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SESSÃO NOCTURNA DE 25 DE JUNHO DE 1890

Presidencia do exmo. sr. Pedro Augusto de Carvalho

Secretarios - os exmos. srs.

José Joaquim de Sousa Cavalheiro
Antonio Teixeira de Sousa

SUMMARIO

O sr. Pimentel Pinto manda para a mesa dois pareceres, um sobre a proposta de lei que estabelece o contingente do exercito e da armada, e outro sobre a fixação da força do exercito.- O sr. Moraes Sarmento manda para a mesa os pareceres relativos ás eleições pelos circulos n.ºs 1 e 2, de Loanda. - São proclamados deputados e prestam juramento os srs. Pedro Ignacio de Gouveia e Thomás Victor da Costa Sequeira.

Na ordem da noite continua em discussão o projecto de lei n.° 133 (organisação do ministerio da instrucção publica), discursando largamente o relator, o sr. Luciano Cordeiro.- Segue-se-lhe o sr. Fernando Palha, combatendo o projecto detidamente e sustentando duas propostas.

Abertura da sessão - Ás nove horas e meia da noite.

Presentes á chamada 57 srs. deputados. São os seguintes: - Adolpho da Cunha Pimentel, Agostinho Lucio e Silva, Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Alfredo Cesar Brandão, Antonio Baptista de Sousa, Antonio Fialho Machado, Antonio Jardim de Oliveira, Antonio José Ennes, Antonio Maria Cardoso, Antonio Maria Jalles, Antonio Ribeiro dos Santos Viegas, Antonio Teixeira de Sousa, Aristides Moreira da Motta, Arthur Alberto de Campos Henriques, Arthur Hintze Ribeiro, Augusto Cesar Elmano da Cunha e Costa, Christovão Ayres de Magalhães Sepulveda, Eduardo Augusto da Costa Moraes, Eduardo de Jesus Teixeira, Eduardo José Coelho, Eugenio Augusto Ribeiro de Castro, Fernando Mattozo Santos, Fernando Pereira Palha Osorio Cabral, Fidelio de Freitas Branco. Francisco José Machado, Francisco Xavier de Castro Figueiredo de Faria, Ignacio Emauz do Casal Ribeiro, Jacinto Candido da Silva, João Marcellino Arroyo, João Maria Gonçalves da Silveira Figueiredo, João de Paiva, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, João Simões Pedroso de Lima, Joaquim Germano de Sequeira, Joaquim Pedro de Oliveira Martins, Joaquim Simões Ferreira, José de Alpoim de Sousa Menezes, José Antonio de Almeida, José Augusto Soares Ribeiro de Castro, José de Azevedo Castello Branco, José Elias Garcia, José Estevão de Moraes Sarmento, José Frederico Laranjo, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Julio Rodrigues, José Maria Charters Henriques de Azevedo, José Maria Pestana de Vasconcellos, Lourenço Augusto Pereira Malheiro, Luciano Cordeiro, Luiz Augusto Pimentel Pinto, Luiz Virgilio Teixeira, Manuel Affonso Espregueira, Manuel Constantino Theophilo Augusto Ferreira, Manuel Francisco Vargas, Manuel Vieira de Andrade e Marcellino Antonio da Silva Mesquita.

Entraram durante a sessão os srs.: - Antonio Costa, Antonio Sergio da Silva e Castro, Augusto José Pereira Leite, Carlos Lobo d'Avila, Carlos Roma du Bocage, Elvino José de Sousa e Brito, Francisco de Almeida e Brito, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco de Castro Mattozo da Silva Côrte Real, Francisco Felisberto Dias Costa, João de Barros Mimoso, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria Greenfield de Mello, José Paulo Monteiro Cancella, Matheus Teixeira de Azevedo, Pedro Ignacio de Gouveia, Pedro Victor da Costa Sequeira, Roberto Alves de Sousa Ferreira e Thomás Victor da Costa Sequeira.

Não compareceram á sessão os srs.: - Abilio Eduardo da Costa Lobo, Abilio Guerra Junqueiro, Adriano Augusto da Silva Monteiro, Adriano Emilio de Sousa Cavalheiro, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alberto Augusto de Almeida Pimontel, Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto, Alexandre Maria Ortigão de Carvalho, Alfredo Mendes da Silva, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio Augusto Correia da Silva Cardoso, Antonio de Azevedo Castello Branco, Antonio Eduardo Villaça, Antonio José Arrojo, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Manuel da Costa Lereno, Antonio Maria Pereira Carrilho, Antonio Mendes Pedroso, Antonio Pessoa de Barros e Sá, Arthur Urbano Monteiro de Castro, Augusto Carlos de Sousa Lobo Poppe, Augusto da Cunha Pimentel, Augusto Maria Fuschini, Barão de Paço Vieira (Alfredo), Bernardino Pacheco Alves Passos, Bernardino Pereira Pinheiro, Columbano Pinto Ribeiro de Castro, Conde do Covo, Conde de Villa Real, Custodio Joaquim da Cunha e Almeida, Eduardo Abreu, Eduardo Augusto Xavier da Cunha, Emygdio Julio Navarro, Estevão Antonio de Oliveira Junior, Feliciano Gabriel de Freitas, Fortunato Vieira das Neves, Francisco de Barros Coelho e Campos, Francisco Joaquim Ferreira do Amaral, Francisco José de Medeiros, Francisco Severino de Avellar, Frederico de Gusmão Corrêa Arouca, Frederico Ressano Garcia, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Ignacio José Franco, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Alves Bebiano, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João José d'Antas Souto Rodrigues, João Pinto Moreira, João Pinto Rodrigues dos Santos, João de Sousa Machado, Joaquim Ignacio Cardoso Pimentel, Joaquim Teixeira Sampaio, José de Abreu do Couto Amorim Novaes, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Bento Ferreira do Almeida, José Christovão Patrocinio de S. Francisco Xavier Pinto, José Dias Ferreira, José Domingos Ruivo Godinho, José Freire Lobo do Amaral, José Luiz Ferreira Freire, José Maria Latino Coelho, José Maria de Oliveira Peixoto, José Maria dos Santos, José Maria de Sousa Horta e Costa, José Monteiro Soares de Albergaria, José de Vasconcellos Mascarenhas Pedroso, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Julio Antonio Luna de Moura, Julio Cesar Cau da Costa, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Antonio Moraes e Sousa, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Luiz de Mello Bandeira Coelho, Manuel de Arriaga, Manuel d'Assumpção, Manuel de Oliveira Aralla e Costa, Manuel Pinheiro Chagas, Manuel Thomás Pereira Pimenta de Castro, Marianno Cyrillo de Carvalho, Marquez de Fontes Pereira de Mello, Miguel Dantas Gonçalves Pereira, Pedro Augusto de Carvalho, Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Visconde de Tondella e Wenceslau de Sousa Pereira Lima.

