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SESSÃO DE 10 DE JUNHO DE 1887

Presidencia do exmo. sr. Francisco de Burros Coelho de Campos (vice-presidente)

Secretarios os exmos. srs.

Francisco José de Medeiros
José Maria de Alpoim Cerqueira Borges Cabral

SUMMARIO

Officio do ministerio do reino, enviando o processo relativo á eleição supplementar no circulo n.º 15 (Montalegre). - Têem segundas leituras os projectos de lei apresentados na sessão anterior pelos srs. Gomes Neto, Augusto Pimentel, Julio Graça e renovação de iniciativa do sr. Tavares Crespo. - Deu-se destino a differentes representações e requerimentos, e expediu-se tuna nota de interpellação do sr. Sousa e Silva ao sr. ministro da marinha. - Justificam faltas os srs. Sousa e Silva e visconde da Torre. - Approva-se o parecer da commissão de verificação de poderes sobre a eleição do circulo n.º 29 (Marco de Canavezes) e é proclamado o sr. Alberto Antonio de Moraes Carvalho. - Approva-se o parecer sobre o diploma do deputado eleito pelo circulo n.º 98 (Ponta Delgada) e é proclamado o sr. Poças Falcão. - O sr. D. José de Saldanha faz algumas considerações, chamando a acção dos poderes publicos a favor da agricultura. - O sr. João Pina advoga a causa da instrucção primaria e apresenta um projecto de lei n'este sentido. - O sr. João Arroyo refere-se á necessidade que tem de se verificar a interpellação que tem proposta ao sr. ministro do reino. - O sr. Hintze Ribeiro advoga os interesses das ilhas dos Açores e refere-se á cultura do tabaco nas ilhas. - O sr. Oliveira Martins apresenta uma representação da associação commercial do Porto. - O sr. ministro das obras publicas apresenta uma proposta de lei, auctorisando o governo a transferir para a camara municipal de Lisboa o Campo Grande
Na ordem do dia continua a discussão do projecto de lei n.º 104 (banco emissor). - Usam da palavra os srs. João Pinto, Alpoim e João Arroyo, e fica pendente o assumpto.

Abertura da sessão - Ás duas horas e um quarto da tarde.

Presentes á chamada 56 srs. deputados. São os seguintes:- Albano de Mello, Alfredo Pereira, Antonio Castello Branco, Antonio Candido, Oliveira Pacheco, Antonio Villaça, Guimarães Pedrosa, Tavares Crespo, Antonio Maria de Carvalho, Simões dos Reis, Hintze Ribeiro, Augusto Pimentel, Santos Crespo, Miranda Montenegro, Lobo d'Avila, Elizeu Serpa, Goes Pinto, Feliciano Teixeira, Francisco de Barros, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Francisco Ravasco, Lucena e Faro, Soares de Moura, Sá Nogueira, Pires Villar, João Pina, João Arroyo, Menezes Parreira, Vieira de Castro, Rodrigues dos Santos, Sousa Machado, Correia Leal, Joaquim da Veiga, Oliveira Martins, Simões Ferreira, Amorim Novaes, Ferreira Galvão, Barbosa Collen, Pereira e Matos, Abreu Castello Branco, Laranjo, Vasconcellos Gusmão, José de Napoles, Alpoim, José Maria de Andrade, José de Saldanha (D.), Santos Reis, Julio Graça, Julio Pires, Vieira Lisboa, Luiz José Dias, Manuel José Correia, Brito Fernandes, Marianno Prezado, Miguel da Silveira, Pedro Victor, Dantas Baracho, Estrella Braga e Visconde de Silves.

Entraram durante a sessão os srs.: - Serpa Pinto, Alfredo Brandão, Alves da Fonseca, Sousa e Silva, Baptista de Sousa, Campos Valdez, Ribeiro Ferreira, Gomes Neto, Pereira Borges, Moraes Sarmento, Jalles, Pereira Carrilho, Augusto Fuschini, Victor dos Santos, Bernardo Machado, Eduardo de Abreu, Eduardo José Coelho, Elvino de Brito, Emygdio Julio Navarro, Madeira Pinto, Matoso Santos, Fernando Coutinho (D.), Freitas Branco, Firmino Lopes, Francisco Beirão, Castro Monteiro, Francisco Matoso, Fernandes Vaz, Severino de Avellar, Frederico Arouca, Gabriel Ramires, Guilherme de Abreu, Guilhermino de Barros, Casal Ribeiro, Candido da Silva, Baima de Bastos, Searnichia, Franco de Castello Branco, Izidro dos Reis, Souto Rodrigues, Santiago Gouveia, Alves Matheus, Silva Cordeiro, Jorge de Mello (D.), Jorge O'Neill, Alves do Moura, Avellar Machado, Dias Ferreira, Elias Garcia, Barbosa de Magalhães, Simões Dias, Santos Moreira. Abreu e Sousa, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Poças Falcão, Manuel d'Assumpção, Manuel José Vieira, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Marianno de Carvalho, Miguel Dantas, Pedro Monteiro, Tito do Carvalho, Vicente Monteiro, Visconde da Torre e Consiglieri Pedroso.

Não compareceram á sessão os srs.: - Anselmo de Andrade, Antonio Centeno, Antonio da Fonseca, Antonio Ennes, Mazziotti, Fontes Ganhado, Urbano de Castro, Conde de Castello de Paiva, Conde de Villa Real, Estevão de Oliveira, Cardoso Valente, Dias Gallas, Teixeira de Vasconcellos, Oliveira Valle, José Castello Branco, Ferreira de Almeida, Ruivo Godinho, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, Guilherme Pacheco, Ferreira Freire, Oliveira Matos, Rodrigues de Carvalho, José Maria dos Santos, Pinto de Mascarenhas, Mancellos Ferraz, Bandeira Coelho, Manuel Espregueira, Matheus de Azevedo, Pedro Diniz, Visconde de Monsaraz e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Do ministerio do reino, remettendo o processo relativo á eleição suppleinentar de um deputado, que ultimamente se realisou no circulo n.º 15 (Montalegre). A commissão de verificação de poderes.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - A vossa illustrada apreciação tenho a honra de submetter as seguintes considerações, que me parecem ponderosas para justificar o pensamento que presidiu ao projecto de lei. que hoje apresento.
A Trafaria e a costa de Caparica comprehendem uma grande extensão da costa maritima, onde exerce a industria piscatoria uma numerosa colonia portugueza.
N'essa vastissima orla da praia não ha auctoridade alguma policial maritima, e apenas existe um posto fiscal que não tem jurisdicção alguma em assumptos de policia, e a auctoridade administrativa mora tão longe d'aquelles dois pontos, que a sua acção policial, quando seja necessaria, é sempre exercida tardiamente.
Esta singularissima situação não póde nem deve continuar a permanecer, e o unico meio que se me afigura seguro e efficaz é a creação de dois logares de cabos de mar, um para a Trataria, e outro para a costa de Caparica.
Alem das vantagens policiaes, ha outras que recommendam a creação d'aquelles logares, pois que não é raro, no inverno especialmente, darem á costa n'aquelles sitios valiosos destroços do naufragios que podem ser extraviados por falta de auctoridade que fiscalise e vigie aquella vasta extensão de praia.
A despeza que o estado tem a fazer é diminuta, se a considerarmos em relação ás vantagens auferidas.
Cada cabo de mar vence 200 réis por dia, e esse salario

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é completamente compensado pelo serviço que prestam os individuos que o percebem.
Attendendo ao que fica exposto, tenho, pois, a honra de apresentar o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º É o governo auctorisado a crear na Trafaria e costa de Caparica dois logares de cabos de mar, com residência cada um em um d'aquelles pontos e com o vencimento diario de 200 réis.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 8 de junho de 1887. = O deputado, A. J. Gomes Neto.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de marinha, ouvida a de fazenda

Projecto de lei

Senhores. - A creação de bibliothecas para o derramamento da instrucção e cultura das sciencias, das artes e das letras, está merecendo em toda a parte a attenção dos poderes publicos e até das corporações locaes.
Não abundam para todos os meios de adquirir livros e assignar publicações periodicas, que dão noticia do movimento scientifico e litterario, e divulgam os estudos e os progressos que todas os dias se manifestam em diversos ramos do saber.
As bibliothecas supprem a deficiencia dos recursos d'aquelles, que, por amor da sciencia, ou necessidade da sua profissão, precisam consultar livros, ou ler as revistas, que periodicamente vão dando conhecimento de variados estudos que constantemente estrio enriquecendo as sciencias, as letras e as artes.
É por isso que por toda a parte ao estabelecimento de escolas se segue a creação de bibliothecas, que são por assim dizer o complemento d'aquellas. Não basta que haja quem ensine; é mister proporcionar os meios de estudar.
Ha bibliothecas populares, bibliothecas de livros especiaes para o estudo de differentes ramos de sciencia, para o estudo das artes e das industrias, e não ha entre nós bibliothecas de jurisprudencia, ou mais propriamente bibliothecas judiciaes.
Todos sabem como são minguados os recursos do funcionalismo, a quem mal chega para viver honestamente a escassez dos seus ordenados.
Aos juizes de primeira instancia e aos delegados do procurador regio, alem d'aquelle motivo, acresce ainda as frequentes transferencias por que passam, que lhes difficultam quando não tolhem a acquisição das collecções de legislação, dos livros, revistas e publicações nacionaes de jurisprudencia, e até da própria folha official, tornando-se-lhes muitas vezes difficil, e sempre dispendioso o transporte de tão valiosos subsidies.
A conveniencia, portanto, de encontrarem em qualquer comarca para onde vão os livros que a cada passo precisam de consultar, e de lhes ser accessivel a leitura e o estudo da legislação e das modernas publicações sobre os differentes ramos de direito, é por todos reconhecida. D'ahi deriva a necessidade de um repositorio de livros em cada tribunal, que constitua a sua bibliotheca judicial.
Outra necessidade ha tambem a remediar. Refiro-me ás despezas do tribunal. Com applicação a estas não ha actualmente receita alguma, porque o código do processo civil, determinando que sejam destinadas para as despezas e obras dos tribunaes as multas não excedentes a 10$000 reis, impostas sómente ás partes vencidas que litigarem de má fé, rarissimas vezes tem logar a applicação d'essas multas, porque é difficilimo averiguar se qualquer parte pleiteia em juizo de má fé.
No relatorio que precede o projecto de lei apresentado n'esta camara, em sessão de 24 de janeiro de 1880, por alguns illustres membros da magistratura judicial que tinham aqui assento, e com o fim de obstar á continuação d'aquelle mal, diz-se ahi o seguinte, applicavel ao caso: - «Resulta d'esta disposição (a do artigo 121.º do codigo do processo civil) que nos cofres dos juizos não entram multas impostas em causas eiveis, porque podendo impor-se sómente no caso de má fé, é mui raro julgar que o litigante que decair, litigou com dolo, o qual, como bem sabeis, é sempre de difficil prova. Não têem presentemente os juizes de direito á sua disposição os meios necessarios para acudirem ás despezas e obras sempre crescentes dos seus tribunaes, porque nenhuma providencia se deu até hoje para substituir a falta de multas, vendo-se os juizes na necessidade de as fazer á sua custa».
Infelizmente, desde então até hoje, tudo tem continuado no mesmo estado, sem que fossem tomadas providencias que remediassem esse mal.
D'ahi resulta que talvez não haja uma só comarca onde o cofre do juizo esteja habilitado a pagar a folha official, em que se publicam os diplomas que dimanam dos differentes poderes do estado, os despachos, accordãos e resoluções de differentes tribunaes.
Cumpre obviar a este inconveniente, e o meio que para isso tenho a honra de vos propor, sem sobrecarregar o thesouro, nem pesar demasiado sobre os que têem necessidade de recorrer aos tribunaes, satisfaz, a meu ver, cabalmente.
A percentagem de 1/2 por cento sobre o valor dado ás acções intentadas, e a outros processos sujeitos á distribuição fixado o maximo e o minimo d'essa percentagem; uma pequena taxa imposta nas custas dos processos crimes, e a quarta parte de todas as multas impostas ou cobradas judicialmente, parece-me que constituirão receita me dará para uma bibliotheca judicial, mais ou menos modesta, conformo a natureza da comarca.
Os bibliothecarios serão os contadores das comarcas, e os distribuidores em Lisboa e Porto, que serão ao mesmo tempo os thesoureiros do juizo.
Ainda me parece conveniente, em attenção a que são diversas as condições de muitas comarcas, o deixar-se consignada a faculdade de transferir de umas para outras as receitas superabundantes. Já assim se fazia com utilidade publica a respeito da applicação das multas menores destinadas ás despezas miudas dos tribunaes de justiça.
Outras providencias regulamentarem introduzi no texto. Creio, comtudo, que a si próprias se justificam. São as que versam ácerca da economia interna, administração, e contas particulares da bibliotheca.
Por todas estas considerações que ficam expostas tenho a honra de submetter ao vosso esclarecido exame e approvação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º É creada em todas as comarcas do reino e ilhas adjacentes, uma bibliotheca judicial.
Art. 2.° Na formação da bibliotheca entrarão:
O Diario do governo e das camarás legislativas, collecção de legislação portugueza, obras, revistas e outras publicações de direito patrio.
§ unico. Quando no correr dos tempos as circumstancias do cofre o permittirem, a bibliotheca poderá adquirir, precedendo a auctorisação necessária, quaesquer obras ou collecções de legislação estrangeira, que se julguem convenientes ao estado comprovativo dos varios ramos de direito.
Art. 3.° Constituirão a dotação da bibliotheca:
1.º A receita de 1/2 por cento pagável por occasião da respectiva distribuição, calculada sobre o valor dado às acções e mais feitos que passam por essa formalidade.
2.º A quarta parte de todas as multas importas ou cobradas judicialmente, sejam de natureza e ordem que forem.
§ 1.º Na verba da receita resultante da distribuição, ficam comprehendidos os processos crimes, em que haja parte requerente, dos quaes se deverá pagar, sendo ordinarios 1$000 réis, e quando correcionaes 500 réis.
§ 2.º Por maior que seja o valor das acções, a receita consignada no n.º 1.º terá o limite maximo de 3$000 réis, e o limite minimo de 200 réis, ainda que seja pequeno o seu valor, e nos inventarios de menores ou pessoas a elles

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equiparadas, a percentagem indicada n'este numero ficará reduzida a metade.
Art. 4.º As quantias que forem satisfeitas nos termos do n.º 1.º do artigo antecedente, entrarão em regra de custas.
Art. 5.º A importancia d'estas receitas será entregue aos contadores e distribuidores do juízo, mediante uma guia passada pelo respectivo escrivão, verificada pelo delegado do procurador regio e com visto do juiz.
Art. 6.º Como subsidio á bibliotheca, o governo distribuirá um exemplar das colleções de legislação que publicar, por cada uma das comarcas, e de quaesquer outras publicações de jurisprudencia, mandadas fazer por conta do estado.
Art. 7.º Ficam investidos no logar de bibliothecarios e thesoureiros os contadores e distribuidores das comarcas do reino e ilhas adjacentes, menos no Porto e Lisboa, onde essas funcções serão exercidas pelos distribuidores.
Art. 8.º Fica a cargo dos bibliothecarios e thesoureiros:
1.º A guarda, arrumação e conservação dos livros existentes na bibliotheca.
2.º Pôr á disposição dos juizes, delegados do procurador regio, curadores, conservadores, advogados, escrivães, tabelliaes e solicitadores, para as consultar no recinto da bibliotheca, ou no proprio tribunal, durante o tempo em que se estiver funccionando n'este, as collecções e obras ali existentes.
§ 1.º Fóra das horas e occasião de serviço no tribunal poderão as pessoas referidas no n.º 2.º d'este artigo consultar no seu próprio domicilio qualquer das publicações existentes na bibliotheca, obtida previa licença escripta do respectivo juiz, quando seja apresentada desde as dez horas da manhã até á uma hora da tarde.
§ 2.º Póde qualquer outra pessoa das não mencionadas no n.º 2.º d'este artigo, durante o tempo em que se estiver funccionando no tribunal, consultar qualquer livro existente na bibliotheca, obtida previa licença do juiz.
§ 3.º Effectuar as compras das publicações que lhe forem ordenadas.
§ 4.º Arrecadar a receita creada a favor da bibliotheca pela presente lei.
§ 5.º Satisfazer os pagamentos auctorisados pelo respectivo juiz.
§ 6.º Prestar contas semestralmente, e todas as mais vezes que lho for exigido pelos juizes, ou promovidas pelos magistrados do ministerio publico, tendo para isso devidamente escripturada a receita e despeza e emassados pela sua ordem numerica as ordens e recibos.
Art. 9.º Para os distribuidores como bibliothecarios e thesoureiros abrirem a assignatura da folha official, e d'aqui rirem quaesquer collecções de legislação patria e outras publicações de direito, bastará que lhes seja apresentada ordem escripta do respectivo juiz, o qual, dentro das forças do cofre, ou dos subsídios que receba de outras comarcas, a expedirá todas as vezes que o julgue conveniente ou lhe for requisitado pelos magistrados do ministerio publico.
Art. 10.º Quando a receita própria da bibliotheca não bastar ás urgencias d'esta, os presidentes das relações poderão transferir de umas para outras comarcas do seu districto os fundos que lhes parecerem indispensáveis, não excedentes a metade da importancia existentes nos cofres, ouvidos previamente os juizes das comarcas donde haja de transferil-os.
Art. 11.º A catalogação das obras existentes na bibliotheca ficará a cargo dos thesoureiros e, verificada pelos delegados do procurador régio, será feita num livro rubricado pelo juiz.
Art. 12.º As camarás municipaes fornecerão no próprio edifício do tribunal, uma casa adequada para a bibliotheca, e a mobília para ella indispensavel.
Art. 13.° No fim do anno judicial, os juizes de direito enviarão para a presidencia da relação do districto, nota da receita e despeza effectuada, e uma relação dos livros adquiridos durante esse anno.
Art. 14.º Ficam a cargo da thesouraria das bibliothecas as despezas que até aqui corriam em juizo por conta dos cofres das multas.
Art. 15.º Fica revogada toda a legislação em contrario.
Camara dos deputados, 8 de junho de 1887. = O deputado pelo circulo de Villa Verde, Augusto da Cunha Pimentel.
Lido na mesa foi admittido e enviado á commissão de legislação civil.

Projecto de lei

Senhores. - A camara municipal do concelho de Villa do Conde, pede, n'uma representação dirigida á camara dos senhores deputados, que lhe seja permittido applicar nas despezas geraes do município, as sobras dos rendimentos da ponte sobre o rio Ave, depois de divididas todas as despezas com o reparo e conservação da mesma ponte e do cães, e bem assim o saldo proveniente dos annos anteriores.
Considerando que o imposto instituído pela provisão de 9 de julho de 1821, só póde ser applicado na extracção da pedra da antiga ponte do leito do rio, na reparação e conservação da ponte de madeira que substitue a de pedra, e finalmente no reparo e conservação do cães adjacente;
Considerando que já ha alguns annos o rio se acha completamente desobstruído, não havendo por isso necessidade de applicar uma parte dos rendimentos da ponte em extracção de pedra do leito do rio;
Considerando que sendo mais que sufficientes os rendimentos da ponte, para satisfazer os encargos subsistentes do reparo e conservação da ponte e cães, o saldo existente deixará de ter igualmente applicação legal, podendo por isso ser aproveitado para outro fim, assim como as sobras que houverem dos rendimentos futuros;
Considerando que a receita da camara de Villa do Conde, é iusufficiente para satisfazer os encargos que pesam sobre o município, tornando-se por isso necessario e urgente augmental-a:
Tenho a honra de vos apresentar o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º É auctorisada a camara municipal de Villa do Conde a applicar nas despezas geraes do municipio, as sobras do rendimento da ponte sobre o rio Ave, depois de deduzidas todas as despezas com os reparos e conservação da ponte de madeira que hoje existe sobre esse rio, e bem assim o saldo exigente proveniente dos annos anteriores.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 8 de junho de 1887. = O deputado, Julio César de Faria Graça.
Lido na mesa foi admittido e enviado á commissão de administração publica,, ouvida a de obras publicas.

Propostas para renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.º 258 da sessão de 1882.
Sala das sessões, em 8 de junho de 1887. = O deputado, Lucio Tavares Crespo.
Lido na mesa, foi admittida e enviada á commissão de fazenda.
A proposta refere-se ao seguinte:

Projecto de lei

Senhores. - Á vossa commissão de fazenda foi presente a renovação de iniciativa do projecto de lei n.º 38 da sessão legislativa de 1881, auctorisando o governo a mandar processar avisos de conformidade relativos á importancia de 1:582$240 réis de guias de transporte do exercito, entregues no thesouro pelo ex-contador de fazenda do districto de Lisboa, José Antonio Carlos Torres, em setembro de

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1837 e março e abril de 1839, que estão desencaminhadas no ministerio da guerra;
E porque a vossa commissão concorda com o referido projecto e considerações que o antecedem, entende que póde ser approvado o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º É auctorisado o governo a mandar processar os avisos de conformidade relativos á importancia de réis 1:582$240 de guias de transporte do exercito entregues no thesouro pelo ex-contador de fazenda do districto de Lisboa, José Antonio Carlos Torres, em setembro de 1837, e março e abril de 1839, que estuo desencaminhadas no ministerio da guerra.
§ unico. O governo adoptará as providencias necessarias para evitar que, em qualquer tempo, possa haver duplicação do abono de que se trata, e bem assim para se certificar de que a quantia por que não se passaram avisos de conformidade não era o valor de documentos duvidados, que por defeituosos não podessem ser abonados.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Sala da commissão, aos 12 de julho de 1882. = Antonio José Teixeira = F. Gomes Teixeira = L. Cordeiro = A. C. Ferreira de Mesquita = Filippe de Carvalho = Antonio Maria Pereira Carrilho, relator = Tem voto dos srs.: = Pedro Roberto Dias da Silva = Adolpho Pimentel = Manuel d'Assumpção.

REPRESENTAÇÕES

Da camara municipal do concelho de Barrancos, pedindo para desviar do cofre de viação a quantia de 4:158$337 réis, a fim de a applicar a melhoramentos locaes.
Apresentada pelo sr. deputado Lacerda Ravasco, devendo ter destino igual ao de um projecto de lei sobre o mesmo assumpto e que ficou para segunda leitura. A representação foi mandada publicar no Diario do governo.

Dos amanuenses da direcção geral dos correios, telegraphos e pharoes, pedindo augmento de vencimento.
Apresentada pelo sr. deputado Lacerda Ravasco e enviada á commissão de obras publicas, ouvida a de fazenda.

Da firma Avellar & Avellar, proprietarios da fabrica de tabaco Angrense, apresentando as inconveniencias do projecto de lei sobre o tabaco nas ilhas dos Açores e Madeira.
Apresentada pelo sr. deputado Arthur Hintze Ribeiro, enviada, á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

Das fabricas de tabaco estabelecidas em Ponta Delgada no sentido, da antecedente.
Apresentada pelo sr. deputado Arthur Hintze Ribeiro, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

De proprietarios no concelho de Oliveira de Azemeis, adherindo á representação dos povos de Aveiro contra a proposta de lei que collecta a cultura do arroz com um novo imposto.
Apresentada pelo sr. deputado José Dias Ferreira, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

Dos vogais da direcção administrativa do asylo montemorense de infancia desvalida, pedindo a concessão dos terrenos annexos ao extincto convento da Saudação, que já lhe foi concedido, a fim de os cultivar para aproveitamento do mesmo asylo.
Apresentada pelo sr. deputado D. José de Saldanha e enviada á commissão de fazenda.

Da associação commercial do Porto, apresentando as inconveniencias que resultariam para o commercio da approvação da reforma das pautas aduaneiras onde fixa o imposto de 18 réis e de 50 réis respectivamente e por unidade de decalitro, ao vinho commum e ao vinho licoroso que for exportado do reino.
Apresentada pelo sr. deputado Oliveira Martins, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

De empregados da secretaria do governo civil do districto de Beja, pedindo augmento de vencimento.
Apresentada pelo sr. deputado José Maria de Andrade, enviada á commissão de administração publica, ouvida a de fazenda 6 mandada publicar no Diario do governo.

Dos segundos officiaes e amanuenses da direcção geral de contabilidade publica, pedindo augmento de vencimento.
Apresentada pelo sr. deputado Carrilho e enviada á commissão de fazenda.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro com urgencia, pelo ministerio do reino, copia do orçamento da junta geral do districto de Vianna, approvado em 30 de abril e do protesto de alguns cidadãos contra elle. = Pinheiro Chagas.

Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, seja enviada com urgencia a esta camara:
1.º Uma nota da liquidação feita na administração geral das alfandegas, com respeito ao anno de 1880, a cada um dos districtos insulares, do que tinham a pagar de addicional ás contribuições directas como compensação por direito do tabaco;
2.º Copia do despacho ministerial que recaiu sobre aquella liquidação;
3.º Nota do que a cada um dos districtos referidos foi distribuído pela direcção geral das contribuições directas de addicional a essas contribuições, como compensação por direitos de tabaco no mesmo anno de 1880. = Sousa e Silva.

Por parte da commissão de administração publica, roqueiro que, pelo ministerio do reino, sejam remettidos á camara todos os documentos relativos á suspensão, pelo governo, das deliberações das juntas geraes durante o interregno parlamentar. = O deputado por Ovar, Barbosa de Magalhães.

Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, seja remettida com urgência a esta camara nota dos ante-projectos ou projectos definitivos que para a construcção do ramal do caminho de ferro da Merceana na linha de Torres Vedras tenham sido enviados pelos primitivos concessionarios Henry Burnay & Ca., ou pela real companhia dos caminhos de ferro portuguezes, que tem feito a construcção da linha principal e que devem ter subido para approvação áquelle ministerio. Bem como requeiro a nota de quaesquer modificações que uma ou outra empreza tenham proposto como variante ou substituição de tal ramal. Datas de entradas na secretaria respectiva d'estes differentes documentos. = Antonio Maria Jalles.

Requeiro, por parte da commissão de marinha, que sejam enviados ao governo os tres requerimentos juntos de João Albino de Aguiar, Antonio Xavier Esteves, Joaquim Antonio de Sant'Anna, capellães da armada, a fim de informar com a maior urgencia sobre estas pretensões. = O secretario, Victor dos Santos.

NOTA DE INTERPELLAÇÃO

Desejo interpellar o sr. ministro da marinha ácerca do regulamento de 27 de fevereiro de 1883 para o porto artifi-

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cial de Ponta Delgada, e da maneira como tem sido interpretado. = Sousa e Silva. Mandou-se expedir.

PARTICIPAÇÃO

Participo a v. exa. que hoje, 10, se constituiu a commissão de agricultura d'esta camara, ficando presidente o sr. conselheiro Elvino de Brito e secretario o abeixo assignado. = D. José de Saldanha Oliveira e Sousa.

JUSTIFICAÇÃO DE FALTAS

Participo a v. exa. e á camara que, por motivo justificado, não me foi possivel comparecer às sessões dos dias 6 a 8 do corrente mez. = Sousa e Silva.

Declaro a v. exa. que por motivo justificado faltei á sessão de 7 de junho. = O deputado, Visconde da Torre.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR

De José Ayres Vieira, tenente coronel reformado da guarnição de Moçambique, pedindo para ser approvada a proposta de lei apresentada pelo sr. ministro da marinha na sessão de 1880, que tem por fim applicar-se-lhe a lei de 8 de junho de 1863.
Apresentado pelo sr. deputado Pinheiro Chagas e enviado a commissão do ultramar, ouvida a de fazenda.

De Bernardo Augusto Teixeira de Lencastre e Menezes, thesoureiro pagador do districto do Porto, pedindo que por occasião da discussão da proposta do sr. ministro da fazenda para a creação de um banco emissor, a sua situação fique em tudo equiparada á do thesoureiro do ministerio da fazenda.
Apresentado pelo sr. deputado Carrilho e enviado á commissão de fazenda.

Dos primeiros sargentos de infanteria n.º 14, Francisco Rodrigues Antonio da Conceição Ribeiro de Andrade, Manuel Joaquim de Sousa e Antonio Abreu, contra o prejuiso de antiguidade para o sargento ajudante resultante do effeito retroactivo que se está dando no artigo 184.º e seus paragraphos da ultima reforma do exercito.
Apresentados pelo sr. deputado Pinheiro Chagas e enviados á commissão de guerra.

O sr. Antonio Baptista de Sousa: - Mando para a mesa, por parte da commissão de poderes, o parecer sobre a eleição do circulo n.º 29 (Marco de Canavezes). Peço a v. exa. que consulte a camara para que se dispense o regimento, e entre já em discussão este parecer.
Dispensou-se o regimento e leu se na mesa o parecer.
É o seguinte:

PARECER

Senhores. - Á vossa commissão de poderes examinou o processo da eleição supplementar de um deputado a que se procedeu no circulo uninominal n.º 28 (Marco de Canavezes) e verificando: 1.º, que o numero de listas e votantes fôra de 4:404, caíndo 1:400 votos no cidadão Alberto Antonio de Moraes Carvalho, sem que da acta da assembléa de apuramento conste em quem recaíram os restantes 4; 2.º, que o acto eleitoral correu com regularidade; 3.º, que o deputado eleito apresentou o seu diploma em devida fórma; é de parecer que deve ser approvada a eleição e proclamado deputado o referido cidadão Alberto António de Moraes Carvalho.
Sala da commissão de verificação de poderes, 8 de junho de 1887. = João Maria de Andrade = Pereira dos Santos = Alfredo Pereira = Antonio Lucio Tavares Crespo = Antonio Baptista de Sousa.
Foi approvado.
O sr. Presidente: - Proclamo deputado o sr. António Alberto de Moraes Carvalho.
O sr. D. José de Saldanha: - Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa uma representação da direcção administrativa do asylo montemorense de infancia desvalida, requerendo que lhe sejam entregues tres pedaços de terreno, pertenças do extincto convento da Saudação, que foi concedido, com todas as suas pertenças, a esse asylo, por carta de lei de 17 de maio de 1878, o que tudo consta do documento, que passo a ler.
(Leu.)
As rasões, que a direcção invoca, mostrando tambem que não está de posse dos tres pedaços de terreno, por talvez mal fundado escrupulo do respectivo administrador do concelho n'essa epocha, parecem-me justas, e por isso tudo peço a v. exa. que se digne enviar a representação á commissão de fazenda desta camara, para ella dar o seu parecer.
Aproveito a occasião de estar com a palavra para chamar attenção do governo para um ponto, que considero importante, e como. por parto do governo, esta só presente o sr. ministro da guerra, espero que s. exa. se dignará de tomar na devida conta, as considerações que vou fazer, e as transmittirá detidamente aos seus collegas da fazenda e das obras publicas, se o julgar conveniente.
O sr. ministro da fazenda, quando ha poucos dias n'esta casa se tratou da questão de fazenda, do orçamento rectificado e do banco emissor, avançou uma proposição, que tem uma grande importancia. Essa proposição foi a seguinte: que, tratando-se da reorganisação economica e financeira do paiz, é indispensavel, em primeiro logar, cuidar da, reorganisação financeira, para depois attender á reorganisação económica. S. exa., pondo a questão n'estes termos tão simples, declarou que o paiz não se póde reorganisar economicamente sem primeiro estar habilitado com os meios pecuniarios indispensaveis para acudir a todas os seus encargos, e esse raciocinio, esse pensamento, invoco-o eu para a questão agricola.
O governo entende que nau se póde reorganisar o paiz economicamente, sem primeiro estar reorganisado financeiramente.
Ora, admittindo que a commissão official do inquerito agricola e outras commissões, tenham a peito melhorar os processos agricolas, o que é certo é que, desde o momento em que a situação financeira dos lavradores é má, a primeira cousa, a que se deve procurar dar remedio, é essa má situação financeira, e d'aqui um argumento importante, valioso, a favor dos individuos, que estão dirigindo representações a esta camara, pedindo augmento de direitos sobre os cereaes estrangeiros; com effeito, é com o augmento dos direitos sobre os cereaes estrangeiros, é com essa protecção á agricultura, que se poderá conseguir preços remuneradores de venda para os nossos cereaes, e com preços remuneradores poderão os lavradores reorganisar o estado financeiro da sua industria, e depois tratar da sua organisação economica, melhorar os processos da cultura, etc.
Estão pois bem justificados os individuos, que se dirigem a esta. camara, pedindo a protecção pautai para os cereaes nacionaes.
Não desejo alargar-me agora em mais considerações a este respeito, porque quiz unicamente approveitar a occasião, para insistir n'um argumento capital a favor dos que pedem augmento de impostos sobre os cereaes estrangeiros, argumento que é invocado pelo governo na questão da fazenda publica.
Já que estou com a palavra não deixarei de me referir a um assumpto, que actualmente prende a attenção de nós todos.
Talvez v. exa., sr. presidente, estranhe que eu me re-

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fira a um assumpto, que está em discussão na ordem do dia, mas eu vou indicar em poucas palavras as rasões, que a isso me levam.
Em primeiro logar, se eu pedisse a palavra na ordem do dia, não teria a certeza de me chegar a vez de poder fallar; em segundo logar, pedindo a palavra, teria de seguir com o maior cuidado toda a discussão até á altura da minha inscripção.
Ora, sr. presidente, o papel ou missão do indivíduo, que tem de usar da palavra, quer seja para corroborar uma asserção do governo, quer seja para apresentar um ou outro alvitre tendente a melhorar qualquer projecto em discussão, ainda assim se torna difficil, porque esse individuo é obrigado a seguir com toda a attenção a discussão, que se levanta por parte da opposição, e a tomar nota de todos os seus argumentos, para os destruir, e não deixar em mau terreno os seus correligionarios politicos, o que obriga tambem a usar da palavra com mais largueza, o que eu não desejo fazer no projecto em discussão.
Aproveito, pois, a occasião para desde já chamar a attenção do sr. relator do projecto de lei em discussão, que se acha presente, para dois pontos, que eu entendo, que convem esclarecer.
Sr. presidente, o projecto de lei que se discute na ordem do dia, é destinado, pela força da sua propria natureza, a intervir sem duvida na organisação do banco de Portugal, e debaixo d'este ponto de vista tem dispertado o cuidado de muitos interessados, por isso que muitas das acções deste banco constituem bens dotaes, de uma natureza especial, que segundo as leis vigentes são de muito difficil subrogação.
Com a alta de cotação, que actualmente apresentam as acções do banco de Portugal, pergunto eu tambem se, encarando a questão debaixo d'este aspecto, convirá, ou não, permittir a subrogação d'esses titulos por um processo diferente, do seguido hoje, isto é, por um processo differente, mais simples, mais facil e mais barato?
Isto por um lado. Por outro lado, é sabido que nos paizes mais adiantados que têem sido invocados pelo sr. relator, pelos oradores, que têem tomado parte no debate, aos bancos emissores não está invariavelmente ligada uma constituição sob o regimen de sociedade anonyma de responsabilidade limitada.
Sr. presidente, nós em Portugal temos visto que todos os bancos tendem a viver sob o regimen da nossa lei imperfeitissima de sociedades anonymas de responsabilidade limitada.
O banco de Portugal entrou n'esse caminho ha poucos annos, e até o próprio banco hypothecario, que, por sua natureza especial, parecia que nunca poderia, nem deveria, constituir-se em sociedade anonyma de responsabilidade limitada, tambem hoje é companhia geral de credito predial portuguez, sociedade anonyma de responsabilidade limitada!
Pergunto eu, perguntam as pessoas interessadas lá fóra d'esta casa nos debates d'este projecto sobre o banco emissor, se na lei ficará, ou não, exarada qualquer disposição em que evidentemente se declare que a constituição do futuro banco emissor fica, ou não fica sujeita á constituição dos bancos, que vivem, no nosso paiz, sob o regimen da lei de sociedades anonymas de responsabilidade limitada?
Em segundo logar tambem pergunto se as obrigações emittidas pelo futuro banco emissor, o banco de Portugal ou outro qualquer, encontrarão na lei qualquer disposição especial relativa ao pagamento dos seus juros ou á amortização, de harmonia com a natureza especial d'essas obrigações.
Em terceiro, logar ainda pergunto se no projecto de lei, que se discute, está inserido qualquer artigo que tenha por fim explicar, mas em termos precisos e claros, a maneira por que o banco teria de proceder, quando se tratasse da sua liquidação, quer seja sociedade anonyma de responsabilidade limitada, quer não.
Ponho aqui termo ás minhas considerações, e agradeço a v. exa., sr. presidente, e á camara, a cortezia com que tiveram a bondade tambem de me ouvir, não só quando apresentei as rasões, que tive para usar da palavra neste assumpto antes da ordem do dia, mas ainda quando procurei indicar os pontos, para os quaes, constituindo me, em parte, echo do que se diz lá fóra, chamei, e torno a chamar, a attenção do sr. relator do projecto de lei relativo ao banco emissor.
O sr. Ministro da Guerra (Visconde de S. Januario): - Pedi a palavra simplesmente para declarar ao illustre deputado, o sr. D. José de Saldanha, que, com relação ás considerações que s. exa. fez sobre a protecção pautai que julga necessaria para a agricultura, darei conhecimento d'ellas aos meus collegas da fazenda e obras publicas, a quem interessa principalmente este assumpto.
S. exa. sabe que o sr. ministro das obras publicas já declarou que tinha mandado fazer um inquérito agricola, e declarou por essa occasião que, emquanto não se tivesse feito esse inquerito e formado a sua opinião, não tomava providencia alguma sobre este negocio.
O fim de s. exa. é de certo apreciar os trabalhos da commissão de inquerito para tomar depois uma deliberação sobre este importante assumpto.
S. exa. naturalmente vem hoje á camara, e poderá com mais desenvolvimento apresentar as suas idéas; entretanto communicarei a s. exa. as considerações do illustre deputado.
O sr. João Augusto de Pina: - Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa um projecto de lei, que é do teor seguinte.
(Leu.)
Sr. presidente, não é meu intento agora mostrar as modificações que precisam a lei e regulamento das escolas normaes, modificações aconselhadas pela pratica; fica isso para outra occasião. Apenas apontarei uma de entre muitas que facil é fazer, e que é urgente, porque póde muito bem aproveitar ainda a algum alumno que este anno frequentar as escolas norma es de 2.ª classe, e é com este fim que apresentei tal projecto de lei.
Tambem não pretendo agora mostrar a utilidade das escolas normaes, creadas com o fim de habilitar professores para o magisterio primario, classe de servidores tão util, mas tão desprotegida.
Sendo eu homem da instrucção, e ainda que o mais humilde dos professores, não cumpriria o meu dever se não levantasse n'esta casa a minha fraca voz em favor dos professores de instrucção primaria, d'esses obreiros da civilisação e da instrucção popular.
Sr. presidente, nunca fui propheta, nem tão pouco tenho pretensões a sel-o, mas, quando vi discutir no parlamento a lei que passou a cargo das camaras municipaes o pagamento dos ordenados dos professores de instrucção primaria, tremi pelo futuro d'elles, e o caso é que os factos têem mostrado que os meus receios eram bem fundados, se não certas as minhas previsões.
Fallando eu n'essa occasião com um cavalheiro que então era presidente de um município dos mais importantes do paiz, disse-me elle que, se a lei passasse, não sabia onde as camarás haviam de ir buscar dinheiro para pagar aos professores.
Pode talvez dizer-se que este era então o grito geral de todas as camaras, mas com todo este receio não me consta que uma só camara representasse contra tal lei, devendo notar-se que ella não passou de assalto, porque esteve em discussão duas legislaturas, se me não engano.
A lei porém foi posta em execução e foi então que as camarás a acharam pesada; apparecendo então as queixas e as lamurias.
Succedeu então o que está succedendo com o n.º 4.º do artigo 220.º do codigo administrativo, contra o qual até hoje ainda ninguem representou.

