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SESSÃO DE 23 DE MARÇO DE 1886

Presidencia do exmo. sr. Pedro Augusto de Carvalho (supplente)

Secretarios os exmos. srs.

João José d'Antas Souto Rodrigues
Henrique da Cunha Matos de Mendia

SUMMARIO

Dá-se conhecimento de um officio do ministerio do reino acompanhando os processos relativos a duas eleições supplementares. - Tem segunda leitura e é admittido um projecto de lei do sr. Poppe. - Por parte da commissão de verificação de poderes manda para a mesa dois pareceres o sr. J. A. Neves, que pede e obtém dispensa do regimento para entrarem em discussão. - São ambos approvados, sendo em seguida proclamados deputados os srs. visconde de Pindella e D. Jorge de Mello. - Presta juramento e toma assento o sr. visconde de Pindella. - O sr. conde de Villa Real apresenta o diploma do deputado eleito por Villa Real e manda para a mesa uma representação. - Apresenta uai projecto de lei, de que pede a urgencia, o sr. Luciano Cordeiro. - É declarado urgente e enviado á commissão de guerra, ouvida a de fazenda. - O sr. Franco Frazão chama a attenção do governo para a situação em que se acha a classe dos mestres lagareiros. - Responde-lhe o sr. ministro da fazenda. - O sr. Lopes Navarro pergunta se já deu entrada no ministerio da justiça o processo de syndicancia ao juiz de Moncorvo. - Responde-lhe o sr. ministro da justiça. - O sr.- Neves Carneiro apresenta um pedido de auctorisação para que possa sair do reino o sr. deputado Luiz Ferreira de Figueiredo. - É concedida a licença. - A requerimento do sr. conde de Villa Real resolve-se que seja publicada no Diario do governo a representação que ha pouco apresentou. - O sr. Manuel José Vieira justifica as faltas do sr. Torres Carneiro.
Na ordem do dia continua a discussão do projecto de lei n.° 23 e o sr. ministro da fazenda responde largamente ao discurso proferido pelo sr. Consiglieri na sessão anterior. - Usa de novo da palavra o si. Consiglieri para responder ao gr. ministro. - Segue-se o sr. Lobo d'Avila, relator do projecto, que é depois combatido pelo sr. José Dias Ferreira, ficando ainda com a palavra reservada. - Trocam-se explicações entre os srs. Consiglieri e ministro das obras publicas sobre uma phrase que este proferira.- Levanta-se a sessão, dando-se para ordem do dia a continuação da que vinha para hoje e mais os projectos n.ºs 27 e 28.

Abertura - Ás tres horas e meia da tarde.

Presentes á chamada - 62 srs. deputados.

São os seguintes: - Adriano Cavalheiro, Agostinho Lucio, A. da Rocha Peixoto, Alfredo Barjona de Freitas, Silva Cardoso, Sousa e Silva, Garcia Lobo, A. J. da Fonseca, Lopes Navarro, Moraes Sarmento, Fontes Ganhado, Carrilho, A. M. Pedroso, Santos Viegas, Pinto de Magalhães, Augusto Poppe, Neves Carneiro, Bernardino Machado, Lobo d'Avila, Conde da Praia da Victoria, Conde de Villa Real, Estevão de Oliveira, Fernando Geraldes, Francisco de Campos, Castro Matoso, Wanzeller, Frederico Arouca, Guilherme de Abreu, Matos de Mendia, Costa Pinto, Baima de Bastos, Franco Frazão, J. C. Valente, Searnichia, Souto Rodrigues, Sonsa Machado, J. A. Neves, Ponces de Carvalho, Simões Ferreira, Correia de Barros, Azevedo Castello Branco, Dias Ferreira, Elias Garcia, Figueiredo Mascarenhas, Oliveira Peixoto, Luciano Cordeiro, Luiz Dias, Luiz Jardim, M. J. Vieira, M. P. Guedes, Marcai Pacheco, Mariano de Carvalho, Guimarães Camões, Pedro de Carvalho, Santos Diniz, Barbosa Centeno, Dantas Baracho, Pereira Bastos, Vicente Pinheiro, Visconde das Laranjeiras, Visconde de Pindella e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Moraes Carvalho, António Cândido, Pereira Borges, Cunha Bellem, Jalles, Sousa Pavão, Almeida Pinheiro, Barão do Ramalho, Ribeiro Cabral, E. Coelho, Elvino de Brito, Emygdio Navarro, Goes Pinto, Francisco Beirão, Barros Gomes, SantAnna e Vasconcellos, J. A. Pinto, Joaquim de Sequeira, Avellar Machado, Laranjo, José Luciano, Simões Dias, Lourenço Malheiro, Reis Torgal, Manuel d'Assumpção, Pinheiro Chagas, Martinho Montenegro, Miguel Dantas, Gonçalves de Freitas, Rodrigo Pequito, Tito de Carvalho e Visconde de Ariz.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Lopes Vieira, Garcia de Lima, Albino Montenegro, Torres Carneiro, Pereira Côrte Real, Antonio Centeno, António Ennes, Moraes Machado, Seguier, A. Hintze Ribeiro, Urbano de Castro, Augusto Barjona de Freitas, Fuschini, Pereira Leite, Avelino Calixto, Barão de Via-monte, Caetano de Carvalho, Sanches de Castro, Carlos Roma du Bocage, Conde de Thbmar, Cypriano Jardim, Sousa Pinto Basto, Fernando Caldeira, Filippe de Carvalho, Firmino Lopes, Vieira das Neves, Correia Barata, Mártens Ferrão, Silveira da Mota, Augusto Teixeira, Melicio, Franco Castello Branco, João Arrojo, Teixeira de Vasconcellos, Ferrão de Castello Branco, J. Alves Matheus, J. J. Alves, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, Ferreira de Almeida, Borges de Faria. Lobo Lamare, Pereira dos Santos, Ferreira Freire, José Maria Borges, Pinto de Mascarenhas, Luiz Ferreira, Luiz Osório, M. da Rocha Peixoto, Correia do Oliveira, Manuel de Medeiros, Aralla e Costa, Miguel Tudella, Pedro Correia, Visconde de Alentem, Visconde de Balsemão, Visconde de Reguengos, Visconde do Rio Sado e Wcnceslau de Lima.

Acta - Approvada sem reclamação.

EXPEDIENTE

Officio

Do ministerio do reino, remettendo os processos relativos ás eleições de deputados pelos circulos n.ºs 14 (Villa Real) e 76 (Belem).
Á commissão de verificação de poderes.

Segunda leitura

Projecto de lei

Senhores. - O actual circulo de Villa do Conde, comprehendendo os dois concelhos de Povoa de Varzim e Villa do Conde, abrange uma população de 42:764 habitantes, com 10:603 fogos.
Não são harmonicos os interesses dos dois concelhos, antes por vezes se têem suscitado conflictos entre os desejos e aspirações dos seus habitantes, o que torna difficil ao representante do circulo o defender os interesses de um concelho, sem prejudicar os do outro.
N'estas circumstancias antolha-se de reconhecida justiça o preceituado na lei eleitoral de 1859, que constituía um circulo em cada um dos concelhos de Villa do Conde e Povoa de Varzim, e portanto sujeito á vossa apreciação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É dividido em dois o circulo uninominal de Villa do Conde, ficando um constituido pelo concelho de Villa do Conde, e o outro pelo concelho de Povoa de Varzim.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, em 22 de março de 1886. = O deputado, Augusto Poppe.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de administração publica.

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REPRESENTAÇÃO

Da associação transmontana de instrucção e beneficencia, pedindo para ser approvado o projecto de lei relativo ao caminho de ferro do valle do Corgo.
Apresentada pelo sr. deputado conde de Villa Real, enviada á commissão de obras publicas e mandada publicar no Diario do governo.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro que, com a possivel brevidade, pelo ministerio das obras publicas, seja enviada a esta camara:
1.° Uma relação nominal dos indivíduos que desde 1 de julho de 1885 requereram entrar na quinta regional de Cintra para ali frequentar o curso de regentes agricolas;
2.° Quaes os admittidos desde essa epocha até hoje, com a data da sua admissão.
3.° Quaes as pessoas ou corporações que custeiam a despeza de sustentação, que com estes alumnos se faz.
O deputado pelo circulo n.° 82, Antonio Mendes Pedroso.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

Declaro a v. exa. e á camara que o meu nobre collega e amigo Torres Carneiro não tem podido comparecer, e faltará ainda a algumas sessões por motivo de doença. = O deputado, Manuel José Vieira.
Para a acta.

O sr. Mendes Pedroso: - Mando para a mesa um requerimento, pedindo, pelo ministerio das obras publicas, diversos esclarecimentos com respeito aos individuos que desde 1 de julho de 1885 requereram para entrarem na quinta regional de Cintra como alumnos do curso de regentes agrícolas.
Vae publicado a pag. 694.
O sr. J. A. Neves: - Mando para a mesa dois pareceres da commissão de verificação de poderes. Um d'elles refere-se á eleição de Braga, por onde foi eleito o sr. visconde de Pindella, e o outro do circulo de Belém, cujo deputado eleito foi o sr. D. Jorge de Mello.
Ambos estes pareceres concluem pela approvação das respectivas eleições.
Peço a v. exa. consulte a camara se, dispensando o regimento, permitte que elles entrem desde já era discussão.
Assim se resolveu.
Leu-se na mesa o seguinte:

PARECER

Senhores. - Á vossa commissão de verificação de poderes foi presente o processo eleitoral do circulo n.° 76.
Obtiveram votos os seguintes cidadãos:

D. Jorge de Mello .... 1:284 votos
José Jacinto Nunes .... 11votos
José Joaquim de Almeida .... 3 votos
Manuel Raymundo Valladas .... 3 votos
Ignacio José Franco .... 1 voto
Antonio Dias Perdigão .... 2 votos
Ignacio Augusto Franco .... 1 votos

E porque o processo eleitoral correu com a divida regularidade, é de parecer que eleição seja approvada e proclamado deputado o cidadão D. Jorge de Mello, que apresenta o seu diploma em fórma legal.
Sala da commissão, 22 de março da L886. = Pereira Leite = Firmino João Lopes = J. A. Neves = Frederico Arouca = Moraes Carvalho.
Não havendo quem pedisse a palavra, foi posto á votação e approvado.
Leu-se o seguinte

PARECER

Senhores. - Á vossa commissão de verificação de poderes foi presente o processo eleitoral do circulo n.° 5, Braga.
Obtiveram votos os seguintes cidadãos:

Visconde de Pindella .... 8:304 votos
Augusto Manuel Alves da Veiga .... 3 votos
José de Azevedo Cardoso Barreto .... 1 votos

E porque o processo eleitoral correu com a devida regularidade, é a vossa commissão de parecer que a eleição seja approvada e proclamado deputado o visconde de Pindella, que apresentou o seu dipoma em fórma legal.
Sala da commissão, 22 de março de 1886. = J. A. Neves = Pereira Leite = Firmino João Lopes = Frederico Arouca = Moraes Carvalho.
Foi approvado sem discussão.

