SESSÃO NOCTURNA N.º 50 DE 23 DE ABRIL DE 1898 919
O sr. Ferreira de Almeida: - Peço a palavra para um negocio urgente.
O sr. Presidente: - Convido o sr. Ferreira de Almeida a vir á mesa declarar qual é o negocio urgente para que pede a palavra.
O sr. Ferreira da Almeida dirige-se á mesa.
O sr. Presidente: - O sr. Ferreira de Almeida deseja chamar a attenção do governo sobre uma noticia publicada n´um jornal da tarde sobre o estado de guerra entre a Hespanha e os Estados Unidos.
Consulto a camara sobre se entende que devo dar a palavra a s. exa. para pedir explicações ao governo a este respeito. Os srs. deputados que entendem que devo conceder a palavra ao sr. Ferreira de Almeida tenham a bondade de se levantar.
A camara resolveu affirmativamente.
O sr. Ferreira de Almeida: - Na sessão n.° 48 de 20 de abril eu, em nome da minoria regeneradora d´esta camara, disse que opportunamente desejaria ouvir o sr. presidente do conselho ou o sr. Ministro dos negocios estrangeiros sobre o estado de belligerancia entre duas nações nossas amigas.
Isto não era bem um aviso previo, nem deixou de o ser; mas não deixava de constituir um aviso leal, feito em tempo opportuno e com bastante antecedencia para o governo pensar o que deveria ter de dizer, quando fosse opportuno dar explicações, ou responder às perguntas que lhe fossem feitas.
Depois disto, precipitando-se os factos, incidentemente o sr. Teixeira de Sousa, mesmo por alto, como que repetindo por assim dizer a chamada ao governo, referiu-se ha dois dias ao mesmo assumpto. Hoje novamente se foz referencia a elle, e o sr. ministro da marinha, por parte do governo, respondeu que não tinha communicação official sobre o estado ou declaração de guerra nem de belligerancia entre as duas nações, com quem entretemos relações amigaveis.
Entretanto, n´um jornal, que não póde ser suspeito ao governo, o Correio da Noite, em noticia de á ultima hora, e todos sabemos que é esta a forma ordinaria de uma noticia ser dada com caracter sensional, dava a belligerancia como effectiva.
Diz elle:
(Leu.)
Não é necessario ler mais. O que parece é que melhor informado estava o Correio da Noite, que se não é folha official, é muito affecto ao governo, de que o sr. ministro da marinha quando nos disse ha pouco que nenhuma communicação official existia a tal respeito, e que o governo nada tinha, por consequencia, a dizer á camara e que as medidas que tinha tomado ou viesse a tomar eram da sua responsabilidade. Sem duvida.
A opposição não pretende mais do que a declaração absoluta, definida e clara de que o governo tem conhecimento official, ou que tem dados bastantes para poder dizer á camara, com caracter official:"Ha o estado de guerra entre duas nações nossas amigas".
Como consta dos jornaes, os Estados Unidos, enviaram á Hespanha ultimatum que esta nação entendeu não dever receber. Não ha por assim, dizer uma notificação official de guerra, mas esse estado está bem definido desde que o ultimatum foi apresentado e repellido. Demais não me parece que a partida rapida do nosso representante em Madrid que tantos serviços estava prestando ao governo na camara dos dignos pares, fosse determinada por um estado de paz.
Alem d´isso outros factos se estavam dando que mostravam que se o estado de guerra não era claro, positivo e definido, como n´este momento se apresenta, era bastante latente para que o governo estivesse preparado para num momento qualquer dar explicações.
As explicações que a opposição reclama são estas:
Primeira. O governo tem ou não, como consta de uma folha que lhe é affecta com caracter semi-oficial, notificação de que o estado de guerra existe entre duas nações nossas amigas?
Segundo. Qual é a attitude que o governo tenciona tomar n´esta situação?
As declarações officiaes feita pelo governo no parlamento serão absolutamente iguaes ás que transmittirá aos seus representantes no estrangeiro?
Terceiro. O governo tem confiança precisa nos meios de que dispõe para manter o paiz na mais estricta neutralidade, como se faz mister, nas condições especiaes em que nos encontrâmos?
A opposição d´este lado da camara não quer saber quaes são os meios que o governo emprega para manter essa neutralidade; o que quer 6 ouvir a declaração absoluta, positiva e clara de que o governo tem elementos e confia n´elles para manter a neutralidade.
Os meios a empregar são da sua exclusiva responsabilidade. Não pretendemos saber onde põe ou de onde tira artilheria, onde colloca ou deixa da collocar tropas, navios, etc. Emfim, da sua boa ou má orientação dará conta ás côrtes, comquanto seja uma cousa puramente platonica a responsabilidade politica para estes e outros casos.
Depois dos factos consummados, um paiz pequeno como o nosso não tem senão a lastimar-se e soffrer as consequencias dos erros commettidos.
Para prova vou lembrar o que se passou em tempos que não vão longe e por occasião da guerra chamada separatista.
Entrou no nosso porto um cruzador dos estados confederados, o Stone Wall, e em seguida entraram as corvetas dos estados federaes Niagara e Sacramento.
A bateria do Bom Successo ou da torre de Belem que tinha umas peças historicas e tradicionaes, vendo os dois ultimos navios seguir rio abaixo na esteira do primeiro, fez-lhe fogo para os obrigar a mudar de rumo e evitar que se atropellassem as disposições do direito internacional, que não permitte que de um porto saiam simultaneamente os dois belligerantes, que só podem saír sujeitando-se ao praso marcado de vinte e quatro horas de intervallo.
Escuso de historiar o acto que é conhecido de toda a camara, mas nós sabemos tambem que portando-se a torre de Belem como devia, os navios americanos, porventura por falta de uma intimação bem definida sobre o caso, entenderam dever transgredir o preceito: pouco me importa n´este momento a quem cabe a responsabilidade da intimação em devidos termos, o que é certo é que o governo americano julgou-se com o direito de exigir do nosso governo uma satisfação moral, qual foi uma salva de 21 tiros dada pela torre de Belem á bandeira americana, allegando que, sendo certo que abandonára o seu fundeadouro o fizera com a intenção de mudar de local e não de sair, e que apesar de evidentemente se conhecer que tal era a sua intenção pelo rumo que tomára, a torre continuára a atirar sobre o navio mesmo quando já tinha arriado a bandeira!
Sr. presidente, eu em tempo disse aqui e repito agora, que as fortalezas maritimas deviam estar a cargo de officiaes de marinha; não venho lembrar o incidente agora como suggestão para ser attendida a minha lembrança; referindo-o tenho em vista manifestar o desejo de que se evitem quaesquer desfeitas ao nosso paiz, procurando obter a declaração escripta dos commandantes dos navios belligerantes entrados de que não tomarão outro fundeadouro senão aquelle que lhe for indicado e não mudarão senão com aviso previo, com doze horas de antecedencia do que pretendem fazer para lhes ser deferido ou modificado.
Eu alarguei-me mais do que desejava com estas referencias.
Restringindo-me ao assumpto, desejo que o sr. presi-