão, em que ás juntas geraes é que pertence indicar a percentagem, e que é inconveniente que o governo a estabeleça quando não tenha indicações d'essas corporações.

A junta geral é o parlamento do districto, e portanto é quem póde indicar ao governo qual ha de ser a percentagem com que o districto ha de contribuir para a construcção das suas estradas; e não póde, segundo a determinação da lei, recusar-se a fazer essa indicação.

Ora o meu amigo, o sr. Mariano de Carvalho, diz que talvez isto se podesse remediar com um additamento, em que se declarasse que as juntas geraes dos districtos que não tinham indicado a percentagem ficassem encarregadas de a indicar depois.

Esse additamento parece-me inutil, porque as de Evora, Villa Real e Vizeu já declararam que entendiam não se dever pagar nenhuma, e por isso, ainda com mais segurança, outra vez dirão o mesmo, no que provavelmente serão imitadas pelas de Bragança e Leiria.

Se se estabelece o principio indicado pelo illustra deputado, então entendo que é do nosso dever ouvir segunda vez as outras juntas geraes, que, se tivessem supposto que estavam no seu direito de indicar, ou não, a percentagem, era possivel que se tivessem recusado á indicação.

É necessario que sejam ouvidas novamente; o, alem de necessario, é conveniente, e, até certo ponto, de manifesta justiça.

Agora pelo que respeita ao terceiro artigo, acho, até certo ponto, plausivel o argumento ou consideração apresentada pelo sr. Mariano de Carvalho, mas tão sómente com respeito ao caso que indicou.

Diz o artigo 3.° o seguinte:

«Quando em algum dos futuros annos economicos deixar, por qualquer motivo, de ser votada em côrtes a percentagem addicional, que, nos termos da lei de 15 de julho de. 1862, constitue receita ordinaria para a viação districtal,

entender-se-ha auctorisada para esse anno uma percentagem igual á votada pela ultima lei.»

Em primeiro logar isto póde trazer um grandissimo inconveniente com relação aos districtos que não estão incluidos na tabella, porque esses districtos ficariam, no caso supposto, sem indicação alguma de percentagem, visto que não estão incluidos na mesma tabella. É claro que, approvada esta disposição, se vier o figurado acontecimento extraordinario, que altere a marcha regular do serviço publico ou o exercicio annual das funcções legislativas, esses districtos ficam sem percentagem alguma votada para a construcção de estradas.

Em segundo logar, o exemplo que apresentou o illustre deputado o sr. Mariano de Carvalho é para um caso muito especial. Expoz s. ex.ª o caso, de que sobre esta percentagem se tenha levantado, ou se queira levantar, um emprestimo consideravel para fazer as estradas de um certo e determinado districto.

Diz o sr. Mariano de Carvalho, e com muita exactidão, que, não estando segura com esta providencia do artigo 3.° a satisfação dos encargos por meio de uma garantia n'esta percentagem, seria muitissimo difficil que o districto obtivesse por condições favoraveis emprestimo para realisar a feitura das suas estradas.

Se nós temos esse caso, qual a rasão por que não have-

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mos de estabelecer esta disposição come mera e simples excepção, sem duvidar da supposição legal de que os corpos legislativos funccionam, ou de que o governo cumpre o seu dever, supposição que realmente o mesmo artigo põe em duvida?

Effectivamente se é justo que quem dá dinheiro de emprestimo fique seguro de que ha de ser embolsado dos seus fundos com o juro respectivo, n'este caso embora se providencie para maior segurança, estabeleça-se esta disposição com relação a esse certo e determinado caso, mas não de modo que se dê a entender que se conta já com transtorno ou desordem nas funcções regulares dos poderes do estado. Pois não é da carta que o poder legislativo funccione por tres mezes, pelo menos, todos os annos? E funccionando, não tem o governo obrigação, segundo a disposição do artigo 30.° da lei de 15 de julho já citada, de apresentar-lhe annualmente uma proposta, como aquella em que está convertido este projecto?

Providencie-se pois, se assim se julga conveniente, para o caso especial indicado pelo digno relator da commissão, o sr. Mariano de Carvalho, mas só para esse caso, e não por um modo geral como faz o artigo. Para que este e o primeiro possam ser considerados com respeito ás indicações que tive a honra de apresentar á camara, parecia-me conveniente, adoptando o alvitre lembrado pelo sr. presidente do conselho, que o projecto voltasse á commissão. Esta verá se elle deve ser modificado nos pontos indicados, e apresentando-o de novo á camara (apoiados), estou inteira mente persuadido que ella não terá duvida em o approvar porque é de interesse publico, e d'esta maneira teremos considerado este assumpto, como, na minha humilde opinião, elle realmente merece.