Foram proclamados deputados da nação os srs. visconde de Pindella e D. Jorge de Mello.
O sr. Presidente: - Constando-me que está nos corredores d'esta camara o sr. visconde de Pindella, convido os srs. deputados Vicente Pindella e Carrilho a introduzirem na sala aquelle cavalheiro.
Foi introduzido, prestou juramento e tomou assento.
O sr. Conde de Villa Real: - Mando para a mesa o diploma do deputado eleito pelo circulo de Villa Real.
Peço a v. exa. que o mande com urgencia á respectiva commissão.
Mando tambem uma representação da associação transmontana de beneficencia e instrucção, em que pede se proceda com urgencia á construcção do caminho de ferro do valle do Corgo.
Em presença das declarações que ha dias fez, nesta casa, o sr. ministro das obras publicas, julgo mais conveniente abster-me, por agora, de dirigir ao governo algumas perguntas sobre o assumpto, e aguardarei o resultado dos estudos a que mandaram proceder os capitalistas do Porto para apresentarem uma proposta definitiva.
A representação teve o destino indicado a pag. 694.
O sr. Luciano Cordeiro: - Mando para a mesa um projecto de lei assignado pelos srs. Alfredo Barjona, Bernardino Machado e por mini, que tem por fim minorar a sorte de um distincto official de artilheria, o sr. Alberto Julio de Brito e Cunha, victima de uma experiencia chimica a que estava procedendo.
Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se admitto a urgencia d'este projecto.
Foi votada a urgencia.
Leu-se na mesa. É o seguinte:

PROJECTO DE LEI

Senhores. - Um moço official do exercito, cujo amor ao estudo auspiciava um prestante servidor dos progressos da sciencia nacional, foi ha mezes victima de uma catastrophe originada exactamente pela sua dedicação aos traba-ihos e investigações scientificas.
Procedendo a perigosas experiencias, o tenente de artiheria Alberto Julio de Brito e Cunha foi victima da detonação de um preparado e ficou inteiramente cego.
É o moço official filho de uma familia que enormemente soffreu pela consolidação das instituições que regem o paiz, e seu avô, Antonio Bernardo de Brito e Cunha, cavalleiro professo de Christo e Conceição, e contador da real fazenda no Porto, foi aos quarenta e sete annos um dos suppliciados de 1829, soffrendo a morte na forca erguida na Praça Nova, pela tyrannia usurpadora.
Completando distinctamente o seu curso, o tenente Alberto Julio de Brito e Cunha entregou-se assiduamente a

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estudos e trabalhos chimicos e na expedição scientifica á serra da Estrella em 1881 manifestou as suas distinctas aptidões e a sua tenaz dedicação a esses trabalhos.
Não ha muito que o governo reformou um outra official do exercito, inutilisado para o serviço, por um triste incidente análogo, dispensando o tempo que lhe faltava para que podesse obter a reforma normal, assegurando assim a sustentação a um intelligente e digno servidor do estado.
Invocando estes factos, temos a honra de propor o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É auctorisado o governo, a reformar o primeiro tenente de artilheria, Alberto Julio de Brito e Cunha, com o soldo por inteiro, segundo a tarifa de 1814.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Março, 23 de 1886. = Luciano Cordeiro = Alfredo Barjona = Bernardino Machado.
Foi admittido, e enviado ás commissões de guerra e de fazenda.

O sr. Franco Frazão: - Pedi a palavra para chamar a attenção do sr. ministro da fazenda para uma classe de contribuintes que tem sido até hoje mal apreciada em seus proventos, e por isso opprimida pelos poderes publicos, e sobre a qual pesa um tributo, que não só é vexatorio, mas odioso, injusto e devastador; refiro-me á classe dos industriaes chamados mestres lagareiros, e assim conhecidos nas leis de contribuições industriaes.
Em 1872, quando se approvou o projecto de lei sobre contribuições industriaes, de que era relator o sr. Antonio José Teixeira, e que fixava a taxa da contribuição em réis 3$600, disse eu áquelle meu illustrado collega, que a taxa era, não só excessiva, mas impossivel como taxa fixa, que ella nunca deveria ser superior a 800 réis, porque de outra fórma era tão expoliativa, que não poderia ser paga pelos industriaes a quem era lançada, e os factos têem demonstrado bem claramente quanto eu tinha rasão.
Ha treze annos que a lei está em execução, e até hoje não tem abrangido senão uma pequena parte d'aquella classe de industriaes, victimas passivos de uma injustiça, de uma espoliação sem igual.
Consultando o annuario das contribuições directas de 1880-1881, cujos quadros synopticos nos revelam valiosos e interessantes factos tributários, publicação que faz honra ao presidente desta camara, (Apoiados.) encontramos os seguintes dados, que mostram á evidencia, quanta rasão eu tinha quando dizia, que a contribuição lançada áquella industria como taxa fixa nunca devia ser superior a 800 réis.
Em todo o paiz ha 4:062 lagares collectados, que têem cada um seu mestre lagareiro, vindo assim a ser 4:062 o numero destes industriaes a tributar, pois apenas 1:151 estão collectados e 2:911 não o estão, nem nunca o foram estando a lei em execução ha treze annos!
Que significa isto?
Significa que este imposto é por tal modo pesado, que não tem sido possivel em treze annos implantal-o no nosso paiz.
Sr. presidente, estes factos que eu tirei do bello livro organisado por v. exa., demonstram á evidencia, que este imposto é sobre todos os pontos absurdo e oppressivo, e como tal impossível de se implantar, como todos os impostos que espoliam em mais de 60 por cento os escassos rendimentos do desventurado contribuinte.
Em 1880 o sr. Barros Gomes, então ministro da fazenda, reviu e alterou as taxas da contribuição industrial, pois, em vez de diminuir considerável mente a taxa absurda applicavel aos mestres lagareiros, que era de 3$600 réis, elevou a 5$040 réis!
Veiu depois o addicional de 6 por cento, que ainda aggravou, ficando assim elevada a 5$342 réis!
A taxa de 3$600 réis, já altamente absurda, como vou demonstrar, foi já duas vezes aggravada, o que a tornou o maior despauterio tributario que existe na nossa legislação.
Cada vez mais me convenço, que o maior defeito das nossas leis é serem feitas por sábios theoricos, que não conhecem praticamente o paiz, e que o julgam por Lisboa, sem quererem ouvir os que, melhor do que elles, conhecem praticamente o modo de ser das provincias.
Quer v. exa. saber, sr. ministro da fazenda, quanto ganha, termo medio, um mestre lagareiro no exercício da sua industria, durante os dois mezes ou três que a exerce?
Póde ganhar, termo medio, 10 alqueires de azeite ou 120 litros, que vendidos a 1$300 reis cada 12 litros dão em dinheiro 13$000 réis, carece de um foto, que inutilisa durante o seu penoso trabalho, que lhe custa pelo menos 5$000 réis, restam-lhe 8$000 réis, tendo de pagar ao estado da sua industria 5$342 réis (quasi 70 por cento do seu rendimento), ficam-lhe 2$658 réis, ganhos em dois mezes de trabalho improbo, e restam-lhe ainda a pagar as contribuições ao districto e ao municipio!!
Aqui tem v. exa. as rasões que condemnam a taxa absurda, e justificam o mappa junto, que eu pude formular em vista dos dados estatísticos do annuario das contribuições directas de 1880-1881 pag. 82 e 88.

Contribuição industrial

[Ver tabela na imagem]

A taxa de 5$342 réis de contribuição industrial imposta aos mestres lagareiros é absolutamente prohibitiva da industria, e por isso nos ultimos sete districtos do mappa junto, quasi todos do norte do paiz, havendo 1:008 fabricantes de azeite collectados, devendo haver igual numero de mestres lagareiros collectados, não ha um só; nos três districtos que occupam o centro do mappa, ha 569 donos de lagares de fazer azeite collectados, devendo haver igual numero de mestres lagareiros collectados, apenas 90 estão e 560 por collectar, nos restantes sete districtos, devendo haver 2:485 mestres lagareiros collectados apenas 1:420 estão, ficando por collectar 1:343.
De tudo isto se conclue, que apesar do zelo indiscutível dos empregados de fazenda, durante 13 annos, não poderam lançar a mais do que um terço dos industriaes esta contribuição, e só nos districtos do reino, que soffrem todos os vexames sem se queixarem.
E não poderam, porque a taxa é absurda e espoliativa.
No sul do reino, os collectados, não podendo pagar o tributo, negaram-se a servir os lagares, e os fabricantes de azeite, para não verem perdido o seu genero por falta de

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mestres lagareiros, escolheram de dois males o menor, obrigaram-se a pagar parte ou toda aquella contribuição.
É o dilemma do crê ou morre applicado á industria, transformado em paga ou morre.
Em alguns concelhos, o imposto de mestres lagareiros é lançado aos proprietarios dos lagares, e não aos lagareiros, Bem que haja lei que tal auctorise.
Isto tem-se feito no Fundão.
Este estado de cousas verdadeiramente injustificavel e absurdo, exije um remedio prompto, é o que eu venho pedir ao sr. ministro da fazenda.
Convencido como estou, que s. exa. tem grande desejo de ser justo e de acudir às classes desgraçadas, tenho como certo attenderá a minha petição.
S. exa. tem para isso nas leis do paiz os meios de acudir de momento, e por cobro a este grande mal, a esta grandíssima espoliação; para isso não carece de medidas legislativas, tem s. exa. a carta de lei de 10 de abril de 1875, que diz:
«Artigo 4.º O governo, depois de habilitado com os esclarecimentos necessários, póde reduzir provisoriamente, até que as côrtes provejam, e pelo modo que julgar mais apropriado, as taxas impostas a qualquer industria, profissão, arte ou orneio nas tabeliãs A e B, quando se reconheça que excedem a 10 por cento dos rendimentos presumíveis do contribuinte.»
Ora, sr. presidente, está perfeitamente n'este caso o facto que acabo de annunciar á camara.
Esta contribuição, alem de injusta e expoliadora, é desigual porquanto é só paga por uma parte do paiz.
Peço ao illustre ministro, que, tomando em consideração a alta justiça deste meu pedido, tome immediatamente as medidas precisas, para que acabe este vexame, que pesa sobre uma classe tão desgraçada.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Disse que o seu desejo de lidar pelo bem estar das classes menos favorecidas vem de muito longe. Devia lembrar-se o sr. deputado de que a abolição das collectas infimas da contribuição industrial fôra devida a uma proposta que elle, orador, apresentara á camara.
Quanto á questão dos lagareiros só podia prometter que havia de estudar o assumpto e tomar as providencias que julgasse conveniente.
O facto de ficarem livres aos lagareiros apenas 672 réis, parecia provar que o imposto recaía a final sobre os donos dos lagares, aliás o mesmo imposto era insustentavel.
Podia ser preciso acabar com o imposto, podia ser preciso fazel-o recair legalmente sobre os donos dos lagares, e podia mesmo haver um meio intermedio. Para saber o que conviria fazer carecia de estudar o assumpto, e a esse estudo ia proceder. Depois tomaria as providencias que lhe parecessem mais justas, usando das faculdades concedidas ao governo pela lei a que se referiu o sr. deputado.
(O discurso será publicado na integra quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Lopes Navarro: - Numa das sessões passadas, e em resposta a uma pergunta que eu lhe havia feito, disse nesta casa o sr. ministro da justiça que tinha ofiiciado ao magistrado encarregado da syndicancia aos actos do juiz de Moncorvo, a fim de que apressasse quanto antes a apresentação do seu relatorio. Ora, como depois d'isso já decorreram uns poucos de dias, desejava saber se effectivamente o relatório já foi apresentado, e, sem querer que s. exa. me diga desde já as providencias que tenciona tomar, desejava, comtudo, que o illustre ministro da justiça me dissesse ao menos se, pela conferencia que teve com o magistrado syndicante e pela leitura do relatorio, a syndicancia é ou não favoravel ao juiz syndicado.
Dizem-me taes cousas com relação ao modo como a syndicancia foi feita, que eu estou com immensos desejos de conhecer aã conclusões do respectivo relatorio, porque mal posso ainda crer no que se me assevera de uma maneira tão categorica e positiva.
Eu conheço perfeitamente o modo correcto, digno e prudente como o honrado magistrado do ministerio publico na comarca de Moncorvo sempre procedeu, para que alguem, que tambem deve ser digno e justo, tenha a coragem de o accusar.
O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - Em resposta ao illustre deputado, tenho a informar s. exa. de que o magistrado enviado pelo meu illustrado antecessor á comarca de Moncorvo já completou o seu relatorio, mas esse trabalho foi enviado para consulta á procuradoria geral da corôa, onde se acha ainda.
Não deu por isso até agora entrada na secretaria a meu cargo, mas logo que me seja presente tomarei as providencias que forem urgentes.
É o que tenho a dizer ao illustre deputado.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Neves Carneiro: - Por parte do sr. Ferreira Freire, mando para a mesa um pedido de auctorisação para sair do reino.
Peço a v. exa. que tenha a bondade de o submetter desde já á approvação da camara.
Leu-se na mesa a seguinte