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Para pagamento de taes despezas foram as camaras auctorisadas a lançar um imposto até 15 por cento, e as juntas geraes e suas commissões receberam instrucções para não approvarem os orçamentos que não tiverem a verba destinada para o pagamento dos professores.
As camaras com tal auctorisação lançaram o imposto, e cobraram; mas algumas gastaram o dinheiro noutra cousa e não pagaram aos professores.
É aqui que começa a parte mais dolorosa para os professores.
Ha, porém, algumas a quem o dinheiro não chegou, e a lei diz, que quando não cheguem os 15 por cento e não tenham outros meios poderão em taes casos pedir um subsidio á junta geral do districto, e quando esta não possa satisfazer pedirão ao governo.
Foi isto o que algumas camaras fizeram; mas nem junta geral, nem governo deram nada, e não me dirão agora aonde as camarás que se acham n'estas circumstancias hão de ir buscar dinheiro para pagar aos professores, não tendo outros rendimentos?
Não são immerecidas e injustas as censuras que todos os dias os jornaes fazem ás camaras que não pagam, e que não pagam porque não podem.
O resultado de tudo isto é algumas camaras deverem sete mezes de ordenado e gratificações aos professores, outras cinco, outras tres, poucas são as que pagam em dia, sendo por isso dignas de louvor.
Os professores em taes circumstancias lançavam mão de varios modos de vida, assim; uns vão cavar, outros pedem esmola, outros vivem de subscripções, se é que não mirrem á fome, segundo dizem os jornaes!
Isto é uma vergonha, não só para a camara, mas para a nação inteira, quando lá fora se souber que os professores officiaes de instrucção primaria de Portugal, para não morrer á fome, uns vão cavar, outros vivem de subscripções e outros pedem esmola. Isto faz corar as faces de vergonha a todos os portuguezes.
Talvez que os 15 por cento que as camarás podem lançar com os o por cento das juntas geraes e os 3 por cento das juntas de parochia, que sommam 21 por cento, lança dos pelo governo ou pelo districto, chegassem para pagar aos professores e talvez para construir casas para escolas, accommodadas ás circunstancias locaes.
Os professores tinham o pagamento do seu ordenado certo, ainda que era pequeno, e estavam livres de muitos vexames que elles soarem de muitas camaras; porque umas vezes não se paga ao professor, porque elle não votou nas eleições com o presidente da camara; outras vezes porque é inimigo político do camarista da instrucção; outras vezes porque o escrivão da camara não gosta d'elle, e assim o mais; com o alvitre que proponho, remedeiam-se estes inconvenientes.
Agora vejamos como algumas camaras cumprem ou executam a lei.
Umas dispensaram por sua conta e risco os delegados parochiaes, sob o pretexto de que taes delegados cerceavam os seus vencimentos; no entretanto praticaram uma illegalidade.
Outros nomearam professores primarios sem ouvir a junta escolar; outra illegalidade.
Outros demoram a nomeação dos candidatos ao magistério para favorecerem os amigos.
Outros quasi que forçam a alguns professores a requerer transferencia para outra cadeira, com o fim de collocarem na cadeira vaga pela transferencia a algum afilhado.
Outros despacham o menos habilitado, dando isto occasião a recurso para os tribunaes administrativos.
Outros fazem a nomeação sem, ouvir a junta escolar; outra illegalidade.
Outros pretendem reintegrar pessoas, que pelo seu mau porte estavam fora do professorado, revelando-se n'isto um patronato, escandaloso.
Uma d'ellas chegou a nomear um rapaz de dezoito annos, professor temporario de uma escola mixta, quando a lei diz que deve ser nomeada uma professora; por consequencia outra illegalidade.
Outros demoram os concursos para favorecer os afilhados que regem as cadeiras como provisorios.
Finalmente, é quasi impossivel apontar todas as infracções que as camaras praticam no cumprimento de tal lei.
As juntas escolares, compostas a maior parte d'ellas de gente incompetente, commettem tambem muitos abusos, sendo um d'elles muito frequente a nomeação de pessoas inscientes para examinadores dos exames de ensino elementar, que a lei lhes faculta.
Do que fica exposto se vê claramente que quem governa não é a lei, mas sim a vontade e muitas vezes o capricho das camaras, havendo em tudo isto um chaos, vendo-se o governo obrigado a dar continuas providencias, que apparecem todos os dias no Diario do governo, para evitar estes abusos e arbitrariedades.
As juntas de parochia são obrigadas a dar casa para o professor e escola e mobilia escolar, podendo lançar o imposto de o por cento para satisfazer estas despezas.
Este imposto tambem não chegou em algumas freguezias; mas a lei não foi imprevidente com as juntas de parochia, como foi com as camaras, porque não diz aonde as juntas hão de ir buscar dinheiro, quando não cheguem os 3 por cento; o resultado é ellas não cumprirem por não poderem.
Muitas d'ellas querendo aindar dar um certo cumprimento á lei e ter uma escola na freguezia, arranjaram com effeito casa, mas casa que não está nas condições, assim como a mobilia; muitas vezes o recenseamento escolar accusa quarenta creanças obrigadas á escola e na casa não cabem senão vinte.
Demais, sr. presidente, as escolas primarias são frequentadas por creanças pobres, que apparecem na escola sem livros, sem papel e sem pennas, e todos nós sabemos que sem livros não se lê e sem papel não se escreve; mas quem ha de dar estes objectos indispensaveis ás creanças... hão de ser as juntas de parochia, que não têem meios, e ha de ser o professor a quem se devem cinco ou seis mezes de ordenado e que por isso não tem que comer?
Sr. presidente, o ensino obrigatorio não soffreu opposição nem dos paes nem dos filhos; mas sim de muitas camaras e juntas de parochia, que por falta de meios, e tambem algumas por má vontade, deixam de cumprir as obrigações que a lei lhes impõem.
Sr. presidente, talvez esta linguagem seja demasiadamente franca; mas eu não censuro ninguém; o meu paiz manda que eu diga aqui toda a verdade, e eu só expuz os factos como elles se dão; a camara faça desta expansão franca e singela o uso que entender, e eu só peço ao governo que olhe com olhos de compaixão para este estado de cousas.
Disse.
O sr. Arroyo: - Poucos minutos tomarei á camara.
Vou chamar a attenção de v. exa. e do governo para uns assumptos, cuja discussão me está parecendo inadiavel.
V. exa. sabe que eu tive a honra de annunciar tres interpellações ao governo em meiados de abril, uma relativamente aos acontecimentos do Porto por occasião doe meetings dos manipuladores de tabacos; outra relativamente ao decreto que approvou o regulamento para o encanamento e abastecimento das aguas n'aquella cidade; e outra relativamente ao procedimento da auctoridade com relação ao meeting que ali teve logar em 1 de agosto de 1886, contra o primeiro acto de dictadura do actual governo, o decreto que approvou a reforma administrativa.
Quanto á primeira interpellação, o sr. ministro do reino deu-se em 19 de abril por habilitado para lhe responder, mas ainda não foi possivel realisar-se.

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Quanto ás outras duas, s. exa. ainda se não deu por habilitado.
Mais uma vez fallo sobre este assumpto, para tornar bem frisante, e para que fique bem assente e bem definido que o facto do sr. presidente do conselho não responder ás interpellações que lhe annunciei, é unica e simplesmente da responsabilidade de s. exa. (Apoiados.)
Vou, em primeiro logar, pedir a v. exa., sr. presidente, que se digne envidar todos os esforços, a fim de que se realise a interpellação annunciada, sobre os ultimos acontecimentos do Porto, dentro do mais breve espaço de tempo possivel, e para que s. exa. se dê por habilitado para tambem, responder ás outras duas, sobre o decreto de 2 de dezembro de 1886, e sobre o procedimento do governo e das auctoridades do Porto por occasião do meeting de 1 de agosto do anno passado, a fim de que se possam effectuar brevemente.
Em segundo logar, peço ao sr. Marianno de Carvalho que inste com o seu collega do reino, a fim de que, no mais breve espaço de tempo possivel, o sr. ministro do reino me dê a honra de discutir commigo esses assumptos.
Sr. presidente, não desejo tomar tempo á camara, estando, pendente, da discussão um assumpto dos mais importantes que têem occupado a attenção do parlamento nos ultimos annos.
Mas não posso terminar, sem rogar a v. exa. se digne esforçar-se por que o sr. ministro do reino compareça ás sessões d'esta casa antes da ordem do dia, pois ha talvez um mez, que s. exa. não nos dá o prazer e a honra de se sentar n'aquellas cadeiras para responder ás perguntas que lhe desejâmos fazer.
V. exa. comprehende que tendo a discussão da resposta ao discurso da coroa, vergado quasi exclusivamente na outra casa do parlamento sobre a concordata celebrada com a Santa Sé ácerca do nosso padroado no oriente, e que não tendo de responder por este acto o sr. ministro do reino mas o sr. ministro dos negocios estrangeiros, s. exa. ha muito tempo poderia comparecer n'esta casa antes da ordem do dia. (Apoiados.)
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Transmittirei ao meu collega do reino as considerações que o sr. deputado Arroyo acaba de fazer.
S. exa. não tem comparecido n'esta camara porque tem estado, na camara dos pares assistindo á discussão da resposta ao discurso da corôa, e embora só até agora se tenha tratado quasi exclusivamente da questão da concordata, é pratica antiga que o presidente do conselho assista á sua discussão, e é boa pratica, porque a cada momento se pode levantar uma questão politica, o que o sr. presidente do conselho não póde adivinhar.
Eu creio que o sr. presidente do conselho que é um parlamentar distinctissimo, não só não teme o parlamento, mas tem até muito gosto em responder n'elle pelos seus actos, a s. exa., e s. exa. tem tanto empenho em responder ao illustre deputado quanto s. exa. tem mostrado em interpellal-o.
Em todo o caso, eu communicarei a s. exa. as considerações que o illustre deputado acaba de fazer, e estou certo que s. exa. &e apressará em vir a esta camara o mais breve que possa.
O sr. Barbosa Magalhães: - Por parte da commissão de administração publica, mando para a mesa um requerimento, pedindo varios documentos e esclarecimentos pelo ministerio de reino.
Aproveito a occasião de estar com a palavra para mandar tambem para a mesa o diploma do deputado eleito, sr. Poças Falcão.
Peço a v. exa. paia que consulte a camara sobre se permitte que a commissão de verificação de poderes se reuna desde já para dar o seu parecer.
Consultada a camara, esta assentiu.
O sr. Antonio Maria de Carvalho: - Mando para a mesa o diploma do deputado eleito pelo circulo de Montalegre, o sr. Antonio Pessoa de Barros e Sá.
Faço identico pedido ao do meu collega, isto é, que a commissão de verificação de poderes se reuna desde já para dar sobre elle o seu parecer.
O sr. Arthur Hintze Ribeiro: - Na sessão de quarta feira tinha pedido a palavra para quando estivesse presente o sr. ministro da fazenda, a fim de mandar para a mesa duas representações: uma da fabrica de tabacos angrense, estabelecida na ilha Terceira, e outra das fabricas de tabacos michilense, insulana, união e estrella, da ilha de S. Miguel.
N'esta duas representações pedem se attenda aos interesses da cultura e industria de tabacos nas ilhas, ameaçados de completa ruina, se na proposta do sr. ministro da fazenda sobre tabacos, que está para ser discutida n'esta camara, não forem salvaguardados.
Foi por este motivo que tinha pedido a palavra para quando s. exa. estivesse presente, desejando fazer algumas considerações sobre este assumpto, a fim de tornar bem saliente a sua importancia para as ilhas.
Chamo a attenção de s. exa. para dois pontos capitães, muito importantes para a industria agricola e manufactureira do tabaco ali existente. Taes são, a exportação de tabaco de producção insulana para o continente, e a introducção lá dos productos enviados pela fabrica ou fabricas, a quem for concedido o privilegio.
Para bem se poderem avaliar as condições do primeiro ponto, farei uma breve descripção das circumstancias por que tem passado esta industria nas ilhas.
Quando em 1864 se extinguiu o monopolio do tabaco, as ilhas pagavam por esse regimen, 70:000$000 réis annuaes. N'essa, occasião para garantir os interesses do thesouro, ficou estabelecido que essa quantia seria percebida pela somma dos direitos de importação de tabaco e o importe de licenças para venda, nos quatro districtos do Funchal, Angra, Horta e Ponta Delgada; e se faltasse ainda alguma cousa para completar a importancia dos 70:000$000 réis, a differença seria supprida por um imposto de compensação, cobrado por um addicional ás contribuições directas.
Com isto ficou assegurado o rendimento ao thesouro, mas apesar de nos primeiros annos, haver um excesso a favor, depois foi decrescendo de anno para anno, até chegar a dar um déficit de cerca de 30:000$000 réis em 1881, que, sendo suppridos pelo imposto compensador, no addicional ás contribuições directas, se tornava sobremodo vexatorio, pois recaía sobre indivíduos que não eram nem productores nem fabricantes de tabacos.
Como compensação a este pesado tributo, foi concedida a livre cultura de tabacos nos quatro districtos, e logo direi qual o proveito que tiraram d'esta concessão no periodo que decorreu de 1864 para cá.
Foi n'estas condições que se procurou remediar o roal pela lei de 1882, a qual creou um imposto sobre todo o tabaco manipulado nas ilhas, de 160 réis fortes por kilogramma; o que, melhorando este estado de cousas, não o reparou completamente, sendo a falta em annos subsequentes ainda de cerca de 19:000$000 réis, que continuavam a incidir sobre a propriedade, alem do modo injusto e desigual por que isso se fazia, pois sendo este imposto distribuido pelos quatro districtos proporcionalmente ás contribuições directas, que cada um paga, dava-se o facto de alguns d'elles, pagando, na parte que lhes tocava na verba tabaco, mais do que lhes competia, serem ainda aggravados com o importo compensador, mais do que outros, pela superioridade das suas contribuições directas; é o que succedia ao de Ponta Delgada, sobre que recaía a maior parte d'essa differença, apesar de pagar de imposto de tabaco cerca de 3:000$000 réis mais do que lhe pertencia.
A lei de 1885 extinguiu completamente o imposto de

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compensação e augmentou de 160 réis fortes a 200 réis o imposto creado pela lei de 1882, que incidia sobre cada kilogramma de tabaco manipulado nas ilhas, tendendo assim a resalvar os interesses do estado.
Alem d'isso, a lei de 1885 ainda teve outro alcance, que foi o de reparar uma injustiça que até então lhes fôra feita. Como disse, fôra concedida pela lei de 1864 a livre cultura de tabaco nas ilhas, em virtude do que os seus tabacos não podiam entrar no continente som pagar um imposto igual os dos tabacos estrangeiros, tanto em folha, como manipulados. N'esta parte, porem, estava a injustiça, pois sendo livre a manipulação no continente, e vivendo as ilhas debaixo do mesmo regimen legislativo, os seus habitantes deviam ter iguaes direitos e não havia rasão alguma para o tabaco manipulado lá, não poder entrar cá, sem mais ónus ou encargo, como succedia ao que ia de cá para lá.
Por esta lei ficou estabelecido que todo o tabaco manipulado nos Açores e Madeira podesse entrar no continente, pesando sobre elle simplesmente o direito de 1$680 réis, correspondente ao que paga a folha estrangeira.
Vejamos, porém, qual a rasão por que a cultura de tabaco até hoje nas ilhas não tem produzido todo o resultado que era para desejar, e porque a lei de 1885, nos annos que tem mediado de então para cá, não deu ainda logar a exportação para o continente, que se possa considerar de importancia.
E sabido que a cultura do tabaco depende de estudos especiaes, de muito trabalho e despezas, e só com o tempo se póde obter resultado. Teria por isso sido conveniente a concessão de alguma medida protectora para, á sua sombra, os individuos que se applicassem á essa industria poderem, sem risco de perda total, abalançar-se a experiencias tendentes a aperfeiçoal-a; mas até ali nada disso se tinha feito. Se a liberdade de cultura nas ilhas lhes tivesse sido concedida, acompanhada de um direito differencial, como se fez, com toda a justiça para o Douro, a que se permittia a deducção de 150 réis fortes por kilogramma no direito da folha de tabaco ali cultivado, naturalmente não teria ella ficado estacionaria e talvez se tivesse conseguido levar o seu aperfeiçoamento ao que se desejava.
Ora, o preço de 150 réis por kilogramma é quasi o custo da producção e permittiria ao cultivador applicar á cultura todos os seus cuidados para obter as boas qualidades de tabacos, de que mais tarde tiraria preço remunerador. Era tambem necessario que o fabricante encontrasse para os seus productos uma area mais extensa para a sua extracção, mas é facto que até 1885 o consumo do tabaco insulano esteve limitado ás ilhas, e só de então para cá teve abertos os mercados do continente.
Para se poder bem avaliar a difficuldade da cultura do tabaco e os estudos que demanda para chegar a um resultado completo, peço licença para ler á camara o seguinte trecho:
(Leu.)
Por aqui se vê quanto são complexos estes estudos.
Mas a lei de 1885, augmentando a área de exploração para este producto insulano, veiu até certo ponto dar novas esperanças, até ali apoucadas pela falta de protecção. Ainda porém não teve tempo de produzir os seus effeitos, pois que para a colheita de 1885 estava já feita a plantação e só a experiências muito imperfeitas podia dar logar. A cultura de 1885 foi colhida ha poucos mezes e ainda se não póde avaliar d'ella, pois que os seus productos estão ainda em armazem. Com relação á de 1887 nada se póde dizer porque está ainda na terra.
N'estas circumstancias seria altamente impolitico e cruel ir com um traço de penna esbulhar direitos tão justamente adquiridos, sacrificar estes, creados á sombra de uma lei justa, cujas vantagens tinham já dado logar a experiencias e a despezas avultadas, na crença da proficuidade e validade das leis, e destruir o inicio de um futuro, que póde ser tão prospero para os povos insulanos, sem prejuizo e antes com interesse do estado.
Portanto, se a proposta do sr. ministro da fazenda for approvada, o unico modo de conciliar neste ponto os interesses insulanos seria permanecer a faculdade concedida pela lei de 1885 e pagar o tabaco fabricado nas ilhas á sua entrada no continente, o mesmo que era rateio por kilogramma couber nos 4.250:000$000 réis ao fabricado pelos agremiados ou pelo concessionário do exclusivo.
Sobre o segundo ponto, isto é, a introducção lá dos productos destes, nada ha ainda resolvido, segundo me consta por informações particulares; é, pois, perfeitamente tempo de prevenir o mal que d'ahi proviria, se isso lhes fosse permittindo sem restricções.
Creio que nos 4.250:000$000, réis, que o concessionario terá de pagar ao estado, não foi computada a importancia que as ilhas pagam pelo importo sobre o tabaco estrangeiro importado, mas, mesmo quando o fosse, como esta monta, pelos calculos dos ultimos annos, a 25:000$000 réis ou 30:000$000 réis, facil seria deduzil-os d'aquella quantia, aliás seria concedida á companhia concessionaria uma área de exploração muito maior do que a devida.
Por um calculo muito simples se vê que, pela concessão feita, nas condições da proposta do sr. ministro da fazenda, as vantagens são de tal modo salientes; que na realidade não carece de outras.
Calculando-se em 3.350:000$000 réis a media do rendimento para o estado, nos ultimos tres annos, em tabaco, este não foi por certo vendido ao consumidor por menos de 6.500:000$000 réis. O desconto feito pelas fabricas aos revendedores orça, termo médio, por 25 por cento, o que em relação a esta quantia dá 1.625:000$000 réis; basta que seja reduzido a 10 por cento, o que está na mão do fabricante armado do exclusivo, para só por isso ficar com mais do que os 900:000$000 réis que tem de pagar sobre o actual perdimento.
Não é, pois, necessario, conceder uma maior area de exploração pára lhe assegurar um lucro superior á importância da retribuição que terá de pagar.
Actualmente é consumo de tabaco nas ilhas orça annualmente por 200:000 kilogrammus, de que 90 por cento é fornecido pelo de cultura e fabrico indigena, e sobre este o estado recebe o imposto especial de 200 réis fortes por kilogramma, pago á saída das fabricas. E o consumidor de maiores meios, quem compra os 12:000 ou 15:000 kilos de tabaco estrangeiro, importado nas ilhas, por preces iguaes aos do continente, 3$200 a 3$600 réis por kilo; e o pobre, que em grande maioria paga pelo que consome de producção insulana, cerca de 600 réis por kilo, isto é, 15 grammas por 10 réis fracos ou 8 réis fortes; ao passo que no continente se paga 40 réis por cada 14 grammas de tabaco mais inferior, quasi cinco vezes mais.
N'estas condições vejamos o que succederá, se ao concessionário for permittida a livre exportação para as ilhas. Como pela somma de 4$250 réis fica com o direito de importar o tabaco que carecer para o seu fabrico, o fará não só do que for destinado ao consumo no continente, mas ainda do necessario para supprir o d'aquellas. Tendo por si a vantagem da melhor qualidade; como o custo, por que obtém a materia prima do estrangeiro, não é superior ao por que fica a sua cultura nas ilhas, sobre a qual pesa o referido imposto de 200 réis fortes por kilo de tabaco manipulado, poderá sem prejuizo baixar o preço até ao ponto de tornar impossivel qualquer concorrencia.
Fica pois demonstrado, que era impossivel ás fabricas insulanas entrar em concorrencia com a companhia concessionaria do exclusivo, logo que esta podesse exportar livremente para lá os seus productos, e dentro em pouco aquellas desappareceriam e o resultado seria acabar a cultura de tabacos nas ilhas, com desastrosas consequencias para ellas, como vamos ver.
Sendo, como disse, o consumo annual lá de cerca de

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200:000 kilos de producção, quasi na totalidade indigena, pelo preço de 600 réis importam em 120:000$000 réis; mas uma vez morta a industria local, pagarão por preços iguaes aos do continente o que para lá for exportado; isto é, por um valor cinco ou seis vezes superior, 600:000$000 ou 700:000$000 réis, que d'ellas sairão integralmente, em contrario ao que actualmente succede; aggravando assim as suas circumstancias já pouco prosperas.
E isto sem compensação alguma, pois de pouco vale a obrigação imposta ao concessionário de comprar nas ilhas 5 por cento do tabaco em folha, que os fabricantes do continente manipularem. O consumo total do continente é calculado em cerca de 1.700:000 kilos, de que deduzidos 5 por cento temos 85:000 kilos, que hoje valem entre 100 a 160 réis por kilo, ou ao todo cerca de 11:000$000 réis, a distribuir pelas dez ilhas dos Açores e Madeira; producto de cerca de 60 hectares de terreno, que sem essa onerosa vantagem seriam applicados ás outras culturas existentes, de milho, fava, trigo, etc. E de primeira intuição que, sendo a compra obrigatória limitada áquelles 85:000 kilos e a quantidade a vender illimitada, o comprador poderá pagal-os como lhe approuver, e o cultivador não tirará mais vantagem desta cultura do que d'aquellas que são menos dispendiosas e menos sujeitas a contratempos.
Portanto, é urgente que se attenda ás circumstancias especiaes em que estão as ilhas e chamo a attenção do sr. ministro da fazenda, muito particularmente, para tal assumpto; e se for approvada a proposta de lei em questão, peço para n'ella ficarem bem claras as seguintes condições:
1.º Que o exclusivo de fabricação é só no continente.
2.º Que o tabaco estrangeiro que entrar no consumo das ilhas, independente da entidade que o introduziu, fica nas condições actuaes, pagando o direito de 1$680 réis o que lá entrar em folha ou o fabricado pela companhia concessionaria do exclusivo, e pagando o manipulado no estrangeiro o mesmo a que estiver sujeito na sua entrada no continente;
3.º Que essa receita de todo o tabaco estrangeiro, que se consumir nas ilhas é para os cofres do estado, sem dar direito a nenhum desconto ou encontro no preço da concessão; ficando este preço unicamente relativo ao consumo do continente.
Se porém deliberarem por qualquer motivo não attender a tão justas reclamações, ao menos se estenda até lá o principio estabelecido, de serem expropriadas e indemnisadas as fabricas actualmente existentes.
Feitas estas considerações, mando para a mesa estas duas representações, que espero serão tornadas na devida consideração, tanto pelo governo como pela respectiva commissão, e peço a v. exa. as faca publicar no Diario do governo.
O sr. Presidente: - Dou a palavra ao sr. ministro da fazenda; mas lembro a s. exa. que é chegada a hora de se passar á ordem do dia.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - É só por consideração para com o illustre deputado que pedi a palavra e não tomo mais de dois minutos. Comprehendo, os desejos de v. exa. para que se entre na ordem do dia, e não menos comprehendo o desejo que a camara tem em ouvir um orador tão distincto, como é o sr. João Pinto Rodrigues dos Santos, que, como creio, é quem se segue a fallar.
Quanto á questão do tabaco nas ilhas, já tive occasião de tratar deste assumpto numa conferencia que tive com os srs. deputados dos Açores, relativamente á crise monetaria. Tomo ma maior consideração as observações feitas pelo illustre deputado, e chamarei para o assumpto a attenção da commissão, a fim de sem se sacrificarem os interesses do estado, se não prejudiquem os interesses dos povos açorianos.
O sr. Presidente: - Como é a hora de se passar á ordem do dia, se alguns srs. deputados têem papeis a mandar para a mesa, podem fazel-o.
O sr. Pinheiro Chagas: - Não me tendo chegado a palavra para dirigir algumas perguntas ao sr. ministro da guerra, pedia a v. exa. no caso de lhe ser possivel, a fineza...
O sr. Ministro da Guerra (Visconde de S. Januario): - Sr. presidente, eu quero unicamente dizer ao illustre deputado o sr. Pinheiro Chagas, que sinto não houvesse hoje occasião de s. exa. fazer as perguntas a que eu teria muito gosto de responder.
Se ámanhã, antes da ordem do dia, s. exa. poder comparecer, terei muita satisfação em ouvil-o e responder a s. exa.
O sr. Oliveira Martins: - Mando para a mesa uma representação da associação commercial do Porto, contra o novo regimen pautal.
Peço a v. exa., consulte a camara sobre se consente a sua publicação no Diario do governo.
Foi auctorisada a publicação.
O sr. Presidente: - Como a hora está adiantada, vae passar-se á ordem do dia.

ORDEM DO DIA

Continua a discussão do projecto de lei n.º 104, banco emissor

O sr. João Pinto dos Santos: - Sr. presidente, estou collocado numa posição difficilima, porque tenho de responder a uma notabilidade d'esta casa, que é tambem uma notabilidade do paiz, ao sr. Oliveira Martins, que na sessão anterior tratou d'este projecto, de que é o relator, com a proficiencia de que é capaz, pelo seu grande talento e pela especialidade dos seus conhecimentos.
Eu contava n'essa sessão poder responder a s. exa., e tinha dado ás minhas idéas uma certa disposição, disposição que não altero, respondendo agora ás considerações de s. exa., não pela ordem por que as produziu, mas pela maneira que melhor se coadune com o plano que previamente eu havia traçado.
Sr. presidente, o sr. Oliveira Martins, no relatorio d'este projecto, dizia:
«Não é aqui o logar para fazer as largas considerações a que se prestaria esta instituição, porque seria injuria aos conhecimentos da camara o suppor que lhe são desconhecidos, e, portanto, seria uma perda absoluta de tempo e trabalho reproduzir palavras ociosas.»
O sr. ministro da fazenda, no relatorio da proposta, copiado no relatorio do projecto de lei, dizia:
«É inutil repetir mal aqui tudo quanto excellentemente se tem escripto ácerca do regimen bancario e da circulação fiduciaria.»
Sr. presidente, para s. exas. as considerações sobre o regimen bancario e a apreciação dos diversos systemas sobre a circulação fiduciaria serão muitissimo simples, muitissimo faceis; mas para mim é que, com certeza, o não são, nem talvez para a generalidade da camara.
É costume dizer-se, sempre que o orador entra em explicações mais minuciosas, que não falla para a camara, que é composta das maiores illustrações da nação, e que por isso sabe tudo, mas que se dirige ao paiz, que de fóra acompanha as discussões parlamentares.
Sr. presidente, parece-me que, sem injuria para ninguem, póde affirmar-se que, discutindo-se um assumpto nas suas idéas geraes e nas suas especialidades, se não falla só para o paiz, falla-se tambem para a camara, pois que, se ninguem contesta haver n'ella um grande numero de notabilidades em todos os ramos da sciencia, tambem ninguem ousa affirmar que são variadas as aptidões, conhecendo cada um a sua especialidade, mas ignorando totalmente ou sabendo pouco da ordem de estudos a que se não dedica. D'esta variedade de aptidões e que nasce a possibilidade de se legislar para todos os assumptos.

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Se para o sr. Oliveira Martins, e para o sr. Marianno de Carvalho, economistas distinctos, estas considerações são triviaes, para mim são muito importantes. E não me envergonho de pensar assim sobre este ponto, quando vejo o sr. Rodrigues de Freitas, que é um dos mais notáveis economistas do paiz, nuns artigos publicados no Commercio do Porto sobre o banco emissor, estranhar que o relator do projecto achasse tão fácil a justificação do monopólio da emissão fiduciaria, que nem sequer lhe merecesse duas palavras!
E não me parece estranho gastar tempo na exposição do regimen fiduciario, quando o proprio sr. ministro da fazenda, no seu relatório, confessa que «a escola economica se fracciona em multiplicados alvitres e variadas opiniões ácerca d'estes pontos difficeis da sciencia social».
Se são difficeis estes assumptos, não se fará injuria á camara, occupando-se um orador d'elles.
E tanto reconheceu esta verdade o sr. Oliveira Martins que, sustentando no relatório que era ocioso perder tempo na exposição de doutrinas bem conhecidas da camara, não conseguiu no seu discurso fugir á enunciação de idéas bem sabidas, entrando na apreciação da idéa de socialismo.
S. exa. fez distincção entre socialismo e socialismo, ligando á palavra socialismo differentes accepções, considerando um como anarchia e outro como socialismo do estado, e declarou que era socialista nesta ultima accepção.
Eu não desconheço que esta escola é talvez a que vae tendo mais curso e maior importancia.
O eterno problema do direito publico ha de ser a conciliação dos direitos individuaes com os interesses geraes, da collectividade.
N'umas epochas, os direitos individuaes quasi não existem porque o estado é que dispõe á sua vontade da vida dos individuos.
N'outras, depois de enormes luctas, depois de grandissimos esforços, os individuos conquistam a posição de cidadãos, proclamam os direitos do homem e fazem-nos respeitar contra a vontade dos dirigentes da sociedade.
No primeiro caso, o individuo desapparecia sempre no meio da collectividade, não tendo direitos pelo facto de ser homem, mas sómente por concessão gratuita da sociedade.
No outro caso, estabelecem-se e definem-se os direitos do homem; e como foi difficil a conquista, como custaram muitas luctas e muito sangue contra a oppressão, esses direitos impõem-se ainda mesmo contra os interesses geraes. Mas, como estes dois pontos de vista da organisação social são incompletos, posto que verdadeiros, apparece uma terceira escola que pretende fazer uma justa conciliação entre os direitos individuaes e os interesses da collectividade que se denomina estado, respeitando os direitos dos cidadãos e cerceando-os somente, quando o interesse do maior numero exija o sacrificio dos direitos de alguns.
É n'este sentido que os maiores estadistas deste século, como Bismark, Gladstone e outros, vão dirigindo a politica das nações, a cujo governo presidem.
E esta escola que em geral se denomina socialismo de estado.
O sr. Oliveira Martins declarou-se adepto d'ella, e eu tambem a não guerreio, sem que, comtudo, desconheça os grandissimos perigos a que póde dar logar.
Como o estado fica o supremo apreciador dos interesses geraes da collectividade, póde sacrificar quando, e como quizer, os mais legitimos interesses dos cidadãos, porque não ha déspota que não tenha defendido as suas maiores violencias com a salvação publica!
O estado póde regular todas as espheras da actividade social, póde fazer-se administrador de varias industrias com prejuízo dos interesses individuaes.
Se a interferencia do estado fosse sempre determinada por motivos de verdadeira utilidade publica, não seriam grandes os inconvenientes apontados; mas quantas vezes os governos se deixam dominar por considerações de outra ordem?!
Estas ponderações são profundamente verdadeiras.
Herbert Spencer, que é talvez o maior pensador d'este seculo, tratando d'este assumpto no seu livro O indivíduo contra o estado, consagra um capitulo explendido a ponderar os inconvenientes do socialismo do estado, capitulo que elle intitula a Escravidão futura.
Em vista d'isto, eu sigo o socialismo emquanto tender a conciliar os legitimos interesses individuaes com os legítimos interesses da collectividade, abandonando-o desde que os governos sacrifiquem os direitos dos cidadãos aos seus caprichos, á sua vaidade e aos interesses injustificaveis.
Dito isto como resposta às considerações geraes apresentadas pelo sr. Oliveira Martins, vou roubar algum tempo á camara na exposição dos diversos systernas sobre circulação fiduciaria.
Sr. presidente, n'esta questão de circulação fiduciaria ha tres opiniões distinctas, e na historia da economia politica encontram-se representantes de todas estas doutrinas.
Alguns economistas, partidarios da livre concorrência, entendem que a, circulação fiduciaria póde ser exercida por todos os bancos, é que não deve, portanto, existir um unico banco com o privilegio da emissão...
Fundam-se estes economistas em que uma. nota de um banco é uma obrigação commercial, como outra qualquer, com o seu poder de compra e o seu poder de troca, valendo pelo endosso do banco que a emitte, não como uma especie nova de moeda, mas como uma promessa de receber uma moeda; e que por isso, como todos os outros titulos commerciaes, ainda que diffira d'elles alguma cousa, como os diversos titulos differem entre si, deve estar sujeita ao regimen da livre concorrencia.
Sustentam que a concorrencia aqui, como em tudo o mais, não traz senão vantagens.
Fundando-se diversos bancos, cada um tem interesse em pôr na circulação o maior numero de notas, dando assim em resultado uma extensão de credito superior á que proviria de um unico banco emissor.
E não ha perigo de que essa extensão de credito seja extraordinaria e prejudicial, porque a multiplicidade de emissões garante uma seria fiscalisação exercida entre si pelos bancos emissores, corrigindo-se mutuamente, quando se excederem...
Alem d'isso, a extensão do credito, manifestada pela emissão de notas, não se desenvolve arbitrariamente, antes obedece a leis naturaes que não podem transgredir-se sem que haja perturbações no funccionamento regular da circulação.
Se um banco emittisse maior numero de notas do que o indispensavel para as necessidades do mercado, diminuiria o periodo da circulação media e regressariam as notas ao banco.
Esta asserção tem sido confirmada por diversos inqueritos e nomeadamente pelo inquerito feito em Inglaterra em 1832, em que os banqueiros da provincia respondiam: «que a somma das suas emissões é exclusivamente regulada pelos negócios do commercio e pelas despezas feitas nas suas localidades respectivas, variando com á producção e os preços; que elles não podem levar as suas emissões, alem do numero fixado por estes negocios, sem verem as notas regressar immediatamente ao banco, assim como não podem diminuir a emissão sem que notem um vacuo que depressa vae ser preenchido por qualquer outra cousa».
Sendo assim, a alta e baixa dos preços não são originadas pelo augmento ou diminuição na emissão de notas, acontecendo até que aquelles phenomenos precedem estes, como averiguou sr. Tooke nos eu livro Histoire des prix, não podendo por isso ser consequencia d'elles.
E d'esta fórma evidenceia-se que a emissão de notas por

