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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

50.ª SESSÃO

EM 21 DE AGOSTO DE 1909

SUMMARIO. - É lida e approvada a acta e dá-se couta do expediente. - Teem segunda leitura alguns projectos de lei que são admittidos e enviados ás commissões respectivas. - O Sr. João Pinto dos Santos refere-se a assuntos da cidade do Porto, respondendo-lhe o Sr. Presidente do Conselho (Wenceslau de Lima). - O Sr. Affonso Costa fala sobre o Theatro de S. Carlos, excursão republicana a Braga, o jogo, e ainda outras questões, respondendo-lhe os Srs. Presidente do Conselho(Wenceslau de Lima), Ministro da Justiça (Francisco José de Medeiros) e Ministro das Obras Publicas (Barjona de Freitas). - Alguns Srs. Deputados enviam papeis para a mesa.

Primeira parte da ordem do dia. - Tratado do commercio com a Allemanha. - Usa da palavra o Sr. Zeferino Candido.

Segunda parte da ordem do dia. - Organização da Caixa Geral de Depositos. - São votadas as moções e emendas ao projecto. - Projecto de lei n.º 66, reforma dos serviços telegraphos-postaes. - Usam da palavra e apresentam varias emendas os Srs. Valerio Villaça, João Pinto dos Santos, Brito Camacho, Costa Lobo, Alfredo Pereira, Affonso Costa e João de Menezes.

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORESDEPUTADOS

Presidencia do Exmo. Sr. José Joaquim Mendes Leal

Secretarios - os Exmos. Srs.:

João José Sinel de Cordes
João Pereira de Magalhães

Primeira chamada - Ás 2 horas e meia da tarde.

Presentes - 7 Srs. Deputados.

Segunda chamada - Ás 3 horas.

Presentes - 59 Srs. Deputados.

São os seguintes: Abel de Mattos Abreu, Affonso Augusto da Costa, Alfredo Carlos Le Cocq, Alfredo Mendes de Magalhães Ranialho, Alfredo Pereira, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Anselmo Augusto Vieira, Antonio de Almeida Pinto da Motta, Antonio Hintze Ribeiro, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, AntonioOsorio Sarmento de Figueiredo, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio Sérgio da Silva e Castro, Antonio Tavares Festas, Antonio Zeferino Candido da Piedade, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Aurélio Pinto Tavares Osorio Castello Branco, Carlos Augusto Ferreira, Christiano José de Senna Barcellos, Conde de Azevedo, Conde de Mangualde, Eduardo Frederico Schwalbach Lucci, Eduardo Valerio Augusto Viilaça, Emygdio Lino da Silva Junior, Francisco Limpo de Lacerda Ravascp, Francisco Miranda da Gosta Lobo, João Duarte de Menezes, João Ignacio de Araujo Lima, João Joaquim Isidro dos Reis, João José Sinel Cordes, João Pereira de Magalhães, João Pinto Rodrigues dos Santos, João Soares Branco, João de Sousa Calvet de Magalhães, Joaquim Heliodoro da Veiga, José de Ascensão Guimarães, José Augusto Moreira de Almeida, José Cabral Correia do Amaral, José Caeiro da Matta, José Jeronimo Rodrigues Monteiro, José Joaquim Mendes Leal, José Joaquim da Silva Amado, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria Cordeiro de Sousa, José liaria Joaquim Tavares, José Maria de Moura Barata Feio Terenas, José Maria de Oliveira Simões, José Maria Pereira de Lima, José Mathias Nunes, José dos Santos Pereira Jardim, Luis Vaz de Carvalho Crespo, Manuel Affonso da Silva Espregueira, Manuel de Brito Camacho, Manuel Joaquim Fratel, Matheus Augusto Ribeiro de Sampaio, Rodrigo Affonso Pequito, Visconde de Coruche, Visconde de Ollivã.

Entraram durante a sessão os Srs.: Alexandre Correia Telles de Araujo e Albuquerque, Amadeu de Magalhães, Infante de La Cerda, Antonio Centeno, Conde de Castro e Solla, Diogo Domingues Peres, Ernesto Julio de Carvalho e Vasconcellos, João Carlos de Mello Barreto, José Maria de Queiroz Velloso, José Paulo Monteiro Cancella, José Ribeiro da Cunha, Manuel Antonio Moreira Junior, Roberto da Cunha Baptista, Vicente de Moura Coutinho de Almeida d'Eça.

Não compareceram a sessão os Srs.: Abel Pereira de Andrade, Abilio Augusto de Madureira Beca, Adriano Anthero de Sousa Pinto, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alberto Pinheiro Torres, Alexandre Braga, Aivaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Antonio Alberto Charulla Pessanha, Antonio Alves Oliveira Guimarães, Antonio Augusto de Mendonça-David, Antonio Augusto Pereira Cardoso, Antonio Beilard da Fonseca, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Duarte Ramada, Curto, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio José de Almeida, Antonio José Garcia Guerreiro, Antonio Macedo Ramalho Ortigão, Antonio Rodrigues Costa da Silveira, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Augusto de Castro Sampaio Côrte Real, Augusto César Claro da Ricca, Augusto Vidal de Castilho Barreto e Noronha, Conde da Arrochella, Conde, de Paço Vieira, Coude de Penha Garcia, Duarte Gustavo de Roboredo Sampaio e Mello, Eduardo Burnay, Ernesto Jardim de Vilhena, Fernando de Almeida Loureiro de Vascoucellos, Fernando Augusto Miranda Martins de Carvalho, Fernando de Sousa Botelho e Mello (D.), Francisco Joaquim Fernandes, Francisco Xavier Correia Mendes, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Gaspar de Queiroz Ribeiro1 de Almeida e Vasconcellos, Henrique de Carvalho Nunes da Silva Anachoreta, Henrique de Mello Archer da Silva, João Augusto Pereira, João do Canto e Castro Silva Antunes, João Correia Botelho Castello Branco, João Henrique Ulrich, João José da Silva Ferreira Netto, João de Sousa Tavares, Joaquim Anselmo da Matta Oliveira, Joaquim José Pimenta Tello, Joaquim Mattoso da Camara, Joaquim Pedro Martins, Jorge Vieira, José Antonio Alves Ferreira de Lemos Junior, José Antonio da Rocha Lousa, José Bento da Rocha e Mello, José Caetano Rebelo, José Estevam de Vasconcellos, José Francisco Teixeira de Azevedo, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Julio Vieira Ramos, José Malheiro Reymão, José Maria de Oliveira Mattos, José Osorio da Gama e Castro, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Libanio Antonio Fialho Gomes, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luis Filippe de Castro (D.), Luis da Gama, Manuel Francisco de Vargas, Manuel Nunes da Silva, Manuel de Sousa Avides, Manuel Telles de Vasconcellos, Mariano José da Silva Prezado, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Miguel Augusto Bombarda, Paulo de Barros Pinto Osorio, Sabino Maria Teixeira Coelho, Thomás de Almeida Manuel de Vilhena (D.), Thomás d'Aquino de Almeida Garrett, Visconde de Reguengo (Jorge), Visconde da Torre, Visconde de Villa Moura.

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SESSÃO N.° 50 DE 21 DE AGOSTO DE 1909 3

ABERTURA DA SESSÃO - Ás 3 horas da tarde

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do Ministerio do Reino, enviando nota dos subsidios concedidos pela verba da beneficencia municipal durante o primeiro semestre do anno economico proximo findo, satisfazendo assim ao requerimento do Sr. Deputado José Estevam de Vasconcellos.

Para a secretaria.

Do Ministerio do Reino, enviando copia do requerimento feito pela Empresa Industrial de Manteiga á administração do 4.° bairro de Lisboa, em data de 26 de julho de 1904, para labora cão de uma sua fabrica, satisfazendo assim ao Sr. Deputado Antonio Zeferino Candido da Piedade.