Petição

Tendo-me encarregado o sr. deputado José Luiz Ferreira Freire, de apresentar á camara o seu pedido de auctorisação para sair fora do reino, por não poder vir fazer pessoalmente este pedido, requeiro que seja consultada a camara sobre se auctorisa esta saida. = A. Neves Carneiro.
Foi concedida a licença.

O sr. Conde de Villa Real: - Peço a v. exa. que consulte a camara, se permitte que a representação que mandei para a mesa seja publicada no Diario do governo.
Assim se resolveu.
O sr. Presidente: - Passa-se á

ORDEM DO DIA

Continua em discussão o projecto de lei n.° 23

O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Respondeu largamente ao discurso proferido pelo sr. Consiglieri na sessão anterior.
(Será publicado o discurso quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Consiglieri Pedroso: - Sr. presidente, não seguirei o sr. ministro da fazenda no tom alegre e brincão que acabou de dar á replica que tinha promettido ás minhas palavras de hontem; e não o faço, porque, apesar dos esforços de s. exa., continuo a considerar o assumpto demasiadamente serio, para que por parte, especialmente de um ministro da coroa, se faça d'elle objecto de motejos mais ou menos forçados, e de apreciações com pretensão a graciosas! Serei, pois, tão breve quanto possa, mesmo porque, ignorando que relação tem com o projecto que se discute a maior parte das divagações do sr. ministro da fazenda, não quero repetir outra vez os argumentos que já apresentei.
Basta-me demonstrar qual o valor das respostas, se respostas se podem chamar as palavras contrafeitas e confusamente alinhavadas, que o sr. ministro da fazenda acaba de oppor ao que eu disse na sessão de hontem.
E primeiro que tudo, sr. presidente, seja-me permittida uma declaração.
Não estranho que o sr. Marianno de Carvalho tivesse tomado para thema obrigado da sua resposta de hoje, a França, as suas finanças, as suas desgraças, as suas festas, as suas glorias e as suas prosperidades; não estranho isso, sr. presidente! S. exa., como habil calculista que é,

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suppoz que, tendo que responder a um deputado republicano collocada n'uma questão em que se tratava da dotação do herdeiro da corôa, naturalmente esse deputado traria como argumento principal e capital para discutir tal projecto, os exemplos da França ou de outra qualquer republica.
O sr. ministro esperava isto, e tinha por consequencia preparado a sua defeza n'este sentido. Infelizmente eu tomei caminho diverso, e, em vez de tratar da republica franceza, abstive-me cuidadosamente de fallar d'ella para termo de comparação, collocando-me unicamente no terreno, disse-o hontem bem claramente, do confronto das opiniões dos srs. ministros progressistas de hoje, com as opiniões que hontem tinham quando estavam sentados nos bancos da opposição!
Ora foi este o meu crime, e acabo de o pagar bem cruamente, confesso-o, porque estive aqui a ouvir duramente, perto de tres quartos de hora, uma serie, ou melhor, uma enfiada de argumentos, que me faziam perguntar a mim proprio a quem é que s. exa. respondia!
Resposta ás minhas affirmações não eram, de certo, esses argumentos, pois eu não tinha dito uma unica palavra com relação ás excellencias da republica franceza; não me referi, nem sequer por allusão, aos Estados Unidos, limitando-me, torno a repetir, unicamente a discutir e a comparar os actos dos ministros progressistas de hoje com as palavras da opposição progressista de hontem.
Mas não estranho, já o disse, que o sr. ministro da fazenda tivesse seguido este caminho. S. exa. não podia adivinhar que eu mudaria de estrategia; preparou um discurso que, segundo as suas probabilidades, devia ser a resposta ao discurso republica. E como está incumbido de uma das mais difficeis e mais trabalhadoras pastas do ministerio, não teve tempo de mudar de ontem para hoje a ordem da sua argumentação.
Aqui está porque entrou no combate com as armas que suppunha poderem servir-lhe, mas que, conforme acaba de ver-se, só deram golpes no vacuo! Se o sr. Marianno de Carvalho tem fallado hontem mesmo, ainda o desastre se na maior!
Em todo o caso, a intenção do discurso do sr. ministro da fazenda é motivo para eu me felicitar.
Ora ainda bem que um ministro da coroa, quando se vê atacado n'um projecto que diz respeito a uma questão essencialmente palaciana (e aproveito por esta occasião o ensejo de prestar homenagem ao neo-palacianismo de s. exa.), já recorre á republica franceza para justificar o seu procedimento. Recorra lá mais vezes, sr. ministro, mas recorra n'outros assumptos, que ha de encontrar lição proficua de patriotismo e de coherencia politica sobretudo!
Disse o sr. minsitro da fazenda que eu não o maguei pessoalmente.
Estimo muito que assim tivesse succedido, e que as palavras de s. exa. traduzam fielmente o seu pensamento; e estimo-o bem, porque o meu intuito não foi nunca offender homens, quaesquer que fossem os seus erros, mas combater um projecto que considero deprimente para os brios do paiz, e ruinoso para os seus mais legitimos interesses!
Entretanto permitta-me s. exa. que lhe diga que, apesar de tal declaração, me chamou imprudentemente para um terreno onde eu ainda hoje, e por esta vez, que fallo, não quero abster-me de entrar. Nada de retaliações, pois apesar de tudo persisto em ser generoso!
Tenho argumentos demasiadamente valiosos, para poder desprezar esses de que tantas vezes aliás s. exa. tem usado e abusado!
Nada de retaliações, mas lembre-se s. exa. que a ellas não recorrerei por generosidade, pois sou um dos poucos deputados, não o único, que n'esta casa posso fallar sem medo da replica do adversario, seja elle quem for!
Pois o sr. ministro da fazenda tão pouco comprehendeu a correcção do meu procedimento, que até me accusou de Ter sido menos cavalheiroso para com uma dama, altamente na sociedade portugueza, por isso que a trouxe para esta discussão.
Eu não trouxe dama alguma para as discussões n'esta casa, referi-me unicamente a uma asserção que corria na imprensa sem protesto da parte das folhas semi-officiaes.
Perguntou o sr. ministro da fazenda, não sei se ironicamente, se era defezo ao chefe do estado trazer, como Crevy, podia tel-o feito, a «santa companheira da sua vida» para assistir á primeira entrevista d'esse mesmo chefe do estado com o homem publico que ía ser presidente do conselho do futuro ministerio.
Não fallei da «santa companheira da vida» de ninguem, saiba-o o sr. ministerio! Não disse, nem affirmei que o chefe do estado levava alguma «santa companheira da sua vida» a assistir a actos como esse.
O que eu perguntei foi se a «Rainha», e não a «dama», que eu respeito como qualquer cavalheiro portuguez respeita uma dama, estrangeira sobretudo, tinha assistido, conforme se asseverava, á primeira entrevista politica do Rei com o presidente do conselho de ministros.
E era mais do que um direito, era um dever meu fazer similhante pergunta!
Não é á dama, portanto, é á Rainha que eu, como deputado da nação, não posso permittir, e commigo esta camara inteira, que se intrometta em deliberações e participe de responsabilidades que lhe são vedadas expressamente pela carta!
E note v. exa., que, se eutivesse de acreditar como confissão tacita da verdade do facto as perguntas meio ironicas que acabam de ser feitas pelo sr. ministro da fazenda, então outras seriam as minhas palavras n'este momento, pois sempre pareceria pouco tudo quanto nós fizessemos para corrigir tão inaudito desmando e tão insolita falta de comprehensão dos seus deveres constitucionaes, da parte do governo!
Em seguida, o sr. ministro da fazenda, simulando continuar a seguir passo a passo a minha argumentação, deixou assomar aos labios sorrisos, não sei se compassiveis, se ironicos tambem, a respeito da fome com que estão luctando alguns dos nossos compatriotas.
E entrando n'este caminho, não se limitou a desfigurar o meu pensamento, mas, para acabar de encher a medida da imprudencias, que n'esta questão internacional se têem ido levianamente accumulando por parte do governo, dirigiu umas insinuações de mau gosto ao governo francez, insinuações, que nunca deviam ter saído d'aquellas cadeiras.
Lembrou, por exemplo, com menos exactidão, que a França, quando os seus briosos soldados estavam sendo dizimados pela peste no Tonkin, tambem gastava dinheiro em festas, sem se recordar que, pelo contrario, a nação franceza, representada na assembléa nacional, obrigava exactamente a demittir-se, ou melhor, derrubava o governo que julgava, bem ou mal, responsavel por essa triste catastrophe! Oxalá que as camaras de Portugal seguissem o patriotico exemplo d'aquella camara, desprendendo-se quando o bem do paiz assim o exigisse, dos laços que tambem vezes lhes prendem a sua liberdade de acção!
Disse tambem o sr. ministro da fazenda, não sei se para corrigir-me da ousadia de ter tocado n'este ponto, que eu attribuia as crises economicas a certos e determinados factores politicos; e quasi caridosamente fez o favor de me lembrar o que, de resto, se encontra melhor dito em todos os jornaes e gazetas mais ao corrente do que se passa lá fóra, isto é, que a França, apesar de republicana, tambem está luctando com uma gravissima crise economica. Para castigar a minha ousadia de anti-monarchico, para corrigir bem as minhas affirmações de jacobino, porque eu hoje até pelo sr. Mariano de Carvalho qualificado de jacobino n'esta casa, os r. ministro da fazenda cansou-se a querer demonstrar, que não é só dentro da fórma repu-