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differentes bancos pouca influencia póde ter para a formação das crises.
Pelo contrario, as crises são preparadas pelo facto de se concentrar num banco toda a moeda metallica de um paiz, pois que, havendo pânico, todos se dirigem lá para levantar os seus capitães, vendo se na necessidade esse banco de levantar a sua taxa de descontos, como succedeu ao banco de França, em 1879 e 1880. D'esta fórma, diminue a circulação é a crise toma gravissimas proporções.
E por isso que em França, apesar da protecção dada pelo governo ao banco emissor, os grandes negocios preferem as sociedades financeiras.
Em resumo, os partidarios da livre concorrencia querem a liberdade de emissão de notas, já porque estas são uma obrigação commercial como qualquer outra, já porque ha utilidade social, deixando-se a emissão entregue ás leis naturaes com todas ás vantagens e inconvenientes, sem nenhuma outra regulamentação que não seja a necessaria para as sociedades commerciaes em geral.
N'isto, como em tudo, a humanidade passa de um polo a outro polo; e á escola que defende a livre concorrencia, segue-se a que sustenta o monopolio, quer seja exercido por um banco do estado, quer por um ou mais bancos, a quem o estado confira a faculdade de emissão, tendo ou não uma regulamentação especial.
Os monopolistas, sustentando a sua doutrina, affirmam que as notas do banco differem das letras, cheques e outros papeis commerciaes, pois que, emquanto estes representam obrigações mercantis, as notas são uma especie de moeda, um mero instrumento de circulação; e, se o direito de cunhar moeda é attributo do estado, não póde deixar de o ser a emissão dó notas que funccionam subsidiariamente ao numerário, devendo por isso esta funcção de emissão pertencer ao estado, por ser eminentemente collectiva.
Sustentam alem d'isto que a concorrência póde ser supprimida na emissão denota sem graves inconvenientes.
A concorrencia, dizem elles, em geral tem em vista assegurar, ou a maior quantidade de productos, ou a melhor qualidade, ou productos mais baratos.
Se queremos maior desenvolvimento do credito, havendo um unico banco emissor, criam-se agencias ou succursaes em todos os pontos do paiz em que se tornem necessarias.
Se queremos o credito melhor organisado, melhor garantido, e se n, organisação do banco não tem para isso as indispensaveis condições, remodela-se em novas bases mais seguras, introduzindo na sua nova organisação todos os requisitos necessarios para se conseguirem os melhoramentos desejados.
Se queremos baratear o credito, (e n'este ponto é que está a principal difficuldade da liberdade da emissão) podemos conseguil-o por um unico banco emissor, sem os perigos a que dá origem a livre concorrencia.
Como o banco tem mais interesse em descontar 3:000$000, 4:000$000 ou 5:000$000 reis á taxa de 4 ou 5 por cento, do que 1:000$000 réis á taxa de 6 ou 7 por cento, de certo ha de fazer os descontos por um preço mais barato em harmonia com as circumstancias da praça.
Este argumento é do economista Rossi, que, depois de o expor, concluía que as leis de um povo civilisado não pódem tolerar a livre concorrencia em materia de emissão de notas bancarias.
Mas, quando a concorrencia podesse contribuir para o barateamento dos capitães, não deixavam de se aproveitar os seus beneficios, posto que existisse um unico banco emissor.
Junto d'este banco podem coexistir outros que façam os seus descontos, com o auxilio de notas, de e sómente com os seus fundos metalicos e com os seus depositos; e, como o banco emissor tem de ser extremamente prudente nos seus negocios, fica um largo campo para a livre concorrencia, dos outros bancos, donde póde resultar o barateamento dos capitães sem haver os perigos inherentes á liberdade de emissão de notas.
Alem d'isto, a unidade da emissão, revestida de certas garantias e protegida pelo governo, dá maiores condições de segurança, e obsta mais facilmente á falsificação das notas e a outras fraudes que podem praticar-se.
Taes são as rasões com que em geral se defende a theoria do monopolio.
Ha uma outra escola economica intermediaria que defende a livre concorrencia na emissão de notas, mas que exige que os bancos emissores satisfaçam a condições previamente marcadas pelo estado, sem o que não poderão possuir a faculdade de emissão.
Entre as principaes condições apontam as seguintes:
1.ª Completa separação entre as operações da emissão e as outras operações;
2.ª Restricção da emissão ao desconto com certas seguranças;
3.ª Publicação periódica dos balanços;
4.ª Verificação feita por empregados do estado
5.ª Responsabilidade indefinida dos accionistas.
Esta escola tem as vantagens da livre concorrência e previne os defeitos da liberdade da emissão.
Se percorrermos a organisação bancaria dos diversos paizes, encontramos typos que concretisam cada uma das modalidades sustentadas em theoria.
Assim a liberdade de emissão existiu nos bancos da Escossia até 3844 e em Jersey e Guernesey.
O banco do estado existe na Rússia em resultado da fusão de differentes bancos nacionaes, existentes antes da guerra da Criméa.
Existe tambem na Suecia o banco do estado, que vive conjunctamente com outros bancos emissores perfeitamente independentes.
O monopolio da emissão pertencente a um banco nacional sob a dependencia do estado existe em França, aonde se fundou em 1803 o banco de França que coexistiu com outros bancos emissores até 1848, em que lhe foram annexados os que nessa epocha existiam.
Na Belgica, na Hollanda, em Hespanha e na Austro-Hungria ha tambem um único banco emissor sob a protecção do estado.
O monopolio da emissão exercido por varios bancos a quem o estado conferiu essa faculdade, existe na Inglaterra, na Allemanha e na Italia.
A liberdade da emissão regulada pelo governo existe nos Estados Unidos, aonde ha mais de 2:000 bancos emissores.
Dos differentes systemas apresentados sobre a circulação fiduciaria qual será o melhor?
Eu rejeito o systema da liberdade completa da emissão.
Ainda que se admitta que a nota de um banco póde considerar-se, não como uma moeda, mas como um titulo, segundo pretendem os que sustentam a livre concorrencia, em todo o caso o que não se póde desconhecer é que circula como se fosse moeda.
Desde que a nota assim circula, vae exercer influencia sobre o systema monetario; vae depreciar a moeda, vae fazel-a retrahir.
D'esta sorte a circulação fiduciária tem sobre o systema monetário uma acção que não póde deixar de se reconhecer.
E desde que existe esta influencia, ainda que não se considere a nota como uma moeda, a circulação fiduciaria não póde deixar de estar sujeita ao mesmo regimen da circulação monetaria.
Ora na opinião geral dos economistas, a cunhagem da moeda deve pertencer exclusivamente ao estado, porque se assim são fosse, voltariamos ao systema dos romanos sendo necessario pesar a moeda, para ver se tinha o peso, e verificar se a liga era perfeita.
Sendo assim, sendo indispensável que a circulação mo-

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materia esteja debaixo da inspecção do estado, a circulação fiduciaria deve obedecer aos mesmos principios pela intima correlação que existe entre uma e outra.
Também não admitto o monopolio, quando seja exercido por um banco do estado.
O commercio de bancos é dificil, perigoso e improprio do estado. Alem disto tem um grande perigo, e é que em occasião de difficuldades, em occasião de crise, tem suspenso sobre as nossas cabeças, como a espada de Damocles, o curso forçado das notas.
A questão está, pois, entre o monopolio de um banco, ao qual o governo concede o exclusivo da emissão, e a livre concorrencia de bancos, previamente regulamentada pelo estado.
Qual d'estes systemas será preferivel?
Têem ambos vantagens e desvantagens; e assim, é difficilimo apreciar a superioridade theorica, que póde ter qualquer d'elles.
O que parece poder notar-se n'este momento historico, é que todas as nações caminham para o estabelecimento exclusivo da emissão concedida a um banco.
Como eu já disse, na França, na Belgica, na Hollanda, na Hespanha e em outros paizes, existe já um unico banco emissor. Da mesma fórma se vê que na Inglaterra como na Allemanha, na Italia e em outros pontos, os bancos que existem tendem tambem a unificar-se. E por isso parece que a theoria, que quer implantar-se e vencer as outras, no actual momento, é a do monopolio, e não a da livre concorrencia. Poderá esta ter incontestaveis vantagens sobre aquella, mas ha muitas cousas, que theorica-mente, são melhores do que outras, e que apesar d'essas decididas vantagens, na pratica não conseguem triumphar.
Chegado a este ponto, sem que eu me decida pela livre concorrencia, previamente regulada pelo estado, nem combata o exclusivo da emissão concedida a um banco, resta-me averiguar se o sr. ministro da fazenda escolheu ensejo apropriado para unificar entre nós a circulação fiduciária, estabelecendo o monopolio.
Será opportuno, será util implantar entre nós este systema, differente d'aquelle que temos actualmente? Será conveniente estabelecer a unidade da circulação fiduciária? E n'este ponto que eu tenho duvidas, não pelos conhecimentos especiaes do assumpto, porque não os tenho, mas porque, lendo os escriptos do sr. Oliveira Martins, sobre bancos, e vendo uns artigos do sr. Rodrigues de Freitas, sobre o banco emissor que se projecta, encontro asserções tão oppostas, que me convenço de que, se existe tão profunda divergencia entre dois economistas distinctos, como realmente são, (Apoiados.) é porque a idéa não é clara, e necessita ainda de ser amadurecida com mais aturadas investigações.
O sr. Oliveira Martins é de opinião (e isso não consta só do seu discurso proferido ante-hontem n'esta camara, mas está tambem n'um trabalho que publicou sobre bancos), que a multiplicidade de bancos emissores entre nós tem contribuido para que a nossa circulação fiduciária seja relativamente insignificante, comparada com- a circulação fiduciaria das outras nações.
Esta opinião, apresentada por s. exa.; é contestada pelo sr. Rodrigues de Freitas, que não concorda com a idéa de que a nossa circulação fiduciaria é relativamente insignificante e que contesta que a multiplicidade de emissão tenha contribuido para o pouco desenvolvimento da circulação fiduciaria entre nós.
Comparando a nossa circulação fiduciaria com a da Belgica, que é um dos paizes em que ella está mais desenvolvida, acha-se que a nossa é, sob um ponto de vista, superior á d'aquella nação. Não sei se o sr. Oliveira Martins leu os artigos em que o sr. Rodrigues de Freitas sustentou esta opinião. N'elles se demonstra que, para se fazer essa apreciação, é necessario notar, não só a população, que é maior do que a nossa, mas a sua densidade, as condições em que se encontra a Belgica, o seu muito maior numero de transacções, e outras muitas condições que é preciso tomar em conta, para se poder estabelecer comparação catre a circulação fiduciaria de um e de outro paiz. Feito isto, o sr. Rodrigues de Freitas chega á conclusão de que entra nós, sob o ponto de vista do commercio externo, a circulação fiduciaria é maior do que a da Belgica.
Sustenta tambem nos mesmos artigos a que me tenho referido, que a unidade da emissão não tem influencia nenhuma sobre o desenvolvimento da circulação.
Desde 1822 até 1885, em que se formou o banco commercial do Porto, o banco de Lisboa era o unico banco emissor, e a nossa circulação fiduciaria nunca attingiu a cifra de 2.700:000$000 réis.
Fundou-se em 1846 o banco de Portugal, e até 1870 o desenvolvimento fiduciario era insignificantissimo; desde essa data em diante a circulação, que era approximadamente de 1.700:000$000 réis, subiu a 5.811:000$000 réis, apesar de não haver simplesmente um banco emissor, apesar de existirem os bancos emissores do Porto, Braga e Guimarães. E o sr. Rodrigues de Freitas conclue d'aqui, e com uma certa apparencia de rasão, que a unidade de emissão de notas não exerceu influencia nenhuma sobre o desenvolvimento da nossa circulação fiduciaria, por isso que durante quinze annos de unidade essa circulação foi insignificante, emquanto que desde 1870 para cá, existindo differentes bancos emissores, essa circulação se desenvolveu de um modo extraordinario.
E isto a que é devido? Não é devido nem á unidade, nem á multiplicidade dos bancos emissores; é devido principalmente ao grande desenvolvimento das linhas ferreas e a todos os outros melhoramentos materiaes, que contribuem poderosamente para o augmento das transacções commerciaes e portanto para a expansão do credito.
Á vista destas considerações, entendo que o mais rasoavel é adiar a discussão d'este projecto; e é n'este sentido que eu mando para a mesa uma moção de ordem. Pois se esta materia é da mais alta importancia, se economistas tão distinctos divergem n'esta questão de um modo tão extraordinario, parece-me que o mais natural é não tomarmos uma medida de prompto num assumpto tão melindroso, não irmos organisar um banco emissor pela fórma que se propõe, mas sim fazermos um inquerito á circulação fiduciaria, (Apoiados.) idéa esta que, como muito bem lembrou o sr. Julio de Vilhena, era a opinião do partido progressista ha alguns annos, e parece me que de então para cá não se conhece melhor a circulação fiduciaria. (Apoiados).
É por isso que eu proponho o adiamento d'este projecto. Mas, como calculo que a minha moção não será approvada pela camara, e como não desejo tomar a palavra sobre a especialidade, vou fazer algumas considerações sobre os pontos capitães do projecto em discussão.
Sr. presidente, pelo artigo 1.º do projecto o governo quer que o auctorisem a celebrar um contrato com o banco do Portugal sobre umas certas bases podendo, no caso de recusa sómente d'este banco, contratar nas mesmas condições com outro estabelecimento de credito.
Mas pergunto eu: qual é o motivo por que o governo ha de preferencia fazer o contrato com o banco de Portugal, em vez ele abrir concurso publico) (Apoiados.) Porque se ha de preferir o banco de Portugal e não se ha de abrir concurso, onde cada estabelecimento apresente as suas propostas, organizando-se depois o banco com o maior numero de vantagens, que porventura venham a ser offerecidas? (Apoiados.)
A idéa do concurso foi-me suggerida pela leitura de uma proposta que VI no Jornal do commercio, na qual o srs. Henry Burnay & Compa. pediam que lhes fosse concedida a emissão de notas, acceitando as bases que vem juntas ao projecto, com umas pequenas modificações, e to-

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mando elles sobre si o encargo de pagar aos actuaes bancos emissores 45 contos de réis durante trinta annos.
A proposta diz assim.
(Leu.)
Esta proposta era já mais vantajosa do que o contrato que se vae celebrar com o banco de Portugal, porque allivia o estado da indemnisação que se ha de pagar aos bancos que actualmente gosam da faculdade de emissão.
Alem d'esta, era possivel que apparecessem outras mais vantajosas ainda.
Qual é a rasão por que se não hade auctorisar o governo a abrir concurso, em vez de o auctorisar a realisar um contrato com o banco de Portugal?
Qual o motivo porque, só depois da recusa deste banco, o governo poderá contratar com outros estabelecimentos de credito?
É ppssivel que, na minha ignorancia da legislação bancaria, desconheça alguma lei que colloque o banco de Portugal em estado de preferencia sobre os outros bancos; mas eu tenho felizmente aqui á mão a lei de 14 de abril de 1874, que auctorisa o governo a conceder ao banco de Portugal a continuação do privilegio exclusivo de emittir notas pagaveis á vista, e ao portador em todo o districto de Lisboa, e bem assim, faculdade de as emittir em todo o reino, e vejo n'esta lei o seguinte:
«O privilegio e a faculdade de emissão de notas não poderá ser retirada ao banco de Portugal, nem aos mais estabelecimentos a que haja sido ou de futuro for concedido, senão por disposição de lei que regule de outro modo a circulação.»
Ora, se n'esta lei se estabelece que o governo póde regular a circulação fiduciaria por qualquer outra maneira, certamente que o banco de Portugal não tem privilegio nenhum para com elle se fazer este contrato. (Apoiados.)
O governo necessitará de negociar um accordo com os bancos que actualmente possuem a faculdade de emissão de notas para poder tirar-lhes essa faculdade?
O illustre deputado, o sr. Julio de Vilhena, sustentou já no discurso com que encetou este debate, que o governo não devia fazer accordo com os bancos, dando-lhes indemnisações, visto que elles, segundo a lei de 14 de abril de 1874, sabiam que o seu direito de emissão estava dependente de uma nova regularisação da circulação fiduciaria que o governo quizesse estabelecer.
Sendo estas as disposições legaes, conhecendo os bancos emissores que lhes póde ser retirado o privilegio da emissão, quando o governo decretar uma nova forma de circulação, de certo que não podem julgar-se com direitos adquiridos, como sustentou o sr. Oliveira Martins em opposição com os textos legaes.
S. exa., porém, vendo a pouca legalidade dos taes direitos adquiridos, defendeu a idéa do accordo mediante uma indemnisação, porque era um principio de equidade!
Sr. presidente, não me parece nada equitativo favorecer os interesses, de companhias particulares, prejudicando os interesses da nação. (Apoiados.)
Se os bancos emissores não têem direito nenhum a exigir uma indemnisação, como é que o governo lh'a vae conceder? Como vae fazer um accordo com elles, tendo unica e simplesmente pôr fundamento uma supposta equidade? Haveria ainda equidade, se os bancos podessem acreditar com certas probabilidades que não lhes seria retirada a faculdade da emissão de notas; mas, estando consignado na lei de 14 de abril de 1874, mui clara e expressamente, que o governo tem a faculdade de regular a circulação fiduciaria, podendo tirar aos bancos o privilegio da emissão de notas, de certo que não existem direitos adquiridos á sombra de promessas, de certo que o governo não póde dar aos bancos nenhuma indeninisação com fundamento na equidade.
O sr. Julio de Vilhena, quando o sr. Oliveira Martins lhe ponderou que era uma questão de equidade, respondeu em áparte que, respeitando a situação dos bancos emissores e tomando em consideração os interesses de que ficavam privados, propunha que a indemnisação lhes fosse paga pelo novo banco emissor.
O sr. Oliveira Martins redarguiu que esta proposta não resolvia a difficuldade, porque, recaindo o encargo da indemnisação sobre o banco, equivalia a pesar tambem sobre o estado, visto que este tinha partilha nos interesses do banco. Mas, sr. presidente, como ha interesses do banco e interesses do governo, podia a indemnisação ser paga sómente por aquelles, não affectando em nada os do estado.
Se querem equidade, que a tenha o banco que vae auferir grandes proventos do exclusivo que se lhe concede.
O governo é que não póde tel-a, porque não deve lesar os interesses do estado, dando aos bancos uma quantia que hade ser importante, sem que elles tenham direito a fazer esta exigência. (Apoiados.) E ainda esta quantia se não conhece; (Apoiados.) porque nem o illustre relator quando fallou, nem o sr. ministro disseram qual ella era. (Apoiados.) Por consequencia não sabemos se serão 800:000$000, 900:000$000 ou 1.000:000$000 réis, ou se será uma quantia insignificante. (Apoiados.)
Conseguintemente entendo que, ainda na hypothese de se admittir que o governo deve indemnisar os bancos emissores, não é conveniente auctorisar o accordo sem se conhecerem as suas bases, seja qual for a importancia que para nós tenha a auctoridade dos ministros, seja qual for a respeitabilidade do seu caracter, porque o parlamento não deve nunca dar uma auctorisação latissima aos governos para fazer accordos, (Apoiados.) de que resultam encargos. Seria então melhor votar uma moção geral de confiança ao governo e marchar cada um para suas casas, acabando de todo com estas discussões. (Apoiados.)
As auctorisações são sempre prejudiciaes, e trazem, pelo menos, como consequencia o desprestigio das instituições parlamentares.
Em resumo, sou contra a indemnisação concedida aos bancos pelo governo, porque entendo que não se devem ter contemplações com quaesquer companhias, quando d'ahi provém onus que hão de ir sobrecarregar o povo, que não está já muito alliviado. (Apoiados.)
O sr. Julio de Vilhena apresentou ainda outros argumentos que ficaram sem resposta.
Nota s. exa. que no § 2.º do artigo 1.º se diz.
«... submettendo o mesmo accordo á sancção legislativa, se elle exceder as attribuições do executivo.»
Ora, como no artigo 1.º, § unico da proposta do sr. ministro da fazenda se dizia que o accordo se submetteria ás côrtes, quando d'elle resultassem encargos para o thesouro, o sr. Julio de Vilhena, vendo que a commissão fez no projecto esta modificação, quiz que lhe explicassem o alcance d'ella, quiz saber quaes eram, na opinião do governo, as attribuições do poder executivo, porque, não se aclarando essa referencia, podia ter uma interpretação vaga, e a interpretação do governo é que nós queremos conhecer (Apoiados.) para sabermos se o accordo com os bancos emissores ha de ser submettido á nossa discussão, ou ha de fazer-se em pequenas dictaduras, como se tem feito muitas outras cousas. (Apoiados.) Pois, apesar de importante, esta duvida não recebeu nenhuma resposta!
Mas o que sobretudo é extraordinario é o § 3.º do projecto:
«Não podendo realisar-se o accordo, a faculdade de emissão conferida aos mesmos bancos manter-se-ha conforme as leis respectivas, coexistindo com a emissão contratada nos termos d'esta lei.»
Não se realisando o accordo, fica a coexistencia da emissão. E o sr. Oliveira Martins, que tem sempre quebrado lanças pela unidade, deixa ficar no projecto a multiplicidade!
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carva-

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lho): - Não fica, porque as notas dos outros bancos são differentes das do banco emissor.
O Orador: - A differença é esta simplesmente: que as notas do banco emissor têem curso legal, e o curso legal é sempre prejudicial.
(Interrupção do sr. ministro da fazenda, que não se percebeu.)
V. exa. diz que não? Pois a mim parece-me que sim. Mais adiante apontarei todos os inconvenientes do curso legal, mas direi desde já que póde acontecer que, em occasião de panico, haja uma corrida ao banco emissor, e cá fora circulem as notas com a obrigação d'esse receberem, não valendo nada essas notas, visto a situação em que se acha o banco.
(Interrupção do sr. ministro da fazenda, que não se percebeu.)
Mas fica o typo de notas dos bancos do Porto e fica o typo de notas do banco de Guimarães. Acabou-se com a circulação regional, mas ficam as circulações particulares.
O Correio da manhã escreveu sobre a coexistência da emissão de notas um artigo que me parece muito sensato.
Diz elle: «Se os bancos do Porto quizerem chegar a um accordo são indemnizados, se não quizerem chegar a um accordo, continua a sua emissão, coexistindo com a emissão do banco de Portugal!
«Ora uma de duas: ou essa coexistencia é funesta, e os bancos, não sendo forçados a abandonal-a, dictam as condições e fazem pagar carissima a sua coexistencia, ou essa coexistência não faz mal, e não vale a pena gastar õ réis para se chegar a um accordo que não é necessario.»
Parece-me que isto é perfeitamente lógico.
Sr. presidente, nas bases que acompanham o projecto que se discute, ha duas partes, como nota a commissão no seu relatorio: uma, a estructura da circulação fiduciaria portuguesa; outra, a negociação de um emprestimo. Vou entrar no exame da primeira e começo desde já a analysar o artigo 12.º, em que principiam a enumerar-se os privilegios do banco, assim como as suas obrigações para com o estado.
N'este artigo determina se que o banco emissor terá durante quarenta annos o exclusivo de emittir notas, não podendo n'esse periodo conceder-se a nenhum outro banco, ou outra instituição, a faculdade da emissão.
No artigo 1.º § 3.º do projecto estabelece-se que, não podendo realisar-se o accordo com os actuaes bancos emissores, se manterá a faculdade da emissão concedida aos mesmos bancos, coexistindo com a emissão do novo banco.
Ora se, não havendo accordo, podem coexistir differentes bancos com a faculdade de emissão de notas, de certo que o novo banco emissor não gosará do exclusivo da emissão.
O sr. ministro da fazenda tinha regulado isto melhor na sua proposta de lei, pois dizia no artigo 12.º, § 1.º: - «Emquanto o banco de Portugal gosar a faculdade e privilegio de que trata este artigo, não poderá o governo conceder a faculdade de emittir notas pagáveis á vista e ao portador a nenhum banco ou outra, instituição, que actualmente não gose essa faculdade ou não a exerças.
Resalvava, pois, o direito dos actuaes bancos emissores, emquanto que a commissão admitte o exclusivo da emissão do novo banco com a coexistencia da emissão d'aquelles bancos. É um bom exclusivo!
D'esta sorte vae-se fazer um contrato com o banco de Portugal conforme as bases junto ao projecto.
Mas, se os bancos emissores não entram em accordo, como poderá conceder-se ao novo banco o exclusivo da emissão por quarenta annos, se aquelles bancos têem tambem direito a emittir notas?
É preciso, pois, modificar o artigo 12.º das bases para não estar em opposição com o artigo 1.º, § 3.º do projecto.
Continuemos na analyse do artigo 12.º
O § 3.º diz o seguinte: «O curso legal só se tornará effectivo nas localidades onde o banco tiver agentes e n'um raio de 5 kilometros de distancia das mesmas localidades...»
Sr. presidente, eu sou contrario ao curso legal das notas; desejava que aqui se consignasse a doutrina da lei de 14 de março de 1875, que reorganisou a emissão fiduciária no imperio allemão, na qual se estatue que ninguem é obrigado a receber notas em pagamento.
O curso legal das notas, como muito bem pondera o sr. Rodrigues de Freitas nos artigos a que por vezes me tenho referido já, não é exigido pelas circumstancias actuaes, pois que a nossa circulação fiduciária tem tomado grande incremento desde 1874 para cá, podendo dizer-se que o nosso paiz é um d'aquelles em que é maior, se o considerarmos em relação ao nosso commercio com o estrangeiro. E, ainda que assim não fosse, não devia nunca procurar-se desenvolvel-a pelo curso legal, porque confiança imposta é desconfiança na phrase conceituosa do distincto economista que acima citei.
O curso legal das notas tem gravissimos inconvenientes.
Um individuo tem em seu poder algumas notas que precisa converter em dinheiro, porque necessita d'elle. Apesar do banco e das agencias terem obrigação de fazer essa conversão, como têem horas em que estão fechados, póde acontecer que esse individuo tenha enormes dificuldades em trocar as notas por dinheiro para satisfação das suas pequenas necessidades.
Alem d'isto, como no artigo 12.º § 3.º das bases se determina, que o curso legal só se tornará effectivo nas localidades onde o banco tiver agencias e n'um raio de 5 kilometros de distancia das mesmas localidades, a cada passo se levantarão difficuldades, quando qualquer for ás agencias converter as suas notas em dinheiro, pois que começarão a discutir se a nota tem curso legal por ser o portador d'ella de uma distancia de mais de 5 kilometros. E, como o paiz não está todo medido, podem deixar de pagar de prompto a nota com grave prejuizo para o commercio.
Supponhamos que o banco, atravessando uma epocha difficil, começa a levantar os seus descontos, lavrando desde logo o panico no mercado.
Toda a gente quer levantar o seu dinheiro e dá-se de prompto uma corrida aos bancos.
Pois emquanto uns estão recebendo o seu dinheiro, receiosos de que o banco cesse os seus pagamentos, cá fóra são outros obrigados a acceitar as notas do banco, visto terem curso legal.
D'esta maneira dá se o gravissimo inconveniente de se obrigarem os individuos a receber papel que não presta para nada, sabendo elles que não presta e sem que tenham a faculdade de o poderem rejeitar.
Isto é importantissimo. Continuemos.
Pelo artigo 12.º o banco terá durante quarenta annos o exclusivo da emissão de notas; mas, se o governo rescindir o contrato em virtude do qual o banco tem obrigação de pagar os vencimentos das classes inactivas, o praso de quarenta annos ficará reduzido a trinta.
Não entro agora a discutir se o praso da duração do banco é excessivamente longo. A minha questão é outra.
No relatorio do projecto diz-se: «Nem o praso do quarenta annos fora arbitrariamente fixado, porque se deduzia da duração provavel da operação das classes inactivas».
Se o governo tem a faculdade de rescindir, quando lhe aprouver, o contrato respeitante ao pagamento das, classes inactivas; se esse contrato representa um encargo para o banco e uma vantagem para o estado, queria eu que, na hypothese da rescisão, se não diminuisse o praso sómente de dez annos, mas que se fixasse na lei que, n'este caso, terminaria o contrato com o banco. Se a operação das

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classes inactivas é que serviu de base para se marcar a duração do banco, é logico que, terminada tal operação pela rescisão do contrato, acabe tambem o praso do privilegio.
Ficando isto consignado na lei, o governo podia renovar com o banco o contrato do exclusivo da emissão, exigindo-lhe novas vantagens, visto que tinha acabado já uma importante - o pagamento às classes inactivas.
Vamos á analyse do artigo 13.° das bases do projecto. N'este artigo, § 1.°, fixa-se a reserva metallica do banco em um terço da importancia total das notas em circulação e de outras quaesquer responsabilidades exigiveis á vista.
Este ponto é capital em todas as organisações bancarias. Em toda a-emissão é indispensável haver a convertibilidade permanente das notas a numerario, e uma reserva metal .liça sufficiente para occorrer ás exigencias da convertibilidade. Em todos os bancos existe uma reserva, mas é variáveis Assim, no banco de Inglaterra, a reserva metallica é de mais de metade; na Allemanha, no banco do imperio, a reserva é, pelo menos de um terço das notas em circulação; no banco austro-hungaro a reserva é de um quinto; no banco da Belgica o minimo da reserva é de um terço da emissão; na Hollanda é de tres quartos.
A reserva metallica é, pois, variavel nos diversos paizes, dependendo principalmente do caracter especial dos seus habitantes.
Confirma esta asserção o que se dá com o banco de Inglaterra, no qual em occasiões criticas se eleva a taxa dos descontos, restringindo-se assim a circulação, apesar de existir nos cofres uma reserva metallica de mais de metade, dos valores em circulação. Tem sido até necessario que o parlamento intervenha para suspender o acto de 1884, a fim de continuarem a fazer-se descontos e debellar quanto possivel a crise imminente. E de onde provém esta cautela em conservar a reserva metallica do banco?
Provém principalmente da indole dos inglezes, que, pelas suas condições especiaes, tendem a cercar de todas as garantias a circulação.
A reserva metallica d'um banco deve, pois, ser estatuída á vista de estatisticas bancarias e de conhecimento do espirito especulador do povo em que vae crear-se o banco emissor.
Pensava assim o sr. Oliveira Martins, quando no seu artigo. Banco dizia que a experiencia estabelecera como regra imprescritivel de toda a emissão, «a conservação de uma reserva metallica, estatisticamente provada, sufficiente para occorrer ás exigencias da convertibilidade.»
Pois s. exa., fallando hontem sobre este assumpto, impugnou a necessidade de se consignar na lei a reserva metallica.
O sr. Oliveira Martins: - Não disse tal cousa.
O Orador: - V. exa. disse que a reserva metallica, segundo a sua opinião, não só não devia ser de um terço, mas nem se quer se devia ter fixado na lei.
O sr. Oliveira Martins: - Já disse ao illustre deputado que não afiirmei tal cousa.
O Orador: - S. exa. disse até que era uma idéa fossil sustentar que a reserva metallica se devia fixar no contrato.
O sr. Oliveira Martins: - Não me referia á fixação da reserva metallica que eu julgo indispensavel, referia-me á. fixação do limite máximo dá circulação, de que se occupa, o artigo 14.º.
O Orador: - Eu julguei que s. exa., fazendo esta consideração, se referia não só á reserva metallica, mas á fixação do capital que havia de entrar em circulação.
Entendi que s. exa. dizia que não devia haver reserva metallica, assim como tambem se não devia fixar o limite da circulação. Hoje vejo, que s. exa. sustentou a necessidade de se consignar na lei o limite minimo da reserva metallica, mas que julgou desnecessario fixar o limite máximo da emissão.
Se isto é assim, ainda o primeiro impugnador do projecto é o sr. Oliveira Martins. Diz o artigo 14.º:
«A faculdade de emissão de notas,... será limitada ao duplo do capital effectivo do banco.»
S. exa. affirma agora que este duplo é que se não devia ter marcado. S. exa. apresentou uma ordem de idéas, tendentes a demonstrar que foi um erro consignar o artigo 14.º no projecto.
O sr. Oliveira Martins: - Disse simplesmente que era. desnecessario.
O Orador: - Nem por isso a minha argumentação fica destruída. S. exa. disse que este artigo era desnecessário. Ora sendo assim e sendo s. exa. o relator de todos os artigos consignados no projecto, vendo que não triumphava completamente a sua doutrina, devia ter assignado vencido em parte. Se nos outros artigos estava de accordo com a commissão, não o estava todavia n'este; e por consequencia devia ter assignado vencido em parte. (Apoiados.)
Mas deixemos este ponto que pouco nos interessa e que em nada diminue a admiração que tenho pelo talento de s. exa. e continuemos na analyse dos artigos seguintes.
Diz o artigo 17.º § 1.º:
«Nas filiaes ou agencias do continente do reino e do districto do Funchal não poderá todavia o banco ser obrigado a pagar á vista mais do que uma determinada somma de notas em cada dia, podendo o pagamento de quantia maior ser demorado até que as caixas ou agencias recebam a moeda necessaria.
«A tabella que regulará a somma maxima de notas e o praso das notas, conforme as condições dos transportes em referencia a cada uma das filiaes ou agencias, será elaborada por accordo entre o banco e o governo.»
O que esta disposição demonstra, como muito bem pondera o sr. Rodrigues de Freitas, é que as notas não ficaram todas unificadas, como a commissão queria.
Ha ainda, pelo menos, senão a destincção de notas, era-quanto ao typo e ao carimbo, a differença com respeito á convertibilidade, porque apparecem notas que são pagas promptamente, e outras que não são pagas senão em virtude da tabella. Isto não teria desvantagem nenhuma se porventura a nota não tivesse curso legal; mas, desde que o tem, comprehende-se as graves dificuldades que trará ao commercio. Eu posso ter, por exemplo, a necessidade de converter de prompto uma nota, que pela tabella me não pertence receber senão d'ahi a dois dias.
Este contratempo póde occasionar-me graves transtornos.
N'este ponto não deu, pois, a commissão completa unidade às notas, deixando subsistir a differença emquanto á sua convertibilidade em numerario.
No artigo 18.º, as modificações feitas pela commissão parece que são bem acceitas. O sr. Marianno de Carvalho, na sua proposta de lei, entendia que o juro devia ser uniforme, tanto para Lisboa e Porto, como para as provincias. A commissão, modificando a proposta n'esta parte e determinando que a taxa seja uniforme em Lisboa e Porto, podendo variar nas outras filiaes ou agencias, parece-me que a aperfeiçoou, porque o juro não deve ser fixo, mas variavel, conforme as condições dos mercados, que a seu turno são variáveis conforme as localidades.
Se Lisboa e Porto estão quasi nas mesmas condições de circulação, podendo por isso equiparar-se o juro, já não succede o mesmo em relação ás provincias. Emquanto o juro em Lisboa e Porto póde ser de 5 ou de 6 por cento, nas provincias empresta-se a 10, a 12 e a mais.
Acho, portanto, rasoavel a modificação feita pela illustre commissão n'este artigo.
O que me parece, porém, menos exacto são os lucros que o governo conta auferir em virtude das disposições d'este artigo, e que aqui nos calculou na ultima sessão o sr. Oliveira Martins. Não impugno directamente os calculos apresentados por s. exa., porque não tenho competencia para

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isso; mas vou expor umas considerações geraes, d'onde de certo se induz a minha asserção.
Na divisão dos lucros, segundo o artigo 18.°, quando se desconta ou empresta até 5 por cento, os juros são todos para o banco, de 5 até 6 por cento, é metade para o banco e metade para o estado, de 6 por cento para cima, os lucros pertencem integralmente ao estado. Nas provincias o banco póde estabelecer uma sobretaxa de 2 por cento, acima do juro vigente em Lisboa e Porto, mas, n'isto já não tem interesse algum o estado, pois que pertence exclusivamente ao banco.
Vamos a ver qual é o juro normal em Lisboa e Porto. É, em geral, 5 por cento. Orados descontos e dos emprestimos até essa taxa não lucra nada o estado.
Conseguintemente só em condições muito especiaes, quando o juro subir a 6 ou mais por cento, é que o estado começa a auferir lucros em Lisboa e Porto. Mas isso rarissimas vezes acontecerá, porque o juro tende a diminuir sob a influencia da civilisação. Só em casos anormaes subirá acima de 5 por cento em Lisboa e Porto.
Nas provindas é que o juro é maior, pois que se empresta e desconta lá geralmente á taxa de 10 por cento.
Com o estabelecimento de agencias nos differentes pontos do paiz, aonde as necessidades os reclamarem, ha de desenvolver-se a circulação e o banco tirar d'ahi grandes proveitos, como acontece ao banco da Belgica.
Mas como o estado não tem communhão nos interesses das provincias, fica privado d'esses lucros.
Parecia-me, portanto, que para o artigo do projecto dar bons resultados para o estado, era preciso que fosse modificado de maneira, que o estado podesse ter parte tambem nos juros das provincias. Não sendo assim, poucos lucros poderão d'aqui provir, apesar dos calculos do sr. Oliveira Martins.
No § 2.° do artigo 18.° ha um ponto que convém esclarecer.
Supponhamos que o juro em Lisboa e Porto, é de 6 por cento; nas provincias póde n'esta hypothese, emprestar-se a 8 por cento. Só a sobretaxa dos 2 por cento acima dos 6 por cento é que é exclusivamente para o banco?
A differença entre 5 e 6 por cento será partilhada por igual entre o estado e o banco, como é nos juros dos descontos e emprestimos de Lisboa e Porto? Ou todos os juros das provincias serão exclusivamente para o banco?
É preciso aclarar-se este ponto, porque a redacção do § 2.° do artigo 18.° póde dar logar a duvidas, quando exceptuar das disposições do paragrapho anterior aos lucros provenientes das taxas que, acima do juro vigente em Lisboa e Porto, seja necessario estabelecer nas outras filiaes ou agencias do banco».
Parece que o estado deve ter partilha na differença entre 5 e 6 por cento, sendo exclusivamente para o banco a sobre-taxa de 2 por cento.
Isto tem muita importancia, porque estou convencido de que a circulação das provincias virá a attingir um grande desenvolvimento.
Nas bases para a organisação do banco emissor, não estão perfeitamente traduzidas as ideias do sr. Oliveira Martins.
Já vimos como o artigo 14.° foi apreciado por s. exa., e vamos ainda ver outros pontos que estão em completo desaccordo com o seu modo de pensar.
S. exa. no seu trabalho sobre bancos, a pag. 21, diz:
«E a critica indica como condições a que deviam ser sujeitos o banco ou bancos emissores...
c) A reversão para o estado do producto dos descontos effectuados a uma taxa superior á normal;
E porventura consigna-se isto nas bases do projecto?
Não, porque, sendo a taxa normal de 5 por conto, tudo quanto fosse descontado a uma taxa superior, devia ser para o estado. Mas não é; simplesmente lhe toca metade da differença que vae de 5 para 6, sendo a outra metade para o banco.
Outra condição:
«e) A exclusiva applicação do passivo a descontos e emprestimos.»
Esta condição me parece que não foi respeitada no projecto, pois que o capital do banco, não é simplesmente applicado a descontos e emprestimos, é tambem destinado coco diz o artigo 26.°, a comprar e a vender, e ainda a outras operações commerciaes.
Outra condição: «f) a prohibição do attribuir juros aos depositos».
N'este ponto é que me parece que não se realisa a sua idéa, porque se consigna no n.° 9.° do artigo 26.° o seguinte:
«Receber e guardar em deposito joias, notas e objectos preciosos...»
S. exa. sabe a importancia que ligava a isto no seu trabalho, porque dizia a paginas 25:
«Nos Estados Unidos, porém, onde nada impede que os bancos emissores disputem com o juro os depositos particulares, é a reclamação urgente d'esses depositos que; mais do que tudo, aggrava a situação do mercado bancario, como se viu na crise de 1857.»
Como é que s. exa. sustentava que o deposito com juro aggrava vá a situação do banco, n'uma epocha de crise, e vae agora, nas bases d'este projecto permittir esses depositos com juro no artigo 26.°, n.° 9?
O sr. Laranjo: - Não gostava de interrompel-o, mas a verdade é que os depositos não vencem juros.
O Orador: - V. exa. obsequeia-me muito, apontando-me o artigo onde se diz que os depositos não vencem juro.
O sr. Laranjo: - É o artigo 28.°
(Leu)
O Orador: - Não tinha notado. Como não discuto com má fé, estimo que me apontem a verdade. Desde que eu pedi ao illustre deputado, com toda a franqueza, que me apontasse o artigo em que se declarava que os depositos não vencem juros, não fiquei melindrado com a sua interrupção. Se eu viesse aqui fazer um discurso meramente para dizer ao sr. ministro umas cousas desagradaveis, poderia ficar melindrado por me apontarem um erro; mas, como tomo parte nas discussões com intuito de me esclarecer ácerca das medidas que se apresentam na téla do debate, ser-me-ía desagradavel dizer qualquer cousa que não fosse exacta, ficando por consequência muitissimo satisfeito quando sou elucidado sobre qualquer ponto em que não tenha reparado bem. (Vozes: - Muito bem.)
Sr. presidente, até aqui temos analysado os diversos artigos das bases do projecto, que se referem á estructura da circulação fiduciaria entre nós. Vamos agora, examinar a outra parte, que diz respeito á negociação de um emprestimo, e apreciar as vantagens que o sr. Oliveira Martins apresentou na sessão passada, em favor da creação do banco emissor.
Pelo artigo 20.°, o banco é obrigado a pagar os vencimentos das classes inactivas existentes no dia 1 de julho de 1887, contribuindo annualmente o estado com a quantia certa de 800:000$000 réis, alem dos juros e amortisações da operação. O que significa este contrato? Que vantagens tem para o estado? Este contrato representa apenas um emprestimo feito pelo banco ao governo, por um certo numero de annos, e tem para o estado apenas a vantagem de não necessitar de negociar, todos os annos um novo emprestimo para o pagamento dos vencimentos das classes inactivas.
Diminue os encargos do orçamento apparentemente, porque figura lá sómente uma annuidade de 800:000$000 réis, em vez de figurar a quantia total da divida.
E um expediente bem combinado, como lhe chamou o sr. Oliveira Martins; mas os lucros que d'elle se auferem não me parecem muito importantes.