Para a secretaria.

Do Ministerio do Reino, enviando copias contendo a nota dos sub-delegados de saude substitutos que em Lisboa e Porto serviram durante o anno de 1908 e bem assim dos respectivos vencimentos, satisfazendo assim ao requerimento do Sr. Deputado Visconde de Villa Moura.

Para a secretaria.

Telegramma

Porto, 20. - Presidente Camara dos Deputados. - A Camara Municipal do Porto seguiu com vivo interesse as rápidas resoluções que o Parlamento adoptou em relação a projectos que affectam a administração municipal de algumas cidades e veria com profunda magua que os que lhe dizem respeito, apresentados já no anno passado ao Parlamento, não tivessem o mesmo destino: pede pois a V. Exa. para que se empenhe em .que seja renovada a iniciativa dos já apresentados e se apresente agora o que diz respeito á reforma do quadro, absolutamente indispensavel á regularidade dos seus serviços. = O Vice-Presidente, Candido Pinho.

Para ser enviado á commissão de administração publica.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - Cesar Augusto Ferreira de Moraes, amanuense do quadro dos funccionarios civis da Direcção Geral da Marinha, tendo sido admittido como amanuense da Escola Naval em julho de 1884, por effeito da lei dos empregos civis aos sargentos decretada em 1883, transitou para outro quadro da mesma categoria da Secretaria de Estado e Direcção Geral da Marinha, por decreto de 14 de agosto de 1892, com os mesmo direitos de aposentação.

Acontece que, tendo-lhe sido contado o tempo do serviço militar por .portaria deste Ministerio de 9 de janeiro de 1909, para effeitos da reforma, ha impossibilidade, por parte do Ministerio da Fazenda, em tornar effectiva esta concessão da contagem do tempo do serviço militar, para aposentação pelo mesmo Ministerio.

Ora o referido amanuense apresenta varias razões decerto fundamento, bem equitativo para lhe aproveitar uma reforma aos trinta annos de serviço prestado ao Estado, como igualmente é dado aos scns collegas do Ministerio da Guerra, pela mesma Secretaria de Estado onde teem sido unccionarios civis; assim como no Ministerio da Marinha tambem os empregados civis no arsenal obteem a sua reforma contando-se-lhes o tempo de serviço militar.

Portanto, bem attendivel e justo o, sendo constituido o Ministerio da Marinha de funcções organicas militarmente caracterizadas, até estar sujeita esta classe civil ás penalidades do Codigo de Justiça da Armada, que uma vez contado o tempo de serviço militar se faça justiça a estes serventuarios da nação, quando completem as condições exigidas para a reforma; pelo que, tenho a honra de submetter á vossa, apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° E reconhecido o direito de reforma, pelo Ministerio da Marinha, ao amanuense da classe civil, Cesar Augusto Ferreira de Moraes, do quadro da Direcção Geral da Marinha, completando o prazo legal.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario. = Ernesto de Vasconcellos.

Foi admittido e enviado ás commissões de marinha e de fazenda.

Projecto de lei

Senhores. - O projecto de lei que temos a honra de vos apresentar, visa a facilitar aos eleitores da freguesia de Barcarena do concelho de Oeiras o exercicio do voto. Uma grande maioria tem de percorrer bastantes kilometros desde o seu domicilio até a sede da assembleia da Amadora, onde, segundo a legislação vigente, teem de votar.

A criação de uma nova assembleia, na sede da dita freguesia, representa uma boa medida no sentido de desaccumular a assembleia da Amadora e constituo um acto de justiça para os eleitores da freguesia de Barcarena, que, ha muito, veem reclamando esta providencia.

Eis, senhores, summariamente expostas as razões que nos levam a submetter á vossa esclarecida apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° E criada uma quarta assembleia eleitoral no concelho de Oeiras, com sede em Barcarena e constituida pelos eleitores desta freguesia; ficando a actual terceira assembleia, com sede em Amadora, unicamente constituida pelos eleitores da parte da freguesia de Bemfica que pertence ao dito concelho de Oeiras.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario. = Rodrigo A. Pequito = João Sinel de Cordes = Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti.

Foi admittido e enviado á commissão de administração publica.

O Sr. Presidente: - Está sobre a mesa o projecto de lei n.° 29, a que a commissão de redacção não fez alteração alguma.

Vae ser enviado á Camara dos Dignos Pares.

O Sr. João Pinto dos Santos: - Sr. Presidente: ouvi ler na mesa um telegramma que V. Exa. recebeu do Porto, a proposito de varias propostas apresentadas pela Camara Municipal d'aquella cidade na sessão do anno passado.

Sobre esse assunto fez já hontem varias considerações o illustre Deputado e meu amigo Sr. João de Menezes, e comquanto S. Exa. declarasse que não tinha recebido para isso insinuação de ninguem, tão justas ellas eram que a camara do Porto, com certeza, sem ter conhecimento do que S. Exa. disse, porque não teve tempo para isso, enviou hoje um telegramma a V. Exa. e outro a mim, como Deputado pelo Porto, pedindo que instássemos para que se applicasse áquella camara o mesmo que se tem applicado a outras.

Este anno tem-se dispensado o regimento a proposito

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de varios projectos relativos a camaras municipaes, com o fundamento de que ellas conhecem melhor os seus interesses e o modo como se hão de administrar.

Este principio, que se tem applicado ás outras camarás, é de justiça e de toda a conveniencia que se applique tambem á camara do Porto.

Não tenho presente as propostas da Camara Municipal do Porto, mas amanhã, ou ainda hoje mesmo, hei de informar-me e verei se é possivel nesta sessão discutirem-se pela mesma forma como se teem discutido outros projectos referentes a camaras municipaes.

É de toda a conveniencia, é indispensavel mesmo, que o municipio no Porto não julgue que é tratado por forma differente da que são tratados os outros municipios.

V. Exa. não ignora que o Porto está convencido de que da parte de Lisboa ha uma grande má vontade contra elle.

Estas queixas são formuladas nas communicações que me fazem o Centro Commercial e outras instituições.

Parece-lhe que Lisboa não quer os interesses do Porto, quando assim não é. (Apoiados).

Ninguem pode deixar de ter em consideração os interesses da cidade do Porto,.que é uma das mais importantes do país (Apoiados), e é conveniente que não possa um acto qualquer desta Camara fazer parecer que de certo modo se confirma isto que se diz no Porto.

É assunto para que hei de chamar a attenção de V. Exa. desde que tenha conhecimento das propostas.

Outros pedidos recebi do Porto.

Ha muito tempo que aquella cidade reclama que se façam as obras complementares do porto de Leixões, sem que até hoje se tenha nesse sentido tomado qualquer providencia.

Outra reclamação refere-se a uma avenida, que não me recordo como se chama, mas que é destinada a ligar Villa Nova de Gaia com o Porto.

Essa avenida está já feita do lado de Villa Nova de Gaia, mas do lado do Porto está ainda por construir.

Em 1889 foram votados cento e noventa e tantos contos para essa avenida, dispenderam-se 60 contos de réis, mas depois não se tornou a fazer mais nada.

Diz o Porto, e com razão, que, sendo passados vinte annos, se no orçamento se tivesse incluido annualmente a verba de 6 contos de réis já a esta hora a avenida estaria completa, mas votaram na ao abandono, não mais se deu nada para ella, de forma que, quando estiver aberta a estação de S. Bento, que está a concluir, far-se-ha sentir a falta dessa avenida que era destinada a ligar essa estação com Villa Nova de Gaia.