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blicana que se podem resolver os grandes problemas sociaes.
S. exa., com o tom dogmatico de professor, de que ás vezes tanto abusa, declarou com ares de pedagogo que as questões economicas e em geral todas as que dizem respeito á prosperidade de um paiz, são absolutamente independentes da fórma do governo. Não discutirei agora a veracidade desta these; mas, acceitando como boa a sua affirmação, pergunto a s. exa.: e as tres soluções, das quaes a ultima era a republicana? Já se não recorda d'ellas? Era para fazer a desgraça deste paiz que, não ha muito ainda, s. exa. as propunha? Pois essa ultima solução, tão brilhantemente defendida pelo sr. ministro da fazenda, não era exactamente para se procurar em formas politicas o que a actual e gasta fórma monarchica já não podia dar a Portugal?! Ora, quando se têem escripto tantas verdades, é imprudente, para não dizer perigoso, querer substituil-as, ou fazel-as esquecer pelo menos, por meio de habilidades e argucias, permittidas sem duvida ao jornalista, mas defeza ao ministro, que deve comprehender as responsabilidades da sua posição. Pois se s. exa. até nos fallou na grève de Décazeville! E verdade, houve uma grève em Décazeville. Mas... Quid inde?
Todos sabem, e não é novidade para ninguém, que a sociedade franceza padece do mal estar que agita actualmente todas as nações industriaes, europeas e americanas.
Mas s. exa. esqueceu-se de um ponto essencial, que não devia ser omittido na sua citação, e é que em França o conselho municipal de Paris votou uma verba de 30:000 francos para acudir á greve de Décazeville, ao passo que em Portugal, em presença da fome que flagella os povos de Cabo Verde, vae a camara dos deputados votar réis 100:000$000 para Sua Magestade se divertir!
Creio que o confronto não pode ser mais eloquente!
Nem a republica dos Estados Unidos escapou á sanha republicanophoba do sr. ministro da fazenda. Verdade é que a culpa é só minha.
S. exa. suppoz naturalmente que eu fallaria hontem da grande republica americana, e nesta hypothese tinha-se tambem preparado para responder-me com uma certa ordem de argumentos. Infelizmente eu não fallei n'esta nação, e os argumentos de s. exa. ficaram... para melhor occasião!
Mas já que o sr. ministro fallou na republica dos Estados Unidos, affirmando que ella nunca deixou de estipendiar largamente a sua mais alta magistratura, cabe-me o dever de mostrar como s. exa. está em erro n'este ponto.
A quanto se eleva a dotação do chefe do estado na republica dos Estados Unidos?
A 45:000$000 réis. Quer dizer, a republica norte-americana, que é hoje incontestavelmente a primeira nação do mundo, pela enorme área que occupa, pelo rápido crescimento da sua grande população, pela sua riqueza e prosperidade, pelo incremento prodigioso das suas forças económicas, emfim por todos os elementos de progresso que determinam a supremacia de uma nacionalidade; a republica norte-americana, que é quasi a nacionalisação de um continente inteiro, paga ao seu chefe d'estado, que é mais poderoso do que todos os reis do mundo, 45:000$000 réis apenas de dotação, e nós que somos um pequeno paiz de 4.500$000 habitantes, cuja economia social está depauperada por uma anemia talvez incurável, pagâmos perto de 600:000$000 réis só para a familia real!
Já que o sr. ministro da fazenda me chamou para este campo, em que eu muito de propósito evitei entrar na sessão de hontem, permitta-me s. exa. que eu lhe faça ainda algumas revelações curiosas... e edificantes.
Quer s. exa. fazer a comparação entre o que Portugal paga para a familia reinante, e o que pagam os chefes d'estado das principaes nações do novo mundo e de algumas da Europa?
A lista civil portugueza é igual, pelo menos, ao dobro, e digo, pelo menos, porque o sr. ministro da fazenda me comprehende perfeitamente, do que pagam reunidas a França, a Suissa, a republica argentina, o Chili, o Mexico e os Estados Unidos aos seus respectivos chefes de estado. Todos estes paizes, que formam incontestavelmente um dos mais importantes grupos de civilisação contemporanea, e que sommam 106.000:000 de habitantes, contribuem para as despezas de dotação e representação dos seus chefes d'estado com 269:000$000 réis, emquanto que só Portugal paga proximamente 600:000$000 réis! Não acha o sr. Marianno de Carvalho estupendo este simples confronto? Em outros tempos, pelo menos, achal-o-ía!
Já que o sr. ministro da fazenda fallou tão despreoccupadamente da republica dos Estados Unidos e da republica franceza, permitta-me que eu lhe replique deste modo.
Isto emquanto á conversa preambular, conforme lhe chamou o sr. ministro.
Agora passemos ao que s. exa. respondeu a propósito da discussão do projecto.
A respeito da defeza do artigo 1.°, o sr. ministro da fazenda teve a má inspiração de transportar para uma replica de ministro, quer dizer para uma replica que devia ser dada, com toda a auctoridade de um membro do governo, essas finuras casuisticas e esses pequeninos sophismas, que outr'ora tornaram tão celebre o seu nome nas lides jornalisticas.
Infelizmente, o que é permittido ao escriptor, quasi irresponsável, pela sua posição especial, é completamente defezo ao ministro, que tem a responsabilidade das mais insignificantes palavras, que pronuncia.
Quem ha n'esta camara, com effeito, que possa acceitar a interpretação cerebrina que acaba de dar o sr. Marianno de Carvalho á declaração do sr. ministro das obras publicas na sessão de 9 de fevereiro? Similhante expediente de argumentação está muito abaixo do talento de s. exa.
É necessario mesmo, quando se recorre a taes meios, não lançar mão de armas, que amesquinham quem as emprega, em vez de produzirem effeito sobre os adversários contra quem são dirigidas. Ha um certo nivel de senso commum, que não é licito a ninguém ultrapassar, sob pena de não poderem ser tomados a serio os seus argumentos! E o que neste ponto aconteceu ao sr. ministro da fazenda.
Pois se s. exa. até descobriu que eu não sabia o que queria dizer «lista civil», visto que tinha empregado esta expressão com menos propriedade!!!
Ora essa! Não fui eu que empreguei com menos propriedade expressão alguma. Eu li apenas, limitando-me a citar sem alteração do uma virgula, a declaração do sr. ministro das obras publicas, que foi oficialmente feita em nome de um partido!
Se ha confusão, não é minha, mas do sr. Emygdio Navarro.
Descanse, porém, s. exa. que o seu collega das obras publicas foi o mais lucido e claro possivel nas palavras que pronunciou n'esta camara, por occasião da rejeição das minhas propostas a respeito da casa real.
Creio mesmo, para credito do seu talento, que elle não acceitará a defeza que acabam de fazer da declaração de 9 de fevereiro ultimo! Diz ainda o sr. ministro da fazenda que ha occasiões em que os alimentos prescriptos pelo artigo 81.° da carta podem variar, e é quando as Infantas casam e se lhes entrega um dote, cessando com esse dote o que a titulo de alimentos primitivamente recebiam!
Mas isso está na carta muito claramente!
O que não está na carta é que se dê uma dotação ao Príncipe Real, para sustentar o decoro da sua posição, e muito menos que tal dotação se lhe augmente por occasião do casamento.
O artigo 81.° não distingue, alem d'isso, no que diz respeito aos alimentos, o Principe Real dos outros Infantes.
E onde o legislador não distingue, ninguem tem o di-