O sr. Barros Gomes: — Tinha v. ex.ª dado para a primeira parte da ordem do dia de hoje a discussão de dois pareceres com os n.ºs 24 e 25.

Como a hora já está muito adiantada e a discussão do projecto n.º 24 talvez ainda tome muito tempo, porque, segundo julgo, ainda se não passou da generalidade, pedia a v. ex.ª que consultasse a camara sobre se consentia que entrasse desde já em discussão o projecto n.º 25, que se refere a uma questão importante que foi amplamente debatida n'esta casa do parlamento, sobre a qual todos nós temos a nossa opinião formada, rasão por que não nos será difficil proceder a uma votação immediata sobre as alterações que a camara dos dignos pares julgou dever introduzir na proposição de lei que estabelece a abolição dos privilegios de que desfructavam os estabelecimentos bancarios, sociedades anonymas e companhias.

Devo dizer a v. ex.ª que o sr. ministro da fazenda me auctorisou a declarar, por parte do governo, que este tambem julgava conveniente que entrasse desde já em discussão o parecer n.º 25.

Como estou com a palavra direi igualmente que, por descuido meu, como secretario que sou da commissão de fazenda e relator do parecer n.º 25, deixaram de figurar entre as assignaturas d'elle as dos srs. Pinto Bessa e Mello e Faro. S. ex.ª estavam presentes na commissão quando se discutiram as alterações ao projecto primitivo, e s. ex.ªs teriam assignado este parecer vencidos se eu o tivesse apresentado aos meus illustres collegas antes de o mandar para a mesa.

O sr. Presidente: — Os srs. deputados ouviram o requerimento feito pelo sr. secretario da commissão de fazenda em nome d'ella, e creio que tambem em nome do governo, para a camara se occupar immediatamente do projecto n.º 25, que estava dado para a primeira parte da ordem do dia.

Os senborea que approvam que se passe desde já á discussão d'este projecto n.º 25, interrompendo-se a discussão do projecto n.º 24, tenham a bondade de se levantar.

Assim se resolveu.

Leu-se na mesa o seguinte

Projecto de lei n.º 25

Senhores. — Examinou a commissão de fazenda com diligente cuidado e attenção especial as alterações que a camara dos dignos pares julgou dever introduzir na vossa proposição de lei, que tem por fim abolir todos os privilegios de isenção de impostos concedidos a estabelecimentos bancarios, sociedades anonymas e companhias estabelecidas no reino e ilhas adjacentes.

Consistem essas alterações em substituir no começo do artigo 2.°, no § unico que lhe diz respeito, e no artigo 3.°, ás expressões «os lucros ou juros», as palavras «os juros e dividendos»; em acrescentar ao § unico do artigo 2.° a phrase «na conformidade das disposições consignadas na referida carta de lei»; em ampliar ás obrigações da companhia das aguas e á parte dos juros e dividendos provenientes de operações bancarias effectuadas no ultramar pelo banco nacional ultramarino as isenções marcadas no artigo 3.° da proposição de lei por vós approvada; e finalmente em introduzir em seguida a esse um novo artigo, 4.° na ordem, no qual se abrange, comprthendida em uma redacção mais geral, a parte ultima do artigo 3.º primitivo, que se referia aos lucros ou juros de companhias, resultantes do rendimento de predios sujeitos á contribuição predial.

Senhores: não deve a vossa commissão dissimular-vos a importancia d'estas alterações, algumas das quaes haviam sido por vós rejeitadas após uma ampla discussão, e muito especialmente quando taes alterações tendem a estabelecer favor ou privilegio, em materia cuja iniciativa, pelo artigo 35.° da carta constitucional, diz mais particularmente respeito á camara dos deputados;

Considerando porém que um desaccordo entre as duas casas do parlamento traria, como consequencia forçada, a necessidade da formação de uma commissão mixta;

Considerando que se acha muito proximo do seu termo o periodo ordinario da actual sessão legislativa, o que impediria talvez que essa commissão chegasse a constituir-se;

Considerando finalmente quanto importa evitar, embora não devesse n'esse caso ser-vos attribuida, a responsabilidade de não se converter em lei ainda n'este anno uma proposta, cuja iniciativa, bem recebida pela opinião publica, havia sido renovada por quatro administrações successivas; resultando d'esse novo adiamento, que o thesouro deixaria de perceber desde já um subsidio valioso, por causa de uma divergencia, em pontos de certo importantes, quando se consideram isoladamente, mas secundarios quando se toma em conta a generalidade das disposições consignadas na proposição de lei:

A vossa commissão de fazenda é de parecer que as alterações propostas pela camara dos dignos pares devem ser por vós approvadas.