Pedem-me dali que solicite do Governo para que no orçamento, se inscreva uma verba, ainda que não seja muito grande, mas alguma cousa que mostre que os pode rés constituidos teem algum interesse pela cidade do Porto.

Para isto, parece-me, não pode haver melhor opportunidade do que esta, porque é Presidente do Conselho o Sr. Wenceslau de Lima, que é ali grande industrial, é Ministra da Fazenda um homem muito illustre do Porto, e o Sr. Ministro da Marinha, creio também, é natural d'aquella cidade.

Espero, portanto, que S. Exas. tomem em consideração o pedido que lhe faço, que é de grande utilidade para o Porto e reclamado pelas suas instituições mais importantes, como é o Centro Commercial.

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Wenceslau de Lima): - Sr. Presidente : V. Exa. não ignora que no espirito dos portuenses é essencial esse entranhado amor que professam pela sua terra, e, se por acaso isso é um defeito, eu devo dizer a V. Exa. e á Camara que o tenho. (Apoiados). Eu tenho pela minha terra o mais entranhado amor, e por isso pode-se comprehender quanto me foi grato ouvir, pela voz eloquente do meu illustre amigo e tão distincto Deputado o Sr. Dr. João Pinto dos Santos, proferir nesta casa do Parlamento palavras de louvor para a minha terra, cujos interesses legitimos nos cumpre defender.

Por vezes se tem dito que a cidade do Porto tem pesado sobre o orçamento do Estado e que ella é exigente nas suas reclamações. Não se fez agora semelhante affirmação por que se disse que era necessario que á Camara Municipal do Porto fosse feita a justiça que lhe é devida.

Effectivamente, nos podemos dizer que nenhuma outra cidade tem mais direito a que o Parlamento se interesse pelo seu desenvolvimente municipal do que o Porto que deve tudo á iniciativa particular.

Já tive a honra de, por largo periodo de tempo, ser Presidente da Camara Municipal do Porto, e sei quanto por vezes era embaraçada a sua iniciativa, mercê de uma tutela a meu ver injustificada, (Apoiados) não tenho a menor duvida de o declarar.

É minha intenção trazer ao Parlamento, não já nesta sessão, que vae um periodo tão avançado, mas no futuro, uma proposta de lei que de ás camaras municipaes uma vida mais intensa e livre do que actualmente gozam, desligando-as tanto quanto possivel, sem prejuizo para a boa administração dos municipios, de uma tutela que, como disse, é por vezes excessiva.

Se por acaso a Camara dos Senhores Deputados entender que alguns dos projectos apresentados n'esta casa, tratando d'este assunto, merecem a sua consideração e poderá ser convertido em lei, pela minha parte devo dizer que em tudo quanto for justo, eu me associo da melhor vontade.

Outros assuntos tratou o Sr. Dr. João Pinto dos Santos. Um d'elles refere-se á avenida que liga a cidade" com Villa Nova de Gaia, é outro ao porto de Leixões.

Qualquer destes assuntos interessara não só a vida da cidade, mas a vida economica da nação.

S. Exa. sabe muito bem que, effectivamente, quasi que se torna inutil a vantagem da viação accelerada, desde que as linhas ferreas não estejam ligadas com as povoações.

E portanto de toda a conveniencia concluir a Avenida Campos Henriques, que, como se sabe, liga directa é rapidamente Villa Nova de Gaia com a estação de S. Bento.

As communicações com Villa Nova de Gaia são fáceis, mas, sem a menor duvida, a conclusão desta avenida que é muito necessaria; será de uma enormissima vantagem para a cidade do Porto e ainda para Villa Nova de Gaia. Portanto, eu julgo que seria-grandemente util que o Parlamento tomasse em consideração aquillo a que S. Exa. se referiu.

Pelo que diz respeito ao porto de Leixões, pode-se considerar que a grande despesa que ali se fez, e que em grande parte pesa sobre a propria cidade - porque muitos dos bancos chegaram a ter provada a sua fallencia, por ter concorrido para aquella obra - carece de ser largamente discutido, e todo o enorme esforço, todo o trabalho todo o dispendio feito com o porto de Leixões se torna improficuo, se acaso não for aproveitado n'aquillo que deve dar.

O porto de Leixões, tal como se encontra actualmente, é apenas um porto de abrigo, mas um porto de abrigo que em virtude de todas as circunstancias em que se encontra muitas vezes, com o molhe norte tão batido do mar, está quasi a maior parte do anno roto e improficuo, para o abrigo que deve dar.

Já vê V. Exa. que uma obra d'esta magnitude e desta importancia carece de ser cuidada; alem disso acresce ainda que o porto de Leixões poderá ser transformado, com uma despesa relativamente pequena, num bello porto commercial, que desse desenvolvimento não só á cidade do Porto, a Leça e Matozinhos, mas ainda a todo o commercio do norte do país, e a uma parte de Espanha.

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Portanto já vê V. Exa. quanto seria de toda a utilidade e de toda a vantagem que este assunto, que interessa não só á cidade do Porto mas á economia da nação, fosse considerado de maneira que houvesse no país, ao norte e ao sul, dois grandes portos commerciaes que pudessem ser o ponto de concentração de todo o commercio do país. (Apoiados).

Eu creio, Sr. Presidente, que todo o dinheiro que se gastasse com essa obra seria proficuo e util, e tanto assim é que eu sei que por vezes tem havido propostas de companhias estrangeiras, ou de financeiros, para fornecer capitães a companhias portuguesas para que se faca a adaptação do porto de Leixões a porto commercial. Entre nós, porem, dá se por vezes um facto muito nacional, que é o seguinte: E que nem se deixa que companhias se constituam para desenvolver as forcas productivas da nação, nem tão pouco o Estado applica tambem para que se utilizem, de uma maneira economica, as forças que estão ainda por aproveitar.

O Sr. Zeferino Candido: - É a pura verdade, é dos nossos maiores defeitos.

O Orador: - Portanto, Sr. Presidente, o que eu acho que é necessario é que o Parlamento resolva de duas maneiras: ou habilitando o Estado a reparar o porto de Leixões de maneira que não haja o espectáculo lamentavel de se ver o molhe norte quasi sempre completamente inutilizado, ou em tal estado que é uma vergonha, ou então que o Estado faça o que em todos os países do mundo se pratica, isto é, que desde o momento em que não dispõe de capitães, ou não quer interessar-se pelo desenvolvimento de uma empresa, que deixe a iniciativa particular u trabalhar em beneficio do país.

Já V. Exa. vê, Sr. Presidente, quanto as considerações do illustre Deputado ascenderam no meu animo e quanto da parte do Governo encontrará a melhor boa vontade e uma disposição condigna para a cidade do Porto. (Vozes: - Muito bem, muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Affonso Costa: - Na sessão de 20 de março mandou para a mesa um requerimento, pedindo copia do contrato celebrado entre o Estado e a empresa que actualmente explora o theatro de S. Carlos, nota das quantias depositadas por aquella empresa para garantia do contrato e nota das quantias levantadas, datas em que os levantamentos tiveram logar, despachos que os autorizaram e copia dos requerimentos em que foram pedidos. Como se vê, não ha requerimento mais simples, e qualquer empregado em duas horas o poderia satisfazer, entretanto já vão passados uns poucos de meses e taes documentos ainda não lhe chegaram.

Se o Parlamento está aberto para que os Deputados fiscalizem os actos do Governo, e se os empregados não fazem caso dos requerimentos dos Deputados, então o melhor é acabar com o Parlamento.

Elle, orador, carece desses esclarecimentos, porque a questão do theatro de S. Carlos tem importancia. A opinião está convencida de que o deposito foi levantado em maio e não voltou a ser reposto, e é preciso que isto se esclareça.