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reito de distinguir, principalmente quando se trata da lei constitucional do paiz!
Seria fazer offensa ao bom criterio da camara e ao do proprio ministro, que empregou tão pueril argumento, estar a insistir mais na inanidade d'elle.
Está portanto de pé a declaração do sr. ministro das obras publicas, que é inconstitucional toda a alteração para mais ou para menos de qualquer das verbas que constituem a lista civil.
Como póde então o parlamento admittir á discussão o artigo 1.° d'este projecto de lei?
Passemos ao artigo 2.°
Que respondeu o sr. ministro da fazenda á pergunta que eu lhe fiz, se o governo ia buscar ao credito e por um alto juro, os 100:000$000 réis para dar a Sua Magestade, por isso que, estando o nosso orçamento em déficit, não podia essa somma realisar-se por outra fórma.
Que respondeu? Respondeu com a França, com a eterna França, que s. exa. trazia por engano no arsenal dos seus argumentos! A França tambem tem déficit; a França tambem vae lançar impostos, logo devemos dar 100:000$000 réis para as festas de Sua Magestade! Impagavel argumentação!
No entretanto felicito por esta declaração o sr. ministro da fazenda. E sabe a camara, porque?
O sr. Marianno de Carvalho ainda ha pouco fallou na prosa alheia, que eu tinha lido; mas agora s. exa. leu prosa alheia. E não só é alheia, mas é até estrangeira; ao menos a que eu li era genuinamente nacional!
Vamos, porém, ao caso. Felicito s. exa. porque a prosa alheia, que leu no Temps, foi para justificar futuros impostos em Portugal. A occasião parece-me, em verdade, que não poderia ser mais bem escolhida, nem o momento mais azado, nem mais opportuno!
Tambem o sr. ministro da fazenda diz que eu fiz mal em pedir documentos, que não me podiam ser mandados. E verdade que até agora não se me tinha participado qual o motivo porque esses documentos não haviam sido enviados á camara.
(Interrupção do sr. ministro das obras publicas.)
Sem querer neste momento desviar a minha attenção da resposta, que estou dando ao sr. ministro da fazenda, e promettendo desde já ao sr. ministro das obras publicas, que hei de dentro em pouco occupar-me da sua interrupção, direi no entretanto que s. exa. não pensava da mesma maneira, quando me apoiava, juntamente com os seus amigos políticos, no anno passado para eu descobrir nas contas do ministerio das obras publicas a importância de um almoço que tinha custado 700$000 réis! (Muitos apoiados.) Se fui encontrar então um almoço que havia custado essa quantia, é possivel que encontrasse agora uma ceia que custasse alguma cousa mais! As ceias de Lucullo, quem sabe? Talvez tivessem deixado entre nós alguma tradição! Não é admissível alem disso, como mais tarde o provarei, a recusa de quaesquer documentos de despeza! Se houve falta da minha parte em pedir os esclarecimentos, a que acaba de referir-se o sr. ministro das obras publicas, são cumplices nesta falta todos os cavalheiros do partido progressista, incluindo s. exa., que me apoiavam calorosamente o anno passado, quando eu reclamava do governo regenerador documentos analogos, (Apoiados) obrigando o respectivo ministro a satisfazer em parte os meus desejos.
Desejo concluir, sr. presidente, mas antes de sentar-me, seja-me ainda licito dirigir novamente ao governo uma pergunta, a que o sr. ministro da fazenda entendeu não dever responder.
A pergunta é, se Sua Alteza o Principe Real enviuvar logo depois do casamento, sem successão...
O sr. Ministro da Fazenda (Ministro de Carvalho): - Peço licença ao illustre deputado para responder desde já. Se o não fiz quando usei da palavra, foi por esquecimento e sobretudo porque me magoou que s. exa., exactamente, na occasião em que o Principe D. Carlos vae casar com uma Princeza estrangeira, se servisse d'esse argumento, lembrando-se de prever o caso de morte próxima dessa Princeza, sem deixar successão.
Direi agora apenas que, dado esse caso, as côrtes que funccionarem n'essa epocha é que hão de tomar as providencias que se julgarem necessarias.
O Orador: - Oh! sr. presidente! Eu estava preparado, confesso, para tudo nesta discussão, menos para ver o sr. ministro da fazenda, que é um mathematico e um dos espiritos mais positivos que eu conheço, cair agora no sentimentalismo! (Riso.) Esta ultima evolução do sr. Mariano de Carvalho surprehende-me, com effeito, mais que todas as outras que s. exa. tem feito, e não são poucas, diga-se de passagem.
Emfim, acceitemos os factos como elles são. (Riso.)
Vejâmos, porém, o valor da interrupção do sr. ministro da fazenda.
A camara sabe que eu, com a trivial cortezia com que um deputado se póde referir a assumptos desta ordem, lembrei hontem que, por uma hypothese, que não convertia sequer em esperança, mas que na qualidade de representante da nação tinha obrigação, não só de admittir, mas mesmo de prever, podia acontecer que a Princeza D. Maria Amelia de Orleans fallecesse, antes de deixar successão, assim como falleceu a Rainha D. Mercedes, desejando saber se n'este caso o Principe Real continuava a receber os 40:000$000 réis.
Não lancei nota funebre alguma nas alegrias intimas dos nubentes e do sr. ministro da fazenda! Simplesmente, na minha qualidade de deputado, procurei saber do governo quaes as obrigações do estado e do thesouro, se porventura esse acontecimento, naturalissimo de resto, viesse a realisar-se. Creio que o recente furor monarchico do sr. Marianno de Carvalho, não o levará a conferir aos Principes o dom da immortalidade!
O argumento de s. exa. foi, pois mais um equivoco infeliz, da sua parte; e a mágua que tão sinceramente o compunge póde procurar outro emprego, que nada tem que fazer nesta questão! E já agora ainda insisto em outra pergunta, para a qual não obtive resposta tambem: como é que, tendo-se gasto 100:000$000 réis com as despezas do casamento de dois chefes do estado, o senhor D. Pedro V e o senhor D. Luiz I, se diz no relatório do sr. ministro que é indispensavel gastar 100:000$000 réis igualmente com o casamento do Principe Real?
Acaso o Principe Real já é chefe do estado?
O sr. ministro da fazenda a proposito das minhas considerações sobre o artigo 1.°, affirmou que seria absurdo não augmentar a dotação ao Principe Real, pois que n'este caso ficaria Sua Alteza em peiores circumstancias financeiras do que qualquer Infante.
Então o sr. ministro dá fazenda esquece-se, apesar do eu já hontem lho ter lembrado, de que o Principe Real é o chefe da casa de Bragança, que deve ter um rendimento avultado e que em Portugal é o apanagio do Principe herdeiro, assim como o é em Inglaterra o ducado de Cornwall para os principes de Galles?
Vou terminar, sr. presidente. Procurei responder, o mais brevemente que me foi possível, ás divagações com que o sr. ministro da fazenda entendeu dever responder ás palavras que proferi na sessão de hontem.
É provavel que, no desalinho do improviso, tivesse deixado de levantar alguma asserção menos exacta de s. exa. Também nada se perde com similhante esquecimento; porque esquecido e para sempre, talvez dentro em pouco, o sr. ministro da fazenda deseje que fique o seu discurso.
Sei que não fui agradavel ao sr. Marianno de Carvalho. Generoso com s. exa., pelo menos, tentei sel-o. No entretanto, se é só com relação ao projecto que se discute, que eu maguei o sr. ministro da fazenda, conforme ha pouco s. exa. mo affirmou, eu, pondo de parte tudo quanto possa

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ser considerado como pessoal, declaro que hei de sempre dar-me por muito satisfeito se continuar a magual-o assim, porque é signal de que n'este caso consegui recordar a um ministro, esquecido da sua propria historia, o respeito que se deve a um passado glorioso!
Quem sabe? Talvez que para a outra vez o sr. ministro da fazenda me não responda pela fórma por que acaba de o fazer!
O regimento não me permitte tomar de novo a palavra n'este debate. Ao sentar mo, porém, tenho a consciencia de que acabo de cumprir, como representante da nação, o meu dever. Oxalá que todos, n'esta desgraçada questão, podessem dizer o mesmo! Tenho concluído.
O sr. Carlos Lobo d'AVila: - Sr. presidente, v. exa. e a camara comprohendem que desde o momento em que acceitei a missão de relatar este projecto, contrahi evidentemente o compromisso de o defender, e não me podia eximir a usar da palavra nesta discussão.
Vou no entretanto desempenhar me deste dever, respondendo com a maxima concisão e brevidade ao discurso do sr. Consiglieri Pedroso, porque creio que ninguem n'esta casa, a não ser o illustre deputado que acaba de fallar, tem interesse em protrahir este debate.
Antes de mais nada, porém, devo dizer que foi com a maior satisfação que tomei sobre mim o encargo de relatar este projecto, porque concordo inteiramente com elle, porque entendo que elle representa um pensamento justo e rasoavel, porque julgo que elle significa a consagração de um principio essencial em todos os regimens políticos e commum a todas as fórmas de governo, qual é o de todos os poderes publicos contribuirem para que o chefe do estado possa manter o prestigio e o decoro que a sua alta magistratura reclama, e que exige o interesse das instituições. (Apoiados.)
Só uma cousa me magôa, na posição que de bom grado acceitei, é o ter de me encontrar pela primeira vez frente a frente, n'estas luctas parlamentares, com o illustre deputado, o sr. Consiglieri Pedroso, com o qual vivi aqui n'uma excellente camaradagem opposicionista, (Apoiados.) e por cujo caracter tenho a mais sincera estima.
Espero, porém, que esta estima não ha de ser quebrada pelos incidentes do debate, embora eu não possa deixar de rebater, com toda à firmeza e energia de que sou capaz, algumas asserções menos exactas e alguns argumentos menos procedentes, que o illustre deputado expoz á camara.
O sr. Consiglieri Pedroso começou por estranhar que o sr. ministro dá fazenda, num ou noutro relance do seu discurso, usasse uma phrase mais alegre, uma ironia menos severa.
Não queria o illustre deputado que o sr. ministro da fazenda tratasse assim um assumpto desta ordem, que se afigurava grave e momentoso á sua rhetorica solemne. Mas a pouco trecho o proprio sr. Consiglieri fazia rir a camara com phrases e com ironias, que não eram mais tristes nem mais austeras do que as palavras do sr. ministro da fazenda, que haviam provocado as suas acerbas criticas.
Ora, francamente, parece me exorbitante que o illustre deputado queira para si o monopólio das observações jocosas, obrigando o sr. ministro da fazenda a uma taciturnidade forçada, que seria um verdadeiro supplicio quando tivesse de responder a argumentos que involuntariamente provocam riso e despertam alegria.
N'este ponto permitia o sr. Consiglieri que eu reivindique para o sr. ministro da fazenda os mesmos direitos que temos todos n'esta casa.
Também o sr. Consiglieri Pedroso se queixou injustamente do sr. ministro da fazenda se ter referido á republica franceza, como se não fosse o proprio sr. Consiglieri o primeiro que trouxe a republica franceza para este debate! (Apoiados.)
Pois o illustre deputado não chegou hontem a ter, não quero dizer a inconveniência, mas a distracção, de dizer que a republica franceza havia de alterar a cordialidade das suas relações diplomáticas com Portugal e mudar a direcção anteriormente dada ás negociações pendentes, em consequencia do Principe Real portuguez casar com uma Princeza franceza?! Não foi o illustre deputado que trouxe aqui esta asserção, que tem tanto de inexacta, como de irreflectida? (Apoiados.) Não foi s. exa. que pretendeu desviar a discussão para um terreno escorregadio, em que as retaliações eram fáceis, mas em que melindres e conveniencias, que todos devem perceber e que a todos nós se impõem, nos inhibem de o acompanhar? (Apoiados.)
O sr. ministro da fazenda não discutiu a republica franceza, á qual prestou as maiores e mais merecidas homenagens. Não lhe attribuiu, como o illustre deputado republicano, os intuitos mesquinhos de sacrificar a sua politica internacional a pueris e injustificaveis revindictas. Simplesmente provou, com o exemplo insuspeito da republica franceza, que todos os regimens têem as suas festas e os seus anniversarios, e que os poderes públicos, sob qualquer fórma de governo, carecem dos meios indispensáveis para manterem o fausto e o decoro, que lhes são inherentes. (Apoiados.)
O sr. Consiglieri Pedroso percebeu então que tinha sido imprudente, pretendendo trazer para o debate a republica franceza, porque lhe desagradaram as comparações. Pois creia s. exa., que ainda agora fallava em ceias de Lucullo a proposito de uma ceia do Entroncamento, cuja conta aqui pediu, que na França republicana nem aos deputados da extrema esquerda, nem áquelles que largam o parlamento para irem a Décazeville incitar os grevistas, occorreu nunca a lembrança de pedirem, em plena camara, aã contas das ceias offerecidas ao presidente da republica quando viaja pelo paiz. (Apoiados.)
E lá pagam-se as despezas de viagem não só dó chefe do estado, mas dos ministros, e até dos deputados e da senadores.
É que na verdade estes argumentos são pequenos para a questão, são pequenos para este logar, e, sinceramente, são tambem pequenos para o talento do illustre deputado. (Apoiados.)
O sr. Consiglieri Pedroso, por uma habilidade parlamentar, que de certo não passou desapercebida á camara, pretendeu inculcar que não tratava esta questão sob o aspecto republicano, mas sina debaixo do ponto de vista do partido progressista. Ora, é precisamente n'esse campo que eu me vou collocar para defender este projecto, que considero rasoavel, sensato e patriotico. Não ha aqui contradições ou reviramentos, como o illustre deputado pretendeu fazer accreditar á camara. E eu sustentando este projecto, sigo as tradições do partido em que tenho a honra de militar, e mantenho a mesma attitude que temei desde a primeira vez em que appareceu aqui um projecto analogo a este. (Apoiados.)
Para demonstrar a injustiça com que o illustre deputado accusou o partido progressista de incoherente, basta ler as declarações, feitas aqui, ainda no anno passado, por aquelle homem veneravel, que era então chefe do partido progressista e um dos ornamentos da politica portugueza (Apoiados.) quando se discutiu o projecto relativo á liquidação das dividas da casa real, projecto em que tinha sido convertida uma proposta de lei apresentada pelo governo transacto.
Dizia então o sr. conselheiro Anselmo José Braamcamp, referindo-se ao proprio sr. Consiglieri Pedroso, o seguinte:
«O illustre deputado, representante da extrema esquerda d'esta camara, aproveitou-se habilmente da discussão levantada pelo illustre ministro da fazenda; s. exa. procurou, como era seu direito, accusar o systema, deprimir a instituição de que se tem declarado adversário, para d'este