Sala da commissão, em 20 de maio de 1871. = Anselmo José Braamcamp = José Joaquim Rodrigues de Freitas Junior (vencido) = Antonio Rodrigues Sampaio = Antonio Augusto Pereira de Miranda (com declarações) = Mariano Cyrillo de Carvalho (vencido) = João Antonio dos Santos e Silva = Eduardo Tavares = Alberto Carlos Cerqueira da Faria = João Henrique Ulrich = Alberto Osorio de Vasconcellos (vencido) = José Luciano de Castro Pereira Côrte Real = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens = Antonio Maria Barreiros Arrobas = João José de Mendonça Cortez = Henrique de Barros Gomes, relator.

Projecto do lei n.º 25

Artigo 1.° Ficam abolidos todos os privilegios de isenção

N.° 22-B

Alterações feitas pela camara dos pares na proposição de lei da camara dos senhores deputados, que tem por fim abolir todos os privilegios de isenção de impostos concedidos a estabelecimentos bancarios, sociedades anonymas e companhias estabelecidas no remo e ilhas adjacentes.

Artigo 1.° — Approvado.

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de impostos concedidos a estabelecimentos bancarios, sociedades anonymas, companhias estabelecidas no reino e ilhas adjacentes, precedendo accordo entre o governo e os interessados, quando a isenção tenha sido resultado de contrato oneroso, ficando o accordo dependente da sancção legislativa, se não couber nas attribuições do poder executivo.

Art. 2.° Os lucros ou juros dos estabelecimentos mencionados as artigo antecedente, não comprehendidos na hypothese do § unieo do artigo 34.° da lei de 22 de junho de 1867, e que se vencerem do 1.º de janeiro de 1871 em diante, ficam sujeitos á contribuição unica de 10 por cento.

§ unico. São comprehendidos nas disposições d'este artigo os lucros ou juros de bancos, companhias e sociedades anonymas, estrangeiras, de qualquer especie e natureza, com relação ás operações e transacções que aquelles estabelecimentos fizerem em territorio portuguez.

Art. 3.º Continua isenta d'esta contribuição a parte dos lucros ou juros proveniente de titulos de divida fundada, obrigações da companhia de credito predial, ou finalmente a que resultar de rendimento de predios sujeitos á contribuição predial.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 24 de dezembro de 1871. = Antonio Cabral de Sá Nogueira, presidente = Adriano de Abreu Cardoso Machado, deputado secretario = Domingos Pinheiro Borges, deputado secretario.

Art. 2.º Os juros e dividendos dos estabelecimentos mencionados no artigo antecedente, não comprehendidos na hypothese do § unico do artigo 34.º da lei de 22 de junho de 1867, que se vencerem do 1.° de julho de 1871 em diante, ficam sujeitos á contribuição unica de 10 por cento.

§ unico. São conoprehendidos nas disposições d'este artigo os juros e dividendos de bancos, companhias e sociedades anonymas estrangeiras de qualquer especie e natureza, com relação ás operações e transacções que aquelles estabelecimentos fizerem em territorio portuguez, na conformidade das disposições consignadas na referida carta de lei.

Art. 3.° Continua isenta d'esta contribuição a parte dos juros e dividendos provenientes de titulos de divida fundada, obrigações da companhia de credito predial, e da companhia das aguas, e das operações bancarias effectuadas no ultramar pelo banco nacional ultramarino..

Art. 4.° As disposições da presente lei não são applicaveis aos estabelecimentos bancarios, companhias e sociedades anonymas que já pagam impostos geraes ou especiaes, em virtude de quaesquer disposições legislativas.

Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 16 de maio de 187l. = Conde de Castro, vice-presidente, servindo de presidente = Visconde de Soares Franco, par do reino secretario = Eduardo Montufar Barreiros, par do reino secretario.