Acta - Approvada.

O sr. Pimentel Pinto: - Mando para a mesa dois pareceres da commissão de guerra; um sobre a proposta de lei que estabelece o contingente do exercito e da armada, e o outro sobre a fixação da força do exercito.

O sr. Moraes Sarmento: - Mando para a mesa os pareceres da commissão de verificação de poderes, ácerca das eleições dos dois circulos de Loanda; e não tendo havido protesto nem reclamação, peço a v. exa. que consulte

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a camara se dispensa o regimento para entrarem já em discussão.

Consultada a camara, foi dispensado o regimento e entraram em discussão.

São os seguintes:

PARECER N.° 138

(Circulo de Loanda, 1.º)

Senhores. - A commissão de verificação de poderes examinou o processo eleitoral que lhe foi enviado, relativo ao circulo de Loanda (1.°), e verificou que o numero de votantes foi de 4:921, sendo tres listas inutilisadas, obtendo votos os seguintes cidadãos:

Thomás Victor da Costa Sequeira .... 4:536 votos
Augusto Ribeiro .... 215 votos
Joaquim Mattozo da Camara .... 41 votos
Carlos da Silva .... 38 votos
Francisco Joaquim Ferreira do Amaral .... 37 »
Bernardo Nunes Garcia .... 26 votos
Joaquim José Coelho de Carvalho .... 22 votos
Antonio de Serpa Pimentel .... 1 votos
Francisco de Salles Ferreira .... 1 »
Manuel de Serpa Pimentel .... 1 »

Na assembléa de Colungo Alto a eleição correu tumultuosa, e por isso a assembléa de apuramento resolveu não contar as 42 listas que dali foram remettidas fechadas na urna.

Não influindo, porém, aquelle numero de votos no resultado da eleição, e não tendo havido protestos nem reclamações, entende a vossa commissão que deve ser approvada a eleição, e proclamado deputado o cidadão Thomás Victor da Costa Sequeira, que apresentou diploma em fórma legal.

Sala da commissão, 25 de junho de 1890. = Pedro Victor da Costa Sequeira = Marcellino Mesquita = José Estevão de Moraes Sarmento = Luciano Monteiro.

Tendo sido dispensado o regimento, entrou em discussão e foi approvado.

PARECER N.° 139

(Circulo de Loanda, 2 °)

Senhores. - A vossa commissão de verificação de poderes examinou o processo eleitoral do circulo do Loanda, 2.°, verificando que o numero de votantes foi do 34:337, sendo inutilisadas 7 listas, obtendo votos os seguintes cidadãos:

Pedro Ignacio de Gouveia .... 30:129 votos
Augusto Ribeiro .... 2:575 votos
Augusto Dias de Carvalho .... 689 »
José Joaquim de Carvalho Junior .... 602 »
Bernardo Nunes Garcia .... 145 votos
Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto .... 80 votos
Sebastião Magalhães Lima .... 31 votos
Paulo Henriques de Carvalho .... 20 »
Francisco de Selles Ferreira .... 16 »
Marquez das Minas .... 15 votos
Alfredo Trony .... 9 votos
Joaquim Pinto Furtado .... 6 »
Francisco Ferreira do Amaral .... 6 votos
Pedro de Lima .... 5 votos
Ernesto Correia Martins .... 1 votos
Manuel de Arriaga .... 1 votos

Não tendo havido protestos, nora reclamações, entende a vossa commissão que a eleição deve ser approvada e proclamado deputado o cidadão mais votado Pedro Ignacio de Gouveia, que apresentou diploma em fórma legal.

Sala da commissão, 25 de junho de 1890. = Pedro Victor da Costa Sequeira = Marcellino Mesquita = José Estevão de Moraes Sarmento = Luciano Monteiro.

Tendo sido dispensado o regimento, entrou em discussão e foi approvado.

Foram proclamados deputados os srs. Pedro Ignacio Gouveia e Thomás Victor da Costa Sequeira, que senão introduzidos na sala pelos srs. João de Paiva e Pestana de Vasconcellos, prestaram juramento e tomaram assento.

ORDEM DA NOITE

Continuação da discussão do parecer n.º 133 (organisação do ministerio da instrucção publica)

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. relator da commissão.

O sr. Luciano Cordeiro: - Sr. presidente, como v. exa. sabe, eu venho de jantar com o discurso do nosso distincto collega, o sr. José Julio Rodrigues.

V. exa. não quiz assistir e perdeu.

Um delicioso jantar e um bello companheiro. Foi, não direi uma pequena orgia, mas verdadeiramente um banquete pantagruelico, cheio de espirito, e do culinaria exotica, e não apenas uma d'aquellas modestas refeições burguezas, cujo menu s. exa. aqui nos descreveu ha pouco, fazendo-nos jornadear em plena Belgica. Um alegre jantar e um cavaco alegre que me fez profundas saudades e me deixou as mais bellas impressões.

Fallámos as estupinhas, como se costuma dizer.

Desaffogadamente, sem curar de politicas, s. exa. não fez mais, a bem dizer, do que descompor-nos o seu partido e o seu chefe.

Pintou-nos o estado deploravel, desgraçado, triste, em que se encontrava a instrucção, ao cabo de quatro annos de consulado progressista e dos mais dedicados disvelos do sr. José Luciano de Castro; contrapoz desoladamente ás minguas e atrazos do nosso ensino primario e do nosso ensino technico, as maravilhas que encontrára por aquelles paizes das mil e uma noites que percorrêra e por onde eu tambem andei um pouco... sem conseguir encontrál-as.

Só o que elle nos fez rir com os programmas decretados na ultima situação!...

Por mim não lhe fiquei atrás, e offereci em holocausto a este desabafo da má lingua lusa o meu velho amigo, o sr. Arroyo:

- «É bem feito», dizia eu. «Elle teve a dictadura na mão; podia ter, de um traço de penna, realisado desde logo todos aquelles bellos ideaes de instrucção e educação nacional, digamos assim, á allemã, que fizeram o desvanecimento do illustre professor, por esse mundo alem, desde a Belgica ao Japão.»