Alem d'isto, que a ser verdade já é extraordinario, o Governo consente que o gerente technico do theatro seja ao mesmo tempo o seu fiscal junto d'elle. Esta duplicação de funcções é absolutamente injustificavel, porque o mesmo individuo que tem de fiscalizar a companhia é aquelle que anda por esse mundo fora a contratá-la. A empresa assim pode fazer tudo quanto quiser, porque não tem nada a recear.

Num contrato como este, toda a publicidade é necessaria, e espera que o Sr. Presidente do Conselho não consinta que continue esta demora na remessa dos documentos que pediu.

Outro assunto de que tambem deseja occupar-se - é o que diz respeito aos acontecimentos de Braga.

O Sr. Presidente do Conselho deve ter notado o melindre com que o partido republicano se tem portado nesta questão.

Elle, orador, que foi o encarregado de fazer a syndicancia sobre esses acontecimentos, fê-la em 24 horas, com uma viagem ao Porto, e a impressão que lhe ficou foi de que a maneira como os excursionistas do Porto foram recebidos em Braga desagradou a toda a gente de bom senso, e que do que ali se passou não é responsavel a cidade de Braga, nem mesmo os monarchicos de Braga, mas simplesmente um bando de arruaceiros, sem sombra de respeito por si proprios, e a que o governador civil deu não só o apoio posterior, mas a solicitação e a cooperação anterior.

É necessario que o Governo diga se já tem em seu poder a syndicancia a que mandou proceder e se se apurar, como crê ser verdade, que o governador civil era o chefe do bando de arruaceiros que fez os disturbios, é indispensavel que o Sr. Presidente do Conselho proceda contra essa autoridade, que já mostrou o seu desdém pelo Governo, dirigindo-se ao Chefe do Estado em vez de o fazer ao Ministro do Reino.

Este procedimento é realmente reprehensivel, porque os governadores civis não teem que corresponder-se com o Chefe do Estado, obrigando este a intervir em actos a que deve andar completamente alheio.

Os governadores civis só podem corresponder-se com O Ministro do Reino; fazer o contrario disto é desrespeitar os seus seperiores e sair para fora da alçada das suas attribuições. E preciso que o Sr. Wenceslau de Lima faça sentir isto aos seus subordinados.

Num país monarchico, como a Inglaterra, ou conservador, como a Allemanha, elle orador, tem a certeza de que um telegramma dessa ordem não era respondido pelo Chefe do Estado, e o Governo faria sentir ao governador civil que este só se pode dirigir ao seu superior hierarchico e não ao Chefe do Estado.

Deseja que o Sr. Presidente do Conselho lhe mande copia da syndicancia, para se habilitar a discutir o assunto que, para mais se prende com um aviso prévio que já annunciou a S. Exa. sobre o direito de manifestação.

Para um outro assunto que se prende com este de Braga vae ainda chamar a attenção do Sr. Presidente do Conselho; refere-se ao descarrilamento que se deu com o comboio que chegou por acaso antes do comboio dos excursionistas e que segundo suspeitas, ao parecer fundadas, foi obra de mão criminosa.

É indispensavel apurar-se este caso, ver se o agulheiro incriminado não é mais do que um editor responsavel para encobrir outros criminosos. É necessario que isto se aclare, para que se saiba se não se pode contar com a defesa que o Governo deve a todos os cidadãos, e se pelo contrario estes teem que defender-se a si proprios. O caso é da maior importancia é por isso não fará sobre elle por agora mais considerações, aguardando a resposta do Governo.

Ainda um outro assunto vae versar, refere-se ao jogo de azar, para que já. ha dias chamou a attenção do Sr. Presidente, do Conselho, pedindo-lhe que fizesse cumprir inexoravelmente a lei que o prohibe.

O Sr. Wenceslau de Lima, que fez parte do partido regenerador, cujo chefe, Hintze Ribeiro, tanto se honrou pro-hibiudo eificazraenté o jogo de azar em todo o país, não esquecerá decerto as tradições desse partido e como Hintze Ribeiro seguramente fará cumprir a lei.

S. Exa. disse-lhe da outra vez, em resposta ás suas considerações, que sendo impossivel prohibir de todo o jogo talvez fosse melhor regulamentá-lo, mas que em quanto isso não se fizesse havia de fazer cumprir a lei. Ora elle,

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orador, tem o sentimento de declarar a S. Exa. que tem provas de que as suas ordens, porque está convencido de que as deu, não foram cumpridas.

Tem provas de se haver lanhado impostos sobre casas de batota e provas de que influentes monarchicos teem alugado por altos preços casas suas para jogos de azar, porque n'ellas estaria garantido aos batoteiros a impunidade.

Ora é preciso que isto acabe, e elle, orador, não está disposto, por sua parte, a largar mão do assunto. É preciso que o Sr. Presidente do Conselho use de toda a energia para que as suas ordens sejam cumpridas, e se não o fizer, se se continuar a jogar impunemente como até aqui, conte S. Exa. que .uma grande campanha se fará contra essa immoralidade.

Ainda ha dias a mulher de um escrivão de fazenda lhe escreveu uma carta, que commove até as lagrimas, em que conta a sua triste situação porque o marido tudo abandona por causa do jogo. E como esta, outras teem igualmente recebido.

Espera que o Sr. Presidente do Conselho lhe responda, não com palavras, mas com factos, e que daqui para o futuro o jogo de azar só se possa praticar no país nas mesmas condições em que se pratica o roubo ou o assassinio, ás occultas e a medo.

Não ignora elle, orador, que com estas palavras levanta contra si os odios dos batoteiros, mas com isso pouco se importa, cumpre o seu dever e nada mais.

Para um outro assunto ainda chama a attenção do Sr. Presidente do Conselho. A professora do sexo feminino de Guimarães, D. Maria da Conceição Miranda Barros, queixa-se de que o sub-inspector a obriga a dar aula em uma casa situada numa viella de meretrizes e de ladrões. Reclamou em 1907, baseada numa representação da junta de parochia e de setenta moradores das casas mais proximas, mas não só não foi attendida como até foi censurada. Re que ré u então uma syndicancia e essa foi-lhe favoravel, mas dorme ha meses na Repartição de Instrucção Primaria sem se lhe ter dado andamento.

Pede ao Sr. Presidente do Conselho que leia essa syndicancia e depois proceda como é de justiça.

Ao Sr. Ministro da Justiça deseja tambem pedir que se informe de um caso que lhe conta um cidadão da Povoa de Lanhoso, e que é interessante.

Este caso não corre propriamente pelo Ministerio da Justiça, mas o Sr. Ministro, como juiz, seguramente se interessará por elle. E o caso que ha sete annos falleceu em Brunhado, uma freguesia daquelle concelho, um individuo de nome Francisco Xavier de Araujo, que deixou em testamento a importancia de 12 contos de réis para a construcção de um hospital para os pobres dessa freguesia.

Succede, porem, que o testamenteiro, o parodio Julio Antunes, ainda até hoje não deu cumprimento á sua disposição testamentaria, mantendo-se illegalmente na posse da quantia testada.

Pede ao Sr. Ministro da Justiça que averigue do caso, porque, apesar do assunto correr, como não ignara, pelo Ministerio do Reino, é possivel que haja algum procedimento judicial a seguir.

O que não é possivel é continuar esse parocho ha posse d'esse dinheiro que, com juros acumulados, representa já hoje 16:800$800 réis, e os pobres privados do hospital que a benemerencia do testador queria que se fizesse.

Ao Sr. Ministro da Justiça deseja ainda fazer uma pergunta. Pede a S. Exa. que lhe diga se sabe as razões por que os bispos demoram as Informações sobre os parochos para as igrejas a concurso.