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Como esta vantagem, são muitas outras que o sr. Oliveira Martins aqui nos calculou na sessão passada.
Assim o beneficio nos saldos do credito de 2.000:000j$000 réis, em conta: corrente, a juro de 4 por cento, a que se refere o artigo 25.° das bases, e que o sr. Oliveira Martins calculou era 20:000$000 réis annuaes, não me parece ter esse valor, porque o emprestimo não se realisa já e todo de uma vez, pois é em conta corrente, e por isso os lucros só são verdadeiros depois do emprestimo estar completamente realisado.
O producto no excesso do juro, alem do normal, nos emprestimos e descontos, que o sr. Oliveira Martins calcula, se bem recordo, em 20:000£000 réis, já demonstrei que era muito problematico, quando analysei o artigo 18.° das bases do projecto.
As contribuições geraes que o banco virá a pagar, calculadas em 45:000$000 réis, não são uma vantagem exclusiva do banco emissor. Se houver differentes bancos com a faculdade de emissão como actualmente existe entre nós, esses bancos de certo hão de pagar contribuições para o estado.
Por estas ligeiras considerações se vê que não são tão grandes como parecem as vantagens que o estado aufere da creação de um banco com o exclusivo da emissão de notas. E o que dá o estado em compensação das vantagens que recebe do banco?
Dá-lhe em troca o exclusivo da emissão de notas, obsta a que differentes sociedades exerçam uma industria lucrativa e indemnisa os actuaes bancos emissores com uma quantia que ninguém sabe ainda qual ella é!
Sr. presidente, o mais perigoso de tudo isto é que o banco emissor, segundo o artigo 24.° das bases fica sendo o banqueiro do estado. Ha, portanto, entre governo e banco uma estreita relação, exercendo o governo inspecção sobre a gerencia do banco, e emprestando o banco dinheiro ao governo.
Póde desde já calcular-se a desvantagem que d'aqui provirá!
Esta minha asserção não é um artificio rhetorico para malsinar a instituição tem infelizmente já a comprovação historica.
Em duas grandes crises politicas, desde 15 de março de 1848 até 6 de agosto de 1850, e desde 1870 até 1878, o banco de França decretou o curso forçado, das suas notas em virtude dos grandes emprestimos que teve de fazer ao estado.
O banco de Inglaterra não póde, desde 1797 até 1819, reembolsar as suas notas, porque tinha feito ao estado emprestimos consideraveis.
O banco da Austria está ainda sob o regimen do curso forçado pela mesma rasão.
Á dependencia em que o banco se colloca diante do governo e as ligações que este tem com aquelle em virtude dos emprestimos, são incontestavelmente o maior perigo d'esta instituição, são sem duvida nenhuma o maior defeito do monopolio da emissão, porque equivalem a uma ameaça permanente, do curso forçado das notas. Não ha economista que não aponte esta desvantagem ao monopolio.
A vista d'isto, deve ponderar-se que, se a creação do banco emissor póde contribuir para o desenvolvimento da circulação fiduciaria, (o que nem todos os economistas acceitam) e dá alguns interesses ao estado em troca do exclusivo da emissão, que lhe é concedido, tambem póde acarretar enormes desvantagens, como fica notado, se os governos não souberem manter-se firmes na fiscalisação da administração do banco e antes se submetterem diante d'esta companhia, que de certo virá a ser muito poderosa.
Sr. presidente, por todas estas considerações que tive a honra de submetter á apreciação de v. exa. e da camara, entendo que é preciso pensar-se muito seriamente n'este assumpto, e ver se ha opportunidade em se introduzir desde já o banco emissor entre nós, ou se se deve previamente proceder a serios inqueritos, que nos façam bem conhecer o estado da circulação fiduciaria do paiz, e que nos habilitem para emittir com segurança a nossa opinião sobre assumpto tão melindroso.
Peço desculpa á camara do tempo que lhe roubei e agradeço a benevolencia que me dispensou.
Vozes: - Muito bem.
Leu-se na mesa a seguinte

Moção

A camara, considerando que, sem um inquerito sobre a circulação fiduciaria, na o deve introduzir-se um banco emissor entre nós, requer o adiamento, e passa á ordem do dia. = João Pinto dos Santos.
Foi admittida.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro):- Mando para a mesa uma proposta de lei auctorisando o governo a transferir para a camara municipal de Lisboa o Campo Grande.
Vae adiante a pag. 1163.
O sr. Tavares Crespo: - Mando para a mesa o parecer da commissão de verificação de poderes a respeito do diploma do sr. deputado Poças Falcão.
Como este sr. deputado está nos corredores da camara, peço a v. exa. que consulte a camara se quer que, dispensando-se o regimento, entre já em discussão o parecer.
A camara decidiu affirmativamente.
Leu-se na mesa e é o seguinte:

PARECER

Senhores. - Á vossa commissão de verificação de poderes foi presente o diploma do sr. deputado eleito pelo circulo n.° 98 (Ponta Delgada), dr. Luiz Fisher Berquó Poças Falcão. E porque o referido diploma está em fórma legal, e já foi approvada a respectiva eleição, é a vossa commissão de parecer que deve ser proclamado deputado da nação o cidadão dr. Luiz Fisher Berquó Poças Falcão.
Sala das sessões, em 10 de junho de 1887. = José Maria de Andrade = Alves da Fonseca Alfredo Pereira = A. Baptista de Sousa = Antonio Lucio Tavares Crespo.
Foi approvado o parecer, e proclamado deputado o sr. Luiz Fisher Berquó Poças Falcão.

Em seguida foi introduzido na sala, prestou juramento e tomou assento.
O sr. Victor dos Santos: - Por parte da commissão de marinha, mando para a mesa três requerimentos, a fim de serem enviados ao governo para informar.
O sr. Alpoim: - Cumprindo as prescripções do regimento, começo por mandar para a mesa a minha moção de ordem:
«A camara conhecendo a necessidade da organisação de um banco emissor sobre as bases apresentadas pelo governo, passa á ordem do dia».
Sr. presidente, não é o prurido de ostentar dotes oratorios, que bem sei que não possuo, nem a desavisada ambição de dirimir com a minha palavra incorrecta e pallida a contenda em que se acham envolvidas as parcialidades politicas da camara, o que me leva a fallar n'esta assembléa. Não podem, não poderão nunca salteiar-me o espirito tão descabidas vaidades. Felizmente que me conheço e sei quão pouco valho.
Sei que me falta a maleabilidade do argumento e a agudesa da replica, que são apanagio dos espirites de fina tempera ou que se adquirem sómente depois de longos combates parlamentares. Conheço que me fallece a palavra luminosa e palpitante, que reveste a idéa de iriados brilhos e que vinga trazer a todas as causas - até ás menos sympathicas e justas! - os applausos do auditorio que se deixa

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como que estonteiar pela fulguração que ella de si irradia. Sinto que me escassea a auctoridade, porventura a mais vigorosa força do orador, a que desde o começo do seu discurso lhe capta as sympathias e bemquerenças dos ouvintes.
Mas, sr. presidente, se não possuo estes predicados, se sei que é extremada ousadia o tomar a palavra n'um debate em que se acham empenhados oradores de tão subido merito, confesso comtudo a v. exa. que ha uma esperança que me anima e acoroçôa. É o eu saber que esta camara escuta sempre com indulgencia o primeiro discurso de qualquer dos seus membros, mormente quando reconhece, como eu singelamente reconheço, a humildade das suas forças e a mesquinhez dos seus recursos. E o eu saber que esta assembléa não ha de hoje abrir, para mim, excepção ás suas generosas tradições.
Sr. presidente, á certeza fundamente radicada no meu espirito de que nada poderá influir na discussão a minha palavra hesitante e timida, acresce o eu conhecer que a materia se acha quasi esgotada apoz a larga oração proficientissima do sr. Oliveira Martins, depois dos discursos por tanta maneira primorosos do sr. Julio de Vilhena e João Pinto dos Santos: E, com quanto a questão que se está discutindo seja uma das mais controvertidas e difficeis da sciencia economica e financeira, tem sido o debate por tal fórma dirigido, têem os contendores revelado tamanha copia de conhecimentos que pouco ou nada poderei acrescentar.
Limitar-me-he pois, sr. presidente, a, permitta-se-me a phrase, fazer a minha profissão de fé com respeito á mais acertada providencia do governo, a uma das mais rasgadas medidas que têem vindo á téla da discussão parlamentar, medida que visa a organisar a nossa circulação fiduciaria e a trazer para o thesouro notaveis beneficios, não só pela repartição de lucros entre este e o banco, mas ainda pelos serviços que o banco prestará como caixeiro do estado. (Apoiados.)
Sr. presidente, na sessão de 20 de abril dá camara dos deputados da Bélgica, e a proposito da reorganisação do banco nacional d'este paiz, pronunciou o deputado Lhoneux as seguintes palavras: «Importa que todos os que estudaram esta questão e que, quer theorica quer praticamente, estão aptos a discutil-a, exponham as suas vistas, as suas idéas, os seus sentimentos a fim de que bem esclarecida, possa a camara dotar o paiz de uma lei que lhe abre uma era nova de progresso e de prosperidade industrial. Por menos auctorisada que seja a minha voz em similhante materia eu julgaria, meus senhores, faltar ao meu dever, não indicando com sinceridade e convicção o meu juizo sobre o projecto de lei em discussão. Faço minhas, sr. presidente, estas palavras, e muito folgaria-mas não me atrevo a esperai o! - se no decorrer d'este discurso podessem as minhas apreciações, o os factos e os argumentos em que as baseio, destruir no espirito dos illustres deputados opposicionistas os aggravos que nutrem contra a organisação do banco emissor.
O talentoso deputado e meu nobre amigo o sr. dr. Pinto, entende que não devia o governo apresentar por ora este projecto: acha que não é opportuna a occasião. Pois, sr. presidente, eu felicito o governo exactamente por o haver apresentado agora. (Apoiados.)
Exporei a breves traços é motivo em que me fundo para estas felicitações.
Uma lei, sabe-o v. exa., sr. presidente, e sabe-o a camara, é tanto menos inquinada de de feitos, é tanto mais homogenea e completa, quanto mais desafogado o meio em que foi elaborada, quanto menos paixões obscureceram o espirito do legislador. (Apoiados.)
Se esta affirmativa é de todo o ponto verdadeira, mais frisante é ainda a sua exactidão nas leis que se referem a problemas do credito. A questão de um banco emissor é por certo do numero d'aquellas que mais ao credito se referem, das que mais interessam os paizes, das que mais agitam os parlamentos; convenientissimo é, pois, que se discuta quando não haja no horisonte uma sombra de crise de qualquer ordem, quando não haja receio de luctas intestinas, quando não haja vislumbres de perturbações internacionaes, quando nada haja que distraia a attenção publica de tão momentoso assumpto, quando o commercio e a industria estejam n'um alto grau de prosperidade, quando o credito nacional se achem por tal fórma estabelecido que não possa suppor-se que se pretende, sacrificar aos interesses do estado os interesses particulares. (Apoiados.)
Ora, sr. presidente, v. exa. e a camara sabem muito bem que, mercê dos talentos do sr. ministro da fazenda, mercê de felizes circumstancias habilmente aproveitadas, por s. exa. se acha o nosso credito em magnificas, condições como o demonstram as cotações dos nossos fundos. (Apoiados.) V. exa. e a camara sabem muito bem que, se a prosperidade do nosso commercio e industria não é tamanha quanto seria para desejar, é ainda assim bastante para que possamos examinar sem paixões o valor e alcance d'esta instituição, saber se ella desenvolverá notavelmente o credito publico, avaliar a sua influencia na vida economica e financeira do paiz. (Apoiados.) V. exa. e a camara sabem que ha completa tranquillidade no paiz, e que nos achâmos nas melhores relações com os paizes estrangeiros.
Propicia é pois a occasião para ser trazido ao parlamento tão grandioso projecto. (Apoiados.)
E tão importante, sr. presidente, é este conjuncto de circumstancias que no relatorio da reorganisação da banco nacional da Belgica apresentado, em nome da secção central, por M. Eudore Pirmez, á camara dos deputados belga, menciona-se como uma felicidade o ter de examinar-se o projecto nas circumstancias que já apontámos. Foram estas circumstancias umas das rasões que mais concocorreram para a reorganisação do banco da Bélgica, tres annos antes da extincção do seu privilegio de emissão, privilegio que, consoante as disposições da lei de 5 de maio de 1850, devia terminar no anno de 1875. Foram estas circumstancias que muito contribuiram para decretar-se com tres annos de antecipação que fosse aquelle privilegio prorogado pelo espaço de trinta annos a partir, do dia 1 de janeiro de 1873. E, sr. presidente, na Belgica, dava-se ainda assim; uma conjunctura que não se dá agora entre nós e que deveria porventura adiar a apresentação da lei. Era o estar-se em vespera de eleições para a renovação do mandato de metade dos membros da camara dos deputados, o que fazia dizer a um dos membros d'essa camara que entendia que poucos d'entre elles estavam preparados a emittir um voto.com toda a tranquillidade de consciencia, possuidos da certeza de que fosse esse voto conforme aos interesses do paiz durante um periodo de trinta annos. Nós nem sequer nos encontrâmos - e felizmente que assim é - na proximidade de umas eleições.
Se eu quizesse, sr. presidente, corroborar ainda mais a minha opinião, lembraria agora o que aconteceu em 1876, por occasião da celebre crise que tão dolorosamente feriu o paiz. Surgiu então, em muitos e esclarecidissimos espiritos a necessidade de crear uma instituição como aquella que agora se discute. E o que aconteceu? Provocou essa ideia verdadeiras tempestades apaixonadas, que expluíram em assembléas publicas, resfolegaram em jornaes, e trovejaram em pamphletos. Nada d'isso acontece hoje, mercê da opportunidade da proposta. Bem merece pois o governo por haver acolhido tão favoravel monção.
O illustre deputado, o sr. João Pinto dos Santos, entende tambem que deve adiar-se a questão até se proceder a um inquerito.
Não contestarei o valor, o alcance do inquerito que s. exa. deseja, aquilatando-o pelos resultados que geralmente têem dado no nosso paiz os inqueritos, a que se tem procedido.
O que me parece é que havendo em Portugal livros magnificos, como os do sr. Oliveira Martins, cheios de dados

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estatisticos e de observações rigorosas, o que me parece é que havendo trabalhos de tão largo folego como os do notabilissimo parlamentar e economista, o sr. Rodrigues, de Freitas, é, se não improficuo, pelo menos de pouquissima importancia o inquerito que o sr. João Pinto julga necessario. Ainda não havia, penso eu, muitos desses preciosos repositorios de documentos e de factos, e já ao illusiradissimo espirito do sr. Antonio de Serpa se augurava indispensavel a organisação do banco emissor.
«Nas nossas circumstancias, a creação de um banco que podesse proporcionar ao commercio os incomparaveis beneficios de uma larga emissão, que pela sua poderosa constituição podesse sustentar á sombra d'ella uma forte e permanente reserva metallica, e que assim fosse o supremo dispensador do credito, o apoio efficaz dos outros estabelecimentos financeiros, e nos momentos difficeis um valioso auxiliar para prevenir ou debellar uma crise monetaria, parece-me que seria a melhor solução pratica dos problemas que se referem ao nosso desenvolvimento commercial.»
Isto dizia o sr. Antonio de Serpa no seu relatorio de fazenda, apresentado á camara dos deputados a 9 de janeiro de 1877. Julgo, fundado na opinião do illustre estadista, e prelaro membro do partido regenerador, que a necessidade de um banco emissor, de que resultam tão notaveis beneficios, é urgente. Era o em 1877; não ha rasões por que o não seja agora. (Apoiados.)
O illustre deputado, o sr. João Pinto, referiu-se, ainda que a traços rapidos, á organisação administrativa do banco emissor.
Deploro que s. exa. o não houvesse feito demoradamente, não só para termos ensejo de mais uma vez admirar a maneira primorosa como trata todas as questões, mas tambem porque se me afigura que a organisação administrativa do banco é de todo o ponto conveniente aos interesses do estado e dos accionistas.
Eu sei, sr. presidente, que vão por ahi uns rumores contra esta organisação. Chegaram-me já aos ouvidos; e por isso, e porque não fiquem no espirito dos srs. deputados algumas apprehensões suscitadas pelas referencias do sr. João Pinto, occupar-me-hei d'ella, ainda que não muito demoradamente para não cansar esta assembléa.
Sr. presidente, v. exa. e a camara sabem que no nosso paiz vive na maior parte dos espiritos a suspeita de que a politica em tudo se ingere, tudo move, tudo aperta e envolve nas suas enredadas malhas. Qualquer resolução governamental ë, para muita gente, um alçapão que esconde cousas tenebrosas e horrendas. Norteiam-se os ministros pelo desejo de acertar, organisam os seus projectos com o maior escrupulo e reflexão; baldados são os seus esforços, pois continuam a subsistir as mesmas apprehensões e suspeitas! Julga-se sempre que só o amor partidario os moveu. Pois sr. presidente, o que eu acho excellente nas prescripções da organisação administrativa do banco é que difficilmente encontrarão, os mais suspeitosos, motivos para os seus receios. A inspecção indispensavel do estado acha-se por tal fórma combinada com a vigilancia e inspecção dos accionistas, que fundem-se, completam-se; não se entrebatem não se prejudicam. (Apoiados.)
Como se têm demonstrado n'esta discussão, e como se vê da simples leitura do projecto, são tantas e tão intimas as relações entre o governo e o banco, que não póde o governo deixar de superintender sobre este. Não o querer seria o mesmo que não querer que elle superintendesse no fabrico da moeda. (Apoiados.) Mas por isso mesmo tambem que o banco não é organisado com dinheiros do estado, por isso que os 13.500:000$000 réis, capital social, pertencem aos particulares, e por isso que ha sempre, e sobretudo n'um paiz em que pela primeira vez se estabelece esta instituição, o receio de que os interesses do governo sobrelevem os interesses d'estes, procurou-se tambem dar no projecto todas as garantias aos interesses dos accionistas.
Como e por quem procede o governo á inspecção e vigilancia no banco? Por um governador e por um secretario, cujas funcções se acham consignadas nos artigos 34.° e 35.°
São estas as duas unicas entidades, pelas quaes o governo faz sentir a sua influencia.
Ao lado do governador acha-se uma direcção composta de dez membros, accionistas, e um conselho fiscal, composto de sete membros, tambem accionistas. O governador e os directores formam o conselho de administração: este e o conselho fiscal constituem o conselho geral do banco. Eis a breves traços o disposto nos artigos 30.° e 31.° Pois, sr. presidente, aos que receiarem que o governo possa, pelas entidades que nomeia, influir de uma maneira nociva para o banco nos negocios deste, aos que suspeitarem de que possa desviar o banco do fim exclusivo a que é destinado, aos que possam temer que a politica se faça sentir, o que seria perigosissimo, na administração d'aquelle estabelecimento de credito, eu direi que a acção do governo é só a meramente precisa, e que em todos ou quasi todos os paizes, pelo numero e attribuições de empregados de sua nomeação, o estado fiscalisa e se ingere nos negocios dos bancos emissores muito mais do que o nosso governo.
Tenho aqui um livro de Clemente Juglar, intitulado Les banques de dépót, d'encompte et d'emission, resumo comparado da historia e organisação d'estes bancos. Se s. exa. e a camara me permittem, eu, em face d'este livro, e porque me foi impossivel durante o meu rapido estudo o reter de memoria as organisações administrativas de cada banco, irei justificando perante a camara as minhas asserções.
Se nós examinámos a administração do banco da Russia, vemos que elle está collocado sob as ordens do ministro das finanças e sob a vigilancia do conselho dos estabelecimentos de credito do imperio; vê-se que a sua direcção é composta de um governador, de um vice-governador, nomeados por decreto imperial, de seis directores nomeados pelo ministro das finanças e de tres deputados do conselho dos estabelecimentos de credito; vê-se que as decisões da direcção do banco estão, em todos os negocios importantes, submettidas á auctorisação d'aquelle ministro. A acção do governo é pois decisiva, poderosissima, na administração do banco da Russia.
No banco da Austria-Hungria está á frente da administração do banco um conselho geral composto de um governador, dois vice-governadores e doze conselheiros geraes, sendo o governador e os vice-governadores nomeados pelo imperador. Alem d'estes funccionarios, nomeiam, o governo austriaco e o governo hungaro, um commissario e um vice-commissario, encarregados de vigiar os negocios do banco, e a quem compete a obrigação de assistir ás sessões da assembléa geral dos accionistas do conselho geral e da direcção. Estes commissarios correspondem ao nosso secretario.
Se passamos á Allemanha, vemos que á frente do banco do imperio está um Kuratorium, formado pelo chanceller do imperio a quem pertence a presidencia e por quatro membros, um nomeado pelo imperador e os tres outros pelo conselho federal; vemos que a direcção é exercida sob as ordens directas do chanceller do imperio por um conselho, de direcção, cujos membros são nomeados por toda a vida pelo imperador; vemos que, mau grado o capital do banco haver sido formado por acções, é pequena a parte que os accionistas tomam na sua administração, pois limita-se a uma commissão central permanente, cujas funcções são principalmente as de uma assembléa consultiva. Vê-se do que diz Juglar qual é pois a enorme influencia, a supremacia que o governo exerce na administração d'este banco.
Se examinamos a administração do banco de França vemos que a sua direcção é confiada a um governador e a dois sub-governadores nomeados por decreto do poder executivo, sob proposta do ministro das finanças. Ao lado do governador encontram-se um conselho de regencia,

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composto de quinze membros e tres censores nomeados pela assembléa geral dos accionistas por um praso de tres annos, devendo ser tres d'estes regentes thesoureiros paga dores geraes das finanças; vemos que o governador, os dói: vice-governadores, os quinze regentes e os tres censores formam o conselho geral do banco. Do que deixamos exposto se vê que em França a vigilancia do governo, exercida por meio de empregados que elle nomeia, não é menor que em Portugal.
Attentemos agora na Belgica. Á frente do banco estar um governador e um vice-governador, que são ambos no meados pelo rei. Ao lado do governador está um commissario do governo, encarregado de vigiar as operações do banco, de se oppor á execução das medidas contrarias á lei, aos estatutos e aos interesses do estado.
Nós artigos 76.°, 77.° e 78.° dos estatutos do banco nacional da Belgica, acham-se miudamente exaradas as attribuições d'este commissario: cumpre-lhe vigiar todas as operações, e principalmente é desconto e emissão de notas, póde tomar, quando lhe aprouver, conhecimento do estado de todos os negocios do banco, e verificar a escripturação póde exigir da administração relatorios circumstanciados da situação do banco, póde assistir, quando o julgar conveniente, ás sessões das assembleas geraes, dos conselhos dos comités. Confrontando estas attribuições com as que o projecto do governo attribue ao secretario, vê-se que este funccionario é muito similhante ao commissario belga, o que nada admira, porque a organisação do nosso banco emissor é quasi a mesma que a do banco belga. E felizmente que assim é, porque este banco, pelas excellentes condições em que foi organisado, tem sido um manancial de prosperidades economicas e financeiras para a Belgica, como eu espero que o será para nós o estabelecimento de credito, de cuja organisação agora tratâmos. (Apoiados.)
Poderia ainda percorrer outros paizes, mas não quero tomar tempo á camara. Do que deixo exposto, se vê que, em muitos dos principaes paizes da Europa, a influencia do governo na administração dos seus bancos emissores é maior do que em Portugal, maior pelo numero das entidades nomeadas pelo governo, e maior pelas attribuições que lhes competem. Em que é, pois, que se podem fundamentar os receios de que o governo possa ingerir-se com prejuizo do banco emissor, dos seus accionistas, nos negocios d'este estabelecimento? Como póde racionalmente suspeitar-se que a politica prejudique a marcha justa e conveniente do banco? Que apprehensões, que aggravos podem surdir contra a sua organisação administrativa? Será porque é de seis annos a nomeação do governador? Sei que entendem alguns ser largo este periodo. Pois eu entendo que não. V. exa. e a camara comprehendem de certo quanto é preciso de uniformidade de direcção n'um organismo de tantas e tão complicadas engrenagens, v. exa. e a camara comprehendem que se é indispensavel aquella uniformidade, mais indispensavel se torna ainda n'uma instituição completam ente nova entre nós.
Seria, á meu ver, prejudicial, prejudicialissimo, que esta, nomeação fosse por um curto praso; não poderia o banco deixar de resentir-se das multiplicadas influencias de auctoridades diversas, succedendo-se com rapidez que mal deixaria sazonar os bons fructos de cada uma das administrações. Que menos de seis anhos póde ser é praso para que o governador tome conhecimento cabal de todos os negocios do banco, se compenetre bem das suas necessidades, apalpe, conheça bem o seu machinismo e possa imprimir uma direcção energica e completamente ajustada aos seus interesses? (Apoiados.) Não é mesmo esse praso uma maneira de subtrahir cargo de tamanho tomo ás varisdissimas oscillações da nossa politica?
Na Belgica a nomeação é por cinco annos - pequena é a differença - e póde o governador, quando expire o praso da sua nomeação, ser de novo invertido no cargo. Determina-o assim o artigo 49.° dos estatutos do banco da Belgica. Entre nós, e pelo artigo 30.° do projecto tambem póde a nomeação ser renovada.
No banco de Inglaterra, sr. presidente, é de dois annos, se não me engano, o praso da nomeação do governador. Um escriptor, cujo nome me não occorre, commentando este praso, condemna-o severamente, attribue-lhe males importantes, queria-o mais largo, e diz que só póde explicar-se, que elle não haja sido espaçado, pela repugnancia que os inglezes têem de alterar os seus habitos e costumes, pelo afferro excessivo que têem ás suas tradições.
Tornar-se-ha acaso repararei, sr. presidente, o ser um cargo vitalicio o logar de secretario?
Mas, sr. presidente, eu acho que isto como que deriva das proprias attribuições que lhe são dadas.
O secretario a quem cumpre a inserção motivada da sua opinião em todos os actos das sessões das diversas secções do conselho administrativo, a quem compete fazer propos-. tás sobre qualquer assumpto de interesse para o banco, a quem cabem funcções muitas outras funcções especiaes,.. funcções melindrosas, funcções complicadissimas de vigilancia e inspecção, que é, por assim dizer, o fiel entre o governo e o banco, não póde ser um funccionario que não tenha o conhecimento, dia a dia, do que se passa n'este estabelecimento, que não tenha o conhecimento exacto da praça, que não tenha o que se chama a tradição do banco. Deve ser um funccionario, que, pela sua inamobilidade, não se suspeite sequer de que possa, para manter-se no seu logar, adaptar-se ás exigencias de uma mal avisada politica.
Devem dar-se-lhe todas as condições de independencia e segurança, e, entre ellas, é por certo a primeira á certeza de que não póde ser esbulhado do cargo que exerce. Demais, sr. presidente, que males podem advir d'esta permanencia, se o voto do secretario é apenas consultivo? (Apoiados.)
Não é tambem garantia de que o secretario geral ha de manter-se dentro do estricto cumprimento dos seus deveres o saber que tem de motivar qualquer opinião que divirja do voto da maioria e que ha de ser esta opinião inserida nos livros das actas e levada ao conhecimento do conselho na sua reunião immediata.
Muitas mais considerações poderia eu fazer, derivadas do confronto entre as obrigações do governador e do secretario geral, e que todas corroborariam o meu juizo sobre a conveniencia de estabilidade d'este funccionario. Não o faço por não tomar tempo á camara, e porque me parece haver já demonstrado essa conveniencia com as rasões que adduzi. (Apoiados.)
A administração das caixas filiaes e agencias reflectem os mesmos principies que presidem á administração principal. N'ella traduz-se a idéa de fazer representar por igual os interesses do banco e os interesses dos accionistas. A administração das caixas filiaes é confiada a um director nomeado pelo governador e a uma gerencia nomeada pelo conselho geral do banco. A administração das agencias é confiada á dois agentes: um nomeado pelo governador, outro nomeado pelo conselho geral do banco. Vê-se quanto escrupulo e cuidado teve o governo em levar até para as administrações secundarias, para as administrações das caixas filiaes e agencias, a escrupulosa harmonia da sua inspecção e vigilancia com a vigilancia e inspecção dos accionistas.
Sr. presidente, passarei agora a occupar-me de outras questões importantes relativas ao banco emissor, pois me parece que não ficaram no animo dos que me ouviram aprehensões ou receios que sobre a organisação administrativa do banco tivessem deixado as rápidas observações do illustre e talentoso deputado que me antecedeu. Se ficaram, não é de certo porque seja má a justiça da causa que defendi, mas sómente porque é pouco o talento e minguadissima a eloquencia de quem a defende.
Sr. presidente, para mim o ponto mais importante d'este

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projecto é o que diz respeito á circulação fiduciaria. O mechanismo do credito não póde deixar de ser o ponto sobre que mais incida a nossa attenção. Encarecer a sua importancia seria quasi irrisorio. Não nos atreveremos a isso, não nos atreveremos a demonstrar as vantagens de um bom systema fiduciario, com receio de que esta illustradissima camara se magoe, suppondo que nós julgâmos haver algum dos seus membros a quem sejam estranhas estas questões. É assente, é pois ponto incontroverso que é do maior alcance um bom systema fiduciario. Mas qual é esse systema? Eis o ponto que é tão controvertido, tão debatido, quanto o outro é firme e incontestado. Tres escolas se debatem: a da unidade, a multiplicidade e a absoluta liberdade dos bancos emissores. Eu sou pela unidade da emissão. Entendo que a circulação fiduciaria deve ser exercida pelo estado em bancos seus, ou contratada, mediante vantagens, com um banco emissor. O illustre deputado o sr. João Pinto expoz nitidamente as rasões que militam a favor e contra estes systemas; analysou detidamente o monopólio da emissão, sem comtudo se decidir por elle. Pois das rasões que adduziu, da sua critica historica, dos principios económicos e financeiros que apresentou, afigura-se-me que podia s. exa. inclinar-se decididamente, para elle. Desde que admitiamos a distincção da nota dos outros papeis de credito, desde que lhe assignâmos caracteristicas especiaes que a convertem n'um mero instrumento de circulação, n'uma especie de moeda-papel, (a menos que não adoptemos a theoria de Herbert Spencer que deseja que a cunhagem da moeda seja entregue á acção da livre concorrencia temos de admittir o monopolio) da emissão ou exercido directamente pelo estado ou attribuido por elle a uma corporação ou banco.
Fez s. exa. tambem a critica historica d'esses systemas, e com ella mostrou, que ha uma tendencia em todos os paizes para a unidade, que se accentua pronunciadamente a restricção do systema de pluralidade dos bancos. Estas observações historicas valem mais e são mais convincentes do que todos os outros argumentos. E são ellas profundamente verdadeiras. Eu, em face dos livros do sr. Oliveira Martins e de notaveis escriptores estrangeiros, estudei a circulação fiduciaria em muitos paizes: na França, na Belgica, na Dinamarca, na Hespanha, Italia, Allemanha, Russia, Suecia e Hollanda. D'este estudo, que tencionava apresentar aqui a breves traços, se o não fizesse já o sr. João Pinto e se eu me não arreceiasse tambem de cansar a benevolencia com que a camara me escuta, ver-se-ia quão rigorosamente exacta é, a meu juizo, aquella affirmação. Mas não o farei senão a respeito da Belgica, mais logo, quando entrar propriamente no projecto do nosso banco emissor, cuja organisação tão parecida é com a do banco nacional da Belgica. Agora, adduzirei sómente alguns factos e rasões a favor do monopolio, comparando-o com o systema da pluralidade. A respeito da liberdade illimitada da emissão, não vale a pena sequer demorar-nos muito tempo. Este systema está condemnado no campo dos principios, condemnado no campo da pratica, pois em paiz algum existe. Havia á em Inglaterra antes de 1839, e por signal que se deu ali n'esse anno sob o regimen da livre emissão o acontecimento extraordinario da desapparição das barras de oiro. «O banco de Inglaterra desfizera-se de quasi todas as suas barras e não escapou á banca-rota senão por o expediente ignominioso de um emprestimo consideravel contrahido com o banco de França.» Assim diz Stanley-Jevons no seu curioso livro La monnaie.
Havia-a em Inglaterra, e d'esta liberdade, do abuso da circulação fiduciaria e da emissão do papel pelos bancos particulares, veiu a crise de 1838 a 1839, crise que, no dizer d'aquelle escriptor, causou desastres mais crueis e uma prostração do commercio mais terrivel que tudo o que depois se tem visto em Inglaterra. Originou esta liberdade o famoso Peel's act, provocado pelas numerosissimas fallencias que tiveram logar de 1840 a 1844, e por se ver que os bancos de emissão haviam perdido completamente a confiança publica, o que se demonstrara com dois inqueritos successivos, por toda a gente, negociantes, economistas, homens politicos se concertarem na necessidade de retirar aos bancos a sua faculdade de emissão, que era nas suas mãos sómente um meio de agiotagem e desvairada especulação. Do celebre Peel's act resultou que muitos dos bancos emissores se transformaram ou morreram. De 217 bancos particulares e 72 bancos por acções, que emittiam notas, ficaram 103 bancos particulares e 47 por acções.
E qual foi o principio fundamental que presidiu á famosa lei de Pell?
Foi, segundo grande estadista o declarou tambem muitas vezes durante os debates da sua lei, a unidade do papel de circulação.
Diz-nos Chevalier-Cluvigny, de quem colhemos estas informações, que só por uma inconsequencia apparente, resultado do respeito que os inglezes professam por direitos adquiridos é que sir Robert Peei não se julgou auctorisado a retirar immediatamente o direito de emissão aos bancos que o possuiam. Foi esta a censura principal dirigida contra a sua lei, censura que elle acceitou quando pronunciou as seguintes palavras:
«Não creio, disse elle, poder ir do primeiro assalto ás extremas consequencias do meu principio; procurei escrupulosamente que o bill nada tivesse contrario a este principio.»
Não estabelecia Peei a unidade de circulação de facto, mas estabelecia-a em principio. Com effeito o Peel's act, estatuindo no artigo 10.° que, a contar da promulgação da lei, ninguem poderá emittir notas, senão o banco de Inglaterra, e os bancos ou banqueiros que legalmente o fizessem em 1844; determinando no artigo 12.° que, quem perdesse os direitos de emissão, por fallencia, retirada ou composição com o banco de Inglaterra, não poderia mais rehavel-os; marcando o maximo das emissões e collocando as sob a vigilancia do governo, o Peel's act, dizemos, instaurou um regimen que é mais o de unidade do que outro.
Havia tambem liberdade de emissão em amplissimo grau na America, mas desde 1838, anno em que foi promulgada a lei de que banco algum poderia emittir notas sem haver deposto nas mãos de um banqueiro valores cuja somma corresponda á das notas que pretender emittir não podendo ser estes valores senão fundos da cidade de New-York, lei que foi depois remodelada e alterada por diversas formas, e cujas disposições foram adoptadas por quasi todos os estados do norte, desde esse anno substituiu-se á liberdade das emissões, um systema de restricções rigorosas. Não nos detenhamos mais n'este ponto e passemos a ver alguns argumentos com que alguns economistas defendem a pluralidade dos bancos de emissão, para depois entrarmos na analyse de algumas objecções que o illustre deputado fez ao projecto do governo.
Escriptores ha que entendem que a multiplicidade dos bancos emissores contribuo poderosamente para a extensão da circulação fiduciaria e que o regimen da multiplicidade inspira mais confiança que a do monopolio. Limitar-nos-hemos a ler o que a este respeito diz Victor Bonnet. «Se se conceder a muitos bancos o direito de emissão, elles prejudicar-se-hão uns aos outros; aqui acceitar-se-hão as notas de tal banco, ali as de tal outro, segundo o grau de confiança que cada um d'elles merecer. Em geral, as notas emittidas por um banco não circulam senão no raio em que o banco está estabelecido. É o que acontecia quando existiam bancos provinciaes; as notas emittidas por elles não saíam das localidades circumjacentes, e impediam a entrada das notas do banco de Franca n'essas localidades. Quando havia um pagamento a fazer na provincia, em que existia um banco de emissão, era preciso proceder por via de cambio, como se faz com os paizes estrangeiros ou procurar notas emittidas pelo banco d'esta provincia. Isso tinha na pratica grandes inconvenientes e tendia a