Não podia s. exa. logo ter remodelado o ensino primario á belga? Ter desdobrado o ensino secundario á moda germanica ou italiana? Ter refundido todos os graus de ensino em Portugal, desde o elementar, até, como tão necessario se vê que está sendo, o ensino superior de que o douto deputado é um distincto ornamento?

Mas ao contrario d'isto, o sr. Arroyo, modestamente, á moda da terra, como costuma dizer o nosso illustre collega o sr. Dias Ferreira, ou mais exactamente, terra a terra, contentou-se em preparar o nucleo de uma remodelação futura, em crear a instituição directora, funccionaria, alias coroamento necessario, imprescindivel, dos serviços da instrucção e educação nacional.

E contentou-se tão modestamente com isto o governo, que até o proprio gr. presidente do conselho, não menos modesto, não menos respeitador da moda caseira, nos fez notar aqui que a dictadura, armada muito embora com todo o direito, com todos os impulsos de um grande movimento nacional, conscia da sua força e da sua rasão, julgando mesmo muito conveniente mostral-as e exhibil-as, que não se atrevera a nomear um simples continuo, um

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amanuense, um official de secretaria... não fossem dizer que para isto se exercia!

De maneira que se mudaram os papeis! O meu estimavel contendor incriminava, sem querer, sem cuidar, e tambem, diga-se de passagem, sem dar grandes novidades á camara, o seu partido e o seu chefe, pois que nos haviam deixado as cousas em tal estado; pelas reformas que não emprehendeu, talvez pelas que foz, em todo o caso pelas que deixou de fazer.

E eu então, contemplando tristemente aquelle painel de tão auctorisado auctor, lastimava que os meus amigos politicos, tendo podido n'um traço intrepido de penna ou de dictadura, reformal-o e corrigil-o, se tivessem limitado ao projecto, á reforma modesta que estamos discutindo.

Mas faltaram-nos companheiros que nos eram muito necessarios e nos seriam muito agradaveis n'esta palestra; faltou-nos, sr. presidente, por exemplo, o sr. Elvino de Brito para liquidar com o sr. José Julio Rodrigues a questão orçamental da proposta, porque todos os meus collegas terão notado que ao passo que o sr. José Julio Rodrigues principalmente accusava o projecto e o digno ministro da instrucção publica por uma grande avareza, por uma exagerada modestia orçamental de que francamente elle não tem uma grande culpa...

O sr. Elvino de Brito: - Eu alludi unica e simplesmente á despeza do pessoal da secretaria, como opportunamente terei occasião de demonstrar, e o sr. José Julio Rodrigues referiu-se á despeza com a organisação do ensino nos seus diversos graus.

O Orador: - Lá iremos e lá iremos facilmente, logicamente; mas uma das incriminações do sr. José Julio Rodrigues foi precisamente esta. S. exa. começou mesmo por mandar para a mesa uma moção de ordem que rejeita o projecto em discussão, por insufficiente, por exiguo, porque esse projecto não corresponde ao seu ideal, e ás necessidades de dotação e de transformação do nosso ensino publico.

Mas o que se vae fazer? Simplesmente o ministerio, simplesmente esta cousa secundaria, reles, pelintra, talvez, da organisação de uma secretaria d'estado, mas que é a primeira cousa a fazer, praticamente, porque é o nucleo de toda a disciplina do serviço, de toda a reorganisação funccional, doutrinal mesmo, dos serviços da instrucção official.

S. exa. do que censurava o governo, principalmente, era de elle não trazer ao parlamento uma proposta de lei que dotasse amplamente os serviços da instrucção publica que o illustre professor queria ver largamente subsidiados, duplicados até, na sua dotação actual.

Mas que culpa tem o sr. ministro da instrucção publica, que culpa tem o governo, se s. exa., o sr. José Julio Rodrigues, não conseguiu dos seus amigos a auctorisação necessaria para em vez d'aquella moção que mandou para a mesa, fazer aqui a declaração franca, nobre e patriotica de que o seu partido daria um voto resolutamente approvativo ao governo se elle em vez de pedir apenas uma pequena verba, propozesse o duplo da dotação actual para os serviços da instrucção publica? Mas se o illustre correligionario de s. exa. e meu amigo o sr. capitão Machado, tem e manifesta as mais graves apprehensões de que o unico desejo, o unico impulso, o capcioso proposito do sr. ministro da instrucção publica seja avolumar o orçamento, o até «avolumar as professoras», como nos disse aqui, póde s. exa. incriminar com justiça o governo de não se atrever a pedir o alargamento maior da verba destinada aos serviços da instrucção, reccioso naturalmente de caír sobre a reprimenda severa, austera e implacavel de outro illustre deputado progressista, o meu amigo e collega o sr. Elvino de Brito que vê, já, na verba orçamental consignada á nova instituição, pouco menos que um verdadeiro abysmo financeiro, em todo o caso uma flagrante contradicção com os propositos de economias e de repressão orçamental do sr. ministro da fazenda?

Sr. presidente, dadas as tendencias de abstração doutrinaria que caracterisa a nossa educação e a nossa controversia politica, muito naturalmente prevíra e esperava eu que este pequeno projecto, deixem-me chamar-lhe assim, fosse thema e estimulo para a critica especulativa dos amadores de systemas que entre nós abundam consideravelmente, e dos explicadores professos do que se passa lá fóra, segundo a phrase já um pouco fatigada; contava mesmo que não deixassem de intervir na pequena bulha, dando-lho aspectos de grande batalha, aquelles immortaes principios que cada um forja em sua casa com sua mulher o seus filhos, como costuma dizer o humorismo de um medico illustre, para a salvação da humanidade, que não conseguem endireitar, e por gloria do paiz, que geralmente desconhecem nas condições essenciaes, nas circumstancias necessarias da sua economia, do seu temperamento historico, da sua evolução social. Esperava e era natural isto, embora o projecto tenha uma objectiva muito limitada, restricta, extremamente modesta.

Comprehendia-se facilmente, sr. presidente, que não faltasse a emoldurar o projecto, a vasta e velha questão da instrucção publica no seu aspecto doutrinal, nas suas relações com o estado, ou do papel e interferencia d'elle na preparação e na cultura intellectual dos cidadãos.