O sr. Presidente: — Está em discussão.

O sr. Mariano de Carvalho: — Peço a palavra.

O sr. Presidente: — Tem a palavra.

O sr. Mariano de Carvalho: — Sinto não poder partilhar dos encomios tecidos a favor dos membros da commissão de fazenda, que tiveram por exagerado sentimento de interesse publico a abnegação sufficiente para porem por um momento de parte as convicções e os principios. Não tive essa abnegação, não estou disposto a te-la, porque creio que um principio vale mais que um augmento de receita, aliás tão pequeno como aquelle que póde provir d'este projecto de lei (apoiados).

Não posso concordar com alteração alguma d'aquellas que foram votadas pela camara dos dignos pares, a não ser uma ao artigo 4.°; e não as admitto, até porque em materia de contribuições a iniciativa pertence a esta camara, porque não deve abdicar um dos seus fóros principaes.

A primeira alteração foi substituir as palavras «lucros e juros dos estabelecimentos bancarios, companhias, sociedades anonymas» pelas palavras «juros e dividendos».

Deve dizer se que não foi sem motivos, e muitos serios, sem prolongada discussão, que a coromissão de fazenda, e depois a camara, votaram pelas palavras «lucros e juros» em vez das palavras «lucros e dividendos».

Sabe toda a camara que os lucros de estabelecimentos bancarios e companhias têem ou podem ter dois destinos, parte é distribuida era dividendos aos seus accionistas, parte vae augmentar o fundo de reserva, acrescentando assim o capital bancario e facilitando o seu modo de acção.

A commissão de fazenda entendeu que devia tributar não só os lucros distribuidos como dividendos, mas os lucros que vão para fundo de reserva; a commissão procedeu assim por um sentimento de justiça e igualdade, que não póde ser contestado, principalmente sobre materia de impostos.

Um proprietario tira da sua exploração agricola n'um dado anno 2:000$000 réis, d'esses 2:000$000 réis emprega um nas suas despezas, o outro guarda-o para acrescentar o seu capital, a fim de melhorar as condições da sua exploração. O fisco importa-se porventura com o 1:000$000 réis que elle reservou? Não. O fisco tributa todo o lucro da agricultura, e assim procede tambem para a industria e para o commercio. Este principio está estabelecido em relação em todos os modos de industria, quer seja agricola, artistica ou commercial, e por isso não vejo rasão por que não se deva applicar aos bancos.

Os lucros dos bancos devem ser tributados como os dos fabricantes, dos agricultores e dos commerciantes. Portanto, quando a camara dos dignos pares substituiu a palavra dividendos á palavra lucros, parece-me que não olhou com toda a attenção, que elle merece, para o principio da igualdade de todos os contribuintes perante o imposto (apoiados).

As outras alterações feitas pela camara dos dignos pares referem-se ás obrigações da companhia das aguas, e ás operações bancarias effectuadas no ultramar pelo banco ultramarino.

Se tenho bem presente a discussão da camara dos dignos pares, se me occorrem fielmente as palavras do relatorio do parecer da commissão de fazenda d'aquella casa, não me parece que sejam muito justificadas as rasões produzidas tanto na discussão como no documento que citei.

A rasão que me parece se deu quanto ao banco ultramarino é que, tendo esse banco agencias estabelecidas nas provincias do ultramar, é ahi que devem ser tributados os lucros auferidos pelas mesmas agencias; e por conseguinte deve formular se legislação especial que os tribute.

Esta rasão não só não é consentanea com os principios de simplicidade e boa administração, mas nem tambem com o principio da igualdade de todos os contribuintes perante o imposto. O banco ultramarino tem a sua sede em Lisboa, aqui são apuradas as suas contas, aqui são ellas prestadas, aqui se estatue qual o dividendo que deve ser distribuido aos seus accionistas, aqui se verifica quaes os lucros que teve. E não será melhor principio de administração tributar todos os lucros do banco ultramarino em Lisboa, porque só em Lisboa se apuram, embora elles venham de diversas partes da monarchia? (Apoiados) Não será isto mais simples e racional do que tributar em Lisboa os lucros que o banco tira da sua administração geral em Lisboa e de

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qualquer agencia do reino, e tributar em cada uma das colonias os lucros que o banco d'ahi aufere? (Apoiados.)