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restringir a circulação da moeda fiduciaria. A grande vantagem da nota ao portador é que possa circular por toda a parte e ser por toda a parte acceita como moeda. Ora esta vantagem, não ha senão um estabelecimento central como o banco de França, collocado sob inspecção directa do estado e tendo um capital consideravel que possa assegural-a. E isto é tão verdade que é desde o momento em que a concorrencia dos bancos provinciaes foi supprimida, que a moeda fiduciaria ganhou mais extensão. Em 1846 as notas de todos os bancos provinciaes, juntas com as do banco de França e suas succursaes não excediam 363.000:000 de francos; depois da fusão em 1850, elevaram-se de repente a 470.000:000 de francos; eram de mais de 800.000:000 de francos em 1863.» Eis o que diz Victor Bonnet. Ao que este escriptor affirma, e que é tão claro que immediatamente entalha no nosso espirito, poderiamos acrescentar a auctoridade do sr. Oliveira Martins, que mostra por meio de um quadro estatistico que em toda a parte onde a emissão é attribuida a muitos bancos concorrentes, a emissão é quasi nulla, demonstrando com a eloquencia dos numeros que a capitação da emissão está em rasão inversa do numero dos bancos emissores. E direi ainda que o exemplo mais frisante a favor da unidade é o da Belgica: em 1850 era a circulação fiduciaria de 20.000:000 de francos, em 1872 attingiu 237.000:000 de francos, com grande assombro dos mais optimistas que julgavam ser 60.000:000 de francos o termo extremo a que ella poderia chegar.
E agora perguntâmos inspirarão os bancos livres mais confiança que o monopolio? Soccorramo-nos ainda a Victor Bonnet: «N'este ponto, diz, estão ainda os factos de accordo com a theoria para demonstrar o contrario. Se houvesse muitos bancos, tendo o direito de emittir papel moeda seriam por alguma maneira solidarios; o menor abalo que o credito de um d'elles soffresse, reflactir-se-ía em todos os outros. Em 1857, bastou na America que um banco the Opio and life insurance fallisse para que o publico immediatamente se possuisse de panico e exigisse o reembolso das suas notas e dos seus depositos e comtudo, no que diz respeito ás notas, estavam perfeitamente grantidas; não excediam 8.000:000 dollars contra uma reserva metallica de 11.000:000, e is portadores gosavam, alem d'isso, com preferencia aos deposirtantes, de um privilegio sobre esta reserva; não tinham pois que fazer senão esperar pois tinham a certeza de ser reembolsados integralmente, mas o panico invadíra os espiritos e todos os bancos foram obrigados a suspender pagamentos. Ora, se um panico d'esta natureza se deu n'uma paraça, como New York, onde ha um grande gabito do credito, o que aconteceria no nosso paiz com a nossa usual vivacidade de impressão e com um credito que é ainda em França quasi uma novidade?» Termina Victor Bonnet as suas reflexões com esta pergunta, e nós perguntaremos tambem: o que aconteceria em Portugal com a nossa phantasia de meridionaes, com a excitabilidade do nosso temperamento, com a quasi igmorancia do que seja o credito? Não assistimos nós em Lisboa á desvairada e estulta corrida ao monte pio geral, não vimos ás portas d'este estabelecimento apinharem-se milhares de individuos, da mais humilde á mais grada posição social, que todos elles cerravam ouvidos a convenientes reflexões, duvidando systematicamente das affirmações feitas pelos jornaes, não querendo outra cousa senão o seu dinheiro, estonteiados, allucinados por um terror completamente injustificado, completamente incomprehensivel? A crise de Inglaterra, a que já nos referiamos, é tambem um bom argumento para os que pretendem que a pluralidade de bancos inspira mais confiança que o monopolio. Digamos aos que apontam os bancos da Escocia como modelos, invocando os a favor do systema da multiplicidade, que tanto reconhecem estes bancos os perigos da concorrencia que os onze grandes bancos impedem com o maior cuidado que se estabeleça um outro.
Uma ultima reflexão: escriptores ha que defendem a pluralidade dos bancos, dizendo que obsta á variabilidade e elevação da taxa de juro: nos Estados Unidos a taxa do juro varia em proporções fabulosas. Ora está a 6, ora a 10 e 12 e até 15 por cento, e frequentissimo é n'um mez vel-a variar de 3 a 4 por cento. Nem sequer este argumento fica de pé ante a terrivel evidencia dos factos. Muitos outros argumentos poderia apresentar em favor da minha opinião mas passarei agora, por não cansar a camara a outro ponto.
Quando me referi á critica historica feita pelo sr. deputado João Pinto, disse que me deteria um pouco mais no banco das Belgica. Fal-o-hei, não só porque este banco reune condições que o fazem ser o primeiro entre todos pela sua primorosa organmisação, mas tambem porque foi a fonte onde se inspirou o sr. ministro da fazenda para eleborar o projecto de leu agora apresentado ao parlamento.
Antes de 1850, havia na Belgica o systema da liberdade. Quando surgiu a crise de 1848, os bancos belgas, que se haviam deixado arrastar pelo espirito de especulação, immobilisando o seu passivo em valores industriaes, encontraram-se em difficilimas circumstancias, e o governo viu-se obrigado a decretar o curso forçado. Estes acontecimentos fizeram que o ministri Frere Orban creasse, por a lei de 5 de maio de 1850, um banco nacional encarregado da emissão de notas, e a quem foi dado o exclusivo da emissão, sem prohibição porém da emissão, garantida pela responsabilidade illimitada e segundo o direito commum a particulares ou sociedades. O privilegio foi concedido por vinte e cinco annos; o capital social eram 25 milhões.
Como as vantagens colhidas da creação d'este banco fossem enormes, foi, pela lei de 20 de maio de 1872, de iniciativa do ministro das finanças, M. Malou, prorogado por trinta annos o praso para a extincção do privilegio; foi levantado a 50 milhões o capital do banco, a contribuição para constituir a reserva foi marcada em 15 por cento dos lucros, excedendo 6 por cento; o quadro do mesmo excesso foi attribuido ao estado, a quem, alem d'isso, ficou pertencendo um quarto por cento, por semestre, sobre o excesso da circulação media das notas alem de 275.000:000 francos; foi ordenado que as notas se pagassem á vista nas agencias na provincia, podendo, todavia, este pagamento ser adiado até que elles hajam recebido fundos necessarios; foi estatuido que o banco nacional fizesse gratuitamente o serviço de caxeiro do estado.
Pela lei de 20 de maio de 1872, e, se não me engano, já tambem pela lei de 5 de maio de 1850, a differença entre o juro de 5 por cento e a taxa do juro percebido por esta instituição é attribuida ao estado. A reserva metallica é, no banco belga, como póde ver-se no artigo 33.º dos seus estatutos, de um terço da importancia das suas notas e outras obrigações á vista, podendo, comtudo, a reserva descer abaixo do terço nos casos e limites que forem auctorisados pelo ministro das finanças.
O banco belga não póde fazer outras operações que não sejam as marcadas no artigo 8.º d'aquella lei, e que são exclusivamente bancarias, não póde fazer emprestimos, quer sobre hypothecas quer sobre depositos de acções industriaes; não póde comprara de conta propria as suas acções; não póde tomar parte directa ou indirecta em emprezas industriaes, não póde adquirir outras propriedades immobiliarias que não sejam as estrictamente precisas para o serviço do estabelecimento.
A camara, d'esta simples e abreviada exposição, tem visto quanto se approxima nos seus delineamentos geraes e em muitas muitissimas das suas disposições especiaes, o banco emissor portuguez d'aquelle banco.
Comparando as disposições do nosso projecto n.º 13, 17, 18, 19, 24, 26, 27 e 28, com os artigos 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 12.º e 14.º da lei de 20 de maio de 1872, que reorganisou o banco nacional da Belgica, ver-se-ha que ha pre-

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scripções profundamente similhante e que o mesmo pensamento domina ambas as leis.
Em ambas ellas se acham os principies que se julgam imprescriptiveis para toda a emissão e que o sr. Oliveira Martins condensa nas seguintes regras: 1.ª convertibilidade permanente das notas a numerario; 2.ª, a conservação de uma reserva metallica, estatisticamente provada, suficiente para occorrer ás exigencias da convertibilidade. Ali se encontram as condições a que devem ser sujeitos os bancos, quando os governos, em vez de exercerem directamente as funcções da emissão, adoptem o systema do contrato, condições que aquelle illustre economista resume nas seguintes formulas: 1.ª, reversão para o estado do producto dos descontos effectuados a uma taxa superior e normal; 2.ª, prohibição de toda a especie de especulação mercantil bancaria; 3.ª, exclusiva applicação do passivo a descontos e empréstimos ; 4.ª, prohibição de attribuir juros aos depositos; 5.ª partilha do dividendo do capital com o estado alem de um certo limite fixo e outras compensações da concessão do privilegio emissor.
O illustre deputado, o sr. João Pinto, entende que não estão algumas d'aquellas regras e condições estatuidas na presente lei, e estranha que isto aconteça por ser relator do projecto o sr. Oliveira Martins. Eu vou procurar responder ainda que brevemente, porque já me sinto cansado e não devo tambem fatigar a camara que me tem escutado tão benevolamente, ás observações do meu talentoso collega.
Entende o sr. João Pinto que o artigo 17.° não garante a convertibilidade permanente, por isso que nas filiaes ou agencias do continente do reino não póde o banco ser obrigado a pagar á vista mais do que uma determinada somma de notas em cada dia, podendo o pagamento de quantia maior ser demorado até que as mesmas caixas ou agencias recebam a moeda necessaria. A convertibilidade, o direito que o portador da nota tem a trocal-a em moeda, subsiste sempre; a sua effectivação é que póde ser adiada, e indispensavel é que o seja, aliás nada havia mais facil do que armar uma embuscada n'uma filial ou agencia. (Apoiados) Supponha s. exa. que um malevolente qualquer colhia ás mãos uma avultadissima quantia de notas, centenas de contos, e que as apresentava n'uma agencia qualquer, muito affastada da sede do banco, sem communicação por via ferrea com Lisboa, onde houvesse geralmente pouquissimas operações? Que succederia? Quaes seriam as consequencias? Ao esclarecidissimo espirito do illustre deputado facilmente acode quaes ellas tossem. O banco da Bélgica previne este hypothese da mesma maneira, e o sr. Antonio de Serpa, cuja auctoridade trago sempre com prazer á discussão, pela especialissima competencia de s. exa. em assumptos financeiros, adoptou alvitre similhante no artigo 4.° das e bases para a reconstituição do banco de Portugal».
Tambem o illustre deputado, o sr. João Pinto fez algumas observações com respeito á reserva metallica. Parece a s. exa. que não devia adoptar o sr. Olveira Martins como base da reserva metallica, um terço da importancia total das notas ou outras quaesquer responsabilidades exigiveis á vista, sem provar com estatisticas que é bastante esse terço.
É exactamente por estar provado e por ser reconhecido por a maior parte dos economistas, senão todos, em face das estatisticas dos diversos paizes, que é bastante um terço, que foi adoptada esta base para a reserva metallica.
Quando se procedeu a um inquerito em França sobre a circulação monetaria e fiduciaria, chegou-se á conclusão, ou chegaram pelo menos a esta conclusão muitos dos que entraram n'esses trabalhos (e vê-se isto das differentes memorias apresentadas aos membros do conselho superior de commercio, agricultura e industria) que é cousa demonstrada que as emissões de notas de um banco de circulação podem elevar-se sem perigo ao triplo da reserva metallica. No seu folheto publicado em 1877 e intitulado A reorganisação do banco de Portugal, já o sr. Oliveira Martins entendia que a reserva de um terço, ou 33 por cento, devia satisfazer os mais exigentes, demonstrando-o com um mappa dos bancos de Inglaterra, França, bancos allemães e bancos nacionaes dos Estados Unidos. Entendo, pois, que não ha contradicção entre as antigas opiniões do sr. Oliveira Martins e o projecto de lei de que s. exa. é relator. (Apoiados.) E trazendo ainda á tela da discussão o nome respeitabilissimo do sr. António de Serpa, diremos que o illustre estadista, no artigo 5.° do seu projecto consignava igual disposição.
O illustre deputado, o sr. João Pinto, referindo-se á sobretaxa auctorisada pelo § 2.° do artigo 18.°, diz que não lucra nada com ella o estado. Não lucra directamente, verdade seja, pois os lucros provenientes immediatamente da sobretaxa são para o banco, mas lucra em que ella ha de contribuir para que se desenvolvam nas provincias as agencias ou caixas filiaes; o que não aconteceria se tivesse de fazer as operações de desconto e emprestimo pelo mesmo juro que em Lisboa. E não aconteceria porque, ainda quando não houvesse outros elementos a attender, premio do risco, etc.; bastariam as tranferencias do dinheiro para fazer, se o banco não tivesse aquella recompensa, com que elle restringisse as suas operações a Lisboa ou Porto.
A sobre-taxa compensa as despezas, faz que o banco alargue a área das suas operações, e, portanto, que estas sejam em maior numero - d'onde resulta que o estado, sempre que a taxa exceda 5 por cento, ganhara tanto mais quanto mais forem as operações. (Apoiados.)
Sr. presidente, eu poderia referir-me tambem á prescripcão de não ser dado juro aos depositos. Podia fazer sobre ella e sobre outras condições variadissimas reflexões, mas pararei por aqui.
Tocarei só em dois pontos mais do discurso do sr. João Pinto.
Pareceu-me que o illustre deputado se referiu (não tenho a certeza) ao praso por que foi concedido o privilegio ao banco emissor.
(Internação da sr. João Pinto que se não percebeu.)
Parece-me que s. exa. estranhou que o praso fosse de quarenta annos; eu não estranho a largueza do praso. Como v. exa. e a camara sabem, sr. presidente, n'este projecto ha, principalmente, duas partes importantes, a economica e a financeira, entrando na ultima o pagamento ás classes inactivas. Calculou-se que no praso de quarenta annos devia cessar este onus para o banco; justo era que taes encargos fossem compensados com a vantagem do privilegio da emissão durante igual praso. O praso de quarenta annos será reduzido a trinta, se o governo rescindir o contrato do pagamento aquellas classes. Parece-me que tambem é acertado este praso, pois, sendo no nosso paiz tão vagarosa a progressão do commercio e da industria e devendo o banco fazer nos seus primeiros annos larguissimos sacrificios, barbaro seria que se não compensasse d'elles. De trinta annos era o praso que o sr. Antonio de Serpa apresentava no seu projecto.
E, por ultimo, sr. presidente, o sr. João Pinto leu uma proposta que veiu hoje publicada no Jornal do commercio; e é tambem s. exa. de parecer que seja o banco adjudicado por concurso.
Podiamos a respeito d'essa proposta, invocando a occasião em que é apresentada e varias circumstancias que lhe dão um caracter especial, fazer muitas considerações, que talvez arrefecessem quaesquer enthusiasmos que porventura ella houvesse despertado. Mas não o faremos. Diremos só com respeito ao concurso que em paiz algum se tem recorrido a este meio. E este argumento é de todo o ponto vigoroso, porque o estudar as condições em que iguaes estabelecimentos de credito têem sido montados no estrangeiro, o conformarmo-nos o mais possivel com a maneira por que elles foram creados, vendo-se de mais a mais como é pros

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pero e florescente o seu estado, é cousa muito para attender e acatar.
Em todas as nações quando se quer dar unidade á emissão fiduciaria tem-se procurado um banco forte, que não possa despertar apprehensões nem suspeitas, que tenha feito serviços ao paiz, que offereça as maiores garantias de solidez e segurança. A desconfiança na organisação de um banco emissor seria o primeiro passo para a completa inutilisação de todos os esforços para a unidade da emissão. A experiencia tem provado que a moeda fiduciaria, para não ser um flagello, deve gosar de uma confiança illimitada. O concurso, a facilidade do predominio de elementos estrangeiros, o amor do lucro e da ganancia, a especulação aventurosa, não poderiam macular de gravissimas suspeitas uma operação tão melindrosae difficil como a da creação de um banco emissor? Não vai mais e muito mais que o governo contrate com o banco de Portugal, que tem prestado ao paiz em crises dolorosissimas importantes serviços, cuja respeitabilidade, permitta-se-me a phrase, se conhece, do que confiar-se ás mãos de quem offereça mais seductoras vantagens, mas vantagens ficticias que desapparecem a breve trecho pela suspeita, pela desconfiança publica? Não o entendeu assim já o sr. António de Serpa na sua proposta de lei? Por que não adoptava s. exa. o concurso? Pelas mesmas rasões que o actual governo o não escolhe. (Apoiados.)
Sr. presidente, vou terminar. A impressionabilidade do meu temperamento e o natural sobresalto de quem falla pela primeira vez n'esta casa, fazem que eu esteja, summamante cansado. Peço a v. exa. e á camara que me desculpem o tempo que lhes tomei e a insufficiencia do meu discurso.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi cumprimentado pelos srs. ministros e por muitos deputados presentes.)
Leu-se na mesa a seguinte

Moção

A camara, conhecendo a necessidade da organisação de um banco emissor, sobre as bases apresentadas pelo governo, passa á ordem do dia.
Sala das sessões, 10 de junho de 1887. = José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral.
Foi admittida.

O sr. Arroyo: - Sr. presidente, antes de tudo vou cumprir um dever gratissimo para mim, qual e o de comprimentar o meu illustre amigo o sr. Alpoim pela felicissima estreia, que a camara acaba de ouvir. (Apoiados.)
Acima das incompatibilidades partidarias, por certo está a satisfação de ver entrar na arena dos debates parlamentares mais um trabalhador, mais um combatente, que, pelas qualidades da sua palavra, pelos dotes da sua intelligencia, pelo esforço do seu trabalho, poderá por certo contribuir utilmente para o bom resultado dos trabalhos legislativos. (Apoiados.) Receba portanto s. exa. os meus comprimentos.
E dito isto, entro na materia.
Mando em primeiro logar para a mesa as minhas propostas, cuja discussão, cujo exame e justificação constituirão naturalmente uma parte principalissima das considerações, que vou ter a honra de apresentar á camara. São duas essas propostas; e dizem o seguinte:

Proposta n.° 1. Proponho que no artigo 1.º do projecto em discussão se preceitue que o contrato a celebrar para a constituição do banco emissor será precedido de concurso publico; que o projecto, depois de approvado e convertido em lei, servirá de programma ao referido concurso, só alteravel no sentido de augmento de beneficios para o thesouro; que dependerá de futura ratificação do parlamento a conversão do contrato celebrado, que terá caracter de contrato provisorio, em contrato definitivo. = João Arroyo.

Proposta n.° 2. Proponho que no projecto em discussão se introduzam as seguintes modificações e additamentos ás bases para a constituição do banco emissor:
Que o privilegio do artigo 12.° se reduza, em todos os casos, ao praso de trinta annos;
Que o curso legal seja effectivo em todo o paiz, logo que o banco se ache representado nos termos do artigo 2.° em todas as capitães dos districtos administrativos do continente do reino e ilhas adjacentes;
Que a emissão de notas seja regulada pela reserva metallica existente e não a reserva metallica pela emissão, dentro dos limites contidos no § 1.° do artigo 13.°;
Que se elimine o § 2.º do artigo 13.°;
Que o estado receba do banco um bonus de 1/4 por cento annual sobre a importancia das notas emittidas, superior a 15.000:000$000 réis;
Que os lucros resultantes para o estado, segundo o § 1.° do artigo 18.°, sejam destinados á creação de qualquer instituição que melhore a situação das classes trabalhadoras, ou ao aperfeiçoamento dos serviços de beneficencia ou de instrucção publica;
Que se modifique o corpo do artigo 18.° e seu § 2.° de maneira a uniformisar a taxa do desconto e emprestimos no continente do reino e no districto do Funchal e a preceituar-se, relativamente aos districtos açorianos, um systema de taxa de desconto e emprestimo nas bases do regimen adoptado nos §§ 2.º e 3.° do artigo 17.°;
Que á reserva permanente se fixe o limite máximo de 15 por cento do capital effectivo, e á reserva variavel o limite minimo de 5 por cento, com a obrigação da constituição das duas reservas e de reconstituição da reserva variavel, até aos mencionados limites;
Que o estado partilhe dos lucros liquidos annuaes do banco, depois de deduzidas as quotas necessarias ás reservas permanente e variavel, na rasão:
De 1/4 no excesso de 6 por cento do capital effectivo até 7 por cento;
De 1/2 no excesso de 7 por cento do capital effectivo até 8 por cento;
E de 3/4 sobre o saldo restante;
Que se não fixe limite minimo de 5 por cento para a operação a realisar com o banco, relativamente ao pagamento dos vencimentos das classes inactivas no dia 1 de julho de 1887;
Que no artigo 25.°, § unico, se equipare o juro dos creditos activos do estado ao dos seus creditos passivos;
Que os titulos de divida publica nacional, em que se deve inverter a reserva permanente, sejam considerados como caução dos creditos activos do estado pela conta corrente do artigo 25.°;
Que, ouvido o conselho d'estado, possa o governo, em presença das dificuldades instantes da situação, empenhar os referidos titulos até ao montante dos seus creditos activos;
Que, em tal caso, desappareça o serviço de juro preceituado no artigo 25.°, § unico, corram por conta do banco os encargos d'esta operação e continue a ser de sua responsabilidade o pagamento dos vencimentos indicados no § 2.° do artigo 24.°;
Que se igualem as condições das operações communs á caixa geral de depositos e ao banco emissor;
Que, na hypothese de vingar o pensamento de não conceder á assembléa geral dos accionistas a escolha do governador do banco, seja essa attribuição devolvida á camara dos deputados, que a deverá exercer na primeira quinzena da sua sessão annual ordinaria. = João Arroyo.

Taes são, sr. presidente, as duas propostas que submetto á apreciação do parlamento, e muito especialmente á apre-

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ciação do sr. ministro da fazenda e do sr. relator da commissão.
Não devemos illudir-nos sobre o alcance do projecto que actualmente se discute, que é por certo um dos mais graves que nos ultimos annos tem sido sujeito á discussão parlamentar.
Não serei eu tambem, que deixe de elogiar o illustre relator da commissão pela magnifica exposição de motivos com que pretendeu responder ao discurso do eminente parlamentar e meu prezadissimo amigo o sr. Julio de Vilhena. Nem serei eu tão pouco quê negue a conveniencia de, a proposito d'esta discussão, sobre o exame e apreciação do projecto que se discute, sé conservar a serenidade própria de quem encara á materia á face dos principios superiores da sciencia e com a reflexão exigida pelos altissimos interesses que n'elle sé agglomeram; (Apoiados.)
Um projecto, onde se trata de universalisar, dentro do paiz, as operações bancarias, nivelando-as, regularisando-as, generalisando-as o mais possivel; onde se trata de fundar um banco, cujo capital effectivo deve subir a réis 13.500:000$000, e de substituir o systema de multiplicidade de emissão bancaria pelo systema de unidade; onde se trata de realisar uma operação financeira do tal magnitude, como é a que se refere ao pagamento de vencimentos das classes inactivas até 1 de julho de 1887; um projecto onde se dirime o gravissimo problema da união da entidade estado com a entidade banco, de fórma a pretender alcançar d'essa intima ligação o maior proveito para a circulação bancaria e commercial, e por outro lado as maximas conveniencias para o thesouro; um projecto onde se discute a organisação bancaria, a unificação da emissão, o alargamento de operações commerciaes, a realisação de uma operação financeira, que só em circumstancias determinadas deverá ser considerada benefica, requer, não só um estudo demorado e reflectido, mas á exposição de talhada e minuciosa das necessidades existentes e dos meios propostos pára lhes occorrer cabalmente; (Apoiados.)
Antes de entrar propriamente no exame do projecto em discussão, e no exame das bases que o governo apresentou, como sendo as mais convenientes para a constituição do banco emissor, alguma cousa tenho a dizer relativamente ao exame da nossa actual situação economica e da nossa situação financeira.
O exame da nossa situação monetaria, fiduciaria, bancaria e commercial, e a comparação entre o nosso meio economico e o meio economico estrangeiro, leva-nos a apurar quatro conclusões:
1.ª Que a circulação fiduciaria portugueza caminha no sentido do decrescimento de vida bancaria e commercial, que não póde deixar de filiar-se em um estado desequilibrado do nosso systema bancario;
2.ª Que a nossa circulação monetaria, e principalissimamente a nossa circulação de moeda de oiro, é de tal fórma anormal, instavel, mal distribuida, hoje excessiva e ámanhã diminuta, acha-se em um estado de tão perfeito desequilibrio com as necessidades do meio, que evidentemente indispensavel se torna que uma remodelação da nossa circulação fiduciaria faça desapparecer os defeitos da circulação monetaria, regularisando-a, equilibrando-a, tornando-a, em uma palavra, estavel, como exige um bom regimen dê vida commercial, agricola e industrial.
Em terceiro logar, apura-se que em Portugal ha um grande deficit de capitação do capital bancario relativamente ás nações estrangeiras. E apura-se em quarto logar que em Portugal existe igualmente um grande deficit de capitação relativamente á emissão de notas, feito o mesmo exame comparativo.
Sé nós compararmos o movimento bancario relativamente ao dinheiro em caixa, a desconto de letras, a emprestimos sobre penhores, a depositos, e á circulação de notas nos tres annos de 1878, 1881 e 1883, (e paro em 1883 por ser este o ultimo anno registado nas estatisticas officiaes), encontram-se factos e apuram-se conclusões tendentes a demonstrar a primeira das quatro proposições que acabo de ennunciar.
O dinheiro em caixa, que em 1878 era representado por 8.803:000$000 réis, sobe em 1881 a 13.100:000$000 réis, e desce em 1883 a 10.748:000$000 réis.
A verba do desconto de letras, que era de 21.466:000$000 réis em 1878, sobe em 1881 a 23.223:000$000 réis e desce em 1883 a 19.110:000$000 réis.
Os depositos, que em 1878 eram de 13.913:000$000 réis, sobem em 188i a 16.696:000$000 réis e descem em 1883 a 14.680:000$000 réis.
Finalmente, á quantia de notas em circulação, que era de 4.601:000$000 réis em 1878, sobe a 7.286:000$000 réis, em 1881, e desce a 6.295:000$000 réis em 1883.
Portanto, feito o estudo relativamente ao dinheiro em caixa, ao desconto de letras, aos depositos e ás notas em circulação, feito o estudo do nosso regimen bancario e commercial de 1878 a 1883, nota-se uma falta de vitalidade, um decrescimento de operações que corresponde a diminuição nas forças economicas do paiz.
A unica verba, que sobe de 1881 a 1883, havendo baixado de 1878 a 1881, é a de emprestimos sobre penhores, que em 1878 se descreve por 6.061:000$000 réis, em 1881 por 3.969:000$000 réis e em 1883 por 5.589:000$000 réis.
Estes factos baseados no exame de toda a nossa organisação fiduciaria, demonstrara, como disse a v. exa., que a nação portugueza caminha em rasão inversa á do natural desenvolvimento progressivo das operações bancarias, o que representa uma prova innegavel de perturbação no funccionamento das energias economicas do paiz. (Apoiados.)
Passemos agora á circulação monetaria.
Só nos relatarios do banco de Portugal de 1876 a 1881 encontramos verbas de encargos provenientes de juros, fretes, seguros, commissões e prejuizos em cambios na importação de soberanos, vindos de Londres, que montam á quantia de 264:000$000 réis!
A nossa media annual de importação de oiro é de £ 760:000, isto é, 3.420:000$000 réis, o que representa um prejuizo medio de 42:000$000 réis ao anno. Quer v. exa. saber a que correspondem estes 3.420:000$000 réis, á face das estatisticas da amoedação da nossa moeda de oiro? A cunhagem da moeda de oiro de 1862 a 1876 descreve-se por 3.415:000$000 réis, isto é, quinze annos de amoedação de oiro no nosso paiz representam a media de importação de libras que annualmente vamos buscar ao mercado inglez!
E as anormalidades não se dão unicamente pelo que respeita á moeda de oiro, mas tambem, como muito bem explicou o sr. Julio de Vilhena, pelo que respeita á moeda de prata e de cobre.
Se o assumpto em discussão fosse propriamente relativo á circulação monetaria, podia inquirir-se quaes as origens, quaes as causas d'este profundo desequilibrio, doesta instabilidade da moeda de oiro no nosso paiz, umas vezes excessiva e outras vezes insuificiente para as necessidades publicas. N'este momento bastará lembrar que o recurso constante á importação da libra e o desapparecimento da moeda de oiro portugueza são em grande parte oriundos do facto de nos regermos pelo titulo do oiro inglez, pelo toque de 918 millesimas, em vez de adoptarmos o toque de 900 milesimas, hoje recebido em quasi todas as nações da Europa continental.
Torna-se portanto indispensavel que um bom regimen de credito bancario e de papeis fiduciarios faça desapparecer os defeitos e corrija os inconvenientes produzidos pela variabilidade abusiva dos nossos recursos monetarios. (Apoiados.)
Mas fique assente que ao lado de um profundo desequi-

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brio economico e bancario existe o desequilibrio da circulação monetaria do paiz.
Passarei agora aos resultados do exame do nosso meio economico com relação ás nações estrangeiras.
Sr. presidente, as consequencias e os resultados doeste exame são desoladores, se compararmos a capitação do capital bancario em Portugal com a das nações estrangeiras; e se estudâmos a estatistica internacional no ponto de vista da capitação da emissão de notas, chegâmos a conclusões igualmente desanimadoras.
Com respeito á capitação do capital bancario, acham-se as diversas nações da Europa na seguinte relação, referida ao anno de 1880 e á unidade libra: Inglaterra, 2; França, 9; Allemanha, 7; Austria, 5; Russia, 2; Italia, 2; Hollanda, 6; Belgica, 6; Scandinavia, 4; Hespanha e Portugal, 1 1/2.
E com respeito á capitação de emissão, encontra-se a proporção seguinte, referida á unidade shilling: França, 50; Inglaterra, 38; Allemanha, 10; Hollanda, 60; Belgica, 60; Scandinavia, 20; Suissa, 25; llespanha e Portugal, 8.
Estes são os factos, estes são os signaes inequivocos da existencia de um mal existente, de uma situação morbida das forças economicas da nação portugueza, demonstrada na interrupção do seu desenvolvimento bancario, na instabilidade da sua circulação monetaria, e na estreiteza dos factores de progresso da riqueza commercial, industrial e agricola. Urge por conseguinte que nos lancemos no caminho das reformas, no sentido da regularisação da circulação monetaria e da expansão continua, prudente e legitima da circulação fiduciaria portugueza. (Apoiados.)
Mas se não é alegre o exame da nossa situação economica, por certo que o exame da nossa situação financeira mais nos inclina para o estabelecimento de uma instituição que contribua para a prosperidade do nosso credito, e nos sirva tambem de recurso effectivo e verdadeiramente util para o estado.
Vista em globo a nossa situação financeira, eis o quadro que ella nos apresenta. Nós temos um orçamento rectificado de 44.000:000$000 réis. E verdade que temos esse orçamento rectificado com o consolidado a 57; mas a respeito do consolidado a 57, permitta-me a camara que em poucas palavras lhe explique a alta dos nossos fundos.
Se os nossos fundos a partir de fevereiro de 1886 subiram, não foi porque o partido progressista alcançasse n'essa epocha o poder, mas porque deixou de ser opposição, (Apoiados.) o que parece a mesma cousa, mas no fundo é completamente differente. (Muitos apoiados.)
Como ía dizendo, temos um orçamento rectificado de 44.000:000$000 réis e um deficit de perto de 10.000:000$000 réis.
Temos uma divida fluctuante de 7.199:000$000 réis, que com 3.659:000$000 réis, de conta de deposito, da companhia real dos caminhos de ferro, attinge a bonita somma de 10.858:000$000 réis. Achamo-nos em presença de uma capitação de impostos avantajadissima, avultadissima; encontrâmos na nossa frente a perspectiva de obras enormes a realisar para a exploração das colonias, exploração que no momento presente excede muito as nossas forças economicas e financeiras. (Apoiados.) Achâmo-nos igualmente com enormes encargos orçamentaes de obras de caminhos de ferro, de obras hydraulicas e outros emprehendimentos dispendiosissimos. (Apoiados.) Pesa sobre as nossas finanças um encargo relativo ás classes inactivas na quantia de 1.955:000$000 réis, que representa já uma percentagem assustadora, comparada com a totalidade do orçamento. (Apoiados.)
O que urge, portanto, é aproveitar o momento, utilisar a reforma, não deixar perder a occasião de levar á execução um projecto de lei que, fazendo desapparecer as asperezas da nossa actual situação financeira, possa dar vida ás energias nacionaes e dissipar as sombras que empanam o futuro das finanças portuguezas. (Apoiados.)
São estes, muito em resumo, os motivos que devem imperar sobre o governo, e de certo imperam sobre a camara, para discutir reflectidamente, como merece, o projecto em discussão; são estes, finalmente, os pontos de vista em que nos devemos collocar, para fazermos uma obra que realmente seja util ao paiz. (Apoiados.)
O fim a satisfazer é multiplo: acudir ao desequilibrio da nossa circulação monetaria e ao successivo decrescimento das nossas forças economicas, e ao mesmo tempo introduzir n'essa reforma todas as medidas sufficientes e adequadas, no sentido de se realisar um beneficio effectivo para o thesouro e para a nação. (Apoiados.) Tal é o aspecto complexo, á face do qual vou tentar examinar o projecto.
O principio fundamentai de projecto é o seguinte: - fundação de um grande banco nacional, ou remodelação do banco de Portugal, com privilegio de emissão de notas em todo o paiz e nas ilhas adjacentes, dentro dos termos e dos limites assignados nas respectivas bases que acompanham o projecto, e, ao mesmo tempo, a união entre o banco e o governo, de fórma a encarregar o banco das operações de thesouraria, e a tornal-o verdadeira caixa geral do thesouro.
O sr. conselheiro Julio de Vilhena, no esplendido discurso que tivemos o prazer de lhe ouvir na ultima sessão nocturna, suscitou uma duvida que não teve resposta por parte do sr. relator da commissão. Perguntou o sr. Julio de Vilhena qual a situação em que ficariamos se o banco nacional, que se vae fundar ou remodelando o banco de Portugal ou creando-se um novo estabelecimento bancario, se constituisse segundo esta fórma, e ao mesmo tempo acontecesse não poder o governo chegar a accordo com os bancos do Porto.
Em tal hypothese, teriamos as seguintes especies de notas: notas de emissão geral em todo o paiz, as provenientes do banco nacional; notas especiaes de applicação regional, quaes são ás que emittem os bancos do Porto, Minho e Guimarães: e notas com curso em todo o districto de Lisboa, taes são as que hoje emitte o banco de Portugal. E perguntava s. exa. se era intenção do governo, caso o contrato se não podesse realisar com o banco de Portugal, e se não realisasse o accordo com os bancos do Porto, continuar a manter o projecto, que evidentemente levantaria diante de si difficuldades invenciveis e obstaculos que o governo não poderia evitar. (Apoiados.)
Relativamente á união com o banco de Portugal, o governo nada disse, a commissão nada explicou; nós estamos sem saber se, do momento em que o banco de Portugal não acceite o contrato, o projecto corresponde a uma realidade, se ha possibilidade de effectuar o contrato com qualquer outro estabelecimento de credito ou grupo financeiro. (Apoiados.)
Não sabemos nada com relação a este ponto.
Com respeito aos bancos do Porto o sr. Julio de Vilhena, criticando uma phrase do relatorio do sr. Oliveira Martins, negou que a circulação fosse insignificante; é a este proposito lembrarei ao sr. Oliveira Martins uma contradicção flagrante de s. exa. que salta aos olhos quando se aprecia conjunctamente o projecto e o seu relatorio.
Na realidade, não se explica como para s. exa. é necessario um accordo com os bancos do Porto que os indeminise da cessação da sua faculdade emissora, ao mesmo tempo que no relatorio s. exa. julga de tão pequena importancia a circulação fiduciaria dos bancos emissores do norte do reino que não prejudicará de um modo sensivel a projectada instituição, ainda quando de futuro tenha dê coexistir com ella. (Apoiados.)
O sr. Oliveira Martins foi habilissimo, como tantas vezes o é, porque aproveitou o facto da crise de 1876, que teve por effeito reduzir a termos apertados as cifras avultadas que exprimiam a importancia das notas dos bancos

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do norte em circulação, cifras ficticias que o proprio movimento da crise se encarregou de corrigir e de reduzir ás suas verdadeiras proporções.
Foi da estatistica relativa á epocha immediatamente posterior a esse periodo calamitoso, que s. exa. se serviu para mostrar que é de diminuta importancia o valor das notas dos bancos do norte em circulação, como se porventura fosse legitimo tomar para prova da affirmação esse periodo anormal e pathologico da nossa vida economica em que ainda se reproduziam vivamente os abalos oriundos da crise que acabava de findar! (Apoiados.)
Se s. exa. quizesse citar, e sabia o perfeitamente, logo em seguida á pequena verba que representava a totalidade das notas em circulação dos bancos do norte do paiz, depois da estatistica correspondente ao periodo de 1878 a 1882, s. exa. poderia ter acrescentado que, n'este periodo, a media das notas em circulação dos bancos do norte era expressa pelos seguintes numeros:

[Ver tabela na imagem]

Banco Commercial do Porto ....
Banco Mercantil ....
Banco União ....
Banco Alliança ....
Nova Companhia Utilidade Publica ....
Banco do Minho ....
Banco de Guimarães ....