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modo exaltar o seu ideal politico, e apostolar as aspirações e os principies do partido em que s. exa. se filiou.
Não posso levar-lh'o a mal.
«Mas, se s. exa. segue esse caminho, a nós, que sustentamos o systema da monarchia representativa, apesar dos defeitos, apesar das fraquezas, que porventura lhe encontrem, apesar dos erros e dos abusos dos governos, que mais se deviam empenhar em manter sem queira o regimen constitucional; a nós, que acreditámos que a monarchia constitucional é o systema do governo que, lealmente praticado, mais garantias offerece de ordem e liberdade em todas as manifestações da vontade humana, o que mais se acommoda e mais facilmente se presta a acompanhar as successivas evoluções das idéas liberaes, corre-nos o dever rigoroso de prestar a esta instituição a força e o prestigio de que ella precisa para resistir aos embates e á propaganda dos partidos mais avançados.»
Estas nobres e leaes palavras constituem os compromissos e as afirmações do partido progressista n'uma conjunctura recente, e perante um projecto que partiu dos nossos adversarios politicos.
Este foi o voto do sr. Anselmo Braamcamp e de accordo com elle votou o actual chefe do partido progressista, cavalheiro cujas altas qualidades todos reconhecem. (Apoiados.)
Sustentâmos hoje o que dissemos hontem, mantemos no poder o que affirmámos na opposição. (Apoiados.)
Já vê, pois, o sr. Consiglieri Pedroso que não ha contradição alguma da parte do partido progressista, (Apoiados.) e que foram menos justas e menos verdadeiras as suas accusações e as suas censuras.
Permitta-me aqui v. exa. e a camara que eu levante uma phrase de certo impensada, proferida pelo illustre deputado a quem estou respondendo.
S. exa. chamou a esta questão uma questão palaciana.
Ora, aqui não se tratam de questões palacianas, mas unicamente questões de interesse publico. (Apoiados.)
Esta questão, que nos occupa, é uma questão de decoro e de prestigio para as instituições, e não uma questão palaciana. (Apoiados.)
Não se trata de lisonjear nem de servir ninguém (Apoiados.) mas unicamente dê providenciar para que os representantes officiaes do nosso paiz, não desempenhem perante os outros príncipes da Europa, perante todos os estrangeiros que possam vir a Portugal por occasião do consorcio de Sua Alteza o Príncipe Real, um papel que seria menos airoso para os brios e para as tradições d esta nação. (Apoiados.)
Isto é que o illustre deputado não quer ver, comprazendo-se em amesquinhar uma questão que tem de ser encarada sob um aspecto mais elevado para ser devidamente apreciada. Mas o que admira, se s. exa., no exagero do seu facciosismo, chegou a dizer que Sua Alteza o Principe Real, emquanto Sua Magestade El-Rei vivesse, era um simples particular!
Oh! sr. presidente, eu quero servir-me neste momento de uma phrase do illustre deputado, que fallou muito em herezias constitucionaes, porque francamente esta é que é uma verdadeira herezia constitucional! (Apoiados.)
Pois o Principe Real, o herdeiro do throuo, é um simples particular emquanto não morre o chefe do estado?! [Vis um simples particular fica regendo este paiz, logo que o soberano saia as fronteiras e vá viajar ao estrangeiro?! Um simples particular governa esta nação?! (Muitos apoiados.)
Quando se chega a extremos d'esta natureza, quando só avançam proposições de tal maneira paradoxaes, vê-se perfeitamente que, por mais lucido e claro que seja o espirito de quem lança mão de similhantes argumentos, o tal jacobinismo a que se referia ainda agora com muita verdade o sr. ministro da fazenda, lhe tolda completamente o entendimento. (Apoiados.)
A sangue frio, desapaixonadamente, o sr. Consiglieri Pedroso era incapaz de emittir uma tão absurda opinião. Mas o illustre deputado está tão obsecado n'este debate, os preconceitos partidários actuam tuo poderosamente no seu espirito, que considerando este projecto, sob o aspecto financeiro, classificou-o de ruinoso, chegando quasi a insinuar que Portugal ia ficar perdido por gastar de uma vez 100:000$000 réis com as festas do casamento do Principe Real e por augmentar de 20:000$000 réis a dotação de Sua Alteza.
A este respeito apenas direi que, se nós, os monarchicos, discutindo com os illustres deputados republicanos uma questão financeira, dissesse-mos que Portugal estava salvo, porque, pela morte de El-Rei o senhor D. Fernando, deixava de lhe pagar os 100:000$000 réis annuaes que lhe eram devidos, s. exas. haviam de achar ridiculo este argumento; mas querem que nós tomemos a serio as declarações com que pretendem demonstrar que as finanças vão ficar compromettidas por gastarmos de uma vez 100:000$000 réis e por augmentarmos em 20:000$000 réis a dotação de Sua Alteza Real! (Apoiados.)
Mas chegámos á grave questão, á questão momentosa, á questão da constitucionalidade.
O illustre ministro da fazenda respondeu perfeitamente aos sophismas que, sobre este ponto, architetou o sr. Consiglieri Pedroso.
Os artigos da carta são claros e expressos, e a declaração do sr. ministro das obras publicas, que, alem de tudo mais, é um jurisconsulto distincto, não póde ser interpretada senão em harmonia com os artigos da carta.
Pois, porque a carta dispõe que ás Infantas que casarem as cortes lhes assegurem o seu dote, e que aos Infantes que casarem e forem residir fora do reino se lhes entregue por uma só vez uma quantia determinada pelas côrtes, quer o illustre deputado concluir que a carta quiz dar mais importância aos casamentos das Infantas do que ao do Principe Real, e que este não deve merecer ao paiz nenhum sacrificio extraordinario?
Póde a interpretação da carta ser esta para quem a leia desapaixonadamente?
Se a carta determina que ás Infantas que casarem se lhes assegure um dote, e que aos Infantes que casarem e que forem residir para fora do reino se lhes entregue por uma só vez uma certa quantia, porque é que não diz alguma cousa a respeito do Principe Real?
É porque deixou ao paiz o tomar, em momento opportuno, as resoluções que julgasse mais convenientes. (Apoiados.)
A interpretação da carta só póde ser esta, porque outra seria absurda. (Apoiados.)
O illustre deputado levou tão longe a sua vontade de argumentar contra este projecto de lei, e encontrou tão poucos argumentos de valor para pôr ao serviço da sua paixão politica, que se demorou muito tempo a demonstrar que a commissão tinha alterado gravemente a proposta de lei do governo.
Ora, francamente, as alterações que a commissão fez foram insignificantes, e em nada modificaram o pensamento da proposta governamental. (Apoiados.) Não creio que seja necessario insistir n'este ponto, a que de certo o sr. Consiglieri Pedroso apenas se referiu á mingua do melhores argumentos. O additamento que a commissão fez ao artigo 1.° resume-se em consignar expressamente na lei aquillo que se continha no relatorio da respectiva proposta. A redacção rica assim mais clara, desappareceram talvez algumas duvidas subtis que o illustre deputado republicano architectára já, mas o pensamento fundamental da proposta do governo não soffreu a menor alteração. (Apoiados.)
O sr. Consiglieri Pedroso, apesar de não ter gostado dos confrontos feitos pelo sr. ministro da fazenda, procurou comparar a lista civil de toda a familia real com a