Diz-se que deve haver legislação especial para tributar os lucros das agencias do banco ultramarino no ultramar. Pois n'esse caso, se a camara dos dignos pares quer essa legislação, vou mandar para a mesa um additamento ao presente projecto, propondo que sejam tributados no ultramar todos os estabelecimentos bancarios, companhias anonymas e sociedades de credito ou suas agencias que lá existam ou venham a existir, porque de outra maneira veja-se o que succede. O banco ultramarino gosava da isenção d'este imposto, nós vamos legislar extinguindo essa isenção emquanto ao continente e ilhas, e não legislâmos do mesmo modo emquanto ao ultramar; o resultado é que os lucros das operações bancarias, feitas pelo banco ultramarino no continente e ilhas, ficam sujeitos ao imposto, e os lucros tirados no ultramar ficam isentos do imposto. É isto o que eu não quero, mas é o que se faz no projecto. E por isso, e porque haveria n'este ponto tambem infracção do principio da igualdade dos contribuintes perante o imposto, se porventura o artigo 3.° do projecto for approvado como está, mando para a mesa o seguinte additamento (leu).

D'este modo todos os lucros do banco ultramarino, ou de qualquer estabelecimento d'esta especie, ficam igualmente tributados, quer sejam auferidos no reino, quer no ultramar. De outro modo os lucros auferidos no reino são tributados, e quelles auferidos nas colonias escapam ao imposto (apoiados).

Parece-me que assim preencho o desejo manifestado pela camara dos dignos pares e não infrinjo o principio da igualdade dos contribuintes perante o imposto (apoiados).

Tambem me parece que se disse, que o banco ultramarino tinha um subsidio, e que esse subsidio lhe fôra tirado; conseguintemente como que se lhe dava uma especie de indemnisação, não tributando os lucros tirados pelo mesmo banco no ultramar.

Não aceito este modo de indemnisar. Ou o subsidio de 30:000$000 réis foi bem tirado ao banco ultramarino, ou não foi. Se foi bem tirado, não ha motivo para indemnisação nenhuma. Se foi mal tirado, restituam-n'o. Isto é o que entendo racional e logico, e não o ir dar indemnisações que não sabemos se são superiores ou iguaes ao subsidio abolido.

Em todo o caso, se julgam que houve prejuizo para o banco, e infracção de contrato feito com aquelle estabelecimento tirando-se-lhe o subsidio, restituam-n'o; mas não venham á sombra d'isso, a titulo de indemnisação pelo subsidio extincto, pedir uma isenção de imposto (apoiados).

Ha outra emenda feita na camara dos dignos pares, que se refere ás obrigações da companhia das aguas.

Não quero repetir de modo algum os argumentos produzidos n'esta casa em dezembro do anno passado por occasião da discussão do respectivo projecto.

N'essa occasião varios srs. deputados, entre elles o sr. relator, sustentaram com grandissima copia de rasões, que quanto a mim não podem de modo algum ser destruidas, que as obrigações não deviam ficar isentas do imposto.

Succedeu de mais a mais que o sr. ministro da fazenda concordou completamente com as rasões apresentadas pelo illustre relator, e apoiou-as.

Seria portanto demasiada pretensão da minha parte vir renovar os argumentos tão bem apresentados então por s. ex.ªs, argumentos que estão presentes na memoria da camara, e esta não póde esquecer facilmente os espirituosos e scientificos discursos do nobre ministro da fazenda, nem os que pronunciou o sr. deputado por Santarem.

Grande maioria n'esta casa ficou convencida da perfeita justiça d'estes argumentos. Esta convicção não foi em mim abalada por nenhuns argumentos; mantenho-a hoje tão inteira e intacta como a tinha então.

Se acaso fosse licito isentar do imposto as obrigações da companhia das aguas, allegando que ella é de utilidade publica, proporia, e n'esse sentido apresentarei um additamento, que sejam isentas do imposto as obrigações de estabelecimentos bancarios, sociedades anonymas e quaesquer outras que se dediquem a emprezas de utilidade publica.

Se a utilidade publica é o motivo por que se quer isentar as obrigações da companhia das aguas da acção do imposto, o mesmo motivo deve excluir todas as outras companhias que se dediquem a emprezas de utilidade publica (apoiados).