Por aqui se vê que as verbas relativas ás notas em circulação dos bancos do norte representavam annualmente, de 1878 a 1882, a quantia de 723:000$000 réis, que para uma circulação puramente regional representa já um valor que não é licito considerar pequeno ou insignificante. (Apoiados.)
Relativamente a este ponto, vou chamar a attenção do sr. ministro da fazenda e fazer-lhe umas perguntas, para as quaes muito desejaria uma resposta nitida e precisa.
Trata-se do accordo com os bancos do norte do paiz, e eu devo confessar a s. exa. que preferiria immenso que o governo, ao apresentar esta proposta, a tivesse acompanhado do projecto de accordo com esses bancos, que o diploma, tal qual foi submettido ao exame parlamentar, viesse instruido com as negociações respectivas, de maneira que o parlamento podesse conhecer com exactidão os desejos d'esses bancos e as intenções do governo. (Apoiados.)
O governo não o fez. Trouxe á camara uma simples proposta de lei e pede agora, não uma auctorisação para negociar um accordo que só necessitaria de approvação parlamentar se d'elle resultassem quaesquer encargos para o thesouro, como dizia na sua proposta o sr. Marianno de Carvalho, mas uma auctorisação para effectuar esse accordo que, nos termos do projecto, só terá de ser sujeito á sancção legislativa se exceder as attribuições do poder executivo.
Ora, este limite de «exceder as attribuições do poder executivo», parece-me pouco acceitavel, se nos recordarmos de que este governo entendeu que não excedia as attribuições do poder executivo, não trazendo á camara a concordata com a Santa Sé, a fim de ser ratificada pelo parlamento; (Apoiados.) e, portanto, eu é que não dou o meu voto para que s. exas. possam julgar se excederam ou não as attribuições do poder executivo no accordo a realisar com os bancos do norte do paiz. (Apoiados.)
Relativamente ao accordo dos bancos do Porto não posso deixar de confessar á camara que as noticias officiosas, que alcancei sobre este assumpto, são profundamente diversas do que naturalmente se esperava.
Tratando-se da organisação de um banco emissor, de um banco nacional, tratando-se de conciliar os interesses do banco emissor e do thesouro com os interesses especiaes do banco do norte, parece que a mais pequena ou a maior indemnisação que tivesse de ser concedida, devia sei-o em harmonia com a natureza da propria instituição bancaria, e devia traduzir-se, por exemplo, na troca das notas dos bancos do norte por notas do banco nacional, na troca de notas dos bancos do norte por certo numero correspondente de acções do novo banco; finalmente, por um meio qualquer que, conservando a unidade da emissão bancaria no paiz, se limitasse a recompensar os bancos do norte pelo prejuizo que vão soffrer.
São, porém, completamente differentes as noticias que recebi a tal respeito.
Segundo sou informado, o accordo a realisar com os bancos do Porto tem por fim: 1.°, conceder aos bancos uma annuidade de 45:000$000 réis; 2.° conceder aos bancos o arrendamento dos caminhos de ferro do Douro e Minho, de maneira a que d'esse arrendamento resultem vantagens taes que o syndicato do caminho de ferro de Salamanca, possa resarcir-se dos seus prejuizos.
Acrescenta se mais que é condição d'esse contrato, a futura transferencia do arrendamento dos caminhos de ferro do Douro e Minho a um grupo ou a pessoa especialmente indicada, de maneira a ficar garantida a transmissão d'esses direitos á companhia real dos caminhos de ferro de norte e leste.
Estas são as informações que me foram communicadas, sobre cuja veracidade nada posso dizer, mas que me levam a fazer simples perguntas a s. exa. o ministro, muito francas e muito leaes.
Notem o illustre ministro e a camara que estas palavras não contem o menor laivo, o mais pequeno symptoma de insinuação; alcancei estas noticias e nos termos em que as alcancei-as expuz á camara, tendo simplesmente em attenção a sua enorme gravidade e não tratando por emquanto de apreciar as suas consequencias e significação. (Apoiados.)
Dirijo, portanto, tres perguntas precisas e definidas ao sr. ministro da fazenda:
Primeira. Existem já negociações entaboladas com os bancos do Porto?
Segunda. Em que estado se acham essas negociações? São unica e simplesmente antecedentes de um accordo, ou representam já um convenio effectuado entre as duas partes?
Terceira. Quaes os termos d'essas negociações?
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Se v. exa. me dá licença eu respondo immediatamente.
Primeira. Ha negociações pendentes com os bancos do Porto; digo-o agora e dil-o o relatorio.
Segunda. Estão suspensas, por não estar preenchida por parte dos bancos, uma das condições que o governo impoz.
Terceira. Não ha ajuste algum entre o governo e os bancos do Porto com respeito ao caminho de ferro do Minho e Douro, e não se falla, nem nunca se fallou, a respeito de qualquer transmissão d'esse caminho de ferro para a companhia do norte e leste.
O Orador: - E a annuidade dos 45:000$000 réis?
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho):- Fallou-se n'isso, como se tem fallado em muitas outras bases de negociação, mas esta, repito, acha-se suspensa e não ha ainda nenhum accordo feito.
O Orador: - Registo as declarações de v. exa., e oxalá que o futuro lhes corresponda, como estou certo do que correspondem ao passado. (Apoiados.)
E ainda com respeito ao accordo a realisar com os bancos do norte, vou expor á camara a minha opinião.
O direito dos bancos do norte e um direito muito attendivel. O direito de indemnisação deve ser garantido a esses bancos, apesar de a lei de 14 de abril de 1874 permittir-lhes seja retirada a faculdade emissora por meio de uma remodelação da circulação fiduciaria; (Apoiados.) mas v. exas. sabem que a vida, as condições economicas dos bancos e as suas forças já desenvolvidas não se alteram ou modifi-

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cam de um momento para outro com uma pennada do legislador, e o governo tem a obrigação, longe de prejudicar esses interesses creados e destruir as forças já adquiridas, de os considerar e attender no sentido do desenvolvimento geral da nação. (Apoiados.)
Ao governo compete regular o direito de indemnisação dos bancos do norte, mas é preciso que a indemnisação concedida o seja em conformidade com a natureza dos institutos bancarios, e que não corresponda a outros interesses inteiramente diversos. (Apoiados.)
Ha interesses creados? Ha elementos de vitalidade economica innegaveis? Ha condições de força bancaria e commercial já desenvolvidas? Se ha, como me parece demonstrado, respeitem-se esses direitos fundados no vigor e importancia das instituições bancarias do norte do paiz, mas não se sophismem esses direitos, mas não se esqueça o caracter dos interesses attendiveis, envolvendo na indemnisação a conceder a sorte de emprezas que nenhuma relação têem com a faculdade emissora que assiste aos bancos do norte do paiz. (Muitos apoiados.)
Sr. presidente, aproveitando ainda os poucos minutos que me restam antes de dar a hora...
Uma voz: - Está a dar a hora.
O Orador: - V. exa., sr. presidente, faz favor de me dizer quanto falta para dar a hora?
O sr. Presidente: - Faltam dois minutos.
O Orador: - Se v. exa. mo consente, interrompo aqui a minha exposição, e continuarei na sessão nocturna.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O sr. Presidente: - Fica-lhe reservada a palavra.
O sr. D. José de Saldanha: - Mando para a mesa a participação de que está constituida a commissão de agricultura, tendo nomeado para presidente ao sr. Elvino de Brito e a mim para secretario.
O sr. Presidente: - Hoje ha sessão nocturna e a ordem da noite é a continuação da que estava dada.
Está levantada a sessão.
Eram seis horas da tarde.

Proposta de lei apresentada n'esta sessão pelo sr. ministro das obras publicas

N.° 108-B

Senhores. - A camara municipal de Lisboa pediu ao governo que lhe entregasse o Campo Grande, a fim de estabelecer ahi um grande viveiro de arvoredo para as necessidades de arborisação do municipio.
Póde esta petição ser deferida sem nenhum inconveniente, antes com reciproco proveito. E tendo sido alargada a área do municipio, de modo que hoje abrange o Campo Grande, é mais curial que a camara municipal tome conta d'esse passeio para o aproveitar e aformosear como entender, segundo o plano geral que adoptar para os jardins e passeios publicos.
Acresce que o municipio de Lisboa esteve já na posse do Campo Grande ate o anno de 1858, em que foi annexo ao antigo instituto agricola, hoje instituto do agronomia e veterinaria. Como, porém, apesar do seu quasi nullo valor florestal, tem figurado, de então para cá, no arrolamento das matas do estado, não póde a alienação ser feita sem auctorisação legislativa. Por estes motivos tenho a honra de vos apresentar a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É transferido para o dominio da camara municipal de Lisboa o Campo Grande, com todas as suas dependencias, ficando a cargo da mesma camara as despezas de limpeza, conservação e aformoseamento.
§ unico. Dos viveiros annexos poderá o governo retirar successivamente as arvores actualmente ali existentes, que lhe forem necessarias para arborisação das estradas reaes e districtaes.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios das obras publicas, commercio e industria, em 10 de junho de 1887. - Emygdio Julio Navarro.

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Publica-se de novo, por ter saído truncado e com alguns erros, o discurso do sr. deputado Franco Castello Branco, proferido na sessão de 6 de junho de 1887:

O sr. Franco Castello Branco (sobre a ordem): - Começo por ler a minha moção de ordem, que, espero, será votada por ambos os lados da camara.
A doutrina que ella encerra, reflecte por certo a aspiração de todos os representantes do paiz, e principalmente e acima de todos, a do sr. ministro da fazenda.
Diz assim:
«A camara, fazendo votos para que o credito do paiz se robusteça e affirme nas solidas bases de uma severa administração, dos rendimentos e serviços publicos, unicamente inspirada na pratica dos bons principios economicos e financeiros, passa á ordem do dia.»
Como a minha moção indica, não vou simples e restrictamente apreciar o projecto que está em discussão, o orçamento rectificado para o corrente exercicio de 1880-1887.
Quero, alem d'isso, aproveitar o ensejo, aproveitar a occasião para discutir a questão de fazendo, comprehendendo-se n'esta phrase, não só a critica de todos os actos de administração, praticados pelo governo, encarados sob o ponto de vista economico e financeiro, mas tambem a apreciação dos progressos que a economia geral do estado porventura experimentou, sob o influxo da gerencia do actual ministerio progressista, hoje que, pela primeira vez elle se apresenta a esta camara, para dar conta dos actos praticados no mais longo interregno parlamentar, que tem havido n'este paiz durante os ultimos annos. (Apoiados.)
Não vale a pena profundar, sr. presidente, se a questão de fazenda deve ou não ser uma questão politica. E essa uma velha polemica, tão velha pelo menos, com o sabido e estafado conceito do celebre financeiro do primeiro imperio, o barão Louis: «Dae-me boa politica, dar-vos-hei boas finanças».
Sr. presidente, em um paiz como o nosso, onde a alma popular não póde ser vivamente dispertada pelas grandes questões internacionaes, limitados, como estamos, ao nosso viver economico, em parte pela pequenez do nosso territorio, pela exiguidade das nossas torças, e em parte e principalmente pela situação geographica, que, felizmente nos põe a salvo dos perigos que constantemente ameaçam as pequenas nações do centro da Europa; em um paiz onde a liberdade é querida e amada, como a primeira e a mais nobre de todas as aspirações, que a alma do homem póde sentir, mas onde tambem o romance liberal, apaixonado, ardente e sentimental, viu de ha muito o seu termo; em um paiz, finalmente, onde a monarchia liberal e representativa está profundamente arreigada, e francamente acceita como a fórma de governo mais adequada á nossa civilização; no actual momento historico, pergunto eu, sr. presidente, que outra questão póde delimitar os partidos, interessar os parlamentos, commover a opinião publica, senão a questão de fazenda, que resume em si todo o viver, todas as aspirações, e tambem todos os receios do Portugal contemporaneo? (Apoiados.)
Que a França e a Allemanha se preoccupem acima de tudo, com o predominio a que aspiram na hegemonia europea; que na Russia os mais generosos espiritos esqueçam por um momento a questão economica, para combaterem e se sacrificarem acima de tudo pela conquista da liberdade, sem a qual os estados, como os individuos, não podem ter socego nem prosperidade duradoura; que ainda na Hespanha, onde o principio dynastico, e talvez mesmo a fórma monarchica, não parecem solidamente estabelecidos, a questão economica não seja o unico problema do qual dependam a autonomia, a independencia e a fortuna da nação, comprehende se facilmente.
Mas, seguramente, não é este o nosso caso; e em Portugal, mais do que em nenhuma outra nação da Europa, a questão do bem estar economico de todos, na relatividade possivel, é certamente a preoccupação dos governos, tem por força de ser a preoccupação dos representantes do paiz. (Apoiados.)
E debaixo d'este ponto de vista, v. exa., sr. presidente, comprehende por certo que a questão de fazenda não póde deixar de ser uma questão politica.
Mas de boa e sã politica, inspirada menos pelos interesses partidarios, por vezes legitimos, mas não raro egoistas e mesquinhos, do que pelos interesses geraes da nação, concretisados no fomento da sua riqueza, na boa organisação dos serviços publicos, e na honrada e severa gerencia das finanças do estado. (Apoiados.)
E que este meu criterio é filho da observação desapaixonada dos factos, demonstra-o a cada momento o proceder do paiz. que tantos accusam de incapaz ou de indifferente. A politica partidaria interessa-o tão pouco, quão vivamente o snbresaltam quaesquer phenomenos de ordem economica.
Os ultimos acontecimentos são a prova mais cabal das minhas affirmações.
O governo fez a dictadura mais larga, mais injustificavel, e acrescentarei mais inutil e ruinosa, (Apoiados.) de que resam os annaes da historia constitucional portugueza; e o paiz, se não ficou absolutamente indifferente, é certo com tudo que não teve a mais pequena manifestação, de força e de vontade contra esse acto, que não só era de todo o ponto illegal, mas que, repito, e hei de demonstral-o no decorrer da minha exposição, foi o mais inutil e o mais ruinoso possivel sob o ponto de vista economico e financeiro. (Apoiados.)
Depois d'isso, ha poucos dias ainda, commetteu-se o maior attentado, a mais injustificavel prepotencia que se tem praticado desde 1851, desde que acabaram as nossas contendas e guerras civis, e que o espirito de tolerancia dos partidos uns para com os outros, e dos homens politicos reciprocamente entre si, se arvorou em norma de governo, (Apoiados.)
É que d'esta vez não se attentou unica e simplesmente contra a constituição do estado, contra a letra expressa do nosso codigo fundamental, o contra o seu espirito, claramente manifestado em todos os publicistas. Fez-se mais do que isto. Offenderam-se ao mesmo tempo os direitos individuaes de um cidadão, direitos que para todos devem ser respeitaveis e sagrados, e ainda com a aggravante d'esse cidadão ser um representante do paiz, a quem similhante qualidade está sendo mais um motivo de perseguição e castigo. (Apoiados.)
Um tal facto, que foi uma vingança, e é tambem um crime, commoveu a opinião publica. Não se póde deixar de o confessar, mas essa commoção não se traduziu em factos positivos e energicos, que pela sua propria força se imporiam ao governo, obrigando-o a reparar a violencia commettida, ou a abandonar aquellas cadeiras. No fundo de todas as consciencias o acto do governo foi condemnado. Mas, nem os culpados se commoveram por tão pouco, nem o sr. Ferreira de Almeida foi restituido á sua liberdade. (Apoiados.)
Annuncia-se, porém, a reforma da pauta geral das alfandegas, e eis que saem da habitual apathia, para se agitarem activa e proficuamente todas as classes, todos os individuos, todos os interesses que a projectada reforma póde favorecer ou prejudicar. Chovem as representações ao parlamento, e não ha classe ou gremio trabalhador que se não reuna para discutir a questão sob o ponto de vista mais ou menos restricto dos seus interesses individuaes, e preparar os meios de os fazer vingar tão completamente quanto possivel.
Mas nada prova tanto em favor do meu criterio como

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os factos ultimamente succedidos em Lisboa, e especialmente no Porto, sob o influxo do decreto de 27 de janeiro.
O que a dictadura não foi capaz de provocar, o que a prisão arbitraria e illegal do sr. Ferreira de Almeida não foi capaz de produzir, provocou-o e produziu-o o monopolio do tabaco, o odioso decreto de 27 de janeiro d'este anno. (Apoiados.) E o governo viu-se obrigado a calcar aos pés as leis, a offender escandalosamente os direitos individuaes dos cidadãos, para dominar as energicas e persistentes manifestações populares, que o revoltante decreto havia provocado, manifestações tão imponentes pela sua força, como pela absoluta legalidade e cordura dos manifestantes. (Apoiados.)
O governo tem fugido á discussão d'esses acontecimentos, tão grande é o receio da sua consciencia. Aproveito, pois, o ensejo para verberar energicamente as prisões illegaes e arbitrarias realisadas pelos delegados de confiança do governo no Porto, e a intenção que as dictou, tão revoltante, tão falta de coragem e dignidade.
O governo, não podendo contrariar as manifestações dos operarios no Porto contra o decreto de 27 de janeiro, por outras manifestações de igual ordem, mas em sentido opposto, emprehendeu a dissolução dos meetings, a extincção do incendio que começava a lavrar entre todas as classes trabalhadoras do Porto, pela fórma mais odienta e repugnante, prendendo a torto e a direito os operarios, enchendo as prisões e até um navio de guerra, saído de Lisboa para similhante fim, de tal maneira que as manifestações vieram a cessar ao fim de alguns dias, quando todos ou quasi todos os operarios jaziam nas cadeias sem culpa formada, e sem conhecimento da respectiva auctoridade judicial. É isto o que caracterisa o procedimento do governo, vencendo pela força os que não podia dominar pela rasão, e contrapondo ás manifestações regulares e pacificas da opinião publica as cadeias da Relação e os porões do India. (Apoiados.)
Sr. presidente, com a entrada do sr. Marianno de Carvalho para a pasta da fazenda, nasceu em muitos a esperança de ver regularisadas de vez as finanças do estado. Ainda hoje alguns dos seus admiradores continuam firmes nas primeiras crenças, mas não faltam tambem já os desilludidos e desenganados. Quanto a mim e por agora direi apenas, que nunca foi tão facil delimitar as theorias e doutrinas divergentes dos dois partidos, regenerador e progressista, sobre a questão de fazenda, como no momento actual.
O sr. Marianno de Carvalho lançou-se francamente, desenganadamente, no caminho dos expedientes empiricos, egoistas, sem outro alcance que não seja o de comprometter irremediavelmente o futuro a troco de umas pequenas vantagens de occasião.
Essas habilidades poderão talvez deslumbrar os espiritos superficiaes, mas como todos os empirismos, são improficuos, e altamente desmoralisadores nos seus effeitos. Proceder assim não é dirigir os acontecimentos, transformando funda e duradouramente as criticas circumstancias da nossa economia nacional, mas navegar apenas á feição dos ventos que sopram favoraveis, ha um anno, nos grandes mercados europeus, com a unica mira em evitar para si difficuldades, que da melhor vontade se vão adiando intencionalmente para os futuros exercicios. (Apoiados.) É esta a unica preoccupação do actual governo, e especialmente do sr. ministro da fazenda, que até quer lançar sobre os seus adversarios a responsabilidade das enormes e injustificadas despezas do presente exercicio de 1886-1887.
A audacia é de pasmar! Orçamento de liquidação! Tal é o nome com que o sr. Marianno de Carvalho pretende chrismar os esbanjamentos que este orçamento veio pôr a lume, costumado, como de ha muito está, a desnortear a opinião publica, na justa apreciação dos nossos factos economicos e politicos.
Orçamento de liquidação! Analysaremos que liquidação é essa com os algarismos á vista, e tomando para nós a parte que nos pertencer, espero mostrar que a do governo é de contentar os mais exigentes em materia de despezas. (Apoiados.)
Antes porém de o fazer cabe-me a obrigação de levantar uma accusação injustissima e infundada, que nesta sessão e por mais de uma vez ha sido feita ao partido a que tenho a honra de pertencer, e ao ministerio que em fevereiro de 1886 abandonou as cadeiras do poder.
Desde o sr. presidente do conselho, na discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa, até ao deputado da maioria que ultimamente usou da palavra n'esta camara, e não digo até ao ultimo deputado da maioria por que nas fileiras da maioria não ha ultimos, todos nos têem accusado vehementmente de havermos com as nossas loucuras arruinado o credito do paiz, agora felizmente restaurado pelo sr. Marianno de Carvalho, que bem poderá ser cognominado o restaurador (Riso).
É verdade que nós deixámos os fundos publicos cotados em Londres a 43 e 44.
É verdade tambem, que o sr. ministro da fazenda conseguiu eleval-os á cotação de 57, a que parece haverem ficado á data das ultimas noticias, e digo o sr. ministro da fazenda, pois é esta a phrase consagrada.
Ambos os factos são verdadeiros incontestavelmente: mas qual é a sua explicação?
Foram realmente as nossas loucuras, que, sobresaltando os portadores de titulos da divida publica portugueza, determinaram a queda da sua cotação? Por outro lado deve attribuir-se a alta actual á administração politica e fazendaria do actual governo?
Este é o ponto da questão.
Um illustre membro d'esta casa, o sr. Fuschini, já capitulou de puerilidade indigna de discussão, o pretender attribuir-se este phenomeno á substituição dos regeneradores pelos progressistas na administração do estado. E realmente o insinuar que o nome do sr. José Luciano de Castro, aliás muito respeitãvel, poderia obter no estrangeiro maior e melhor acolhimento que o d'esse eminente estadista, cuja perda todos nós sentimos tão vivamente, e que não só era o mais illustre mas tambem o mais sympathico. (Apoiados) de todos os politicos portuguezes, seria tão absurdo como ridiculo.
Outras circumstancias nos darão com certeza e fundadamente os motivos da mudança operada nas cotações dos nossos fundos publicos, que nada tem de mysteriosa, que é uma consequencia fatal de factos e de principios manifestos e palpaveis para todos os espiritos imparciaes, para todos aquelles que como eu não querendo amesquinhar a gloria de ninguém, se revoltam e protestam comtudo energicamente contra a mais facciosa e injusta accusação, que um partido politico ha formulado contra os seus adversarios. (Apoiados.)
Podemos estabelecer um verdadeiro dilemma.
Ou o phenomeno cuja explicação neste momento me occupa, é devido ao credito do paiz, á confiança na riqueza publica fomentada por tantos milhares de contos consumidos em obras e trabalhos de verdadeira utilidade, credito por um momento abalado em virtude de circumstancias hostis, mas independentes da acção e alheias á esphera da actividade do sr. Hintze Ribeiro, que affectaram o credito de todas as nações europêas mais ou menos intensamente, e que desde marco ou abril de 1886 desappareceram, succedendo a ellas um periodo constante de prosperidade; ou então a mudança nas cotações foi provocada e fomentada pelos actos praticados pelo actual governo no interregno parlamentar. Parece-me que ponho a questão por uma fórma clara, franca e aberta, de quem não teme uma liquidação completa das responsabilidades do seu partido, nem foge á analyse dos actos dos seus contrarios, desejando apenas que esse con-

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fronto seja feito com verdade e com a maxima largueza. (Apoiados.)
É assim que se deverá encarar este problema, para o resolver com honra para todos, tomando cada um a parte da responsabilidade que lhe competir, (Apoiados.) e sem injustiça para ninguem, mas tambem sem desvanecimento para pessoa alguma. (Apoiados.)
É á inhabilidade da ultima administração regeneradora, ou a circumstancias independentes da sua vontade, que deve attribuir-se o haverem baixado os fundos publicos a 43 e 44?
Qual foi a administração, sob o ponto de vista financeiro e económico, do ultimo ministro da fazenda, e quaes foram os actos mais principaes da sua gerencia?
Este é o primeiro ponto a examinar.
Segundo ponto, e este ainda com relação á primeira parte do dilemma que apresentei: - que mudanças se operaram nos mercados europeus, que novas circumstancias se deram, depois da assenção do sr. Marianno de Carvalho ao poder, que influissem poderosamente no estado actual do nosso credito? (Apoiados.)
Houve ou não um retrahimento geral dos capitães nos mercados europeus, a partir dos fins de 1884?
Parece-me que ninguem contestava este facto. Baixaram os nossos fundos como baixaram os das outras nações. (Apoiados.) O anno de 1885 foi o anno das vaccas magras, em contraposição ao de 1886, verdadeiro anno de vaccas gordas, pela abundancia e barateza dos capitães, que em Londres chegavam ha pouco a 7/8 por cento.
É facil recordar os factos que originaram estes acontecimentos de uma ordem geral e internacional.
É certo ou não, que a tensão de relações estabelecidas entre a Inglaterra e a Russia, a proposito de uma demarcação de fronteiras na Asia central, tinha produzido os justos receios de uma guerra eminente entre uma das nações mais poderosas da Europa, a Russia, e aquella que maior predominio e influencia exerce em todos os mercados monetarios do mundo, a prosperidade das quaes é simplesmente o reflexo da sua propria, a Inglaterra?
É certo ou não, que pelo mesmo tempo houve nos Estados Unidos, uma crise financeira, que, se não tomou as enormes proporções das grandes crises de 1857 e 1879, preoccupou comtudo vivamente os mercados europeus, fazendo, não só subir a taxa do juro, mas obrigando os capitães ao retrahimento, que sempre manifestam em similhantes occasiões?
Não será certo tambem, que n'esse mesmo anno e quasi n'essa mesma occasião, morria em Hespanha o soberano reinante, D. Affonso XI, e que esse facto produziu sérios receios de graves perturbações de ordem publica n'aquelle paiz, receios que deviam reflectir-se tambem no nosso, pelas intimas relações que nos ligam? (Apoiados.)
Não foi tambem n'esse anno de 1885, que o flagello do cholera morbus se desenvolveu mais intensamente no meio dia da Europa, prejudicando extraordinariamente a actividade das relações internacionaes do nosso commercio, vindo assim acrescentar a somma de difficuldades com que já luctavam a economia do paiz e as finanças do estado?
Finalmente, não será igualmente certo, que a tantas condições desfavoraveis de uma ordem externa e geral acrescia ainda uma outra de ordem interna, mas talvez a mais importante de todas para nós, a baixa do cambio do Brazil? (Apoiados.)
É sabido que essa baixa, tão prolongada, impediu a remessa dos grandes valores que todos os annos se costuma d'ali fazer para Portugal, que, segundo já ponderou o grande escriptor e meu intimo amigo, o sr. Oliveira Martins, são o grande e principal recurso dos financeiros portuguezes, pelo largo consumo que operam dos titulos da nossa divida. (Apoiados.)
Ora, é justamente a todo este conjuncto de circumstancias, umas de ordem geral, outras de ordem puramente interna, a que é necessario attender-se, quando imparcialmente se queiram estudar as causas da grande descida das cotações dos nossos fundos no ultimo anno da gerencia financeira do sr. Hintze Ribeiro (Apoiados.)
E não admira que uma sorte tão funesta acompanhasse a regeneração em 1885, pois que já anteriormente ella gosára a devida compensação. E o sr. ministro da fazenda, que já a esse tempo occupava um logar distincto no parlamento, lembra-se, por certo, que mais de uma vez a administração incontestavelmente brilhante e proficua de ministerio regenerador de 1872 a 1876, era apodada do feliz e afortunada, á falta de outros defeitos que lhe podessem oppor. (Apoiados.)
O reverso da medalha appareceu-nos em 1885, e isso deve servir de lição ao actual governo.
Mas assim como não seria justo accusar hoje o sr. ministro da fazenda pelas prosperidades que o têem acompanhado, pretendendo amesquinhar a sua gerencia por similhante motivo, é igualmente injusto, injustissimo, querer imputar ao sr. Hintze Ribeiro a responsabilidade de factos que não dependiam da sua vontade, nem estavam dentro da sua esphera de actividade, como politico ou como financeiro. (Apoiados.)
E visto que é uma liquidação de contas o que nos pedem, visto que não fomos nós quem provocámos esta questão, é necessario ir até ao fundo d'ella, é necessario dizer tudo em phrases correctas e delicadas, como pede a dignidade d'esta camara e o respeito por nós mesmos, mas com um grande desassombro, e uma inteira franqueza.
Falta-me examinar um facto, melindroso sem duvida, mas que concorreu poderosamente para a baixa dos nossos fundos publicos.
Não ignora de certo o sr. ministro da fazenda, que em fins do anno de 1884 se levantou entre nós uma questão da maior importancia e gravidade, a proposito dos negocios relativos á administração da companhia real dos caminhos de ferro portuguezes.
Não é meu proposito trazer para aqui a narração ou a analyse das differentes peripecias que essa questão atravessou, e que teve como ultimo resultado o ser substituida por outra a influencia que até então dominara nos negocios da companhia. Tudo isso é alheio á ordem de considerações que eu tenho a honra de expor á camara, e portanto só me referirei aos perniciosos effeitos que n'esse momento d'ahi provieram para o credito do paiz, (Apoiados.) e que não podiam ser mais lamentáveis.
Ninguem ousará contestar-me esta affirmação, e não ha muito tempo ainda, que eu li n'um jornal, que não póde ser suspeito ao sr. Marianno de Carvalho, O Diario popular, uma accusação ao meu dedicado amigo e illustre estadista o sr. Hintze Ribeiro, por elle não haver tomado em similhante conflicto partido por um ou outro dos grupos contendedores, derivando d'esse facto o referido jornal a causa principal das difficuldades financeiras que aquelle estadista atravessou no ultimo anno da sua gerencia.
Pois eu louvo altamente o procedimento correctissimo, impeccavel de dignidade e de desinteresse do sr. Hintze Ribeiro. (Muitos apoiados.)
Esse é o maior titulo de gloria do illustre estadista regenerador; a isenção e rigida austeridade de que então deu provas, e que vieram mais uma vez demonstrar de que finissima tempera é aquelle caracter tão respeitável e tão respeitado, (Muitos apoiados.) de uma estructura moral tão rara hoje no nosso mundo politico, são a causa primordial, o motivo principal das grandes sympathias e numerosas adhesões que o seu nome tem conquistado. (Apoiados.)
Pois que tinha que ver um ministro da corôa portugueza com uma questão de interesses particulares, grandes interesses, é verdade, mas cuja administração ou tutela as leis não conferiram, nem conferem ao estado? (Apoiados.) Com que direito interviria n'uma pendencia, que desde o

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seu principio appareceu tumultuosa e irritante? E possivel que fosse habil a intervenção, mas, nem era legal, nem correcta. Talvez ella lhe trouxesse uma alta na cotação dos fundos portuguezes, mas o ministro de então detestava o emprego de similhantes meios, e por esse facto merece a minha plena e calorosa approvação. (Apoiados.)
É, certo, comtudo, que foi essa malfadada questão que provocou o apparecimento de um folheto, conhecido pelo nome de Pamphleto de Anvers, que representa o facto mais odioso e repugnante ha muito praticado na nossa politica, e que é uma degradação para os seus auctores ou inspiradores. A indignação que elle despertou foi de tal ordem, que a imputação da sua paternidade representa a maior injuria e a mais grave offensa que póde fazer-se a um portuguez. (Apoiados.)
Ninguem lhe quer a responsabilidade, nem eu tambem a irei agora esquadrinhar. Deixemos essa responsabilidade á rapacidade feroz e egoista de algum banqueiro, d'aquelles para quem o dinheiro é a patria e a familia. (Vozes: - Muito bem.)
Recordarei apenas que esse pamphleto, viesse d'onde viesse, foi espalhado e distribuido profusamente em todos os mercados estrangeiros, onde os nossos titulos são cotados, em Londres, em Anvers, em Amsterdam, produzindo em toda a parte funda impressão, e provocando uma corrente de opinião desfavoravel para o credito do paiz. (Apoiados.)
Ninguem attribuirá por certo ao sr. Hintze Ribeiro, ao governo do que fazia parte, ou ao partido regenerador, que representavam no poder a responsabilidade de tão vis e indignos processos de descredito; não pertencerá ella tambem a nenhum partido ou homem politico, mas em todo o caso fomos nós, e só nós quem lhe soffremos as consequencias. (Apoiados.)
Mas não pararam ahi as revindictas, fosse de quem quer que fosse. Jogou-se fortemente na baixa, e, o que é mais lamentavel e digno da maior censura, é que mais de um jornal portuguez, todos bem conhecidos, referiam dia a dia e com mal escondida satisfação, os progressos que os nossos inimigos íam alcançando na sua despiedosa campanha contra o credito nacional. (Apoiados.)
Hoje que os fundos sobem, já algum jornal portuguez ou algum deputado deixou de regosijar-se por esse facto?
Não nos congratulâmos todos por isso?
As vantagens que d'esse acontecimento tiram hoje o sr. ministro da fazenda e o ministerio de que s. exa. faz parte, são vantagens transitorias; a vantagem duradoura será para o paiz, se essa alta cotação se fixar em solidas bases, como eu desejo na moção de ordem que enviei para a mesa.
E se tal succeder, as vantagens que hoje gosam os actuaes ministros serão tambem apanagio dos seus successores.
Parece-me ter demonstrado, sr. presidente, que no ultimo periodo da gerencia financeira do sr. Hintze Ribeiro se deu um complexo de condições e de circumstancias, que fatalmente, inevitavelmente, haviam de influir por modo desfavoravel na situação das finanças publicas.
Mas teria o illustre estadista regenerador aggravado essa crise pelas providencias ou reformas com que pretendeu aperfeiçoar os serviços do céu ministerio? Decresceram por acaso os rendimentos do estado durante a sua gerencia? Afrouxou ao menos a progressão sempre crescente das nossas receitas nos ultimos annos?
Nada d'isso. Bem pelo contrario, o sr. Hintze Ribeiro póde ter a vaidade de haver conseguido na administração dos negocios dependentes do ministerio da fazenda um acrescimo de receita, aperfeiçoamentos nos serviços, que ainda não foram igualados, e nunca serão excedidos. (Muitos apoiados.)
Os negocios aduaneiros foram de entre todos os do seu ministerio aquelles que mais lhe prenderam a attenção, e a que dedicou os seus mais estrenuos cuidados. E com rasão, porque os rendimentos aduaneiros só por si constituem dois terços das receitas totaes do estado.
O sr. Hintze Ribeiro viu plenamente coroados do successo mais completo os seus intelligentes e persistentes esforços.
Sem augmentar as taxas pautaes, e sem chamar ladrão a ninguem, (Apoiados.) os rendimentos aduaneiros elevaram-se por uma fórma que a todos surprehendeu. Esses rendimentos, que em 1882 haviam attingido a cifra de 14.800:000$000 réis, e em 1883 a de 14.700:000$000 réis, elevaram-se em 1884, primeiro anno da gerencia do sr. Hintze Ribeiro, a 15.897:000$000 réis, isto é, mais de 1.000:000$000 réis sobre a receita do anno anterior! E em tão solidas bases assentou esse augmento, que desde então, em 1885 e 1886, elle tem-se conservado firmissimo, sendo a totalidade dos rendimentos aduaneiros em 1885 de 16.864:000$000 réis, e em 1886 de 17.998:000$000 réis! (Apoiados.)
E este esplendido resultado conseguiu-se, repito, sem a menor elevação nas tarifas pautaes, e sem se chamar ladrão a ninguém, tudo devido ao acerto das providencias tomadas pelo illustre estadista, e á influencia prodigiosa que sobre toda a classe aduaneira exercia a poderosa auctoridade moral do sr. Hintze Ribeiro, auctoridade moral que poz fim aos numerosos e importantissimos latrocinios e malversações que se commettiam nas principaes casas fiscaes do paiz, como o sr. Marianno de Carvalho muito bem sabe, e que eram uma vergonha e uma ruina para a administração publica. Hoje, felizmente, n'este ramo de serviço continuam-se ainda as praticas do austero ministro regenerador, se bem que com menos severidade, e só ha a desejar que o sr. Marianno de Carvalho não perca nunca de vista os exemplos do seu antecessor, continuando, como até agora tem feito, a executar o plano tão superiormente traçado pelo sr. Hintze Ribeiro para a reorganisação completa dos serviços aduaneiros.
Mas não foi este o unico ramo de serviço publico em que se fez sentir a poderosa iniciativa do ministro regenerador, com manifesta vantagem das receitas do estado. Emprehendeu elle tambem e levou a cabo a reforma e revisão do imposto do sêllo, colligindo se toda a legislação existente a tal respeito num só diploma muito notavel, e augmentando desde então por fórma sensivel o rendimento d'este imposto.
Nos serviços dependentes da direcção geral das contribuições directas tambem a passagem do estadista regenerador pelo ministerio da fazenda ficou proveitosamente assignalada. Alem de muitos abusos que se corrigiram, tornou-se notavel a isenção do ministro, em tudo o que se referia ao pessoal dependente d'essa direcção, por fórma tal, que poucos empregados addidos havia, quando o sr. Marianno de Carvalho entrou para a pasta da fazenda. (Apoiados.)
Talvez não aconteça hoje o mesmo, e se se fizer a comparação entre o numero de empregados que então havia nas repartições de fazenda, e o que ali existe hoje, reconhecer-se-ha que nesta parte os dinheiros publicos não têem sido administrados pela fórma mais economica (Apoiados.)
E o plano financeiro pelo ministro regenerador apresentado na sessão de 1886, as propostas chamadas de Canecas, teriam por acaso escandalisado de tal fórma o paiz, que n'esse facto se deva encontrar tambem uma das causas da baixa dos nossos fundos?
Não me parece. Em primeiro logar, porque a baixa vinha já de muitos mezes atrás. Em segundo logar porque o sr. Hintze Ribeiro vinha pedir ao paiz um menor numero de sacrificios, uma somma de novos impostos inferior á que pede o actual ministro da fazenda. (Apoiados.) Ora se os fundos então desceram, e hoje sobem as suas cotações, é porque então havia quem os fizesse descer, como hoje ha quem os faça subir. (Apoiados.)