Elle, orador, dá á Carta, a respeito deste assunto, uma interpretação diversa, mas, seja ella qual for, o que não pode continuar é estar o poder secular ao dispor dos bispos, porque isso seria transformar Portugal numa secção do ultramontanismo.

O Sr. Ministro da Justiça, que se diz liberal, não deve hesitar era pôr cobro a este abuso.

Chama tambem a attenção do Sr. Ministro das Obras Publicas para o assunto que vae expor. Da Associação de Soccorros Mutuos Funebre Familiar de Alijo recebeu uma representação, copia da que foi enviada ao Sr. Ministro das Obras Publicas, e, portanto, S. Exa. já terá conhecimento do assunto.

N'essa associação realizou-se ultimamente a eleição para a direcção, que foi muito disputada. A lista vencida que, ao que parece, goza da protecção do conselho regional das associações do norte, foi que ficou com a direcção, porque a lista vencedora não foi pelo Conselho regional considerada como tal, com o pretexto de que na uma tinham entrado a seu favor listas impressas e estas não deviam ser contadas.

Não havendo disposição alguma que prohiba que nas eleições das associações de soccorros figurem listas impressas, e reconhecendo-se que do lado dessas é que estava a maioria, o mais que se podaria fazer, se não se quisesse que essas listas fossem consideradas validas, era mandar repetir a eleição; entregar, porem, a direcção á minoria é que não é justo nem razoavel e pode dar logar a conflictos, pois lhe consta que os animos estão exaltados.

Ao Sr. Ministro das Obras Publicas, que por lei é, por assim dizer, o chefe supremo das associações de soccorros mutuos, pede que faça cumprir a lei, porque não é admissivel, como disse, que essa associação esteja sendo governada pelos representantes da minoria dos interessados.

E, para terminar, dirige se ao Sr. Presidente da Camara. Estão preparados para a ordem do dia varios projectos e outros veem a caminho disso.

Agora mesmo acaba de receber dois grossos volumes intitulados: "Relatorio da cominissão do inquerito aos actos do anterior reinado n, e um folheto sobre a transferencia da assembleia eleitoral da Ereira para outro ponto do concelho.

A sessão vae adeantada e nada se tem feito, mas a culpa não é dos Deputados, e sobretudo dos Deputados republicanos, mas dos Governos que teem procurado furtar-se á fiscalização parlamentar, com adiamentos illegaes.

A sessão, pode dizer-se, está em simples tolerancia. Durante alguns dias, os membros dos dois grupos politicos que constituem a ibaioria afastaram-se quasi por completo dos trabalhos parlamentares e agora é que voltaram a ser assiduos. Os deputados republicanos é que teem estado sempre no seu posto; veem á Camara todas as vezes que podem e os Srs. Brito Camacho e João de Menezes nunca teem faltado; teem portanto o direito de falar.

Projectos intoleraveis não passam, di-lo, não como uma ameaça, mas porque está disposto a cumprir o seu dever, e isso ainda que seja com risco da sua saude, da sua commodidade e do que mais lhe custa, que é estar durante semanas afastado de seus filhos.

Adeantamentos engrolados, incompletos, por extracto, como o que se apresenta, não passam assim.

Disse hontem aqui o Sr. João Pinto dos Santos que a commissão de inquerito não foi ás secretarias, e portanto o que aqui apresenta é só o que lhe quiseram mandar.

Elle, orador, não pode discutir os adeantamentos á Casa Real sem ter feito o seu estudo, e a obra que se apresenta á Camara é uma obra falsa, sem base, fundada apenas nos documentos que foram fornecidos pelas secretarias. Não veem os adeantamentos a particulares, que em muitos casos andam ligados com os outros, e discutir uns sem os outros é uma obra de verdadeira parcialidade.

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Sem se saber quem é que recebeu adeantamentos, sem se saber se os julgadores não são tambem por sua vez réus de haver recebido adeantamentos, não se pode discutir este assunto. E preciso primeiro julgar a situação dos politicos da monarchia, para se ver quaes são os que teem autoridade para julgar.

Assim não pode ser, e pelo que está vendo, é elle, orador, quem tem de ser o defensor da Casa Real, porque não pode ser só esta a julgada, é preciso que o sejam tambem todos os outros que receberam adeantamentos.

Nomeou-se uma commissão burocratica para apurar as contas entre o Thesouro e a Casa Real; a obra dessa commissão, segundo declarou o Presidente do Conselho de então, era um trabalho complementar, auxiliar da obra da commissão de inquerito; como é, portanto, que se apresenta um sem o outro?

Ernquanto não se ligarem os adeantamentos dos particulares com os da Casa Real, emquanto não se ligar a obra dá commissão burocrática com a da commissão de inquerito, tudo quanto se pretenda fazer é affrontar a opinião publica, e podem S. Exa. estar certos de que os Deputados republicanos não se prestarão a qualquer especie de solidariedade com um tal procedimento, como seguramente se não prestarão muitos Deputados monarchicos, porque na historia não figurarão mais tarde como Deputados d'este ou d'aquelle partido, mas como homens que procuraram zelar o seu bom nome e bem cumprir o seu dever.

Está certo, porem, de que não se vae esperar pelo mês de setembro para se discutir um projecto desta ordem.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir, as notas tachigraphicas).

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Presidente do Conselho. Mas previno S. Exa. que faltam cinco minutos para se passar á ordem do dia.

Vozes: - Fale, fale.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Wenceslau de Lima): - Sr. Presidente : é muito pouco tempo o que resta para se responder a um tão grande numero de assuntos como os que foram versados pelo Sr. Dr. Affonso Costa, e que não só dizem respeito á pasta que tenho a honra de gerir mas tambem a algumas dos meus illustres collegas e, ainda, ás attribuiçòes de V. Exa. como Presidente d'esta Camara.

Pela minha parte, não quero abusar da concessão que a Camara acaba de me fazer dizendo que fale, e por isso, vou limitar a minha resposta aos pontos absolutamente essenciaes, mas não quero deixar sem resposta nenhum d'elles, porque o Governo, pode o illustre Deputado estar certo, não deixará sem resposta os assuntos para os quaes chamou a sua attenção.

S. Exa. deseja que lhe seja enviada copia dos documentos que requereu nesta casa do Parlamento em 20 de março, referente ao Theatro de S. Carlos.

Como o illustre Deputado muito bem sabe naquella época não tinha eu a honra de occupar este logar e é a primeira vez que a minha attenção é solicitada para este assunto.

Desconheço-o por completo, mas o que posso affirmar peremptoria e categoricamente a S. Ex.a, é que na minha secretaria se não sonegam papeis ao exame de qualquer Sr. Deputado da nação. (Apoiados).

Respondo por mim e pelos meus antecessores, porque tenho a certeza que nenhum d'elles praticou jamais actos, pelos quaes não pudesse responder clara e publicamente. (Apoiados).

Pela minha parte o que posso tambem affirmar é que a lei ha de ser integralmente cumprida (Apoiados), e que em nenhum dos cargos que tenho servido fui instrumento de quaesquer interesses ou me prestei a acobertar quaesquer negocios (Apoiados do Sr. Affonso Costa); sabe-o toda a Camara e o illustre Deputado, apesar de meu adversario politico, com certeza que me não nega essa justiça.

O Sr. Affonso Costa: - Apoiado, apoiado.

O Orador: - Vou dar ordens terminantes e categoricas para que sejam satisfeitos os desejos de S. Exa. Seguidamente occupou-se o illustre Deputado...

O Sr. Affonso Costa: - Sobre esse ponto falei ainda na juncção das funcções do fiscal do Governo com as de gerente da empresa.

O Orador: - Então não me expressei eu claramente. Disse que se houvesse necessidade de corrigir quaesquer abusos havia de os corrigir.