Esta questão faz certamente ainda o encanto e a occupação dilecta de muitos politicos, serve excellentemente certas tendencias e processos da nossa educação parlamentar, e posto que os parlamentos pareçam dever antes ser destinados á resolução de questões praticas e concretas, deixando que outras se apurem e resolvam nos laboratorios scientiticos por mãos de pensadores e de estudiosos, nada mais natural e justo do que occuparem-se elles de uma questão de principios em que se entrechocam e contendem os direitos do estado e os direitos dos cidadãos, a autocracia nacional o a autocracia municipal, tantos interesses e tantos termos, em summa, do organismo e do movimento politico.

Contava com isso: contava ver, e não é novo no parlamento portuguez desde as famosas côrtes de 1821, reeditar, a proposito das nossas cousas tão peculiares, e tão nossas, muita oratoria e muita theoria de tribuna estranha, e reproduzirem-se rejuvenescidas, entre nós, as largas controversias que por tanto tempo agitaram certos parlamentos estrangeiros e ainda ha pouco se exhibiram, n'uma grande e luminosa intensidade, no parlamento de uma das nações mais justamente afamadas em materia de instrucção publica.

Mas não foi isso que eu vi sr. presidente, ou antes vi apenas cortar os horisontes da nossa discussão, essas classicas questões com uma rapidez que não as tornava attingiveis ás vistas desarmadas, de simples amadores, que pelos modos somos todos no professo criterio do orador precedente, embora entre nós não faltem os professores que o foram e que o são como elle, e os que, pelo menos, tanto como elle e até muito antes e muito menos recatadamente do que elle têem trabalhado versado estes assumptos.

É até curioso que em muitas cousas que se tem dito e em muitas lições que se tem querido exhibir, n'esta discussão, os simples amadores ou os que se pretende um tanto desceremoniosamente averbar de taes, pareçam estar bem melhor elucidados do que se tem passado lá fóra, do que os mestres que nol-o têem vindo ensinar aqui.

Pois não vimos nós ensaiar-se a idéa do fundo reaccionario do projecto, denunciado pela centralisação ou pela devolução á exclusiva direcção do estado, da instrucção publica ou mais propriamente da instrucção primaria?

Não ouvimos cantar commovidas nenias sobre o sacrilego repudio da lei liberal de Antonio Rodrigues Sampaio

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que entregára a instrucção primaria ás municipalidades e corporações administrativas?

É ao mesmo tempo os que entoam essas nenias, os que arremettem contra a intenção centralisadora e nefasta que muito perspicazes, advinham e percebem no modesto projecto do governo, exalçam, enthusiastas, a liberal Belgica, o modelo das nações europêas, dizem, n'esta questão do instrucção publica, modelo, aliás, com que ella propria não parece nem muito desvanecida nem muito contente.

Ora, veja v. exa., sr. presidente, o que são e o que valem certos immortaes principios!

Esse typo ideal de uma legislação liberalissima da instrucção primaria, que recusava ao estudo e entregava ao municipio os serviços fundamentaes d'essa instrucção, esse typo ou esse ideal descentralisador, moderno, como é costume dizer, attribuindo-se, cada qual a bitola por onde hão de aferir se os ideaes modernos ou as idéas retardatarias, esse ideal que é o nosso, que é exactamente o que a lei do meu saudoso mestre e amigo Sampaio realisou aqui, - é a expressão genuina, a formula militante, a imposição violenta do partido clerical belga que suscitou quasi uma revolução popular, para a fazer vingar!

E contra quem luctavam os homens que sustentavam como um principio immortal, como uma necessidade e um direito da autocracia municipal, em materia do instrucção, arrancando ao estado, a iniciativa, a direcção, a intervenção directa nos serviços da instrucção primaria?

Contra quem o para que, batalhava compactamente o forte e vigoroso partido clerical belga?

Exactamente contra a escola, o partido, a politica liberal que reivindicava para o estado, como um direito e como um dever, esta força primaria de progresso, do adhesão, de disciplina civica das sociedades modernas. ..

Exactamente para derrubar e trancar a lei que o partido liberal fizera e que restituia ao estado a direcção unitaria, a gerencia, a guarda, a inspecção persistente e systematica da preparação instructiva e educativa dos cidadãos...

Era o partido liberal, eram os liberaes de todas as feições, colligados, que sustentavam lá, energicamente, intransigentemente o principio contrario áquelle supposto principio immortal, que ainda em Portugal faz a illusão dos nossos doutrinarios, dos nossos incorrigiveis doutrinarios da descentralização illusoriamente liberal, do deixar ir e deixar fazer, anarchico, da instrucção nacional. (Apoiados.)

Não, que o partido liberal belga sabia bem que o primeiro dever do estado como representante dos interesses collectivos, como depositario e garante do direito e da segurança commum, é defender-se; - e elle sabia que, entregar á velha e estreita autocracia municipal, desarmada e desnorteada na concorrencia e no embate tempestuoso dos grandes interessas e necessidades politicas do nosso tempo; entregar ás communas, ás associações livres, á exploração particular a preparação intellectual dos cidadãos, inteiramente desligada, inteiramente emancipada da direcção o da fiscalização superior do estado, era simplesmente desarmar-se contra si proprio, e preparar dia a dia a propria dissolução.

Exactamente esse nosso bello ideal descentralisador sustentado aqui com uma especie de fanatismo, pois que a liberdade tambem produz fanaticos, exactamente esse ideal ou essa lei representa na Belgica o triumpho e a bandeira de uma longa e violenta campanha dos interesses e das idéas do partido reaccionario.

Como disse já, uma das questões, que, embora se possam considerar realmente liquidadas já na controversia doutrinal, vem sempre á superficie da discussão quando se trata d'estes assumptos de instrucção primaria nas assembléas politicas, é esta: a do logar, a da posição, a do direito do enfado no norteamento da cultura intellectual do povo. Eu, quando fallo do estado (e para não alongar muito estua considerações, convem definir bem), entendo por estado nem mais nem menos do que entendia e definia um dos homens mais illustres da França, melhor é dizer, da Europa moderna: Thiers.