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O sr. ministro da fazenda declarou já n'esta sessão que pedia ao paiz 3.000:000$000 réis de novos sacrificios, e diante d'este pedido os fundos sobem, ao passo que diante de um pedido mais modesto do sr. Hintze Ribeiro as cotações desceram. Quem quizer que dê a explicação de um tal facto. (Apoiados.)
Resta-me agora analysar as circumstancias em que se encontrou o actual ministro da fazenda, logo desde os primeiros dias da sua gerencia.
As condições de todos os mercados europeus passaram de repente a um estado diametralmente opposto ao do anno de 1885. Os receios e perturbações economicas e politicas, que haviam preoccupado todos os espiritos no anno de 1885 desappareceram, e nunca o dinheiro foi mais abundante nem mais barato, como já tive occasião de mostrar.
As relações commerciaes, por um momento entorpecidas, entraram n'um periodo da maior actividade, por uma natural reacção tão apreciada e conhecida nos phenomenos de ordem physica, como nos factos de ordem economica. A depressão notada em 1885 nas cotações de todos os fundos europeus foi substituida por uma alta geral. Se o nosso 3 por cento chegou a 57, o 4 por cento hespanhol está a 67. Qualquer erudição barata de um almanach de Gotha prova a verdade do que deixo dito.
Ora supponho que não foi o sr. Marianno de Carvalho nem o partido progressista, que estenderam os beneficios da sua administração á Hespanha, á Inglaterra, e até ao proprio Egypto. (Apoiados.)
Os receios de uma guerra eminente entre a Russia e a Inglaterra dissiparam-se. A crise economica nos Estados Unidos passou sem fazer grande estrago. A politica hespanhola entrou n'um periodo de consolidação, graças ao acrysolado patriotismo de Canovas del Castillo, e á sua prudente e firme politica. O cholera desappareceu. E finalmente, e sobretudo, a alta do cambio do Brazil veiu fazer mudar decisivamente a face das cousas. Este facto principalmente tem sempre a maior e a mais larga influencia nas nossas finanças, como o demonstrou já scientificamente o nosso collega o sr. Oliveira Martins.
Com a ultima alta do cambio as importantes sommas de ha muito ali represadas, começaram a correr para Portugal, e esses milhares de contos, que, como disse s. exa., são o preço por que o Brazil nos paga as vidas de portuguezes que todos os annos ali se vão consumir, os braços que a emigração rouba annualmente á nossa agricultura e ás industrias nacionaes, preferem sempre como emprego os titulos da divida publica portugueza, tendo por isso uma reconhecida acção sobre as suas cotações. (Apoiados.)
O sr. Oliveira Martins já calculou em 10.000:000$000 réis os capitães que todos os annos o Brazil manda para Portugal. Pois póde quasi affiançar-se que quatro quintas partes d'essa totalidade vão empregar-se, não em fomentar as industrias nacionaes, infelizmente, mas nas inscripções, nos titulos que representam os nossos constantes deficits orçamentaes. (Apoiados.)
Quer isto, porém, dizer que eu contesto acintosamente ao sr. ministro da fazenda a habilidade, que todos de ha muito lhe reconhecem? Por certo que não; sou tambem admirador dos talentos de s. exa., e sou até seu amigo particular. Hei de pois, fazer-lhe a justiça que eu quero para o sr. Hintze Ribeiro, e depois de levantar as infundadas accusações de que este foi victima, não irei merecer a mesma censura que dirijo aos seus detractores. (Apoiados.)
Reduzidas aos seus precisos termos as glorias da actual gerencia progressista, hei do confessar tambem, primeiro do que ninguem, que o sr. Marianno de Carvalho tem praticado alguns actos de administração que merecem a minha approvação, e o favor e a adhesão de todos nós. Faço justiça, assim como a peço para todos.
Referir-me-hei em primeiro logar ao concurso para a divida fluctuante, que, pela primeira vez, se usou entre nós para aquelles supprimentos do thesouro, e do qual o sr. ministro da fazenda ha tirado incontestaveis vantagens.
Mas s. exa. parece-me que não me contestará, que uma tal idéa não era nova no ministerio da fazenda (Apoiados.)
Eu tenho informações particulares, mas de pessoa digna de todo o credito, de que na direcção geral da thesouraria havia já um despacho do illustre antecessor de s. exa., o sr. Hintze Ribeiro, e por se levantar este ministro não se apouca o sr. Marianno de Carvalho, porque ambos podem com as suas responsabilidades, e ambos têem direito á legitima gloria que adquiriram; tenho informações particulares, digo, de que havia já um despacho do sr. Hintze Ribeiro, determinando o emprego de similhante processo para os supprimentos da divida fluctuante, dependendo apenas de ensejo opportuno a execução do referido despacho. Portanto n'esta parte o actual ministro da fazenda foi o continuador da obra iniciada pelo sr. Hintze Ribeiro. (Apoiados.)
O mesmo direi com relação á livre exportação do oiro, outra medida levada a cabo pelo actual ministro, mas tambem da illustrada iniciativa do seu antecessor. Foi o sr. Hintze Ribeiro quem elaborou e trouxe á camara a proposta de lei para a livre exportação do oiro.
Foi uma camara regeneradora quem approvou e converteu em lei essa proposta.
As circumstancias difficeis do nosso mercado monetario durante o anno de 1885, não permittiram a sua execução.
Ao sr. Marianno de Carvalho cabe o louvor de ter sabido aproveitar o ensejo, offerecido pelo estado prospero do nosso mercado no ultimo anno, para usar proficuamente da auctorisação pela referida lei concedida ao poder executivo.
Não hei de deixar tambem sem a devida commemoração um outro acto da administração do sr. Marianno de Carvalho, para mim o mais apreciavel da gerencia de s. exa. Refiro-me á cotação do nosso 3 por cento consolidado na praça de Paris, e á introducção dos titulos da divida publica portugueza nos mercados da Allemanha. (Apoiados.)
São obvias as vantagens e a importancia de taes factos. Não preciso explicar á camara que, quanto maior for a areado consumo dos titulos da nossa divida, tanto mais elevadas deverão ser as suas cotações, em virtude da lei economica sobre a offerta e a procura. (Apoiados.) Quanto maior for o numero de individuos interessados na nossa divida, tanto maior será a somma de vontades e interesses compromettidos na prosperidade do nosso paiz. Quanto maior for o numero de nações onde se realise a cotação official dos nossos fundos publicos, tanto maior será a garantia que teremos de os não ver succumbir perante uma crise economica ou uma crise politica de natureza parcial. (Apoiados.)
Parece-me, sr. presidente, que tenho dado sobejas provas da minha imparcialidade na critica que estou fazendo das cousas do estado, e espero bem que o exemplo será seguido pelos meus adversarios politicos, e especialmente pelo sr. ministro da fazenda, que nas discussões em que ha tomado parte, tem demonstrado menos serenidade de animo e espirito de justiça, do que ao traçar as lucidas paginas do seu relatorio e propostas de fazenda. (Apoiados.)
Ao passo que ahi se mostrava modesto para comsigo mesmo, verdadeiro para com os seus adversarios, nas vezes em que ha usado da palavra n'esta camara patenteiou sentimentos bem differentes.
As pennas de pavão com que o pretendem adornar os seus correligionarios, parecem estar sendo muito do gosto de s. exa. (Apoiados.)
Onde existe pois, sr. presidente, a causa fundamental, a rasão primordial da subida dos nossos fundos ha um anno a cata parte? Está unica e simplesmente na habilidade do sr. Marianno de Carvalho, ainda na ultima sessão tão elogiada e proclamada pelo illustre deputado e meu amigo o sr. Fuschini?
Nem s. exa., nem ninguem, acredita em tal.
E Deus nos livre, sr. presidente, que o credito de um

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paiz estivesse unica e simplesmente dependente da habilidade de um homem, por maior que ella seja, por mais patriota e desinteressado que esse homem fosse! (Apoiados.)
De onde vem pois, sr. presidente, a causa primordial da alta cotação dos nossos fundos?
Qual é a rasão fundamental, por que elles acompanharam a baixa como a alta de todos os fundos europeus, soffrendo como todos as fluctuações e incertezas dos mercados?
A verdadeira explicação d'estes factos não se póde encontrar senão na confiança que incontestavelmente infunde hoje o credito da nação portugueza. (Muitos apoiados.)
Confiança que aliás é justificada pela reconstituição da nossa riqueza publica e particular, operada com notavel intensidade nos ultimos trinta annos. (Apoiados.)
Essa reconstituição tem sido mais lenta do que a de outros estados europeus, o que se explica pela pobreza material e decadencia intellectual a que haviamos chegado.
Gastou-se de certo mais do que o estrictamente necessario; tivemos innegavelmente um periodo bem penoso de aprendizagem que atravessar, mas isso é condição fatal de todos os organismos, igualmente commum aos estados como aos individuos, tributo que a natureza humana ha de sempre pagar á sua propria imperfeição. (Apoiados.)
Mais de uma vez tenho visto pôr estes resultados em duvida, mas nunca a contradicçâo me foi tão penosa e de sagradavel, como ha poucos dias, ao ouvir o meu illustre amigo o sr. Oliveira Martins.
S. exa., apreciando um diagramma este anno publicado, das receitas e despezas publicas, disse: «Em 1851 e 1852, as despezas publicas eram de 11.000:000$000 réis; as receitas de 10.000:000$000 réis; o desequilibrio, pois, era unica e simplesmente de 1.000:000$000 réis.
De então para cá, em 1885 e 1886, as despezas e as receitas apresentara outro aspecto. As despezas foram de 40.000:000$000 réis; as receitas de 31.000:000$000 réis. Desequilibrio 9.000:000$000 réis.
É verdade que as receitas triplicaram, mas quadruplicaram as despezas, e augmentou espantosamente o deficit. E, voltando-se em seguida para os deputados regeneradores, s. exa. acrescentou: «Ajudem o actual governo a remediar definitivamente a estes males, cuja principal responsabilidade é do partido a que s. exas. pertencem».
(Interrupção do sr. Oliveira Martins que não se percebeu.}
O illustre deputado dá-me licença? E certo ou não haver-se v. exa. referido a este facto?
O sr. Oliveira Martins: - Referi-me a esse facto, mas não inferi d'elle responsabilidade exclusiva para nenhum dos partidos portuguezes, nem com especialidade para o partido regenerador.
O Orador: - Muito bem, mas se o intuito do illustre deputado, ao fazer o exame comparativo dos factos patenteados por aquelle diagramma, era, como eu creio, demonstrar que as circumstancias do thesouro se têem aggravado de 1852 para cá, n'esse caso eu peço licença a s. exa. para lhe dizer, que me custa a acreditar, que um critério d'esta ordem parta de um escriptor como s. exa., o auctor de tantos livros primorosamente escriptos e profundamente estudados, (Muitos apoiados.) que não só constituem a mais legitima gloria do illustre deputado, mas que são ao mesmo tempo uma honra para o paiz a que s, exa. pertence (Apoiados.)
Pois o illustre deputado não vê, que, apesar da differença entre as receitas e as despezas ser em 1851-1852 de 1.000:000$000 réis, e em 1885-1886 de perto, de réis 10.000:000$000; s. exa. não vê como todas as circumstancias, que acompanham estes dois factos, são perfeitamente contrarias á conclusão que o illustre deputado quer tirar?
O que succedia em 1851, n'essa epocha que s. exa. julga mais favoravel para as finanças do estado ? A situação da fazenda era tal, que nem conseguiamos alcançar a cotação dos nossos fundos nas praças estrangeiras; queriamos levantar um emprestimo, e não encontravamos com quem contratar: pretendiamos supprimentos para a divida fluctuante, e só os obtinhamos de pequena importancia, e a troco de juros verdadeiramente usurarios; estavamos na impossibilidade de construir um kilometro de caminhos de ferro, quando muitas nações da Europa tinham as suas redes já bastante adiantadas: e finalmente, o que era ainda mais grave e doloroso, os proprios empregados do estado recebiam apenas relativamente a quinze dias as remunerações devidas pelo trabalho de um mez. (Muitos apoiados.) Isto era o que podia então observar o illustre historiador.
E hoje o que vê s. exa.?
O sr. ministro da fazenda acaba de contratar um emprestimo, que s. exa. preconisa como o mais vantajoso que temos realisado, o que em parte é verdade; temos tres grandes linhas férreas em construcção, e vamos emprehender os melhoramentos do porto de Lisboa, uma obra grandiosa e carissima; os supprimentos da divida fluctante fazem-se a 4 por cento e ainda a menos; finalmente, os servidores do estado estão pagos em dia, tendo-se a muitos augmentado os seus vencimentos, em harmonia com necessidades crescentes e impreteriveis. (Apoiados.)
(Interrupção do sr. Oliveira Martins.)
O illustre deputado ha de concordar commigo, que para chegar a conclusões positivas e exactas, em assumptos d'esta ordem, é preciso ver, não um facto isoladamente, mas attender ao conjuncto dos factos, ligados entre si por uma intima connexão, em ordem a constituir uma serie onde se apoie a conclusão verdadeira. (Apoiados.)
E este é o processo do illustre escriptor, o sr. Oliveira Martins, o methodo a que subordinou os seus livros tão proficientemente estudados. Agora outro é o seu proceder. Mas que querem, se esta águia que já deu caça a milhafres, é hoje uma triste ave domestica da basse-cour do partido progressista. (Riso.-Apoiados.)
Effectivamente, em 1851-1852 o deficit era apenas de 1.000:000$000 réis, e n'este anno é de 10.000:000$000 réis. Mas apesar d'isso eu insisto em affirmar que as circumstancias actuaes são incomparavelmente mais favoraveis. E sabe v. exa., sr. presidente, a rasão por que? Porque então ao deficit no orçamento do estado, correspondia um deficit bem mais importante na economia do paiz, o que felizmente hoje não succede, pelo menos em identica proporção. (Apoiados.)
E se assim não fosse, como é que o sr. ministro da fazenda se abalançaria a vir pedir ao paiz cerca de réis 3.000:000$000 de novos encargos?
Julga-se que em 1851 não haveria tambem vontade de augmentar os impostos?
Havia por certo, mas o paiz é que não podia com elles.
Hoje os rendimentos aduaneiros crescem na proporção que já descrevi, augmentando de anno para anno em mais de 1.000:000$000 réis, facto sem antecedentes na historia da nossa administração. E o sr. ministro da fazenda não contente com isso, pede cerca de 3.000:000$000 réis de novos sacrificios, conforme declarou por occasião de se discutir o projecto das estradas reaes e districtaes, sem que o paiz reaja energicamente, como de certo faria, se a exigencia estivesse em desproporção com as suas forças. É verdade que se levanta contra a medida relativa aos tabacos, não pelo acréscimo de recursos que ella deve trazer ao thesouro, mas pela fórma odiosa por que se pretende favorecer a companhia nacional. (Apoiados.) Por outro lado o credito do paiz, por um momento abalado, fortifica-se e robustece-se pela simples mudança operada nas circumstancias que o haviam enfraquecido.
Estes são os factos, cuja eloquencia e verdade não póde ser escurecida pelos talentos mais robustos, nem pelas auctoridades mais solidamente estabelecidas.
Vejamos agora quaes foram as medidas mais importan-

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tes publicadas pelo governo durante o interregno parlamentar, e que influencia deveriam ter na situação da fazenda publica, completando assim a demonstração que eu me propuz apresentar a esta illustre assembléa.
A camara e v. exa., sr. presidente, desculpar-me-hão pelo tempo que lhes estou tomando.
Mas como deputado e membro do partido regenerador, não devia nem, podia fugir ao ajuste de coutas, a que tão imprudentemente nos chamou o sr. ministro da fazenda. Continuemos pois na liquidação das nossas mutuas responsabilidades.
Os actos praticados pelo governo no interregno parlamentar póde dizer-se que têem todos um caracter dictatorial. Algumas medidas foram, é verdade, publicadas com a assiguatura apenas do ministro da pasta respectiva, como succede com alguns diplomas do ministerio das obras publicas, mas essas mesmo constituem verdadeiras dictaduras, como se demonstrará opportunamente, e quando se discutir o bill de indemnidade (Apoiados.)
Não é meu proposito antecipar essa discussão. Não é debaixo do ponto de vista politico, burocratico ou administrativo, no sentido restricto da palava, que vou encarar essas medidas do governo. Analysal-as-hei apenas sou o seu alcance economico ou financeiro, demonstrando ao mesmo tempo que em cousa alguma poderiam ter concorrido para as elevadas cotações que os nossos titulos da divida publica felizmente alcançaram. Para maior regularidade e clareza da minha exposição procederei separadamente á analyse das medidas publicadas por cada um dos ministerios.
Pelo do reino, as medidas mais importantes que se publicaram, foram a reforma administrativa, e a dos estudos secundarios.
Da primeira disse-nos já n'uma das sessões o sr. presidente de conselho, que ella representava uma grande economia, por isso mesmo que as amplas e largas faculdades de tributação, que até hoje gosavam as juntas geraes e as camaras municipaes, ficaram pela reforma do governo prudentemente e sabiamente limitadas. É verdade, que isso está escripto no codigo do sr. José Luciano de Castro, e parece que s. exa. crê piamente na efficacia da sua panacêa.
Eu, porém, pertenço ao numero dos descrentes, e em todo o caso o que posso affirmar, é que até hoje os corpos administrativos locaes têem continuado a viver segundo a lei velha. (Apoiados.)
E parece até, que nem ao proprio governo isso importa já muito, pois que ainda lhe não vi apresentar a proposta de lei fixando, de harmonia com o novo codigo, o maximo dos addiccionaes que as juntas e camaras municipaes poderão lançar sobre as contribuições do estado.
E tanto me basta para a minha demonstração.
Seja qual for o merecimento da reforma operada pelo governo, o que fica provado é que em nada, absolutamente em nada, poderia ter concorrido para melhorar as condições do thesouro publico durante o anno economico de 1886-1887, no decurso do qual se operou a decantada elevação do nosso credito.
Mas vou mais longe.
Desde que a reforma administrativa não assentou na remodelação das circumscripções districtaes e concelhias, em ordem a reduzir o seu numero, creando organismos administrativos com caracter e vida propria e desaffrontada, as peias e limitações de que o governo cercou as suas faculdades tributarias, serão na pratica, tão improficuas como inuteis. (Apoiados.)
Os districtos e os concelhos têem despezas impreteriveis e necessarias, despezas sempre crescentes pela propria natureza dos serviços a cujo custeamento são destinadas. Mas se as despezas são fataes, no é menos fatal o seu pagamento. O que se não fizer á custa do imposto, ha de remediar-se por meio do emprestimo. E o que faz o sr. ministro da fazenda com as finanças do estado; é o que terão de fazer as juntas e camaras municipaes, como o futuro demonstrará. (Apoiados.)
Depois o procedimento do governo é contradictorio e absurdo.
Ao passo que restringe e limita os recursos d'estas corporações, augmenta-lhes as despezas ordinarias! Cria os juizes municipaes, e manda ás camaras que lhes paguem! (Apoiados.)
Com a organisação dos tribunaes administrativos succede quasi o mesmo. Devo dizer que eu não sou contra uma tal innovação. Mas como o governo pretendia fingir de economico e rigoroso na administração dos dinheiros publicos, tratou de fixar os vencimentos ao pessoal dos tribunaes por fórma, que para tanto bastasse a quantia total que até agora se despendia com os conselhos de districto e com as commissões executivas das juntas geraes. O resultado foi que os membros dos tribunaes não podem realmente viver com os magros vencimentos que lhe foram attribuidos, E por isso o sr. ministro do reino já apresentou uma proposta fixando-lhes emolumentos mais subidos que es actuaes, remediando assim ás precarias circumstancias em que os referidos magistrados se encontravam.
Mas quem vae pagar esses emolumentos? O contribuinte. O que representa, pois, em definitivo, a proposta do governo? A aggravação de um verdadeiro imposto. (Apoiados.)
E por esta fórma que o governo pretendeu regularisar as finanças locaes, evitando os inconvenientes da actual ordem de cousas, e prevenindo futuros perigos para as finanças do estado. Como se em realidade o contribuinte ganhasse alguma cousa em pagar a titulo de emolumentos, o que até agora pagava, ou ainda mais do que pagava, como tributos camararios ou districtaes. (Apoiados.)
N'este assumpto nada se fará de verdadeiramente proveitoso e benefico, logo que se não comece por reduzir o numero dos districtos e dos concelhos. Era o que o governo poderia ter feito, visto que assumiu a dictadura. Assim talvez o paiz lhe desculpasse o que n'ella havia de illegal, pelo que de util realmente consignaria.
Pelo que respeita á reforma da instrucção secundaria, nada ha a dizer sob o meu ponto de vista, exclusivamente economico e financeiro. Quando se tratar do bill de indemnidade será occasião dos competentes apreciarem o seu merecimento.
Pelo ministerio da justiça publicou-se apenas um diploma de caracter dictatorial, e de nenhum outro tenho conhecimento que mereça menção especial.
No relatorio que precede aquelle decreto, declaram-se urgentes duas providencias - a organisação ou reorganisação da magistratura judicial, e a revisão da tabella dos emolumentos é salarios judiciaes, em ordem a tornal-a menos onerosa para o contribuinte. Muito bem. Pois nem se tratou de uma cousa nem de outra. Por isso mesmo que eram urgentes aquellas providencias, deixaram se... sabe Deus para quando. (Apoiados.) É o que se fica sabendo pela leitura do decreto.
Ora como a questão financeira era a unica que devia preoccupar o governo, não só porque essa é a questão capital entre nós, mas porque a situação da fazenda publica estava longe de ser desassombrada quando o actual ministerio subiu ao poder, pensei, que, visto não se reformar o que na organisação dos serviços judiciarios precisa de reforma, se tratava apenas de consignar n'aquelle diploma alguma disposição que podesse fazer impressão na praça de Londres, e determinar uma alta na cotação do nosso 3 por cento.
Não me enganei. No decreto determinou-se que os juizes de direito não poderiam mais saír das suas comarcas sem ser substituidos por individuos nomeados ad hoc e para esse fim pelo governo, em decretos especiaes. Esta medida era anciosamente esperada pelos banqueiros de

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Londres, plenamente convencidos de que ella teria uma poderosa influencia na cotação dos nossos fundos. (Riso.)
E na realidade, apenas o acto do governo foi conhecido lá fóra; os nossos fundos subiram. (Riso.)
E não trato mais do conteúdo de similhante decreto, que me parece ter lembrado ao esclarecido ministro da justiça n'uma hora infeliz.
Vejamos agora que medidas se publicaram pelo ministerio da fazenda.
Referir-me-hei primeiro que tudo á unica medida dictatorial que pelo seu alcance póde merecer a minha approvação, e que, em meu juizo, poderia ser promulgada em dictadura sem escandalisar o paiz, nem provocar a aspera censura do parlamento.
Refiro-me ao decreto que reorganisou a caixa das aposentações.
No meio de tanta cousa prejudicial ou escusada, esta medida apparece-nos subordinada a um principio de boa administração.
Para medidas d'esta natureza, ou como a da reducção do numero dos districtos e concelhos, podem as circumstancias aconselhar a sua publicação em dictadura.
Medidas são estas, que vão sempre ferir numerosos interesses, mais ou menos poderosamente representados nos parlamentos.
E triste é dizel-o, mas como eu gosto de manifestar sempre o que sinto, devo confessar que esses interesses reagem contra a adopção de tudo o que nos póde prejudicar. Um exemplo d'isso foi o que succedeu com a proposta do sr. Hintze Ribeiro, creando a caixa das aposentações. Essa proposta não era tão radical como a medida do actual governo, mas as discussões parlamentares quasi lhe desnaturaram os seus fins, e inutilizaram o seu alcance. (Apoiados.)
Talvez muitos dos meus collegas não confessem publicamente esta opinião, mas creio bem que todos a sentem.
E agora, que fiz justiça ao unico diploma dictatorial que teve realmente alcance economico e financeiro, continuemos no exame dos actos do governo, ou, tanto vale dizer, na serie de factos inuteis, escusados, prejudiciaes, ou pelo menos indesculpaveis, pela fórma por que foram praticados.
Pelo ministerio da fazenda apparece-nos em seguida o decreto que reorganisou os serviços (tudo são reorganisações de serviços!) de fazenda nos districtos e concelhos. Parece mo que a este não attribuirá o sr. ministro da fazenda a alta dos nossos fundos. (Apoiados.)
E este decreto precedido de um relatorio, que constituo a mais pungente ironia, que tem lembrado ao sr. Marianno de Carvalho.
S. exa. começa por chorar sobre a sorte miseranda dos empregados de fazenda, sujeitos ás prepotencias, aos arbitrios e á má vontade de todos os governos, como já disse o meu amigo o sr. Arroyo. Mas como o illustre ministro não achou a scena bastante pathetica, e queria mais lagrimas, desde então para cá tem feito andar os pobres escrivães de fazenda n'uma roda viva de continuadas transferencias, como ainda as não fez outro ministro. (Muitos apoiados.)
E que o sr. ministro da fazenda, prudente e avisado politico, como todos o conhecemos, deixou a execução do seu decreto dependente da classificação dos concelhos, que ainda não está feita! E já lá vae quasi um anno depois da publicação do decreto. Vejam como era urgente e inadiavel esta providencia dictatorial! (Apoiados.)
Depois d'este, temos o decreto que reorganisou quatro direcções geraes do ministerio da fazenda. Medida igualmente urgente e inaddiavel e tanto... que ainda não está em execução! (Riso.) Ficou dependente de um regulamento, que ainda se não fez, nem provavelmente se fará. Já se fizeram as novas nomeações, que eram urgentes, e o resto... o resto nunca foi urgente. (Apoiados.)
Os ultimos diplomas com caracter dictatorial publicados por este ministerio, foram os que reorganisaram o contencioso fiscal e a guarda fiscal.
N'estes decretos o sr. ministro não fez mais do que accentuar e desenvolver o pensamento do sr. Hintze Ribeiro, no que respeita aos serviços aduaneiros, como já tive occasião de dizer á camara.
O sr. Hintze Ribeiro tinha accentuado na sua reforma os seguintes principios: primeiro, que era necessario e indispensavel que o processo e julgamento dos delictos fiscaes fossem de inteira competencia de empregados tambem fiscaes; segundo, que o corpo da fiscalisação externa devia ser organizado militarmente, não só para dar a esse corpo uma consistencia e disciplina indispensaveis para o bom desempenho dos importantes serviços que lhe estão confiados, mas tambem para servir de reserva do exercito em occasiões de guerra.
O sr. Marianno de Carvalho, no que respeita ao contencioso fiscal, acceitou o principio estabelecido pelo seu antecessor, regulameutando-o, porém, de modo a dar a maior latitude á defeza e melhores garantias ás partes, tirando os julgamentos aos empregados dependentes do poder executivo, para os confiar a tribunaes independentes.
Quanto á guarda fiscal, accentuou-lhe o seu caracter militar, dando aos seus batalhões uma organisação identica á dos batalhões do exercito activo.
Parece-me que se estas medidas podem ter influencia sobre os rendimentos publicos e sobre o credito do paiz, igual influencia haviam já exercido as do seu antecessor, que apenas foram aperfeiçoadas pelo actual sr. ministro, aperfeiçoamento, porém, que obedece á mesma ordem de idéas e de principios a que obedeciam as do sr. Hintze Ribeiro. (Apoiados.)
E visto que fallei da guarda fiscal, quero aproveitar a occasião para felicitar o sr. ministro da fazenda, pela rara fortuna que teve de encontrar um homem tão distincto como o nosso collega o sr. Elyseu Xavier de Sousa e Serpa, para pôr á testa da mesma guarda. (Muitos apoiados.)
S. exa. tem realmente imprimido áquelle corpo a direcção que era de esperar do seu caracter austero, probo e trabalhador, qualidades estas que tanto o ennobrecem, e que são o melhor de todos os predicados para merecer a consideração e estima de todos os que o conhecem. (Apoiados.)
Resta-me analysar, n'esta minha demorada peregrinação pelas secretarias d'estado, as medidas que se tomaram pela das obras publicas, commercio e industria, e ahi é que vamos ver o que é um bom criterio economico e financeiro. N'esse ministerio trabalhou-se dia e noite, incessantemente, em provocar a alta cotação dos nossos fundos em Londres. (Riso. - Apoiados.)
O sr. Emygdio Navarro foi de todos os ministros áquelle que mais desveladamente trabalhou em levantar o credito publico, procurando teimosamente, affincadamente, augmentar as receitas e diminuir as despezas!... Ao pé d'elle o sr. ministro da fazenda foi realmente mediocre, e está roubando ao seu collega das obras publicas uma gloria que justamente lhe pertence. O verdadeiro, o grande restaura- dor foi o sr. Emygdio Navarro. (Riso. - Apoiados.)
Reorganisou o serviço technico das obras publicas. Muito bem.
Não vou discutir agora, sob o ponto de vista technico, se esses serviços ficaram melhores ou peiores do que estavam. Quando se discutir a proposta que releva o governo das suas responsabilidades pela dictadura, pessoas mais competentes do que eu n'estes assumptos demonstrarão á camara e ao paiz o que são e em que consistem esses aperfeiçoamentos.
Pela minha parte só porei em evidencia a fórma verdadeiramente incomparavel por que s. exa. aperfeiçou o orçamento.
E não o farei com cifras e numeros por mim calcu-

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lados, e por isso mesmo talvez suspeitos a esse lado da camara. Recorrerei sempre ao orçamento ordinario, apresentado para o futuro exercicio de 1837-1888, que foi organisado sob as immediatas indicações do illustre ministro.
No mappa, a paginas 27, lê se:
«Pessoal technico e de administração:
«Orçamento para 1887-1888, 538:272$060 réis; anteriormente, 288:342$475 réis: para mais, 249:929$585 réis!»
Se isto não fez subir os fundos, pergunto eu, o que é então que os faz subir? (Riso.- Apoiados.)
O illustre ministro poderá dizer-nos, que, em virtude da reforma administrativa e outros diplomas posteriores, foi extincta a engenheria districtal, e que pelo facto de passarem os engenheiros e mais empregados technicos das secretarias de obras publicas districtaes a fazer parte do quadro do seu ministwrio, os seus vencimentos apparecem comprehendidos n'aquella verba.
De accordo. Mas os vencimentos de todos esses empregados não podia exceder a 50:000$000 réis, como consta dos documentos, e, s. exa. augmentou a despeza em réis 249:000$000. (Apoiadas.)
Logo, o resto foi para fazer subir os fundos em Londres. (Apoiados.)
Organisação da secretaria d'estado.
No relatorio que precede este decreto, e que é um primor de estylo, como tudo que sáe da penna do sr. Emygdio Navarro, (Apoiados.) dizia-se que a nova organisação produzia, uma economia de 8:000$000 ou 9:000$000 réis.
Tal affirmação causou-me surpreza, não só porque era isso contra os principios do illustre ministro, mas tambem porque o novo quadro da secretaria parecia-me mais largo e pomposo que o anterior, creando-se mais uma direcção geral. No entanto podia ser.
Logo que se distribuiu o orçamento ordinario, fui verificar, e no mesmo mappa, a paginas 27, vem o que passo a ler; e deve sempre notar se que as verbas orçamentaes nunca peccam por excesso. (Apoiados.)
«Secretaria d'estado.- Orçamento para 1887-1888, réis 102:065$996; anteriormente, 81:578$000 réis: para mais 20:487$996!»,
Bem me parecia a mim, que a risonha affirmativa do relatorio era contra os principios!
Reorganisação dos serviços de correios, telegraphos e pharoes.
Vamos ao mappa já referido.
«Orçamento, para 1887-1888, 955:032$000 réis; anteriormente, 756:106$290 réis: para mais 198:871$710 réis.»
Creio bem que n'este ponto s. exa. teria necessidade de augmentar as despezas, pois dá-se com o serviço dos correios e telegraphos o mesmo que com os serviços aduaneiros. O seu rendimento cresce de anno para anno, porque os serviços de onde provém esse rendimento, augmentam igualmente, e assim torna-se, necessario fazer face ás despezas resultantes d'esse mesmo augmento.
No entanto, um excesso de 198:000$000 réis na despeza, em um só anno, parece-me de mais, para ser explicada apenas pelo incremento dos serviços. Sem duvida que uma parte foi tambem para fazer subir os nossos fundos em Londres. (Riso.)
O sr. Emygdio Navarro não quiz deixar pedra sobre pedra no seu ministerio. E homem de larga iniciativa, entrou para o ministerio na pujança do seu grande talento, e no vigor da vida, e portanto entendeu que, havendo s. exa. combatido constantemente as administrações regeneradoras por não saberem melhorar os serviços publicos, diminuindo as despezas, tinha obrigação de aprefeiçoar tudo, reduzindo consideravelmente as despezas. (Apoiados.)
Serviços agricolas, pecuarios, florestaes e ensino agricola.
Mappa a fl. 27:
«Orçamento para 1887-1888, 369:233$236 réis; anteriormente, 187:576$559 réis: para mais 181:656$677 reis.» Isto é, quasi o dobro!
É regular, não ha de que queixar. (Riso.)
Estabelecimentos de instrucção industrial e commercial.
Mappa a pag. 27:
«Orçamento para 1887-1888, 125:391$093 réis; anteriormente, 77:198$426 réis: para mais 48:192$667 réis.»
A calcular pela despeza devia ficar bem aperfeiçoado; mas o orçamento é que ficou aperfeiçoadissimo! Ficou nitido, como o famoso relatorio do sr. Carrilho. (Apoiados.- Riso.)
Vejam se eu tinha ou não rasão quando affirmava que ninguem concorrêra tão poderosamente como o sr. Navarro para levantar o nosso credito em Londres! (Apoiados.)
E paro aqui, sr. presidente, para não cansar mais a camara.
Em questão de serviços agricolas, florestaes, pecuarios, industriaes e commerciaes, o illustre ministro reformou tudo com o resultado que já notei para o orçamento.
Apesar de tudo eu não seria tão severo nas minhas criticas, se ao menos s. exa. tivesse melhorado estes importantissimos serviços com manifesta utilidade da nossa agricultura, commercio e industria, por muito caras que realmente sejam estas reformas. (Apoiados.) Mas s. exa. gastou muito dinheiro, onerou o orçamento ordinario do estado espantosamente, e nem de leve tocou em nenhuma das graves questões que affligem a nossa agricultura.
Ora vejamos quaes ellas são.
Temos primeiro a questão cerealifera. Que fez s. exa. para a resolver? Absolutamente nada.
Em que podem as suas medidas minorar os males existentes?
Em cousa nenhuma. (Apoiados.)
Temos depois a industria agricola da engorda do gado vaccum, industria d'antes prospera, hoje arruinada pela falta de exportação, o que principalmente se torna sensivel nas provincias do norte. Pensou s. exa. n'isto ao elaborar as suas reformas?
Por certo que não. (Apoiados.)
Foi então para a exportação dos nossos vinhos, principal riqueza do paiz, que s. exa. voltou as suas attenções?
O illustre ministro conhece muito bem a importancia capital d'este assumpto. O nosso grande mercado de consumo está sendo a França, que já este anno recorreu ás producções hespanhola e italiana em preterição da nossa. D'ahi um mal estar já muito sensivel para os nossos vinhateiros. (Apoiados.)
É urgente a procura e conquista de novos mercados, sob pena de nos vermos a braços, de um momento para o outro, com uma grave crise economica.
O que fez o illustre ministro n'esse sentido?
Nada, que me conste. (Apoiados.)
Outro assumpto que está preoccupando tambem os agricultores, é a baixa de preços de todos os generos e ao mesmo tempo a elevação dos salarios.
V. exa., sr. presidente, sabe muito bem que a America e, especialmente, os Estados Unidos, estão fazendo uma concorrencia quasi insustentavel ás producções do nosso continente, principalmente aos productos agricolas, e em todos os mercados europeus. D'ahi uma baixa consideravel e persistente nos preços.
Por outro lado a depreciação constante da moeda, o arroteamento e cultivo de novos terrenos, e especialmente a emigração, têem feito subir os salarios. Este desequilibrio não é hoje um dos menores males que affligem os nossos lavradores, e ao governo incumbe estudar a doença e procurar-lhe o remedio.
Pensou sequer n'isso o sr. Emygdio Navarro?
As suas reformas que o digam. (Apoiados.)
Temos emfim, sr. presidente, a organisação do credito agricola, essa questão fundamental, a primeira e a mais