O Sr. Affonso Costa: - Chamo a attenção de S. Exa. para esse ponto.

O Orador: - Eu tomei nota; é o que se refere ás attribuições do fiscal do Governo. Como disse a S. Exa. foi esta a primeira vez que a minha attenção foi chamada para este assunto. Vou estudá-lo e novamente repito que, n'aquillo em que houver abusos, hei de os reprimir.

O Sr. Presidente: - Deu a hora de se passar á ordem do dia. Os Srs. Deputados que tiverem papeis a mandar para a mesa podem faze-lo, e os que consentem que o Sr. Presidente do Conselho continue nas suas considerações tenham a bondade de se levantar.

Foi autorizado.

O Orador: - Um outro ponto versado pelo illustre Deputado foi a excursão de alguns republicanos do Porto á cidade de Braga.

Sr. Presidente: já aqui fui vivamente atacado por não ser. bastante severo para com os republicanos, porque fui fraco e porque consenti manifestações fora da ordem. Emfim fui atacado com a maior vehemencia, por ser de uma grande brandura, para com os republicanos, e hoje sou vivamente atacado por um republicano, porque fui muito severo para com os republicanos.

O Sr. Affonso Costa: - O que eu disse é que, se S. Exa. não tinha informações sobre o que se passou em Braga, eu, pelas minhas informações particulares, estava autorizado a assegurar que tinha havido abusos.

O Orador: - S. Exa. comprehende que os Srs. governadores civis no Parlamento são representadas pelo Ministro do Reino, e que, emquanto elles estiverem no exercicio das suas funcções, é o Ministro do Reino quem responde por elles. (Apoiados).

Já vê S. Exa. que não ha da minha parte habilidades, mas a simples expressão da mais pura e inteira verdade.

Portanto, Sr. Presidente, prosigo na ordem das minhas considerações.

Entendeu o Sr. Affonso Costa que o meu delegado exorbitou das suas funcçoes, não soube manter a ordem como devia, porque não respeitou os seus correligionarios, isto é, aquelles que S. Exa. entendia que usavam de um legitimo direito.

Sr. Presidente: perdoe-me V. Exa.; mas elle foi accusado justamente do contrario pelo Sr. Deputado nacionalista.

Já V. Exa. e a Camara vêem que a autoridade do districto de Braga procedeu com toda a correcção e isenção e por tal maneira que é aggredida por uns e por outros (Apoiados), concluindo eu daqui que a autoridade pro-

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cedeu bem e cumpriu o seu dever, permittindo aos excursionistas aquillo que dentro da lei podia permittir, e não consentindo aquillo que a lei lhes não consentia.

Accusa-o, ainda, o illustre. Deputado porque elle directamente se dirigiu ao Chefe do Estado a felicitá-lo pela manifestação de caracter monarchico que se deu n'aquella cidade.

Ora, não vejo que haja nisso motivo para censura. (Apoiados). Se o Sr. governador civil de Braga se dirigisse ao Chefe do Estado para tratar de assuntos que só competiam ao chefe do Governo, eu comprehendia que pudesse ser censurado, mas sê-lo, pelo facto de mandar um telegramma a El-Rei affirmando que Braga é monarchica, que n'ella se deram manifestações monarchicas em que Sua Majestade foi saudado com o maior carinho, não me parece nada injusto. E, se; por acaso, daqui se pode tirar alguma conclusão, é talvez a de que a monarchia portuguesa é tão liberal, que não se medem as distancias que vae de um simples governador civil ao Augusto Chefe do Estado que não desdenha responder ao um governador civil. ( Vozes: - Muito bem).

Talvez haja republicas em que as formulas sejam mais apertadas do que na monarchia portuguesa, onde - bem para todos nós - essas formulas são amplas. (Apoiados).

Acêrca do accidente que se deu no Porto por occasião do regresso do comboio dos excursionistas, eu tenho aqui, já, uma carta do Sr. Gualberto Povoas dirigida ao Sr. Fernando de Sousa que pertence á Direcção dos Caminhos de Ferro do Estado, na qual se diz a que o accidente foi devido.

(Leu).

Não tenho duvida em a pôr á disposição do Sr. Affonso Costa e de todos os Srs. Deputados que a quiserem conhecer.

O que eu posso asseverar a S. Exa. é que as mais severas ordens foram dadas para que se fizesse uma syndicancia rigorosa e creio que hoje mesmo o resultado dessa syndicaneia deu entrada no Ministerio e, mais do que isso, supponho que ao poder judicial se entregou o assunto para que elle apure por completo este caso e para que seja feita justiça a quem se deva fazer.

O Sr. Affonso Costa (interrompendo): - S. Exa. tem duvida em mandar já á Camara essa syndicancia?

O Orador: - Não tenho duvida nenhuma e mandá-la-hei, porque para mim não ha nada mais agradavel do que dar contas dos meus actos e dos meus subordinados, por uma razão muito simples: porque ninguem ha que tenha mais respeito pelas prerogativas parlamentares do que eu.

Falou ainda, o illustre Deputado sobre a questão do jogo de azar.

Como a Camara sabe, esta questão do jogo é velha e antiga entre nos; é por assim dizer um mal congénito, um mal que é difficil extirpar em todos es povos e entre nos tem encontrado grandes difficuldades em ser regularizado ou extirpado de todo.

S. Exa. referiu-se aos esforços feitos pelo meu antigo chefe e nunca esquecido amigo o Sr. Conselheiro Hintze Ribeiro para que o jogo de azar fosse prohibido em todo o reino e ilhas adjacentes. Eu tive então a honra de ser governador civil do districto do Porto e empenhei o meu melhor esforço nesse sentido e estive muitas vezes convencido que naquelle districto não se jogava sabendo depois que algumas infracções se commettiam e, só depois de um anno e tanto de esforços persistentes é que se conseguia que a prohibição do jogo fosse quasi absoluta - é sempre impossivel - mas em todo o caso que a vigilancia fosse tão severa que a pratica do jogo diminuisse consideravelmente.

O que posso declarar ao illustre Deputado é que fiz expedir circulares para todos os governadores civis prohibinde o jogo e parece-me que com isso se. conseguiu que houvesse uma diminuição na pratica do jogo. Hei de empenhar-me o mais possivel em attenuar esse vicio, com todo o seu estendal de lamentaveis consequencias, mas, dizer a S. Exa. que o hei de reprimir por completo, isso não direi porque é impossivel. Hei de envidar todos os meus esforços e hei de proseguir na mesma campanha.

O Sr. Affonso Costa: - Faça S. Exa. com sinceridade e boa fé, como é proprio do seu- caráter, o mesmo que fez Hintze Ribeiro em 1900, isto é, reduzi-lo á menor espécie e prestará um grande serviço ao seu bom nome e a muitas familias do país.

O Orador: - Ainda bem que eu vejo agora fazer justiça ao meu illustre antigo chefe e nunca esquecido amigo, Hintze Ribeiro, a quem vi tantas vezes sinceramente atacado; ainda bem que o Sr. Dr. Affonso Costa rememora com um elogio e louvor a memoria do illustre extincto.

O Sr. Affonso Costa: - Eu fiz-lhe sempre justiça.

O Orador: - Pois posso assegurar ao illustre Deputado que tambem hei de fazer tudo quanto puder para que a pratica do jogo seja a minima possivel.

Ha ainda um outro ponto para que o illustre Deputado Sr. Affonso Costa, chamou a minha attenção: foi para o caso de uma professora de Guimarães, creio que a Sra. D. Maria Miranda, que por imposição do sub-inspector é obrigada á ter a casa da escola numa rua que S. Exa. reputa menos conveniente á pratica do exercicio escolar.