Dizia elle:

- «Quando fallâmos dos direito do estado é necessario comprehender toda a, grandeza d'esta expressão; é necessario considerar o estado não como um despota, que ordena em nome do seu interesse egoista, mas como o representante legal dos interesses de todos; é necessario imaginal-o não como um poder ao qual se combatem, n'um dado momento, as tendencias politicas ou como uma dynastia á qual se recusa a affeição; é necessario ver no estado, o proprio estado, isto é, o conjuncto de todos os cidadãos, não apenas dos que não hoje, mas dos que foram e dos que hão de ser: a nação, n'uma palavra, com o seu passado e com o seu futuro, com o seu genio, a sua gloria, os seus destinos. Certamente o estado quando representa, na antiguidade, Roma, nos tempos modernos a França, a Inglaterra, a Russia, o estado tom o direito de ter uma vontade em relação a creança que nasce, e se o pae tem o direito, em nome do seu amor, do desejar para ella os cuidados moraes e physicos, o estado tem o direito de querer que se faça d'ella um cidadão, penetrado do espirito da sua constituição, tendo inclinações que possam contribuir para a grandeza e para a prosperidade nacional.»

E assim este grande pensador reunia n'uma definição engenhosa e viva, das melhores que se têem apresentado, tres caracteres essenciaes que em geral os doutrinarios, sobre tudo os doutrinarios politicos, amiudadas vezes esquecem.

Elles não consideram geralmente que o estado é um organismo vivo, que vem de longe e ha de ir alem d'elles com a sua força propria, a sua economia ingenita, necessaria, as suas tradições, a sua evolução fatal; que vem de longe e vão para longo com as consciencias que foram e as consciencias que hão de ser; com as idéas, os interesses, as necessidades das gerações que foram e das gerações que vem; querem só e para si só, sob a direcção despotica do seu criterio, dos seus interesses ou das suas paixões de momento, remodelar o estado á sua propria imagem não comprehendendo que elle não é, - pois que já passou o tempo em que o contrato de João Jacques Rousseau fazia as delicias da nossa imaginação infantil - uma convenção, uma formação artificiosa, subjectiva, mas um organismo vivo, continuo, necessario em que o individuo cada vez mais desapparece para cada vez melhor se formar o cidadão.

Dizia um illustre inspector escolar:

«O estado não tem menor necessidade de estabelecer e sustentar um systema de escolas publicas, do que de defender-se contra selvagens que ponham a sociedade em perigo.»

Como v. exa. vê, sr. presidente, e como os meus collegas me estão pedindo, eu estou procurando encurtar o que desejava dizer, por maneira que mal posso dizer o que penso, mas ahi têem o que havia de sybilino, como notava o sr. José Julio, nas surnmarissimas considerações com que, por dever do cargo, prefaciei este projecto.

Saudei-o sim, não pelo que elle vale em si, modesto como é, mas por me parecer, por desejar ver n'elle, ou atravez d'elle, nos seus traços geraes, na sua propria origem e opportunidade dictatorial, uma intenção sincera e resoluta de rever e remodelar a nossa educação nacional; saudei-o, sim, e a esta esperança me apego, como o annuncio de uma disciplina impreterivel a imprimir á nossa instrucção publica, como força primaria da nossa regeneração historica.

Para mim o ponto capital e este. Que vale realmente o resto?

Poderão dizer e não sei se terão muito direito a dizer: «Mas não se sabe, mas não se discute o que virá depois d'este projecto, não se indica, não se prevê a transforma-