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importante de todas, de cuja resolução depende, em meu entender, a resolução de todas as outras.
O credito agricola, num paiz em que a propriedade está, póde dizer se, retalhada em pequenas glebas, pertencentes a diversos proprietarios; o credito agricola em um paiz em que a circulação fiduciaria quasi não existe fóra de Lisboa e do Porto; o credito agricola n'um paiz em que o dinheiro custa aos pequenos proprietarios e cultivadores, especialmente nas provincias do centro e do sul, 8, 10, 12 e 15 por cento, é a questão vital para uma agricultura, como a nossa, que definha rotineiramente pela falta do emprego das machinas, do bom regimen, pesquiza e aproveitamento das aguas, do uso, emfim, dos modernos processos de cultura, o que tudo demanda o adiantamento de capitães baratos, abundantes e de facil acquisição. (Apoiados.)
Sabe v. exa., como na alta Italia, por exemplo, se acha resolvido o problema do credito agricola?
Pela instituição de bancos agricolas, protegidos pelo estado, e principalmente pela organisação de uma extensissima rede de pequenos bancos populares, devidos á iniciativa particular.
(Interrupção do sr. ministro das obras publicas.)
V. exa. diz que o problema de credito agricola não está ainda resolvido em parte alguma?
Não me offendo com essa contestação, e não quero contrapor as minhas affirmações ás de v. exa., porque não sou um economista ou um financeiro.
Mas á auctoridade do illustre ministro opponho a do sr. Leon Say, que me parece valer um poucochinho mais do que a de s. exa. n'estes assumptos.
Admira-me que o sr. Emygdio Navarro não conheça a interessante monographia escripta por aquelle illustre estadista e homem de sciencia; ácerca dos bancos populares, e que tem por titulo Dix jours dans la haute Italie. (Apoiados.)
Comprometto-me porém a facilitar a s. exa. a sua leitura, tão instructiva como agradavel, se o illustre ministro m'o permittir.
Ahi verá s. exa., ao lado dos bancos agricolas, fomenta dos e protegidos pelo estado, como se desenvolveram e estão em pleno florescimento os bancos populares, cujo estabelecimento e cuja fortuna são devidos aos persistentes e intelligentissimos esforços do sr. Luzzatti, um distinctissimo professor, e, mais do que isso, um grande patriota e um verdadeiro philantropo.
O sr. Luzzatti, quando emprehendeu a cruzada dos bancos populares, percorreu as cidades, villas e aldeias da Lombardia, fazendo prelecções publicas, incitando pelos seus conselhos e pelo exemplo os homens mais importantes das localidades a aggremiarem-se para a fundação d'estes pequenos estabelecimentos de credito, tendo o prazer de ver as suas palavras escutadas com interesse e respeito, e os seus trabalhos coroados de inteiro e pleno successo.
Sabe o sr. ministro a rasão por que as suas reformas hão de ficar estereis, inuteis, improficuas em bons resultados praticos?
É porque s. exa. as sujeitou a um falso criterio, antiquado, secco, puramente burocratico. (Apoiados.)
Hoje predominam as sciencias experimentaes e de observação. As sciencias especulativas tiveram o seu tempo.
S. exa. vive ha muito tempo e exclusivamente n'uma atraosphera puramente politica, deixe me assim dizer, inteiramente artificial, separado dos factos e das cousas que interessam verdadeiramente o viver nacional, o agricultor, o industrial, o operario e o trabalhador.
Conhece as questões pelos livros, porque o sr. Emygdio Navarro é um homem muito illustrado. Mas o que s. exa. desconhece, é o lado pratico d'estas questões, e esse é o grande peco das suas reformas.
Pois não disse, ha dias, n'esta camara o illustre ministro das obras publicas, que o milho para produzir bem, se devia semear a metro e meio de profundidade...
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - Eu não disse aqui similhante cousa.
O Orador: - Tenho-o ouvido repetir por toda a parte.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - Não disse similhante cousa; o que eu disse foi, que o trigo como o milho, eram susceptiveis de lançar as raizes a metro e meio de profundidade.
Não ha arados que dêem essa profundidade; ha apenas os arados de surriba; e se os lavradores quisessem usal-os, pouco lucro tirariam do seu trabalho.
O milho e o trigo, repito, podem lançar raizes a metro e meio de profundidade, o que não quer dizer que se semeie a metro e meio de profundidade; mas tendo o milho, como o trigo, susceptiveis de grandes raizes, quanto mais funda for a lavoura, maior deve ser a sua producção.
O Orador: - Suspendo a minha primeira affirmação, mas aproveito a ultima que s. exa. fez.
S. exa. diz que o trigo, como o milho, são susceptiveis de lançar raizes a grandes profundidades, podendo com uma lavoura funda augmentar-se a sua producção.
Até aqui perfeitamente de accordo.
Mas o que importa é ver a questão pelo lado economico.
O trigo como o milho não são plantas de jardim ou de estufa, que se cultivem pelo seu valor estimativo, ou pela sua belleza. São generos agricolas, que se cultivam n'um fim, puramente economico.
É preciso pois ver o lado pratico d'estas cousas.
É necessario ver previamente o que rende mais, se os cereaes semeados a grandes profundidades, ou nas usadas entre nós.
Imagine o illustre ministro que 1 hectare de terreno semeado de milho, com lavoura de Om, 30 de profundidade, produz 1:200 litros, ficando as despezas de cultura por 10$000 réis: e que outro com lavoura de 1m,50 produz 2:000 litros, mas ficando as despojas de cultura por réis 30$000.
Qual dos dois processos será realmente mais productivo?
É que toda a questão reside no equilibrio entre o custo e o preço ou renda da producção.
Falta-me ainda analysar duas medidas das publicadas pelo governo no interregno parlamentar, e que eu não classifiquei em nenhum dos ministerios.
O governo entendeu, e muito bem, que não era rasoavel, nem util, nem conveniente, que houvesse empregados addidos, que não fazendo serviço, recebessem os seus vencimentos como aquelles que trabalham.
Mandaram, pois, organisar por todas os secretarias d'estado, um cadastro dos empregados addidos, e determinaram que a esses empregados fossem dadas commissões de serviço, não os obrigando comtudo a mudar de residencia, e que as vagas nos respectivos quadros fossem preenchidas alternativamente pelos empregados addidos e pelos em effectivo serviço.
Era uma boa medida de administração.
Quiz eu pois conhecer a execução, que o governo dera á sua propria medida, e por isso, logo n'uma das primeiras sessões, requeri, que fossem enviadas a esta camara, com urgencia, copias dos cadastros organizados pelos diversos ministerios, e uma relação dos empregados addidos que estavam servindo em commissões, e dos que haviam, sido já collocados porventura nas vagas ocorridas.
V. exa., sr. presidente, sabe bem, como esta minha requisição foi satisfeita. Apenas os ministerios da justiça e dos negocios estrangeiros informaram, que não havia lá nenhum empregado addido.
Dos outros, nem resposta nem mandado; d'onde conclui, que este decreto dictatorial foi simples poeira lançada aos olhos do contribuinte, para não ver qual era a verdadeira dictadura,

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Com o mesmo intuito, me parece haver sido publicado o decreto reduzindo os subsidios aos deputados da nação.
De similhante decreto direi apenas, que estou convencido da sua efficacia, no que respeita á cotação dos fundos.
No estrangeiro ha banqueiros, a quem elle devia ter sido muito agradavel; são aquelles que possuem os titulos do emprestimo de D. Miguel.
Devem elles ter ficado convencidos, como eu tambem o estou, de que o actual governo pretende seriamente voltar ao governo pessoal e absoluto do antigo regimen, pelo affinco com que procura de todos os modos desprestigiar e desauctorisar os corpos legislativos. (Apoiados.)
É pois natural, que os portadores dos titulos do emprestimo de. D. Miguel, sympathisem com um governo, que tão favoravel se mostra ás suas idéas e que por isso o protejam. (Riso.)
Mas sr. presidente, a melhor critica d'estas medidas, aquella que entra por todos os olhos, a que se impõe eloquentemente a todos os espiritos definindo vigorosamente a proficuidade dos actos dictatoriaes, encontra-se no exame do orçamento rectificado em cuja analyse vou agora entrar especialmente.
Vejamos primeiro como se apresenta o orçamento rectificado que está em discussão.
Orçamento rectificado para o exercicio de 1886-1887:

[Ver tabela na imagem]

Receita ordinaria ....
Receita extraordinaria ....
Total ....

Despeza ordinaria ....
Despeza extraordinaria ....
Total ....

Deficit ordinario ....
Deficit extraordinario ....
Total ....

Eis uma critica eloquentissima, e ao alcance de todas as intelligencias!
A administração do governo, administração cuidadosa e severa dos dinheiros publicos, conseguiu dar resultados surprehendentes: não só os fundos sobem, mas sobe tambem o orçamento rectificado! (Apoiados.)
Isto é o que se chama uma obra completa. Os fundos a 57 por cento e um orçamento rectificado de 43.943:527$655 réis! Se não estão contentes e satisfeitos não, sei o que lhes faça!
Tem rasão o partido progressista. Resultados como este ainda se não viram cá. (Riso.)
Vejamos agora quaes foram as differenças entre as previsões da lei de meios, que no anno passado substituiu o orçamento rectificado.
Differença para mais das previsões:

[Ver tabela na imagem]

Differença para mais nas despezas ordinarias ....
Differença para mais nas despezas extraordinarias ....
Total para mais ....

Erro nas previsões 5.804:444$184 réis!
Tambem é o maior que se tem visto nos nossos orçamentos.
Depois d'isto ainda haverá alguem, que julgue util ou conveniente discutir os orçamentos ordinarios, os orçamentos de previsão, quando elles forem organisados como o são entre nós. (Apoiados.)
Os orçamentos de previsão devem ser os documentos mais pensada e cuidadosamente elaborados, que um governo apresente ao parlamento; e a sua discussão, quando organisados n'estes termos, é o ensejo mais opportuno de se emendarem muitos erros, de se corrigirem muitos abusos da administração do estado, que o exame annual vae trazendo ao conhecimento dos representantes da nação.
Entre nós, porém, é isto que se vê!
Por isso eu tenho de ha muito um mediocre enthusiasmo pelas discussões d'essa ficção, entre nós conhecida pelo nome de orçamento ordinario. (Apoiados.)
Mas o orçamento rectificado para o corrente exercicio é um orçamento de liquidação, na innocente phrase do sr. ministro da fazenda.
Vamos, pois, liquidar por confronto a administração regeneradora no ultimo exercicio da sua gerencia, o de 1885 a 1886, e a administração progressista no exercicio corrente, devendo previamente recordar que o primeiro foi o do anno das vaccas magras, e o segundo é relativo a um anno da maior prosperidade para todos os paizes europeus.
N'esse sentido organisei os dois mappas, que vou ler á camara, e que serão opportunamente publicados com o meu discurso.
O primeiro apresenta-nos os resultados que se consignam nos dois orçamentos dos srs. Hintze Ribeiro e Marianno de Carvalho.
O segundo indica os resultados definitivos, taes como se encontram nos dois pareceres das commissões do orçamenta nos annos respectivos.

Propostas ministeriaes

[Ver tabela na imagem]

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Pareceres das commissões do orçamento

[Ver tabela na imagem]

Vê-se, pois, que as receitas proprias do thesouro cresceram do ultimo anno para o corrente 1.622:000$000 réis, segundo a proposta do sr. ministro da fazenda, e réis 1.778:000$000, segundo o parecer da commissão.
Vê-se mais, que as despezas augmentaram no mesmo periodo 2.281:000$000 réis, segundo a proposta ministerial, e 1.937:000$000 réis, segundo o parecer da commissão.
Vê se ainda, que o deficit total do corrente exercicio é superior ao do exercicio de 1880-1886 em 659:000$000 réis, segundo a proposta, e em 159:000$000 réis, segundo o parecer.
É conveniente que se saiba isto, porque emfim é muito bom ser triumphador, mas tambem não é mau lembrar, que, junto ao carro dos triumphadores, costumava na antiguidade ir um escravo para lhes lembrar que eram homens.
Eu represento n'este momento o papel do escravo, perante o sr. ministro da fazenda. (Riso.) Vou sempre lembrando a s. exa., que, apesar de todas as altas dos nossos fundos, da consideravel diminuição no juro dos supprimentos para a divida fluctuante, e mais fortunas sabidas, o desequilibrio orçamental é ainda mais importante do que no exercicio anterior, em que os fundos estavam inferiormente cotados, os juros da divida fluctuante eram mais onerosos, etc., etc.
E isto é que é decisivo.
A titulo de mera curiosidade, quero fazer notar, que no parecer da commissão do orçamento de 1886 as receitas sobem relativamente ao orçamento 13:000$000 réis, emquanto as despezas augmentam em 456:000$000 réis, ao passo que no parecer em discussão as receitas sabem réis 169:000$000, e as despezas apenas 111:000$000 réis.
Quer isto dizer que emquanto no parecer da commissão de 1886 o desequilibrio orçamental se aggravava ainda pela somma de 443:000$000 réis, neste o desequilibrio é menor em 58:000$000 réis que o da proposta ministerial.
O anno passado, quando se discutiu o orçamento, o ministro que o tinha apresentado já não estava nas cadeiras do poder, e não sei se isto explicará a rasão do facto que deixo apontado.
O sr. Carrilho: - No dia 9 de fevereiro de 1886 foi apresentado o parecer sobre o orçamento rectificado e distribuido impresso pouco depois. N'essa data nem se pensava na quéda do ministerio regenerador.
O Orador: - Será assim, e tambem não insisto n'esta questão.
Continuemos na liquidação.
Mas para ella ser cabal, justa e sincera torna-se necessario, que por um lado attendamos ás despezas extraordinarias que por motivos de ordem publica se effectuaram no exercicio de 1885-1886, e não se repetiram no corrente, bem como ao acrescimo das receitas não provenientes de emprestimos; e por outro ás despezas extraordinarias consignadas n'este orçamento e relativas a actos ou contratos da iniciativa e responsabilidade do ultimo ministerio regenerador.
Só assim é que poderemos ver quem gastou mais, e quem gastou melhor.(Apoiados.)
No exercicio de 1885-1886 houve as seguintes despezas extraordinarias, que não
se repetiram no exercicio corrente, como se vê do parecer respectivo:

[Ver tabela na imagem]

Despezas extraordinarias de saude publica (prevenções contra a invasão do cholera)....
Armamentos ....
Installação do governo do Congo ....
Se juntarmos o excesso das receitas arrecadadas no presente exercicio temos
mais ....

Vejamos agora quaes são as verbas de despeza extraordinaria consignadas no orçamento em discussão, e relativas a actos ou contratos da responsabilidade do ministerio transacto.
Verbas importantes no orçamento rectificado, tal como estão descriptas, não vejo senão duas: a verba para caminhos de ferro de 3.456:000$000 réis, e a de 157:000$000 para pagamento do resto das encommendas dos armamentos.
Quanto á primeira, apparece ella descripta por fórma, que não é fácil descriminar o seu emprego, e portanto as responsabilidades que tenho em vista apurar.
No mappa da despeza extraordinaria apresentado pelo sr. Hintze Ribeiro para o corrente exercicio descreviam-se separadamente as verbas destinadas para construcção do caminho de ferro do Algarve e prolongamento das linhas do sul e sueste, e a destinada para estudos, construcção e mais despezas de outros caminhos de ferro.
Quando, porém, se apresentou a lei de meios, que substituiu o orçamento ordinário, já o sr. Emygdio Navarro era ministro das obras publicas e s. exa. conglobou estas duas verbas em uma só. E fez mais. Querendo illustrar o inicio da sua gerencia com uma medida de economia, disse, que réis

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1.200:000$000, somma das duas verbas propostas pelo seu antecessor, eram de mais para um anno, e reduziu a proposta a 1.000:000$000 réis.
Esta economia de 200:000$000 réis, tão rasgadamente offerecida para equilibrio do orçamento do corrente exercicio pelo sr. ministro das obras publicas, veiu a sair-nos cara, carissima, pois s. exa., em troca d'aquella diminuição, pede-nos agora mais a bagatella de 2.456:000$000 réis!
Outro facto tambem, sem precedentes! (Apoiados.)
Deus nos livre que o illustre ministro se lembre este anno, e na lei de meios, de cortar alguma despeza no seu ministerio, porque se assim fizer, para o anno, em vez de pedir 2.456:000$000 réis, é capaz de pedir o triplo!
Mas, dizia eu que era muito difficil, se não impossivel, descriminar n'esta verba, tal como está descripta, a parte que é destinada a remunerar serviços, a pagar despezas ordenadas já pelo actual sr. ministro. E não deve ella ser pouco importante, pois, como é sabido, s. exa. organisou umas divisões de engenheiros que andam a estudar caminhos do ferro, para toda a parte, divisão do norte, divisão do sul, divisão do oeste, e não sei quantas mais divisões! Ora essas divisões compõem-se de um pessoal numerosissimo; e eu não sei qual é a verba por onde s. exa. lhes paga.
Esta despeza de 2.456:000$000 réis ha de ficar toda á nossa responsabilidade?
Quero porém fazer-lhe a vontade. Sejamos nós que fiquemos com a responsabilidade de todas as despezas com caminhos de ferro, que s. exa. conglobou n'esta verba de 2.456:000$000 réis.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho):- Tenho muita pena de dizer ao illustre deputado, que são tres mil quatrocentos e tantos contos de réis.
O Orador: - Na totalidade: mas como na lei de meios se descreveram 1000:000$000 réis, o acrescimo agora é de 2.456:000$000 réis.
O sr. Ministro da Fazenda: (Marianno de Carvalho):- Mas para o deficit total contam-se tres mil quatrocentos e tantos contos de reis.
O Orador: - Lá vamos já. O sr. ministro da fazenda pretende, que só elle sabe fazer contas.
Vamos a ver se as minhas me sáem certas.
Qual foi a verba descripta para todas as despezas com caminhos de ferro, no orçamento rectificado para o exercicio de 1885-1886?
Essa verba foi de 1.500:000$000 réis.
Ora, se abatermos da quantia de 3.456:000$000 réis, que se descreve n'este orçamento e cuja responsabilidade pretendem lançar nos, a de 1.500:000$000, réis, que nós gastámos em 1885-1886 em identica despeza, e se juntarmos ao resultado, assim obtido, a quantia de 157:000$000 réis que o sr. ministro da guerra pagou no exercicio de 1886-1887, por conta das encommendas feitas pelo seu antecessor n'aquella pasta, temos 2.113:000$000 réis, somma total das despezas que o actual governo paga a mais n'este exercicio, do que se pagou no anterior, e cuja responsabilidade se quer liquidar contra nós. E, repito, não discuto para o meu fim a maneira como se pretende legalisar esta enorme despeza de 3.456:000$000, que se descreve no orçamento rectificado por uma fórma que seja dito sem a menor offensa para o caracter do illustre ministro, faz lembrar as contas do gran-capitão.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro):- A maior parte d'essas verbas representam contas de liquidação de ha tres ou mais annos, e referem se principalmente a contas de empreitadas que ha tres ou mais annos deviam ter sido pagas.
O Orador: - Não duvido do que diz o sr. ministro das obras publicas; mas s. exa. havia por força de gastar alguma cousa, e não pouco, por conta d'estas verbas, com as taes famosas legiões que s. exa. lançou por todo o paiz.
O que eu desejava é que s. exa. liquidasse claramente as responsabilidades de cada um. O que eu desejava é que s. exa. viesse dizer: responsabilidades minhas, estas, responsabilidades dos meus antecessores, estoutras. (Apoiados.)
Mas, repito, o resultado é este: 2.113:000$000 réis como differença entre as despezas feitas com caminhos de ferro e estudos em 1885-1886 e a despeza feita com caminhos de ferro e estudos em 1886-1887, segundo se descreve nos respectivos orçamentos, e incluindo tambem os 157:000$000 réis que se pagaram por conta dos armamentos já encommendados.
E abatendo esta quantia da de 4.174:397$835 réis, importancia total das despezas exaradas que se não repetiram no presente exercicio, e do acrescimo das receitas, que desappareceram na voragem, restam-nos ainda réis 2.061:309$835, cujo desapparecimento eu não sei explicar senão, como já disse, pelos augmentos de despeza resultantes das reformas dictatoriaes, e ainda por uma outra dictadura a que logo me referirei.
E não preciso lembrar ao sr. ministro da fazenda, que os supprimentos para a divida fluctuante em 1885-1886 custaram-nos 6 e 8 por cento de encargos, emquanto no presente exercicio s. exa. tem-os obtido a 4 e 4 1/2 por cento.
A economia assim realisada, e que devia ser importante, não se reflectiu no orçamento em discussão.
É possivel que o thesouro ganhasse com essas differenças de juro; mas as finanças do estado é que em ultimo resultado nada ganharam, porque o desequilibrio orçamental é este que acabo de descrever.
Sr. presidente, vem agora a pello dizer a v. exa. que lamento profundamente, que uns documentos por mim pedidos logo no principio da sessão parlamentar não fossem até hoje enviados a esta camara.
Pedi uma relação das gratificações mandadas abonar pelo ministerio das obras publicas aos differentes empregados dependentes d'aquelle ministério; e pedi essa relação unica e simplesmente para poder, com bom fundamento, accusar o illustre ministro das obras publicas, ou fazer-lhe inteira justiça, conforme o modo por que s. exa. tenha gerido os dinheiros da nação.
Mas porque não vieram essesdocumentos?
Ou o illustre ministro deu gratificações avultadas, ou não deu.
Se as não deu, que rasão póde s. exa. ter para recusar documentos que o justificavam?
Se as deu, procedendo d'esta fórma quer s. exa. deixar á nossa phantasia, á nossa imaginação, o avaliar o quantitativo d'essas gratificações, tomando para base de calculo as economias que s. exa. realisou com as suas reformas? (Apoiados.)
Mas das reformas de occasião, feitas pelo illustre ministro, ha uma que é verdadeiramente typica, e que por isso eu não posso deixar de apresentar á camara.
É a reforma do instituto industrial.
Por todos os respeitos é digna de menção especial. Alem d'isso a sessão parlamentar vae tão adiantada, o interregno parlamentar foi tão longo, e os actos do governo n'esse interregno foram tantos e tão extraordinarios, que por certo, o tempo não chegará para os apreciarmos a todos.
Aproveito, pois, o ensejo para analysar esta reforma do illustre ministro das obras publicas, que, repito, dá a medida exacta do seu pensamento de reformador.
Realisou s. exa. essa reforma por meio de um decreto sem a assignatura dos outros seus collegas no ministerio, e simplesmente com a sua.
E para tirar todo o caracter dictatorial a esse acto, s. exa. começou por se declarar auctorisado a proceder d'esse modo pelo artigo 39.º do decreto de 30 de dezembro de 1852, pelo artigo 11.° do decreto de 30 de dezembro de 1869 e pelo artigo 8.° da lei de 6 de março de 1884.
Vejamos o que dizem essas disposições legislativas, e

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chamo para este ponto, que é interessantissimo, a attenção da camara.
Vou ler os artigos citados, começando pelo do decreto de 1852, sendo já para notar, como original e unico, o facto de s. exa. recorrer a uma pretendida auctorisação concedida ha trinta e tantos annos ao poder executivo.
Diz o artigo 39.°:
«Os graus do ensino industrial poderão comprehender outras materias, além das contidas n'este decreto, quando assim se julgar conveniente.»
Recorrer em 1886 a uma auctorisação concedida ao governo em 1852, e interpretar a disposição que acabo de ler, que se referia apenas ás materias, que os graus de ensino poderiam comprehender, para crear uma infinidade de cadeiras, e até logares de officiaes, continuos ou porteiros das secretarias dos institutos, é levar realmente as cousas muito longe! (Apoiados.)
Vejamos agora o artigo 11.° do decreto de 30 de dezembro de 1869.
«Alem dos cursos designados nos artigos 8.° e 9.°, poderá o governo crear novos cursos, se assim o julgar conveniente, precedendo propostas do conselho de aperfeiçoamento, e sem dependencia de medida legislativa, quando não haja augmento de despeza.»
Como glosa a este artigo apenas direi que a despeza se elevou, por virtude da reforma do sr. Emygdio Navarro, de 39:000$000 a 74:000$000 réis, como se vê do orçamento ordinario para o anno de 1887-1888!
Já se vê, pois, que o artigo referido foi tambem com muita rasão citado! (Apoiados.)
Finalmente o artigo 8.° da lei de 6 de março de 1884 diz:
«Fica o governo auctorisado:
«2.° A fazer quaesquer alterações nos varios cursos e distribuição de fundos do mesmo instituto, quando as conveniencias do ensino o tenham indicado, e, precedendo proposta do respectivo conselho escolar.»
Não é preciso discutir se, dentro d'esta auctorisação, cabiam poderes para a reforma effectuada. O que pergunto apenas é se houve a proposta do conselho escolar, condição sine qua non imposta pela lei de 1884. Todos sabemos que não houve.
De fórma que os artigos de lei, invocados pelo sr. ministro das obras publicas, não só o não auctorisavam a fazer a reforma, mas até dizem exactamente o contrario d'aquillo que s. exa. lhes attribue. (Apoiados.)
Mas não pára aqui.
As novas cadeiras crearam-se em dezembro, nas vesperas da abertura do parlamento, mas os cursos só podem começar no proximo setembro, principio do anno lectivo. No emtanto nomearam-se logo os professores, sem concurso e sem exame de qualquer especie. Por forma que a maior parte dos novos professores de professores só têem o nome. Perdão! têem ainda uma outra cousa, que não é para desprezar - os ordenados e as gratificações. (Apoiados.)
E aqui tem v. exa., sr. presidente, explicada a rasão por que as despezas ordinarias do ministerio das obras publicas subiram de um anno para o outro a bagatella de 1.122:000$000 réis! Não é preciso recorrer aos expedientes que se têem no relatorio do orçamento ordinario para 1887-1888. E nem assim encontra salvação possivel.
É verdade que a verba de despeza para portos e rios, na importancia de 280:000$000 réis, passou, n'esse orçamento, das despezas extraordinarias para as ordinarias, de onde o sr. Barros Gomes em tempos a havia tirado.
Mas, ao passo que assim se procede, pretendem tambem abater n'aquelles 1.122:000$000 réis 514:180$000 réis, verba transcripta dos orçamentos districtaes, e relativa aos serviços que, pelas ultimas reformas, voltaram de novo ao poder do estado.
Á primeira vista parece isto regular; mas logo acode á lembrança que, ainda ha poucos dias, approvámos uma lei, auctorisando o governo a despender annualmente réis 1.600:000$000 na construcção das estradas reaes e districtaes, realisando-se para tal fim um emprestimo; e que, para fazer face ao juro e amortisação do capital emprestado, se incluisse a verba de noventa e tantos contos de réis no orçamento do ministerio da fazenda.
Ora, d'aquella quantia de 514:180$000 réis, mais de 300:000$000 réis representam o addicional para a viação districtal.
A que vem, pois, esta verba nas compensações a attribuir ao ministerio das obras publicas, se a despeza com a construcção das estradas desappareceu das tabellas d'aquelle ministerio?
Não é bem patente a ficção? (Apoiados.)
Veja-se mais uma vez o que é a orçamentalogia em Portugal!
O illustre ministro confessa um augmento indesculpavel de 200:000$000 réis nas despezas ordinarias do seu ministerio. Com mais aquelles 300:000$000 réis, que tão mal se encobriram, temos pelo menos e indiscutivelmente um augmento de 500:000$000 réis.
Pergunto de novo se eu tinha ou não solidas rasões para affirmar que o sr. ministro das obras publicas concorrêra proficuamente, como nenhum dos seus collegas, para a alta cotação dos nossos fundos em Londres!
Não quero metter-me em capitalisações, pois que o sr. Marianno de Carvalho exige para isso que se seja versado nas sciencias mathematicas como o sr. Carrilho; mas parece-me que 500:000$000 réis de despeza ordinaria e effectiva representam um capital muito regular. (Apoiados.)
Antes de terminar quero fazer algumas ligeiras considerações sobre as propostas do sr. Marianno de Carvalho e seu plano financeiro.
O sr. ministro da fazenda já nos declarou aqui, desassombradamente, sem ambages e sem rodeios, que pedia 3.000:000$000 réis de novos encargos ao paiz.
Eu penso que é menos, mas sempre mais de réis 2.000:000$000.
Ora, quando no anno passado de 1886 o sr. Hintze Ribeiro apresentou as suas propostas, em que appellava tambem para a bolsa do contribuinte, levantou-se d'estas bancadas um homem que hoje é membro do governo, o sr. Barros Gomes, e perguntou-nos sobranceiramente:
«Quaes são as reducções de despeza, operadas no orçamento, que dão ao governo auctoridade moral para vir pedir novos sacrificios ao paiz?
«Quaes são as reducções de despeza que o governo fez, e como nos demonstra que por esse meio não se póde equilibrar o orçamento? Emquanto o governo regenerador não responder a estas perguntas, não tem auctoridade nem direito para pedir mais sacrificios ao paiz, é o paiz é que tem o direito de lh'os negar.»
Chegou agora a nossa vez de increparmos o actual governo da mesma fórma, e espero que o illustre ministro dos estrangeiras nos acompanhará na cruzada contra as exigencias durissimas do sr. ministro da fazenda.
Menos dramaticamente, mas com igual fundamento, pergunto eu tambem, se é depois de reducções de despeza, como as operadas pelo governo, e em especial pelo sr. Emygdio Navarro, que o ministerio julga haver adquirido a tal auctoridade moral sobre o paiz, para lhe vir logo depois da dictadiira, pedir mais 3.000:000$000 réis? (Apoiados.)
Verdade é que o sr. Marianno de Carvalho promette regular de vez o estado do nosso orçamento, isto é matar o deficit; e o sr. Hintze Ribeiro não se abalançava a tanto.
É possivel que isso console alguem, mas quanto a mim admira-me tanto a promessa, como me surprehenderia a sua realisação.
S. exa. deveria ser mais cauteloso e prudente se, na ex-

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periencia de um desastre illustre, succedido com promessa igual, procurasse exemplo proveitoso e util lição.
S. exa. não mata o deficit. E sabe porque o não mata? Não sou eu que lh'o hei de dizer, mas sim um seu correligionario illustre. Vou ler-lhe e á camara o trecho de um artigo do Primeiro de janeiro, publicado dias depois de ser conhecido o relatorio da fazenda publica do actual ministro.
Parece-me que a auctoridade não póde ser mais insuspeita.
Diz assim:
«Talvez por ouvirmos fallar quotidianamente, há bons vinte annos na questão de fazenda, custa nos a crer que alguem consiga remover similhante assumpto da ordem do dia perpetua da politica portugueza: e depois temos a suspeita de que o deficit orçamental é tão difficil de preencher como era de encher o classico tonel das Danaïdes. O que faltava as condemnadas filhas de Danao para resolverem a sua questão de fazenda, não era agua, que enchesse a vasilha, era fundo na vasilha para suster a agua; se o sr. Marianno de Carvalho não inventou tambem um fundo para o tonel da despeza do estado, o seu de vez ha de vasar-se, sem parar um instante, de envolta com todos os tres mil e tantos contos de receita, que projecta crear.
«E seja dito á puridade, o governo hão tem revelado assignalada vocação para tanoeiro!»
Aprenda tanoaria, sr. ministro da fazenda, é o seu mais illustrado e mais valioso correligionario no norte do paiz, que assim lh'o recommenda. E logo que saiba o officio, apresse-se a ensinal-o ao seu collega das obras publicas, porque lá que no tonel d'esse ministerio ha aduella de menos, isso não tem duvida alguma! (Riso.- Apoiados.)
Veja como só n'um anno por ali se escoaram mais de 500:000$000 réis!
Sr. presidente, quando no anno passado o sr. Hintze Ribeiro aqui apresentou as suas propostas de fazenda, não houve ironia, não houve sarcasmo, não houve accusação que se lhe não fizesse. O sr. Barros Gomes foi um dos mais indignados, o que é tanto mais para admirar, quando é pouco dado a paixões violentas.
Uma das cousas que mais irritou o illustre ministro dos estrangeiros, foi a proposta para a reforma da pauta geral das alfandegas. N'essa proposta isentavam-se de direitos de exportação as perolas e as gemmas de todas as qualidades, ao passo que o governo pretendia tributar pesadamente generos de primeira necessidade para as classes pobres.
S. exa. perorou calorosamente contra propositos tão crueis como desarrasoados, e perguntava jacobina e tambem ,um pouco insidiosamente: «Mas porque será isto?» será porque estão proximas as festas do casamento de Sua Alteza o Principe Real, e o governo deseja, que as damas que hão de figurar nas festas reaes, possam adornar melhor e por menos preço os colos alabastrinos?! E concluia severamente:
«A familia real não gosta d'isto.»
E agora gosta?
Porque é de saber-se, que o governo actual se propõe a levantar tambem os direitos ou os impostos sobre generos de primeira necessidade para as classes operarias e menos abastadas, como, por exemplo, sobre café, milho, assucar e sobro o arroz. Duvida alguém que o café, o assucar e o arroz são alimentos indispensaveis e ordinarios das classes operarias, e que o milho é nas nossas provindas o pão do pobre? (Apoiados.)
E ao mesmo tempo, e isso é que me admira, por ainda não ter ouvido estalar as santas indignações do sr. ministro dos negocios estrangeiros, as perolas e as gemmas vão entrar de graça!! (Riso.)
Agora já o sr. ministro dos negocios estrangeiros se não exalta, só porque, ao passo que os pobres vão ter aggravada a sua situação economica, se poderão adornar melhor e por menos preço os colos alabastrinos das damas que concorrem ás festas reaes. Porque as festas reaes, felizmente, não acabam. O que houve foi mudança em algumas das damas que frequentam no momento actual os paços reaes.
Talvez isso explique o resto. (Apoiados.)
Mas quem está bem vingado é o sr. Hintze Ribeiro. (Apoiados.)
Não só lhe acceitaram, e cobriram de elogios e louvores a sua proposta de Caneças para a reforma da pauta geral das alfandegas, mas até aquella celebre phrase, que tão explorada foi, a da elasticidade dos impostos, até essa foi adoptada e tratada como filha pelo actual sr. ministro da fazenda.
Para a desforra ser completa, o sr. Marianno de Carvalho tambem põe elasticos nas receitas publicas. (Riso.- Apoiados) Não é nos impostos, como o sr. Hintze Ribeiro é no orçamento; mas como no orçamento é que se reflectem os impostos, é dizer o mesmo por diversas palavras. (Apoiados.)
«N'um systema financeiro bem ordenado hão de sair (as despezas eventuaes) da elasticidade do orçamento ordinario.»
O que será a elasticidade dos orçamentos ordinarios do sr. ministro da fazenda, já nós podemos calcular pelo projecto em discussão, onde se pedem 5.800:000$000 réis a mais das previsões calculadas. (Apoiados.) Sr. presidente, vou terminar.
Quando eu pela primeira vez, tratei n'esta camara de assumptos de fazenda na sessão de 1885, com a incompetencia que todos me reconhecem, mas com a mesma convicção e sinceridade com que o faço hoje, rebatendo algumas afirmações do sr. Barros Gomes, replicou-me s. exa. com o orçamento rectificado d'esse anno, em que as despezas publicas attingiram pela primeira vez a somma de réis 40.000:000$000.
E repetiu a conhecida phrase de Thiers: Messieurs! Saluez le milliard, vous ne le reverrez plus.
E diga-se lá, que ninguem é propheta na sua terra!
Como o sr. Barros Gomes previa já então, que em breve, em dois annos, viria um ministerio, de que s. exa. faria parte, e que elevaria as despegas publicas a réis 44.000:000$000, somma nunca vista! O sr. Barros Gomes por essa occasião concluiu o seu discurso, aconselhando-me a leitura e estudo d'esse orçamento de 1885, que na opinião de s. exa. continha uma boa lição de finanças.
Então eram 40.000:000$000 réis, hoje são 44.000:000$000 réis. (Apoiados.)
Pergunto se a lição de agora não é correcta e augmentada. (Muitos apoiados).
Não me atrevo, porém, a offerecel-a, pela minha vez, ao sr. Barros Gomes, por dois motivos diversos.
Primeiro porque a competencia e saber do sr. Barros Gomes em assumptos financeiros são tão universalmente reconhecidos e estimados, que nem mesmo s. exa. escapa inteiramente a esta impressão geral. (Riso.)
Em segundo logar porque quero offerecer a lição ao paiz, para que este veja, segundo as proprias theorias do sr. Barros Gomes, se o actual governo tem auctoridade moral para lhe exigir os pesados sacrificios constantes das propostas de fazenda. (Muitos apoiados.) Quero que o paiz veja e decida quem são os esbanjadores, (Apoiados.) se somos nós, ou se sois vós. (Muitos apoiados.)
Liquidação! É uma liquidação, mas não da nossa politica. É a liquidação das reformas dictatoriaes, acrescentada pela das loucas despezas com os festejos do casamento real, festejos que foram as aguas lustraes em que o partido progressista se purificou do seu antigo espirito jacobino, desinquieto e irrespeitoso. (Muitos apoiados.)
O governo foi inhabil á força de habilidades. Quiz provar de mais e por isso não provou nada.

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SESSÃO DE 10 DE JUNHO DE 1887 1179

Pois que? Não se descreve verba alguma da despeza com esses festejos, cuja existencia e realidade está aliás na consciencia de todos nós e na do paiz, e querem que alguem acredite na verdade representada por este orçamento? (Apoiados.)
Eu não quero citar factos, e podia citar muitos, quero só por em evidencia que, a avaliar por este orçamento, o governo não gastou nem 5 réis com os festejos! (Apoiados.)
E um triste processo este, mas do agrado do governo e dos seus amigos.
Ninguem fez maior mal ao projecto da conversão do que o sr. Carrilho, quando afirmava, que com o systema de amortisação proposto pelo governo, e com os 100:000$000 réis da caixa geral de depositos, podiamos amortisar até a divida publica da Europa inteira!
Depois d'isso todos ficaram logo convencidos, de que senão amortizaria cousa alguma. (Riso - Apoiados.)
Fallar sempre a verdade ao paiz, tal é a principal obrigação e o mais vivo interesse dos governos, como dos parlamentos.
Temos os nossos fundos cotados em Londres a 57 por cento? E verdade; e por isso felicito o sr. ministro da fazenda, o governo, o paiz e toda a camara.
Mas tambem é verdade que temos o orçamento rectificado com 44.000:000$000 réis de despeza, e perto de réis 10.000:000$000 de deficit, e por similhante facto não posso felicitar ninguem! (Apoiados.)
Se os fundos nunca chegaram a 57 por cento, tambem o orçamento rectificado nunca chegou a 44.000:000$000 réis! E se a primeira gloria pertence ao sr. ministro da fazenda, a segunda pertence-lhe pelo mesmo direito. (Apoiados.)
É por isso que eu, que acima de tudo sou portuguez, que me interesso muito mais pelas vantagens do meu paiz, do que pelos interesses do meu partido, termino fazendo votos para que o sr. Marianno de Carvalho, que já elevou os fundos a 57 por cento e as despezas a 44.000:000$000 réis, ponha todo o seu cuidado em que a primeira gloria nos não venha a saír tão cara, como já nos custa a segunda, (Muitos apoiados.)
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi comprimentado.)
Leu na mesa o seguinte

Moção de ordem

A camara, fazendo votos para que o credito do paiz se robusteça e affirme nas solidas bases de uma severa administração dos rendimentos e serviços publicos, unicamente inspirada na pratica dos bons principies economicos e financeiros, passa á ordem do dia. = Franco Castello Branco.
Foi admittida.

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

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