O illustre Deputado comprehende perfeitamente que eu lhe não posso dar uma resposta categorica. No emtanto o que eu posso assegurar a S. Exa. é que essa casa da escola foi escolhida como todas as outras. - Mas, tem nisso o sub-inspector alguma responsabilidade? A casa não é propria? Não posso dizer a S. Exa. Mas o que eu lhe posso assegurar é que pode o Sr. Dr. Affonso Costa estar descansado, que mandarei lazer um processo para se averiguar toda a verdade.

O Sr. Affonso Costa (interrompendo): - A syndicancia já está no Ministerio do Reino!...

O Orador: - Ora essa! Pois eu declaro a V. Exa. que o não sei... Isto faz-me lembrar a fabula do Lobo e o Cordeiro: - Natus non erat - já tinha nascido antes de nascer.

A syndicancia já está no Ministerio do Reino sem ter sido feita.

O Sr. Affonso Costa: - Eu não tomo a V. Exa. a responsabilidade do facto. Mas nesse caso pedia a V. Exa. que tomasse conhecimento d'elle e o resolvesse.

O Orador: - Pode V. Exa. estar certo que procederei como as circunstancias o aconselharem.

Referiu-se ainda o Sr. Dr. Affonso Costa á questão dos adeantamentos.

S. Exa. comprehende perfeitamente que esse assunto não pertence ao Governo.

O Sr. Affonso Costa: - Já esperava essa resposta!...

O Orador: - O Governo respeita os principios que sempre tem respeitado. É bom sempre respeitar os principios. Se por acaso a Camara quiser discutir a questão dos adeantamentos ainda n'esta sessão, o Governo estará no seu logar, respeitando sempre a soberania da Camara e nunca invalidando a acção do Parlamento.

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem, muito bem.)

(O orador não reviu).

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O Sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia.

O Sr. Ministro da Justiça (Francisco José de Medeiros): - Pedia a V. Exa. Sr. Presidente, se dignasse consultar a Camara sobre se permitte que eu responda ás observações feitas pelo Sr. Deputado Affonso Costa.

Vozes: - Fale, fale.

O Sr. Presidente: - Em vista da manifestação da Camara pode V. Exa. usar da palavra.

O Sr. Ministro da Justiça (Francisco José de Medeiros): - Sr. Presidente: agradeço á Camara o ter-me concedido a palavra para responder ao illustre Deputado Sr. Affonso Costa.

Breves palavras direi relativamente ao caso da Povoa de Lanhoso, d'aquelle testamenteiro que ficou com o legado e de que não deu contas.

Esse assunto pertence mais á pasta do Reino do que á pasta da Justiça. Em todo o caso, se porventura nisso pudesse ter qualquer intervenção, creia S. Exa. que tomaria sobre elle qualquer providencia.

O Sr. Affonso Costa: - Desejaria que S. Exa. tomasse a iniciativa para se informar junto do seu collega.

O Orador: - Relativamente ao caso da demora que os bispos portugueses fazem sobre a remessa das informações que lhe são pedidas sobre o provimento dos beneficios ecclesiasticos, é difficil responder á pergunta, nota apenas o facto de essa demora se dar.

Sei que os bispos que teem processos a informar demoram os meses e annos; sei que a Carta Constitucional diz que ao Governo compete nomear os bispos e prover os beneficios eclesiásticos; sei que a Carta não lhe impõe restricção alguma, mas sei tambem que em Portugal vigora o decreto de 2 de janeiro que não fixa prazo para os bispos darem as suas informações.

O facto da demora excessiva por parte dos bispos dá-se? era mesmo faltar á verdade occultá-lo; agora remediar isto, é uma cousa que não é muito facil, porque se de um lado está a Carta Constitucional a dizer que não impõe restricção alguma ao Governo para nomear bispos e prover os beneficios ecclesiasticos, por outro o decreto de 2 de janeiro não estabelece o prazo dentro do qual os bispos podem informar.

Se S. Exa. me perguntar se o decreto de 2 de janeiro pode ser melhorado, revogado e alterado, é certo; se me perguntar se entendo fazer alguma cousa nesse sentido, não tenho duvida alguma em dizer publicamente ao Parlamento e ao país que isto significa um estado de cousas que precisa ter algum remédio, qualquer que elle seja, e esse remedio pode ser fixar aos bispos o prazo para darem as suas informações.

O Sr. Affonso Costa: - S. Exa. constatou e disse que isto precisava de remedio, no que foi apoiado por todos os lados da Camara.

Pois toda a Camara, sem preoccupações politicas ou religiosas, espera que S. Exa. traga ao Parlamento uma solução a esse assunto.

O Orador: - Creia S. Exa. que penso presentemente muito a serio nesse assunto e posso aifirmar que até algum trabalho tenho já feito nesse sentido. (Apoiados). E um assunto melindrosissimo que se não resolve á primeira vista e para o qual é preciso toda a attenção. Na certeza de que - declaro-o mais uma vez - tomarei sobre elle qualquer providencia.

O Sr. Rodrigues Nogueira: - Quando não derem as informações não se lhes paga;

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Barjona de Freitas): - Pedi a palavra simplesmente para responder ás observações para que o Sr. Deputado Affonso Costa chamou a minha attenção, sobre a questão da Associação Funebre. Sou alheio a esse facto e procurarei, portanto, informar-me. Do que averiguar darei conta a S. Exa. e á Camara.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.11

(Tratado de commercio com a Allemanha)

O Sr. Presidente:-Continua em discussão o projecto de lei n.° 11, approvando o tratado de commercio com a Allemanha.

Tem a palavra o Sr. Zeferino Candido.

O Sr. Zeferino Candido: - Tem o dever de dar algumas explicações. A primeira é que, se não fosse o cumprimento de um dever, que considera para si restricto, não entraria neste debate, porque continua a classificá-lo no numero das cousas que elle, orador, tem por menos importantes. Mas tem o dever de entrar no debate porque não só o ligam ao Brasil os seus interesses, directa e indirectamente ligados com os interesses d'aquella republica, como laços de maior sympathia, laços que se impõem ao seu patriotismo. Elle, orador, pertence ao pequeno numero, talvez, dos que entendem que nas nossas relações internacionaes ha dois países que primam sobre todos os outros; dois países que merecem todo o nosso respeito e consideração; dois países que só por si, mantidas, estabelecidas e consignadas as melhores relações de intimidade em interesses, chegariam de sobra para satisfazer todas as aspirações do nosso patriotismo: esses países são a Inglaterra e o Brasil.

Não entrará no debate porque - contra a opinião de pessoas muito mais autorizadas certamente do que elle, orador - mantendo-se na restricta esfera das suas opiniões, não tem grande fé ou esperança nos resultados tão apregoados no tratado de commercio com a Allemanha. E não tem grande fé, nem esperança, porque confia pouco nas vantagens que Portugal venha a disfrutar de qualquer outro tratado de commercio que se estabeleça com outros países que não sejam aquelles dois países que acabou de referir.

Cumpre-lhe louvar o Sr. Ministro dos Estrangeiros pela attitude como S. Exa. se referiu a essas nossas relações com o Brasil; e deve declarar que em grande parte essas palavras, cheias de enthusiasmo, de justiça e de verdade, influiram para aggravar mais o que elle, orador, encontra no tratado.

Levado mesmo pelo pendor do seu temperamento, elle, orador, apoia S. Exa. calorosamente, com todo o seu enthusiasmo, e tornando, por assim dizer, o compromisso de responder quanto em si caiba e entenda a essas duvidas, a essas apprehensões, a essas suspeitas de S. Exa. de que - embora com muitos desejos de S. Exa., do Governo e do país - darem-se compensações ao Brasil, estabelecerem-se relações commerciaes com o Brasil não é possivel, que é muito difficil, que não ha maneira de o fazer, apontando-se a razão velha de mais para se repetir: a nossa situação colonial.