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ção por que vão passar os serviços de instrucção publica.
Nós não temos ainda elementos para julgar do norteamento d'essa transformação».
Mas o sr. José Julio Rodrigues largamente dissertou sobre a situação actual de todos esses serviços entro nós, n'uma comparação insistente com a situação d'elles nos paizes estrangeiros, ou como já disse nos paizes das Mil e uma noites que s. exa. andou percorrendo um pouco caprichosamente. Tambem os conheço esses bellos paizes e conheço até as tendencias e illusões da lição que o sr. José Julio Rodrigues nos veiu mais uma vez fazer aqui em tom dogmatico de quem falla a quem mão sabe, de quem ensina a quem nunca pensou e versou taes assumptos,; de quem falla a simples amadores, como dizia s. exa. É o habito do officio. Pois tomara eu ser um simples amador, mas por mal dos meus peccados fui professor tambem, e ha mais tempo que s. exa., talvez, tenho tido de sentir como Tantalo a sêde d'aquellas maravilhas estranhas n'um contacto directo com as nossas desolações. Mas a lição colhida não tem sido precisamente a mesma. Não é a de uma imitação exterior do que ha lá fóra, nem a de uma depressão systematica do que se passa aqui. É a de que as instituições se hão de adaptar e moldar, para serem uteis e seguras, ás necessidades e ás condições do meio: é a de que a instrucção publica não é, não póde ser nas sociedades modernas um luxo de civilisação ou um thema especulativo de doutrinarios, mas um factor natural, irrecusavel, positivo, uma forca coherente, integrante, da vitalidade nacional, E citarei um paiz que o illustre professor esqueceu na sua interessante jornada d'esta tarde, e mais poderá parecer contradictoria a citação, e mais esse paiz: os Estados Unidos, póde bem servir e têem servido de mestre e de exemplo, em cousas de instrucção publica, á velha Europa.
Nada mais americano do que a instrucção americana; nada mais intimamente conforme com a Indole, com a tradição, com as instituições originaes, nacionaes d'aquella sociedade, com a sua economia e situação historica. Pois é por isso mesmo que aquillo é bom e solido.
Na Italia, por exemplo, ainda n'uma das ultimas reformas, precisamente n'aquella que creou o ministerio de instrucção publica, o pensamento politico, o da defeza da unidade nacional se impoz como objectivo necessario, e sabem todos como esse pensamento se tem imposto sempre aos serviços da instrucção italiana reagindo persistentemente contra as antigas influencias deleterias e perturbadoras d'aquella unidade. Lembrarei um incidente curioso e caracteristico. Quando se apresentou o projecto que procurava imprimir aos diversos serviços instructivos uma direcção propria e autonoma, como a que o nosso projecto propõe, a primeira cousa que o parlamento italiano fez, foi approvar calorosamente uma moção de ordem nos seguintes termos:
«A camara considerando que uma intelligente preparação dos cidadãos para o serviço militar tornará mais efficaz e menos despendiosa a plena vigencia das novas leis militares, convida o governo a estabelecer os meios de fazer concorrer para este fim a instrucção obrigatória e o tiro ao alvo.»
Em vez de discutir os immortaes principios da abstracção doutrinal, antes de apurar e de resolver como haviam de fazer-se os doutores, os engenheiros, os sabios pensou o parlamento em que era necessario fazer soldados e ensinar os cidadãos a atirar ao alvo e a disciplinar os musculos.
Cousa parecida se pensa e se faz na Suissa. Sabem todos que na Suissa certos estabelecimentos de instrucção são verdadeiras instituições militares. No polytechnico de Zurich, que é por si um bello exemplar da associação do ensino especulativo e do ensino technico completando-se e penetrando-se reciprocamente, a multidão escolar e um batalhão, as classes são companhias, de tempo em tempo o campo de manobras continua o laboratorio, a aula.
(Interrupção do sr. Fernando Palha.)
Quem dirige os batalhões na Suissa não são os ministros, por que lá o que se exige dos ministros é que administrem e governem; os sábios contentam-se com fazer sciencia, os professores não fazem politica, leccionam, o que parece ser um pouco mais util... aos alumnos, pelo menos. Cada qual está no seu logar. Assim fosse aqui.
E já agora voltemos ao nosso, voltemos aos nossos pobres serviços do instrucção nacional em que tantos esforços generosos, tantas aspirações e tentativas elevadas têem sido inutilisadas e perdidas pela atonia, pela rotina, e tambem em parcella igual, pela falta de disciplina, de cohesão critica, pela extraordinaria confusão de principios e de tendencias que desnorteiam e enfraquecem toda a nossa administração; por toda esta nossa anarchia intellectual que vale bem, e explica até, aquella «apagada e vil tristeza» de que fallou o poeta.
Já agora isto tem de ir descosidamente, aos saltos.
Comprehendo que tenho divagado muito e que os meus collegas estão com pressa de ouvir o illustre orador que vae seguir-se-me.
Vamos pois á pedra de escandalo da reversão ao estado, da instrucção primaria. Fora entregue ás camaras, no meio dos maiores jubilos doutrinarios. Era uma grande conquista, como é de uso dizer-se.
Juravam uns, esperavam muitos, não eu, deixem-me dizel-o, que o disse então, que a instrucção primaria ía certamente duplicar, triplicar, a breve trecho; á voz generosa do grande principio descentralisador, o municipio, o venerando municipio ía semear escolas por todo o paiz.
Qual foi o resultado?
Que o diga a consciencia de todos, e em todo o caso, dizem-n'o irrefragavelmente os algarismos, e oxalá fossem elles apenas que o dissessem.
Em 1872 escrevia o meu saudoso mestre e amigo, aquelle honrado e sincero democrata, como poucos, como nenhum mais sincero e dedicado conheci: Antonio Rodrigues Sampaio, o intrepido, o generoso crente da grande descentralisação:
«Para 1:800 habitantes ha apenas uma escola, o que nos apresenta o paiz como terra tão inculta em relação á instrucção primaria, como o é em relação á agricultura.»
Eram 2:300 apenas as escolas. Eram poucas, eram.
Mas sabem quantas ha hoje, ou quantas haviam, que é a ultima estatistica encerrada, em 1888, quasi vinte annos depois, sob a acção fecunda d'esse fomento que imagináramos residir nas camaras ou ser incompativel com o estado? Apenas 3:753.
E se a proporção escolar tão desoladoramente apontada em 1872, era de uma escola por 1:800 habitantes, em 1888 era apenas de 0,82 por 1:000, sendo 1,17 para o sexo masculino e 0,51 para o feminino.
Isto em relação ás escolas officiaes.
Mettendo em linha de conta as particulares, boa parte das quaes fôra bem melhor que não existissem, e que elevam a totalidade d'ellas a 5:349, a proporção não excede 1,17 por 1:000 habitantes.
O recenseamento escolar, e sabemos todos o que são ou como são feitos os nossos recenseamentos, accusa sómente 289:514 creanças, e a media da frequencia fica-se em 54,1 por 1:000 habitantes, Deus sabe com quanto esforço de boa vontade para nos attenuar a tristeza.
O que produziu, pois, toda essa larga descentralisação da instrucção primaria em Portugal?
Digam-no os archivos do ministerio do reino, os relatorios dos inspectores e dos governadores civis, uma infinidade de officios, de portarias, de recommendações, de instrucções expedidas por aquelle ministerio.
O recrutamento o a situação do professorado que eram detestaveis, ficaram peiores; se a acção da politica central pesava frequentemente na instrucção popular ou se as obsessões do espirito e da lucta partidaria a faziam descurar nas secretarias d'estado, nos governos, nos parlamentos, peior, muito peior foi para ella a acção e a obsessão