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lista civil dos chefes de alguns estados republicanos; mas não se lembrou dos encargos que pesam entre nós sobre o monarcha, o fingiu não reparar que na monarchia a lista civil abrange toda a família real, emquanto que na republica se refere só a um individuo. Isto é uma consequencia fatal do regimen em que vivemos, e d'ella procuram derivar os republicanos um da seus melhores argumentos de combate. Mas eu confesso francamente que reputo este inconveniente insignificantissimo quando me lembro das vantagens da monarchia hereditaria e da estabilidade e tranquillidade que ella garante ao paiz. (Apoiados.)
Disse o illustre deputado que fora impolitica a escolha da noiva para Sua Alteza o Principe Real e que essa escolha havia de influir desastrosamente nas nossas relações diplomaticas com a França!
O sr. ministro da fazenda já fez a justiça devida a esta asserção inconveniente, a que já tive tambem ensejo de me referir.
Não contente com isto, o sr. Consiglieri Pedroso fez ainda algumas reflexões menos prudentes, declarando no entretanto que não queria discutir a historia da casa de Orleans.
Tambem eu não quero, sr. presidente, discutir essa historia. Mas seja-me licito affirmar que a nação portugueza deve regosijar-se pelo facto da senhora que vae ser esposa do Principe Real pertencer a uma familia respeitada em toda a Europa, porque ao brilho do seu nascimento e ao esplendor da sua fortuna tem sabido os membros d'essa familia reunir o prestigio que deriva do amor ao estudo, da honestidade e da coragem, de que têem eloquentes provas nos momentos mais angustiosos para a França. (Apoiados.) Os Principes da casa de Orleans são homens notaveis nas letras e benemrritos pelos serviços que têem prestado ao seu paiz. (Apoiados.)
O sr. Consiglieri Pedroso: - E os quarenta milhões?
O Orador: - Isso não tem nada com o que eu estava dizendo. Isso é uma questão de direito, que foi decidida pelas estações competentes. (Apoiados.) Mas o illustre deputado não me póde contestar os meritos e as qualidades brilhantes, que eu estava attribuindo aos principes do Orleans, e de que elles tem dado as mais inequivocas demonstrações. (Apoiados.)
Eu não trato aqui de apreciar as pretensões dynasticas desta família. (Apoiados.) Faço justiça a quem a merece, e refiro o que a historia contemporanea nos ensina. E creia o illustre deputado que não é indifferente á nação portugueza o facto da futura esposa do Principe Real pertencer a uma familia tão respeitada e tão respeitavel. (Apoiados.)
Estranhou o sr. Consiglieri Pedroso que se vão gastar 100:000$000 réis com as festas do casamento do Principe Real, quando foi essa mesma somma a que se dispendeu por occasião dos consorcios de El Rei o senhor D. Pedro V, de saudosa memoria, e de El-Rei o senhor D. Luiz I. Como se hoje essa quantia não correspondesse a menos de metade do que ha vinte ou trinta annos! (Apoiados.) O pedido, se tem algum defeito, é o de ser muito modesto, porque a situação financeira do paiz nos obriga a todos a fazer as festas com toda a economia, embora com o brilho e luzimento que são indispensaveis. (Apoiados.)
Sr. presidente, não quero alongar o debate. Pelo lado financeiro entendo que este projecto não compromette nem as circumstancias do thesouro nem a situação do paiz. (Apoiados.)
Pelo lado politico reputo que a sua approvação se impõe aos partidos monarchicos como um dever, porque lhes cumpre dar ás instituições todo o brilho e decoro que ellas precisam manter. (Apoiados.)
Em todos os paizes assim se comprehende, seja qual for a sua fórma de governo.
Na republica franceza, por exemplo; que foi citada pelo sr. ministro da fazenda, nunca se levantaram questões desta natureza, quando se tratava de decoro das instituições e do prestigio do chefe do estado.
E se eu não temesse maguar o illustre deputado com uma reflexão mais alegre, diria a s. exa. que ainda hontem vi n'um jornal de Paris que no ministerio das finanças de França, apesar das circumstancias financeiras d'aquelle paiz não serem prosperas, se vae inaugurar uma serie de jantares de oitenta talheres, de jantares diplomaticos e parlamentares, e os jornaes republicanos de lá dão noticia do facto, sem pedirem a conta da respectiva despeza. (Riso - apoiados.)
O que diria aqui o sr. Consiglieri Pedroso se o sr. ministro da fazenda se lembrasse de dar jantares á custa do thesouro, jantares de mais a mais a que s. exa. não poderia assistir, por ser republicano? (Riso - apoiados.)
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O sr. Dias Ferreira: - Sr. presidente. Devo explicações á camara e ao paiz da minha assignatura de vencido no projecto, que está sujeito ao exame parlamentar. Abstenho-me de entrar no debate, especialmente nos termos em que fui posto por parte do governo.
Limito-me a expor as rasões por que assignei vencido o parecer, que eleva de 20:000$000 a 40:000$000 réis os alimentos de Sua Alteza Real, e que põe á disposição do soberano 100:000$000 réis para as despezas extraordinárias com o casamento do Principe Real.
Não tenho que discutir nem a administração da Republica Franceza, nem a administração das republicas americanas, nem a administração doutro paiz estrangeiro, quaesquer que sejam as instituições políticas por que se reja. Tambem não entro agora na questão das ceias e jantares que porventura tenham sido dados á custa do thesouro. Tudo isso n'este momento é fora do meu proposito.
No entretanto cumpre-me felicitar a camara pelas novidades, que vão apparecendo agora nas discussões parlamentares.
Os debates nas nossas assembléas politicas haviam-se tornado enfadonhos por monotonos. Nos duellos de palavra, ás vezes travados entre os cavalheiros que se sentavam nas cadeiras do poder e os que queriam conquistal-as, a unica argumentação que se ouvia era invocar cada um os exemplos dos contrarios, para cobrir os proprios abusos. Os progressistas diziam aos regeneradores: «Nós procedemos assim, porque vós os regeneradores fizestes o mesmo» e igual systema de defeza adoptavam os regeneradores quando respondiam aos progressistas.
Os dois grandes partidos distinguem-se principalmente em fazerem ambos a mesma cousa.
Agora as discussões parece que vão tornar-se mais amplas, mais instructivas, menos monotonas, mais variadas, e não menos edificantes.
No exame d'este projecto viajámos pela França, viajámos pelas republicas americanas. O espirito deleita-se muito mais com estas digressões amenas.
Eu, sr. presidente, não sou nem devo ser indifferente ao desenvolvimento das nações estrangeiras.
Pelo contrario, folgo com a prosperidade dos Estados Unidos, com a prosperidade da Franca, e com a prosperidade de todas as mais nações; e desejo que os governos de todos os povos sejam felizes na sua marcha política. Mas, como deputado da nação portugueza, n'este logar, e a proposito do projecto pendente, não posso preoccupar-me senão com os interesses do meu paiz. Na governação dos outros povos não tenho que collaborar.
Das nações estranhas só quero aproveitar, para a politica do meu paiz, os exemplos de bom governo; e aproveito-os.
No anno passado citava eu nesta casa um periodo do discurso do actual presidente dos Estados Unidos, por occasião de tomar posse do poder.
Esse periodo do discurso d'aquelle distinctissimo defen-

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sor dos interesses do primeiro povo do mundo, por occasião da investidura solemne no seu honrrosissiino cargo, citei-o no anno passado, hei de citai-o hoje, e cital-o-hei sempre.
As recommendações feitas pelo presidente dos Estados Unidos aos seus concidadãos, eram bem simples. Não quiz festas nem faustos. Pelo contrario, proclamou ao povo americano a necessidade de ser economico. Esta recommendação devia-a ter sempre presente toda a nação portugueza, tanto governantes como governados, e muito principalmente os governantes, não só porque administram bens alheios, mas porque os exemplos de economia, e de todas as virtudes civicas, devem partir sempre do alto. É com factos e não com palavras que se doutrinam os povos.
Devo confessar á camara que entro no exame d'este projecto com a mais viva repugnancia. A camara, que conhece o meu systema de argumentação, porque não sou dos mais novos n'esta casa, sabe perfeitamente que eu detesto, e evito, sempre que me é possivel, tratar questões que, proxima ou remotamente, possam ter uma feição pessoal; e, desgraçadamente, este projecto, cujo fim é despender os rendimentos do contribuinte com certas e determinadas pessoas, qualquer que seja o aspecto sob que se considere, quaesquer que sejam as cautelas e as precauções que se empreguem, não póde perder de todo a feição pessoal, que lhe deram.
Mas eu não posso contrariar as normas de conducta, que me impuz, de zelar os interesses publicos, sem trahir os dictames da minha consciencia.
Por isso todos os projectos de augmento de despeza, que não tenham fundamento em lei, e que não sejam reclamados pela honra ou pela vida da nação, quer aproveitem ao mais elevado, quer ao mais humilde cidadão portuguez, tem a minha guerra intransigente, sem me preocupar com os desgotos ou com os resentimentos dos prejudicados com a minha palavra e com o meu voto.
O representante da nação, desde que não póde desempenhar com hombridade e com dignidade o mandato que lhe foi confiado, deposita nas mãos da camara a procuração com que o povo o honrou, visto que lhe é vedado entregal-a nas mãos dos eleitores. Mas, emquanto se quizer manter no exercicio do mandato popular, deve lembrar-se de que está administrado, não o que é privativamente seu, mas o que é da communidade social, e tem obrigação de expôr francamente a sua opinião e de dar com inteira isenção o seu voto.
Eu considero este projecto não só debaixo do ponto de vista financeiro, mas tambem, e, sobretudo, debaixo do ponto de vista politico. Este projecto para mim é essencialmente politico. O encargo dos 40:000$000 réis de alimentos ao Principe Real, e a dadiva dos 100:000$000 réis a El-Rei para as festas do consorcio de seu filho, ficam quasi a perder de vista em presença das gravissimas consequencias politicas, que d'elle hão de resultar, no estado em que se acha a vida economica do paiz, nas tristes circumstancias em que se encontra o thesouro, e em face da repugnancia aberta, que vae revelando o contribuinte, de dar para o thesouro o que lhe é absolutamente indispensavel para si e para a sua familia.
Portanto, este projecto para mim é essencialmente financeiro, e altamente politico. Ninguem póde surprehender-se diante da attitude que eu tomo no exame de uma medida de tanto alcance.
V. exa. e a camara são testemunhas de que eu, systematicamente, voto contra todas as despezas que não estejam fixadas em lei, ou que não importem directa e immediatamente á honra ou á vida da nação.
Os acrescimos de despeza sobre o orçamento feitos na conformidade da lei, ou reclamados por aquelle genero de necessidades para que não ha orçamentos, voto-os, tenho-os votado sempre. As despezas que se fizeram durante dois annos successivos para preservar o paiz de um terrivel flagello que assolava a nação vizinha, e que ameaçava invadir o nosso paiz, votei-as sem mais a mais pequena observação; mais as contas não eram modestas!
Já n'esta sessão legislativa o governo apresentou às cortes um projecto, pedindo guardas para uma das prisões da capital; e eu votei esse projecto sem amais pequena observação. Mas as despezas que eu não reputar essenciaes á vida da nação, nos termos que tantas vezes tenho indicado, não hão de ter a sancção parlamentar com o meu voto. Podem os governos promover grandes manifestações de regosijo, e encarecer as felicidades da patria, que eu não acredito na prosperidade de uma nação quando é mal governada.
Creio pouco na solidão das instituições politicas de qualquer paiz, quando a situação do thesouro for angustiosa, e quando os governos tratarem só de durar, em vez de administrar.
Todavia para mim este projecto é bem mais grave sob o aspecto politico do que sob o aspecto financeiro.
O paiz não se afunda, nem a fazenda publica irá desde já a pique, pelo simples facto de se fazer ao chefe do estado uma dadiva de 100:000$000 réis para elle gastar com o casamento do herdeiro da coroa, e de se elevar a dotação do Principe Real a 40:000$000 réis por anno.
Mas voto contra o projecto, porque não ha lei que imponha ao contribuinte similhante encargo, porque similhante despeza não é necessaria, porque a economia, sempre indispensavel como virtude, impõe-se-nos agora como necessidade fatal, e porque este exemplo de economia deve partir exactamente dos queestão mais altamente collocados.
As côrtes portuguezas não podem nem devem votar este projecto. Não podem porque devem, e não devem porque não podem.
A occasião não é azada para festas que custem dinheiro. A unica festa que têem a fazer n'este momento os altos poderes do estado, é consubstanciarem-se com a situação melindrosa e precaria, se não angustiosa, do paiz.
Tenho muita pena das desgraças que vão pelo Tonkim. Deploro todos os infortunios que afligem a humanidade; mas, como representante da nação portuguesa, cumpre-me velar pelos interesses do meu paiz; e nunca julguei tão necessario, como hoje, dizer a verdade ao Rei e ao povo, que parece não conhecerem a fundo a situação lastimosa do contribuinte, e as circumstancias apertadas do thesouro.
E de passagem direi, que não posso acceitar a argumentação do distincto orador e meu amigo, que me cedeu no debate, quando sustenta que a votação d'este projecto se impõe como dever aos partidos monarchicos.
Se este projecto se impõe dever aos partidos monarchicos, é evidente que a defeza da causa nacional está hoje entregue exclusivamente aos deputados republicanos.
Acceite o principio de que este projecto está fóra a discussão e do livre exame dos partidos monarchicos, forçoso é inclinar a cabeça perante as declarações dos jornaes republicanos de que são os deputados do seu partido a unica garantia que hoje encontram os interesses publicos n'esta casa do parlamento.
A approvação do projecto pendente em presença de taes rasões significaria apenas que o paiz é da monarchia em vez da monarchia ser do paiz.
Mas eu não devo a cabeça a ninguem; e não sei, nem posso, nem quero, nem devo adular ninguem.
Bem sei que na quadra, que vamos atravessando, os homens de idéas avançadas, e que têem a coragem, ou antes que cumprem o dever, da as expor em publico, são desterrados para a classe dos proscriptos e dos exilados politicos.
Mas são, nem foram nunca estas, as tradicções do honrado povo portuguez.
Folheiem os diarios das nossas antigas côrtes, se querem ver a franqueza a hombridade, com que os representantes da nação fallavam.