Imagine v. ex.ª, por exemplo, que qualquer estabelecimento bancario, qualquer companhia representa os seus capitaes, parte em acções, parte em obrigações; este estabelecimento ou esta companhia, se é de utilidade publica, não póde ser tributada, se hão de ficar isentas do imposto as obrigações da companhia das aguas. Proceder de outro modo seria dar á companhia das aguas privilegios iniquos, que de modo algum se podem sustentar.

O additamento que mando para a mesa é o seguinte (leu).

Já que fallei da companhia das aguas, e visto estar presente o nobre ministro das obras publicas, aproveito o ensejo para chamar a attenção de s. ex.ª para este grave negocio.

A companhia, como v. ex.ª sabe, foi instituida pelo contrato de 2 de julho de 1867. Este contrato impunha á companhia diversas obrigações, que pela acção combinada da companhia e do governo não têem sido cumpridas.

É preciso, pelo interesse publico, e pelo respeito devido aos contratos, que o contrato seja religiosamente cumprido (apoiados).

Uma das primeiras condições a que a companhia estava sujeita, era que no praso de seis mezes se completaria o capital subscripto de 5.000:000$000 réis. Primeira infracção do contrato, porque esta condição não se cumpriu.

É verdade que n'esse contrato se prescreveu que, no caso de crise commercial extraordinaria ou de outra força maior, poderá ser prolongado este praso pelo governo por uma só vez.

Não me consta porém, nem li nos registos commerciaes, que em 1867 houvesse crise commercial extraordinaria ou caso de força maior; mas o que é verdade, e uma triste verdade, é que em 31 de dezembro do mesmo anno foi prorogado o praso para a companhia se constituir até 15 de fevereiro; e a final por decreto de 2 de abril julgou-se a companhia constituida por estar subscripto o capital de 5.000:000$000 réis. Este capital foi representado metade em acções, metade em obrigações; e se exceptuarmos agora do imposto as obrigações, fazemos um beneficio simples aos portadores das mesmas obrigações.

Sabe-se que o capital é de 5.000:000$000 réis; imagine-se que o lucro d'este capital é de 7 por cento: esse lucro seria de 350:000$000 réis e o imposto produziria 35:000$000 réis. Sendo, porém, representado metade do capital em acções e metade em obrigações, os lucros repartem-se pelos portadores de umas e outras; e portanto, é só tributada a metade distribuida pelas acções. O estado, em vez de cobrar 35:000$000 réis, obtem apenas metade, e faz-se aos accionistas da companhia um beneficio simples de 17:500$000 réis, ou maior, quando os lucros forem maiores. É um beneficio simples aos portadores de acções, só porque a companhia das aguas não se constituiu como devia constituir-se para maior segurança sua e do publico.

Outra obrigação da companhia era que seis mezes depois de constituida deveria começar a apresentar os estudos dos trabalhos que tinha de executar; que para a apresentação de todos os estudos tinha o praso de um anno; que tres mezes depois de approvados os projectos os começaria a executar; que no praso de trinta mezes teria as obras em meio; e que passados quarenta e oito mezes estariam em Lisboa as aguas do rio Alviella, na quantidade pelo menos de 30:000 metros cubicos, que se reputavam necessarios para uso pessoal, limpeza e aceio da capital.

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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Quer v. ex.ª saber o que succedeu? Estamos hoje a 22 de maio de 1871 e ainda não foram approvados os estudos para as obras do rio Alviella: não começaram as obras e não está concluido o que já o devia estar ou muito proximamente. Quer a camara saber o modo por que se tem conseguido isto sem infracção clara do contrato e como se propõe continuar? É a companhia das aguas no seu relatorio de 1870 que aconselha ao governo o modo de se infringir a lei.

No contrato foram marcadas as epochas em que deviam começar as obras e terminar; mas não se marcou praso definido para o governo approvar os estudos.

E quer v. ex.ª saber qual é o subterfugio que a companhia recommenda ao governo para nunca começar as obras? É este:

«O contrato de 27 de abril está confirmado por lei e só por lei póde ser revogado.

«Mas o governo não tem n'elle praso fixado para a approvação completa dos estudos do Alviella; e póde por isso odiar a approvação d'esses estudos, no todo ou em parte, se esse adiamento lhe parecer de interesse publico.»

Portanto, por este modo póde ser isenta a companhia das aguas de emprehender as obras do rio Alviella.

É a companhia que aconselha o governo a que vá adiando a approvação dos estudos, porque assim economisa o dispendio de capitães importantes, embora soffra com isso toda a capital e sejam prejudicados a saude e vida de nós todos.