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da politica pequenina, baixa, reles da intriga e das influencias locaes. (Apoiados.)
Eu podia traduzir estas palavras em factos, em algarismos, em documentos de uma auctoridade insuspeita, irrecusavel.
Podia, por exemplo, convidar a depôr os esforços, as canceiras mallogradas, a lição e a experiencia do ultimo ministro, de quem tenho muito prazer em dizer que foi certamente dos que mais dedicação sincera e persistente tem posto ao serviço do melhoramento da nossa instrucção publica: o sr. José Luciano de Castro.
Estimo sempre fazer justiça a um homem intelligente e trabalhador de quem pessoalmente só teria de recordar aggravos, e com o qual, politicamente só tenho antagonismos.
Mas póde dizer-se que precisamente n'este momento um movimento simultaneamente de desillusão e de transformação se opera em relação aos serviços da instrucção publica, em quasi todos os paizes.
Vão-se os principios de abstração doutrinaria, os immortaes principios, como se foram os deuses. Ninguém está contente com o que está, com o que tem. E as melhores d'essas maravilhas que o sr. José Julio nos apontou aqui como exemplo e como estimulo são ingratamente discutidas pelos proprios que as desfructam. Sente-se a necessidade imperiosa de uma revisão, do um novo modo de ser ou de instruir.
Não faltarei na França nem na Inglaterra. Da Inglaterra dizia ha dias uma gazeta nossa que o seu systema instructivo era o melhor, o mais efficaz porque lá o ensino era livre e particular. Duas falsidades em quasi outras tantas palavras. Como se escreve historia o se faz a critica entro nós! Forjando e espalhando despreoccupadamente as mais absurdas, as mais falsas noções do que vae lá por fóra.
E não é preciso compulsar os livros, basta ler os jornaes para ver como a França e a Inglaterra estão pouco satisfeitas com os seus serviços de instrucção nacional e procuram esforçadamente revel-os e disciplinal-os.
Na Italia, nos differentes estados da Allemanha, na Suecia, e em todas as nações onde mais se trabalha e estuda n'estes assumptos, dia em dia se accentua e se impõe um movimento de concentração, de disciplina, de orientação pratica do ensino publico sob a direcção intelligente e persistente do estado.
Nem importam muito os principios determinantes da constituição d'elle; que sejam monarchicas ou não as suas instituições fundamentaes.
No fim de contas o fundo democratico da sociedade e da civilisação moderna, impõe-se fatal e indeclinavelmente por toda a parte, aos estadistas e aos reformadores, na velha Europa como na adolescente America.
N'esta mesmo, na forte e democratica confederação do Norte, se pensa e se trata de imprimir á instrucção publica, em todos os graus, uma forte e necessaria cohesão como força concorrente, disciplinadora da individualidade, da unidade e da economia nacional.
Na Allemanha, a questão da instrucção publica, nos seus traços geraes como na sua economia intima, é de ha muito um assumpto, uma occupação dilecta, não apenas dos pensadores, mas dos politicos, e hoje ainda os allemães estão longe de depor uma absoluta confiança, um elogio incondicional na organisação dos seus serviços instructivos. Variam estes, ali, de estado para estado, poderá superficialmente parecer até que não obdecem a um principio de unidade, de concentração disciplinar, mas determinam-lhe a disciplina dois principios tradicionaes que a bem dizer, ou no dizer de muitos fizeram a Allemanha do hoje.
Poderamos nós vel-os introduzidos e realisados em Portugal!
Mas quem quizer introduzil-os, implantal-os e impol-os a valer, aqui, ha de contar já com a resistencia formidavel d'esta desabusada relaxação de todas as noções e de todos os habitos em que nos temos deixado caír todos: politicos e governos.
Estes dois principios não os creou nenhum estadista, mas houve um que os comprehendeu, e nenhum deixou depois de cultival-os e mantel-os.
São, como se diz lá: o dever da escola e o dever da milicia, o ensino obrigatorio e a obrigação do serviço militar. Cousin, disse: «A Prussia é isto». E muitos annos depois teria certamente dito: «Foi isto o que fez a Allemanha».
E o que fez a Italia? Quem não sabe como os primeiros estadistas da unidade italiana, com as armas na mão, ainda, procuraram exactamente na instrucção publica um dos melhores esteios da sua grande obra?
Não vem isto a proposito?
Mas o sr. José Julio Rodrigues impugnou o projecto porque não queria um projecto de serviços e sim um projecto de idéas.
Idéas é que elle desejava que se trouxesse á approvação parlamentar, idéas é que elle não divisava na modesta proposta. A devolução ao estado, da instrucção publica, a creação do uma direcção commum para o ensino geral e para o ensino technico, a organisação dos serviços artisticos, a formação de mais uma secretaria de estado, nada d'isto tem para o transcendente criterio de s. exa., o valor, a honra singular de revelar uma idéa!
Mas porque não propõe s. exa. que se auctorise o governo a remodelar os differentes graus de ensino, a reformar sob a indicação luminosa dos resultados, que se esqueceu de exhibir-nos, dos seus estudos, o ensino classico e o ensino technico? Teria logo emendado e preenchido a lacuna.
E pela minha parte, francamente, eu teria adherido a essa idéa, porque não tenho duvida em dizel-o, a primeira, a melhor, a fundamental que me permitti attribuir á creação do ministerio novo, foi exactamente a de que ella seria o inicio d'essa remodelação da nossa instrucção publica.
Mas porque se cria o ministerio, antes de reformar-se a instrucção? objecta-se. Porque ha de começar-se por alguma cousa, e o mais natural e pratico ha de ser começar... pelo começo. É preciso primeiro crear a machina, para distribuir e disciplinar o movimento.
É necessario constituir a instituição autonoma que tem de reunir, de dirigir, de reorganisar os serviços varios, dispersos, que importam á cultura intellectual do paiz.
Estamos todos de accordo, disso s. exa., em que a situação d'esta é tudo quanto ha de mais retardatario e incongruente, más como succede sempre quando estão todos de accordo, protrahe-se e enleia-se a solução n'uma infinidade do incidentes, de modos de ver secundarios, de reservas especiosas, de distincções casuisticas. É o que succede agora com a inclusão da instrucção technica na instituição geral do ensinamento publico.
Acodem em tropel os exemplos lá de fóra que servem a todos os paladares.
Pedirei licença para dizer simplesmente ensino technico, arredando as distincções mais ou menos engenhosas e complicadas de ensino professional, de ensino industrial, de ensino technologico por excellencia... ou por convenção.
Faz-me lembrar o cuidado minucioso que se põe n'isto, o trabalho de classificação miuda com que as nossas grammaticas escolares de hoje fatigam e atrapalham a intelligencia, ou mais exactamente a memoria das pobres creanças.
Não ha muitos dias dizia-nos aqui s. exa. que á nossa instrucção publica faltava por completo o ensino technico. Parece tel-o encontrado depois, mas accusa e censura a sua pobreza, as suas deficiencias.
Podera ser justo que o censurasse, não ao ministerio actual, que tem quatro ou cinco mezes de governo, mas aos seus amigos, que tiveram uma gerencia de alguns annos, sem que por parte do ministerio do reino houvesse

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SESSÃO NOCTURNA DE 25 DE JUNHO DE 1890 873

