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842 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

carrego-me de fazer sciente o meu collega dos desejos do illustre deputado e estou certo que dentro em pouco virá á camara antes da ordem do dia, para responder a quaesquer perguntas que s. exa. deseje fazer sobre o assumpto.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão dos projecto de lei n.° 10 «bill» de indemnidade

O sr. Luciano de Castro: - De tal maneira tenho andado arredado dos debates parlamentares n'esta sessão legislativa, que facilmente v. exa. comprehenderá com quanto esforço e com quanta repugnancia me acerco da tribuna já illuminada pelos explendores de tão primorosa e galharda eloquencia como aquella que irradia dos brilhantes discursos parlamentares que têem sido pronunciados nos ultimos dias.
Não me animam nem seduzem vaidades oratorias, nem me deslumbra a ambição de poder convencer a camara com os escassos subsidios da minha modestíssima palavra.
Uma só idéa me anima, um só proposito me inspira, e é o de protestar bem alto e bem energicamente, contra um dos mais graves e indesculpaveis attentados de que reza a historia constitucional do nosso paiz. (Apoiados.)
Sou um dos mais antigos membros d'esta camara. Durante o período da minha já longa carreira parlamentar, muitas e variadas dictaduras têem vindo aqui solicitar da benevolencia do parlamento a absolvição sacramental do bill de indemnidade, allegando pouco mais ou menos os mesmos fundamentos, os mesmos motivos de interesse publico, e invocando como sua desculpa a suprema rasão da salvação do estado. E todas ellas têem sido absolvidas generosamente com aquella latitudinaria e proverbial indulgencia que as nossas camaras põem sempre á disposição e ao serviço de todos os ministerios que presidem á sua eleição.
E por tal maneira andamos habituados a este consuctudinario desprezo de constituição e das boas regras, que já quasi não estranhámos a constante invasão das attribuições parlamentares, e só por mera satisfação ás fórmas legaes nos occupâmos em discutir e votar a tardia e facil sanação d'estas vulgarissimas irregularidades da administração do estado.
O legislar em dictadura é quasi doutrina corrente entre nós. Como que entrou na jurisprudencia constitucional do reino, como um arresto mais ou menos tolerado e aproveitado por todos. Faz parte integrante dos nossos costumes políticos, e bem póde dizer-se que tomou assento definitivamente no direito publico portuguez.
As dictaduras entre nós fazem-se com a mesma descerimoniosa facilidade com que se lavra uma portaria, (Apoiados.) ou se expede um decreto sobre qualquer assumpto de somenos importancia. (Apoiados.)
É o costume da terra, como diria o sr. Dias Ferreira que sinto não ver presente n'este momento. É uma praxe consentida pela tolerancia dos nossos parlamentos. É um habito e uma diversão; é um capricho auctoritario e uma propensão humoristica dos nossos governantes. (Apoiados.)
Os nossos governos fazem dictaduras, não porque ellas sejam precisas, não porque alguma necessidade imperiosa o exija, mas porque é de bom tom fazel-as, porque é necessario affirmar a supremacia de um homem ou de um partido sobre a magestade das leis.
Fazem-se dictaduras porque se fizeram uma, duas, muitas vezes, e não é conveniente deixar quebrar ou interromper a tradicção indigena.
N'estas condições já vê v. exa., sr. presidente, como é facil ser-se dictador entre nós.
Estes factos são tristes, são deploraveis, são dignos de lastima, mas são verdadeiros. (Apoiados.) Eu estou, para assim dizer, lendo á camara algumas paginas da nossa historia constitucional. (Apoiados.)
Póde affirmar-se que entre nós muitas vezes tem o governo a dictadura do que a constituição do estado.
É tão avultado o numero dos dictadores, que se póde dizer que são tantos os dictadores quantas as personalidades, mais ou menos eminentes, que têem passado ou perpassado pelas cadeiras do poder.
É uma grande legião.
É uma galeria extensa.
Felizmente para mim, eu não pertenço a essa galeria, porque nunca associei o meu nome, que me lembre, a nenhuma dictadura, salvo o decreto publicado pelo meu fallecido amigo o sr. Saraiva de Carvalho, para a reforma do ministerio das obras publicas, reforma que era imposta por urgencias indeclinaveis de serviço publico, e pela necessidade de restabelecer a legalidade n'aquelle ministerio.
Pois, sr. presidente, apesar de serem tão frequentes entre nós as dictaduras, como acabo de dizer á camara, nenhuma descubro que possa igualar-se á actual, não só pela doutrina sobre que legislou, mas tambem pelas circumstancias que a acompanharam.
Parecidas, similhantes, mais ou menos proximas, ha algumas; precisamente igual não conheço nenhuma.
Por exemplo, a dictadura exercida pelo ministerio presidido pelo fallecido Antonio Rodrigues Sampaio em 1881, foi muito parecida com esta.
Então, como agora, nenhum interesse do serviço publico exigia que o governo assumisse a dictadura. A camara estava prompta a votar o orçamento em poucas horas. Mas o governo preferiu passar por cima do parlamento e desprezar o voto dos representantes da nação para decretar a cobrança dos impostos na ausencia do parlamento.
E a única dictadura que se me depara na nossa historia contemporanea, mais similhante a esta; perfeitamente igual ainda não é, porque ao menos a dictadura do sr. Sampaio era simplesmente para substituir uma lei annual, em quanto que esta foi para reorganisar um serviço permanente.
Em qualquer outro parlamento da Europa esta discussão seria simplesmente inverosímil. Não se permittiria a um governo, que sem nenhuma rasão, sem nenhuma circumstancia extraordinaria, sem nenhum plausível pretexto se antepozesse á representação nacional e decretasse, na ausencia do parlamento, uma reforma do exercito.
O governo que a taes demasias se abalançasse, acharia logo na opinião publica indignada o merecido castigo do seu acto, e poucas horas sobreviveria aos seus attrevimentos revolucionarios.
O proprio Bismark, o chanceller de ferro, aquelle famoso estadista cuja vontade e preponderancia não conhece limites, tem por vezes travado renhidas luctas com o parlamento, mas nunca deixou de respeitar a vontade da representação nacional depois de pronunciada. Uma vez vencido, renova, sim, as suas propostas, e tanto lucta e persiste até que vence; mas emquanto não vence, o chanceller inclina-se respeitoso diante da vontade do parlamento.
Ainda ha pouco tempo aquelle illustre estadista propoz á camara dos deputados a creação de um logar de sub-director da secretaria dos negocios estrangeiros, e empenhou na defeza d'essa idéa a sua palavra, os seus mais vigorosos esforços, os seus longos serviços e a sua dedicação pela patria.
Elle proprio defendeu a creação d'aquelle logar como indispensavel. Pois a votação do parlamento, apesar das boas rasões que formulou, foi-lhe contraria. E tal foi a impressão que esta resolução fez na Allemanha, que por toda a parte se organisaram subscripções publicas para offerecer ao governo os meios indispensaveis para costear a despeza que o parlamento recusava. O chanceller de ferro entendeu que seria faltar ao respeito devido ao parlamento o acceitar o producto d'aquella subscripção. Depois, passado algum tempo, renovou a sua proposta, e pela segunda vez foi rejeitada. Á terceira leitura, porém, tanto luctou