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Não é preciso ir muito longe. Basta ir a 1827 e examinar ás discussões das côrtes portuguezas por occasião de se estabelecer a dotação de 1:000$000 réis por dia para a Senhora D. Maria II. Como então ella ainda não estava em Portugal, desde logo se levantaram grandes difficuldades para se resolver se em vista do artigo 80.° da carta constitucional, que não permittia assignar dotação ao rei sem elle succeder no reino, podia ou não votar-se immediatamente a dotação da rainha.
E ninguem reparou em que similhante questão se levantasse.
A camara dos dignos pares, onde não havia jacobinos, crê alguem que se apressou a votar, e por acclamação, o projecto approvado na camara dos deputados, que assignava 1:000$000 réis por dia de dotação á Senhora D. Maria II?
Pelo contrario. A commissão de fazenda da camara dos nobres resolveu adiar o exame do projecto até lhe serem presentes todos os documentos relativos á administração e despezas da casa real!
Quando lhe foram presentes esses documentos, examinou com toda a minuciosidade as differentes verbas de despeza, averiguando por partes o que se gastava com a ucharia, o que se gastava com os creados, o que se gastava com as cavallariças, etc.
Quer a camara saber quem eram os jacobinos, que n'aquella occasião formavam a commissão de fazenda da camara dos dignos pares? O presidente era o marquez monteiro mor, e os restantes vogaes eram: marquez de Pombal, conde de Paraty, conde da Lapa, conde de Carvalhaes, conde da Louzã (D. Diogo) e o bispo de Pinhel!
Na discussão o jacobino, conde de Rio Pardo, taxou de exorbitante a dotação assignada á Rainha, allegando que a nação estava depauperada, e que a despeza era exagerada, porque a dotação era mais do triplo do que o pae da Rainha se tinha arbitrado a si, como Imperador do Brazil, e lhe fôra depois confirmado pelas côrtes do imperio.
O Imperador, avô do actual monarcha em Portugal, ao tomar posse da corôa do império do Brazil, arbitrou-se a si a dotação de 9:000$000 réis por mez, ou 108:000$000 réis por anno, isto é, menos da terça parte da dotação que se destinou depois para a senhora D. Maria II; e alem d'aquelles 108:000$000 réis, apenas cobrava o rendimento da fazenda denominada de Santa Cruz, tendo demais um filho, successor do imperio, e tres filhas.
Não venho agora apreciar nem discutir factos consummados. Não venho hoje fazer a critica das gerações passadas, nem formar o processo dos homens que firmaram com os seus nomes os diplomas legislativos da dotação da nossa primeira Rainha constitucional, e dos alimentos da familia real. Lembro estes factos á camara e ao governo unicamente para se não surprehenderem de que, decorridos sessenta annos, um deputado da nação se levante, ou para combater o augmento dos alimentos já assignados ao Principe Real, ou para impugnar qualquer outro augmento de despeza com destino á casa real.
Reporto-me a estes factos passados, que são bem honrosos para o caracter portuguez, unicamente para definir com toda a clareza a minha situação, e para não passar em julgado, a declaração, que eu diria subversiva dos bons princípios, se não partisse de um talento distincto, que eu muito prezo, de que a votação d'este projecto se impõe como una dever aos partidos monarchicos.
Não quero lançar notas irritantes no debate. Não são esses os meus habitos, nem eu pedi a palavra senão para explicar o meu voto. Não pretendo questionar com pessoa alguma. Uso da palavra para mostrar que tambem neste, como em todos os outros projectos, mantenho a posição isolada, que ha muito occupo nesta assembléa, de votar contra toda a despeza, que possa ferir ou aggravar a situação da fazenda, já de si gravissima, se não angustiosa.
No meu entender pouco lucra a nação com mudar de ministros, de governadores civis, e de administradores de concelho. Do que o paiz carece é de governo, que mude de processos de administração, e que se inspire nas tristes e difficeis condições, em que se encontra a fazenda publica, lembrando-se de que, quanto mais se prolongar ou adiar a resolução do problema financeiro, maiores e mais estrondosos poderão ser os nossos desastres.
A mudança de pessoas vale pouco. O que as circumstancias nos impõem violentamente é a mudança de administração. É lastima que o actual governo, aliás composto de homens de valor real, se lembrasse de encetar a sua gerencia com a apresentação de um projecto que lhe ha de crear as mais graves difficuldades, não só debaixo do ponto de vista financeiro, mas também, e sobretudo, debaixo do ponto de vista politico.
Procurou o sr. ministro da fazenda justificar com os preceitos da constituição as disposições do projecto, e nesse intuito percorreu com a maior habilidade, e como jurisconsulto consumado, os artigos 80.° a 83.° da carta; foi muito bem, emquanto andou só pelos artigos 80 a 82.°; mas não previu que mettendo-se na analyse do artigo 83.° a embarcação ia naufragar mesmo ao entrar no porto. (Riso.)
No artigo 80.° encontra-se claramente estabelecida a dotação para o Rei, e, para a Rainha, no artigo 81.° manda-se assignar alimentos ao Principe Real e aos Infantes, e pelo artigo 82.° assigna-se ás Princezas ou Infantes, que houverem de casar, um dote, para com a entrega deste cessarem os alimentos.
Até aqui tudo ia muito bem. O peor era o artigo 83.°
Era ali o local da desventura. (Riso.) N'esse artigo estão mais algumas palavras além das que o sr. ministro da fazenda leu.
Esse artigo não providenceia sobre a alteração dos alimentos dos Infantes.
O que esse artigo dispõe, e em linguagem, que não admitte duvidas, é que cessamos alimentos, e se entrega uma quantia determinada pelas côrtes aos Infantes que se casarem, e forem residir fora do reino.
Uma vez que deu a hora, peço a v. exa. que me reserve a palavra para a proxima sessão.
O sr. Presidente: - A hora deu. Se o sr. deputado quer continuar o seu discurso, póde fazel-o, em vista do regimento, não querendo póde ficar com a palavra reservada para a sessão seguinte.
O Orador: - Não desejo incommodar v. exa. nem a camara e n'esse caso peço para ficar com a palavra reservada para a sessão seguinte.
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Consiglieri Pedroso, que a pedira para antes de se fechar a sessão.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Quando ha pouco estava respondendo ao sr. ministro da fazenda, fui interrompido pelo sr. ministro das obras publicas, que, ao declarar ter dado ordem para não virem á camara os documentos que eu reclamara se referiu á minha qualidade de deputado, para fazer tal pedido.
Como não pude apreciar bem n'esse momento o sentido da observação do s. exa. peço ao sr. ministro, invocando as relações cordiaes que entre nós existem, o favor de repetir as palavras que s. exa., ha pouco pronunciou.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - As palavras que proferi, e que mantenho, foram que o proprio decoro do illustre deputado devia tel-o impedido de formular aquelle pedido, porque não se pede a ninguem a conta de uma ceia. É evidente que nestas minhas palavras vae o reconhecimento de que eu considero s. exa. como tendo o decoro, que é proprio de um membro desta casa do parlamento, e de quanta justiça eu faço ao seu caracter, visto que appellei para o decoro como sendo uma das rasões que deviam ter obstado a que s. exa. fizesse aquelle pedido. As luctas políticas produzemnos animos mais fortemente temperados, perturbações e obce-

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cações passageiras, e o que eu fiz foi appellar do que considerei irreflexão ou exaltação occasional do espirito politico do illustre deputado, para a serenidade do seu bom juizo. Fiei o julgamento da minha recusa em satisfazer áquelle pedido do decoro do illustre deputado, que por isso acatei como julgador tão insuspeito como auctorisado. E ainda agora d'elle me confio inteiramente.
Sabe o illustre deputado, que não podia ser nunca meu proposito offendel-o no seu caracter pessoal, que aprecio na maior conta.
São d'isso garantia as relações que temos mantido, e que, apesar de não virem de muito longe, têem sido sempre cordialissimas. Tenho prestado sempre ao illustre deputado as homenagens da minha consideração, no que me acompanham todos os membros d'esta casa, sem distincções partidarias, (Apoiados.) não obstante a posição especial que o illustre deputado aqui occupa.
É claro que eu não podia, de um momento para o outro, e por um motivo que facilmente se inclue entre os mil incidentes das luctas parlamentares, de significação meramente occasional, transformar a consideração em offensa e aggredir, no seu caracter, o collega que todos estimmâos.
Reconheço as excellencias do seu caracter como pessoa, reconheço o seu decoro como deputado, e para elle appellei; mas considerei e considero como menos conveniente o seu pedido, e, por isso, como ministro, julguei-me na obrigação de o não satisfazer e de o dizer francamente, em vez de recorrer a quaesquer artificios dilatorios. Nada mais.
Não quero saber se o illustre deputado já uma vez pediu aqui as contas de um almoço. Creio que as não pediu. Mandaram-lhas, sem as ter pedido, e o illustre deputado commentou-as como lhe pareceu, sem que nem eu, nem algum dos meus correligionarios nos associássemos a esses commentarios.
Não me faço cargo de apreciar agora esses commentarios e o procedimento do ministro, que sendo tão remisso em mandar outros documentos, necessarios para o exame das grandes responsabilidades do governo, tão prompto foi em mandar-lhe essas contas. Limito-me a dizer que fez mal em mandar-lh'as, e que, se fôra eu, não lh'as teria mandado. Teria procedido como agora, e assim procederei em outro qualquer caso analogo.
Repito: como ministro, entendi não dever satisfazer o pedido do illustre deputado, por o julgar menos conveniente e menos proprio da gravidade, que deve subsistir nas re-laçSes dos differentes poderes públicos. E appellando de novo para o decoro e cavalheirismo, que reconheço e acato no illustre deputado, estou certo de que s. exa. me dará rasão, quando a serenidade e rectidão do seu animo prevalecer sobre qualquer exaltação, que n'elle tenha levantado este incidente.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Agradecendo ao sr. ministro dos obras publicas a lealdade e o cavalheirismo das suas explicações (Apoiados.), declaro que me dou pessoalmente satisfeito com ellas, reservando no entretanto o direito de tratar da questão parlamentar que a resposta de s. exa. implicitamente levanta. (Apoiados.)
O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã é a continuação da de hoje, e mais os projectos n.ºs 21 e 28.

Está levantada a sessão.

Eram mais de seis horas da tarde.

Redactor = S. Rego.

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