mais do que a modesta e inconsistente recommendação circular do sr. José Luciano de Castro aos governadores civis para que vissem se não poderiam introduzir-se entre nós umas pequenas escolas de aprendizagem, que estavam dando menos maus resultados n'um bairro qualquer de Paris.
Mas fallando de ensino technico tenho pena de que não esteja presente um dos homens mais distinctos d'esta camara, e um dos mais intrepidos ministros que ultimamente temos tido, sr. Emygdio Navarro, meu velho amigo, cujo nome vale por uma completa refutação das desoladas considerações do illustre professor.
Tenho pena de que s. exa. não esteja, para lhe prestar no parlamento, como lhe tenho prestado por mais de uma vez lá fóra, a desauctorisada, mas sincera homenagem de um grato e incondicional reconhecimento dos esforços e serviços benemeritos d'elle á causa do ensino technico em Portugal.
Sobre as bases, sobre a iniciação modesta, mas profundamente patriotica, de Antonio Augusto de Aguiar, o sr. Emygdio Navarro, com uma intrepidez de animo e com uma firmeza de criterio a que infelizmente não nos têem costumado os nossos governos, ergueu em breve tempo um edificio soberbo a que é justo que fique vinculado o seu nome, que elle proprio certamente não quererá que se considere perfeito e completo, em que naturalmente é facil perceber as falhas e incorrecções do primeiro e apressado impeto, mas que cuidado com amor e retocado e melhorado n'um pensamento persistente e pratico, será um factor capital da nossa regeneração instructiva e social.
E tenho pena ainda de que s. exa. não esteja presente para, a par dos louvores que tinha a dirigir-lhe, fazer-lhe tambem alguns reparos sobre o muito e melhor que deixou de fazer no muito e bom que realmente fez.
Ficará para outra occasião.
Mas a verdade é que não póde dizer-se que não tenhamos ensino technico e que é necessario evitar que elle ao impulso das nossas habituaes tendencias, deixe de ser o que deve ser, ultrapassando as condições essenciaes e naturaes que se impõem ao ensino por conta do estado e por interesse do estado.
Objecta-se, porém, tenho visto mesmo averbar de extravagancia a reunião do ensino technico com o ensino geral ou com o ensino especulativo, sob uma direcção administrativa commum.
Esta questão, sr. presidente, suppunha-a eu ingenuamente liquidada.
Parecia-me, e parece-me, na lição de muitos pensadores e na experiencia de muitas auctoridades, assente e acceita a idéa e a necessidade de emparceirar as duas especies de ensino, por fórma a tornal-as concorrentes o não antagonicas na preparação educativa dos cidadãos, penetrando-se reciprocamente no seu espirito, reforçando-se e auxiliando-se nos seus processos, completando-se e equilibrando-se nos seus resultados, porque se é certo que uma nação não póde compor-se sómente de sabios e de litteratos, tambem não ha de formar-se apenas de industriaes, de caixeiros, de operarios. Pois chamou-se a isto sybilino!
Para não ir mais longe, direi como um conhecido escriptor, fallando da bella organisação instructiva da Baviera:
«Antes de serem artifices, commerciantes, manufactureiros, os alumnos precisam fazer-se homens e cidadãos, e precisam por isso uma instrucção geral.»
Exactamente em Portugal ou na nossa instrucção, o desenvolvimento do ensino technico tem por primeira vantagem pratica corrigir uma influencia que, por exclusiva, se tem tornado oppressiva e nefasta á educação e á economia nacional. Tem de equilibrar, e não exceder-se, e não absorver.
Infelizmente, entre nós o ensino publico tem estado exclusivamente subordinado ao velho espirito universitario; é esta seguramente uma das causas de insuccesso e de desprestigio da nossa instrucção publica, em todos os seus graus, é este certamente o vicio capital que convem corrigir.
A propria universidade não tem podido emancipar-se por uma evolução analoga a da instituição universitaria allemã.
(Interrupção.)
Bem sei. É o costume. Personalisâmos tudo. Mas uma cousa é o espirito, outra a instituição, quanto mais as pessoas.
Não diria eu, comtudo, uma grande heresia, nem faria offensa a ninguem, se dissesse que através da nossa propria instituição universitaria ressuma ainda a idade media e a renascença.
Servindo-me d'esta expressão, que é corrente e conhecida, - espirito universitario, - quiz eu referir-me ao espirito de abstracção e especulação scientifica que tem predominado no nosso ensino; não quiz apoucar a universidade do meu paiz, que exactamente desejava ver fortalecida e consolidada á altura das suas irmãs da Allemanha e da America. Quem póde, em boa rasão e em boa consciencia, deixar de reconhecer que a sua situação não é a que as necessidades, as idéas, os interesses da vida o da economia nacional moderna exigiriam d'ella? Certo que não e sua a culpa, ou dos seus professores, ou sequer da sua instituição.
Mas, como ía dizendo, sr. presidente, a associação do ensino geral, classico ou especulativo, e do ensino technico, não é, e que o fosse não queria dizer logo que fosse um erro, uma originalidade nossa. Póde dizer-se que é já uma tendencia geral, soffrivelmente accentuada, e em todo o caso offerece exemplos e modelos irrecusaveis em muitos paizes.
Dá-se na Allemanha, na propria Belgica, tantas vezes citada aqui, na Austria que por menos citada não vale menos do que outros paizes em assumptos de organisação o de disciplina de instrucção publica. Desde a instrucção primaria, e muito especialmente na secundaria, os dois ensinos andam approximados, parallelos, algumas vezes até um pouco confundidos. Demorára-me muito a exemplificação aliás, escusada, por sobejamente conhecida. Mais uma vez me vem á memoria os Estados Unidos, aquelle grande paiz que tanta lição póde em muitas cousas offerecer, e muito particularmente n'estas á velha Europa, o cujos moldes instructivos, penso, ao contrario de muita gente, que são perfeitamente compativeis com outras instituições politicas.
Mas não quero alongar-me mais. Outros oradores melhor poderão liquidar este thema se o julgarem necessario.
Uma vez reduzida á simples questão da secretaria de estado ou da reunião n'uma mesma secretaria, da direcção superior e geral das diversas classes do ensino official, parece-mo a questão pouco menos que ociosa. Se o ensino technico póde soffrer, por essa secretaria ter de occupar-se de outros, aliás de rasão e natureza commum, como mais desafogado e cuidado poderia considerar-se quando truncado e disperso por outras estações officiaes accumuladas de diversissimos serviços, entre os quaes occuparia necessariamente uma situação secundaria?
Eu peço desculpa á camara do tempo que lho tomei, e termino aqui, por agora, a conversa que tinha começado ao jantar.
O sr. Fernando Palha: - (O discurso será publicado na integra, e em appendice a esta sessão, quando s. exa. tenha revisto as notas tachygraphicas.)
Leram-se na mesa as seguintes:

Propostas

Para os novos logares com excepção dos directores geraes, creados em virtude das auctorisações dadas por esta lei, serão nomeados de preferencia os actuaes empregados do serviço de instrucção da camara municipal de Lisboa,

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ficando os que não tiverem logar no quadro addidos ao mesmo quadro. = Fernando P. Palha.
Aos actuaes professores e mais empregados das camaras municipaes são garantidos os seus direitos e actuaes vencimentos. = Fernando P. Palha.
O sr. Presidente: - Ámanha ha sessão e a ordem do dia é a continuação da que estava dada.

Está levantada a sessão.

Era meia noite.

O redactor = Lopes Vieira

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