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870 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

que entregára a instrucção primaria ás municipalidades e corporações administrativas?

É ao mesmo tempo os que entoam essas nenias, os que arremettem contra a intenção centralisadora e nefasta que muito perspicazes, advinham e percebem no modesto projecto do governo, exalçam, enthusiastas, a liberal Belgica, o modelo das nações europêas, dizem, n'esta questão do instrucção publica, modelo, aliás, com que ella propria não parece nem muito desvanecida nem muito contente.

Ora, veja v. exa., sr. presidente, o que são e o que valem certos immortaes principios!

Esse typo ideal de uma legislação liberalissima da instrucção primaria, que recusava ao estudo e entregava ao municipio os serviços fundamentaes d'essa instrucção, esse typo ou esse ideal descentralisador, moderno, como é costume dizer, attribuindo-se, cada qual a bitola por onde hão de aferir se os ideaes modernos ou as idéas retardatarias, esse ideal que é o nosso, que é exactamente o que a lei do meu saudoso mestre e amigo Sampaio realisou aqui, - é a expressão genuina, a formula militante, a imposição violenta do partido clerical belga que suscitou quasi uma revolução popular, para a fazer vingar!

E contra quem luctavam os homens que sustentavam como um principio immortal, como uma necessidade e um direito da autocracia municipal, em materia do instrucção, arrancando ao estado, a iniciativa, a direcção, a intervenção directa nos serviços da instrucção primaria?

Contra quem o para que, batalhava compactamente o forte e vigoroso partido clerical belga?

Exactamente contra a escola, o partido, a politica liberal que reivindicava para o estado, como um direito e como um dever, esta força primaria de progresso, do adhesão, de disciplina civica das sociedades modernas. ..

Exactamente para derrubar e trancar a lei que o partido liberal fizera e que restituia ao estado a direcção unitaria, a gerencia, a guarda, a inspecção persistente e systematica da preparação instructiva e educativa dos cidadãos...

Era o partido liberal, eram os liberaes de todas as feições, colligados, que sustentavam lá, energicamente, intransigentemente o principio contrario áquelle supposto principio immortal, que ainda em Portugal faz a illusão dos nossos doutrinarios, dos nossos incorrigiveis doutrinarios da descentralização illusoriamente liberal, do deixar ir e deixar fazer, anarchico, da instrucção nacional. (Apoiados.)

Não, que o partido liberal belga sabia bem que o primeiro dever do estado como representante dos interesses collectivos, como depositario e garante do direito e da segurança commum, é defender-se; - e elle sabia que, entregar á velha e estreita autocracia municipal, desarmada e desnorteada na concorrencia e no embate tempestuoso dos grandes interessas e necessidades politicas do nosso tempo; entregar ás communas, ás associações livres, á exploração particular a preparação intellectual dos cidadãos, inteiramente desligada, inteiramente emancipada da direcção o da fiscalização superior do estado, era simplesmente desarmar-se contra si proprio, e preparar dia a dia a propria dissolução.

Exactamente esse nosso bello ideal descentralisador sustentado aqui com uma especie de fanatismo, pois que a liberdade tambem produz fanaticos, exactamente esse ideal ou essa lei representa na Belgica o triumpho e a bandeira de uma longa e violenta campanha dos interesses e das idéas do partido reaccionario.

Como disse já, uma das questões, que, embora se possam considerar realmente liquidadas já na controversia doutrinal, vem sempre á superficie da discussão quando se trata d'estes assumptos de instrucção primaria nas assembléas politicas, é esta: a do logar, a da posição, a do direito do enfado no norteamento da cultura intellectual do povo. Eu, quando fallo do estado (e para não alongar muito estua considerações, convem definir bem), entendo por estado nem mais nem menos do que entendia e definia um dos homens mais illustres da França, melhor é dizer, da Europa moderna: Thiers.

Dizia elle:

- «Quando fallâmos dos direito do estado é necessario comprehender toda a, grandeza d'esta expressão; é necessario considerar o estado não como um despota, que ordena em nome do seu interesse egoista, mas como o representante legal dos interesses de todos; é necessario imaginal-o não como um poder ao qual se combatem, n'um dado momento, as tendencias politicas ou como uma dynastia á qual se recusa a affeição; é necessario ver no estado, o proprio estado, isto é, o conjuncto de todos os cidadãos, não apenas dos que não hoje, mas dos que foram e dos que hão de ser: a nação, n'uma palavra, com o seu passado e com o seu futuro, com o seu genio, a sua gloria, os seus destinos. Certamente o estado quando representa, na antiguidade, Roma, nos tempos modernos a França, a Inglaterra, a Russia, o estado tom o direito de ter uma vontade em relação a creança que nasce, e se o pae tem o direito, em nome do seu amor, do desejar para ella os cuidados moraes e physicos, o estado tem o direito de querer que se faça d'ella um cidadão, penetrado do espirito da sua constituição, tendo inclinações que possam contribuir para a grandeza e para a prosperidade nacional.»

E assim este grande pensador reunia n'uma definição engenhosa e viva, das melhores que se têem apresentado, tres caracteres essenciaes que em geral os doutrinarios, sobre tudo os doutrinarios politicos, amiudadas vezes esquecem.

Elles não consideram geralmente que o estado é um organismo vivo, que vem de longe e ha de ir alem d'elles com a sua força propria, a sua economia ingenita, necessaria, as suas tradições, a sua evolução fatal; que vem de longe e vão para longo com as consciencias que foram e as consciencias que hão de ser; com as idéas, os interesses, as necessidades das gerações que foram e das gerações que vem; querem só e para si só, sob a direcção despotica do seu criterio, dos seus interesses ou das suas paixões de momento, remodelar o estado á sua propria imagem não comprehendendo que elle não é, - pois que já passou o tempo em que o contrato de João Jacques Rousseau fazia as delicias da nossa imaginação infantil - uma convenção, uma formação artificiosa, subjectiva, mas um organismo vivo, continuo, necessario em que o individuo cada vez mais desapparece para cada vez melhor se formar o cidadão.

Dizia um illustre inspector escolar:

«O estado não tem menor necessidade de estabelecer e sustentar um systema de escolas publicas, do que de defender-se contra selvagens que ponham a sociedade em perigo.»

Como v. exa. vê, sr. presidente, e como os meus collegas me estão pedindo, eu estou procurando encurtar o que desejava dizer, por maneira que mal posso dizer o que penso, mas ahi têem o que havia de sybilino, como notava o sr. José Julio, nas surnmarissimas considerações com que, por dever do cargo, prefaciei este projecto.

Saudei-o sim, não pelo que elle vale em si, modesto como é, mas por me parecer, por desejar ver n'elle, ou atravez d'elle, nos seus traços geraes, na sua propria origem e opportunidade dictatorial, uma intenção sincera e resoluta de rever e remodelar a nossa educação nacional; saudei-o, sim, e a esta esperança me apego, como o annuncio de uma disciplina impreterivel a imprimir á nossa instrucção publica, como força primaria da nossa regeneração historica.

Para mim o ponto capital e este. Que vale realmente o resto?

Poderão dizer e não sei se terão muito direito a dizer: «Mas não se sabe, mas não se discute o que virá depois d'este projecto, não se indica, não se prevê a transforma-