Como está presente o sr. ministro das obras publicas, recommendo a s. ex.ª que ponha ponto n'estes successivos adiamentos.

A companhia propõe no ultimo relatorio diversos expedientes para substituir o canal do Alviella. Adopte s. ex.ªs qualquer alvitre aceitavel, mas traga-o francamente á camara, e ponha-se termo n'estes adiamentos illegaes, indefinidos e impossiveis. Que a companhia vá ao Alviella ou não vá pouco importa, comtanto que de qualquer modo abasteça a cidade.

A companhia das aguas, por uma infracção manifesta do seu contrato de 2 de julho do 1867, em 1869 obteve o adiamento de um anno para poder apresentar os seus estudos. Foi-lhe concedido o adiamento em 10 de agosto de 1869, o foi tão bem calculado, tão bem definido, que no dia 9 de agosto do anno de 1870, exactamente quando terminou o praso de um anno, foi que os estudos ficaram concluidos e que poderam ser apresentados ao governo.

Á vista d'este facto, digo que a engenheria do nosso paiz é superior em conhecimentos e habilidade previsora á engenheria de todos os paizes do mundo!

Não ha em nenhum paiz um corpo de engenheria tão habil em previsões e tão habilitado para calcular quanto tempo deve levar qualquer trabalho, que possa com antecipação de um anno determinar que taes estudos hão de levar um anno exactamente, sem mais um dia nem menos um dia, nem mais uma hora nem menos uma hora, nem mais um instante nem menos um instante.

Concedeu-se-lhe um anno e a companhia gastou exactamente um anno em acabar estes estudos; tem decorrido perto de outro anno, desde 9 de agosto de 1870 até hoje, 22 de maio de 1871, e ainda não foram começados os trabalhos.

A companhia insta com o sr. ministro das obras publicas, para que se decida entre quaesquer dos expedientes que ella propõe. Pois traga s. ex.ª á camara uma proposta de lei para auctorisar o governo a aceitar qualquer expediente.

Mas não póde nem deve aceitar este conselho de adiamentos illegaes, nem ir adiando, emquanto a companhia faz experiencias e emquanto chama de França um védor para descobrir aguas que os nossos engenheiros já tinham descoberto. Isto não póde continuar, nem se deve permittir.

Concluo, declarando que de modo nenhum posso votar as alterações propostas pela camara dos dignos pares, as quaes são explicitamente condemnadas pela commissão de fazenda.

A rasão que a commissão dá para aceitar estas alterações, é que nos falta o tempo para votar um projecto de que deve resultar o augmento da receita publica.

Creio porém que o tempo não falta, e que nós temos ainda praso sufficiente para se reunir uma commissão mixta, que resolva este assumpto como for de justiça.

E, ainda que faltasse, antes queria que o estado prescindisse de 100:000$000, 200:000$000 ou 300:000$000 réis, do que fosse violado um principio, que tanto devemos respeitar, como é o da igualdade do imposto, ou de que fossem invadidas attribuições essenciaes da camara popular.

Se a camara quer passar por debaixo das forcas caudinas do banco ultramarino ou do outro qualquer estabelecimento ou companhia, passe muito embora. Eu é que não vou por esse caminho.

Mando para a mesa as minhas propostas.

Leram-se na mesa e são as seguintes:

Propostas

No caso de ser approvado o artigo 3.° do projecto de lei em discussão, proponho:

Que em additamento se declare ficarem igualmente isentas as obrigações de qualquer banco ou companhia instituida para fins de utilidade publica;

Que depois do artigo 4.º se acrescente o seguinte:

Artigo 5.º As disposições da presente lei são applicaveis aos estabelecimentos bancarios, sociedades anonymas e companhias estabelecidas nas provincias ultramarinas, bem como ás agencias nacionaes ou estrangeiras de estabelecimentos, sociedades anonymas e companhias estabelecidas nas mesmas provincias.

Sala das sessões, 22 de maio de 1871. = Mariano Cyrillo de Carvalho.

Foram admittidas.

O sr. Rodrigues de Freitas: — (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Julio do Carvalhal para antes de se encerrar a sessão.

O sr. Julio do Carvalhal: — Cedo da palavra.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é, na primeira parte, a continuação da discussão d'este projecto; e na segunda parte, em que se entrará ás duas horas, a discussão do orçamento do ministerio da marinha.

Está encerrada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

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