Elle, orador, pretenderá provar que o Brasil não precisa absolutamente de compensações nenhumas para esses géneros que podem ou devem vir numa abundancia avassaladora da producção das nossas colonias.

Não ha de ser com açucar, com café ou cacau, que havemos de dar ao Brasil compensações, a que elle, aliás, tem direito.

Não tem, infelizmente, tamanho enthusiasmo como tem o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros a respeito d'essas

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extraordinarias virtudes dos tratados de commaercio, cuja importancia, todavia, não quer desmerecer em absoluto, mas que é, como em tudo, e princialmente muito relativa.

Poderá mesmo dizer - sem grande facilidade de erro - que não ha doutrina nenhuma como o escambo da politica internacional.

Abalança-se a acreditar a efficacia dos tratados de commercio para aquellas nações que estão preparadas para os cumprir na parte que lhes interessa. Effectivamente, todas as nações que teem potenciaes de grande producção e que, portanto, carecem de mercados para levar lá os seus productos, estão neste caso.

É este o caso que se passa com a Allemanha. E como o negociante de retalhos para com o freguês. A Allemanha vende-nos, sensivelmente, 10:000 contos de réis, e compra-nos 2:000 contos de réis. A vantagem, pois, reside na Allemanha.

Portanto, parece-lhe que um país que compra noutro 10:000 contos de réis e que não tem em compensação senão a compra d'esse país de. 2:000 contos de réis - tem direito a exigir que esse país lhe compre mais alguma cousa, de modo que, a não poder equilibrar-se completamente o escambo, tanto quanto possivel se aproxime d'elle. E pensou elle, orador, que era para isso exactamente que nos tinhamos votado a lei das sobretaxas. Devemos, portanto, procurar por todos os meios, desde os mais melifluos, até os mais energicos, mesmo com a guerra das tarifas, a possibilidade de aumentar a exportação.

Tratados de reciprocidade em cima de uma balança desequilibrada, não é nada racional. É um absurdo.

Já o illustre Deputado Sr. Brito Camacho, com aquella proficiencia e autoridade com que costuma versar sempre todos os assuntos, relembrou hontem uma verdadeira sentença.

Passados que são já dezoito annos e essa sentença ainda continua a ser para elle, orador, uma verdadeira sentença. Pertence ella a Oliveira Martins, quando se organizou em 1891 a primeira commissão para tratar destes assuntos.

Ao abrir o Livro Branco relembrou S. Exa. - e elle, orador, pede licença para repetir - a sentença do grande Oliveira Martins: necessidade de Portugal reduzir quanto possivel a sua importação e não celebrar tratados com a clausula de um tratamento de nação mais favorecida.

Quem se der ao cuidado ou ao trabalho de analysar a nossa estatistica commercial tem decididamente - se é um português sincero e patriota - um grande desgosto, uma grande desillusão.

O nosso potencial commercial cresce, como é natural, todos os annos.

Pela ultima estatistica publicada em 1906 se vê que o valor total de importação e exportação era de 124:000 contos de réis ou sejam 77:000 contos de réis de importação e 47:000 contos de réis de exportação.

Ha uma disparidade enorme entre o que compramos ao estrangeiro e o que lhe enviamos.

O que, porem, principalmente assombra é a precipitação extraordinaria com que nos caminhamos para a bancarota.

Em 1902 a nossa importação era de 70:000 contos de réis e a exportação de 43:000 contos de réis. Houve um aumento depois, passados alguns annos, de 7:000 contos de réis na importação e de 3:300 contos de réis de exportação.

Analysa a seguir a importação e a exportação no Imperio da Allemanha, que, segundo as estatisticas, accusa a importação quasi igual á exportação.

Em seu entender, a melhor maneira de se caminhar para o equilibrio é diminuir a importação e aumentar a exportação. Comtudo, pelo processo que seguimos jamais chegaremos ao desideratum, porque nos afastamos cada vez mais.

A este respeito lembrará um caso bastante incisivo, embora seja considerado antipathico.

Em 1901 recebeu o orador um honroso convite da Associação Coinmercial de Lisboa para realizar algumas conferencias acêrca das relações commerciaes entre Portugal e o Brasil. Fez duas conferencias, nas quaes se referiu, com precisão, á necessidade de limitarmos o mais possivel a dependencia do estrangeiro, porque não tinhamos ouro para lhe pagar.

Reportou se então largamente á importação dos cereaes, especialmente do trigo, que é una dos melhores fregueses do ouro, e apresenta detalhadas estatisticas para demonstrar o caso curioso do país que mais trigo consumia e que mais importava. Segundo essa sua estatistica observou que nos consumiamos 140 kilogrammas de pão por cabeça e só produziamos 118 kilogrammas!

Voltando a referir-se ao tratado que se discute, louva o seu negociador, o Sr. Wenceslau de Lima, pelos patentes esforços que empregou, sendo um dos mais importantes aquelle que, com o seu bello savoir-faire, conseguiu pôr de parte o tratado que estava a ponto de ser concluido e que era manifestamente inferior ao actual, porquanto era uma vinculação completa da pauta, emquanto que este tratado vincula, é verdade, a pauta, em condições, a seu ver, não sympathicas, mas em condições relativamente melhores do que aquelle. Não pode, portanto, deixar de louvar o Sr. Ministro dos Estrangeiros de então, e hoje Presidente do Conselho, o Sr. Wenceslau de Lima, pelo seu bello gesto, porque habilmente, sabiamente, proveitosamente, soube, numa occasião difficil, salvar-se de um mal maior.

A questão da nação mais favorecida, em que assenta este tratado, é absolutamente uma chimera. Imaginar que, pela simples circunstancia da Allemanha nos conceder o mesmo tratamento que já concedeu á Italia, á Austria e á Espanha, immediatamente os nossos productos começam a entrar as fronteiras da Allemanha, é, mais ou menos, uma poesia.

Não resta duvida que essas nações teem naturalmente as suas correntes estabelecidas,- as suas clientelas feitas, os seus fretes reduzidos e todas as condições para alcançarem vantagens.

Se a Allemanha nos desse um tratamento mais favoravel como tinhamos direito, então, sim. De outro modo, nada de util ou proveitoso pode resultar.

Lamenta, a seguir, que nos não possuamos marinha mercante e que estejamos absolutamente como escravos sob a marinha mercante estrangeira, que, em sua opinião, para a questão dos fretes é um caso primacial, da mais alta importancia.

Observa o orador ao Sr. Ministro dos Estrangeiros, e ha de demonstrá-lo, que as negociações com o Brasil não são tão difficeis como a S. Exa. se lhe afigura.

Alludindo ao commercio de tabaco diz que o Brasil é o primeiro productor das marcas mais acreditadas do mundo. A propria Havana, que conquistou uma reputação universal com os seus charutos, tem relativamente uma pequenissima producção. Os charutos que lança no mercado são fabricados com tabaco brasileiro, e só as capas que envolvem o charuto é folha de tabaco havano.

Nos temos feito reformas nos contratos de tabaco e nunca pensámos em dar ao Brasil uma compensação para as suas plantas de tabaco. E não tem então o Brasil razão de queixar-se de que não fazemos caso d'elle?

Tambem nos somos um país grande consumidor de algodão; somos relativamente um dos melhores mercados de algodão. Pois bem. Importamos dos Estados Unidos 7 milhões e do Brasil apenas 4 milhões! O que é certo, porem, é que o algodão brasileiro é magnifico, tem uma ultura esplendida, e vende-se por um preço mais baixo do que o dos Estados Unidos.

Emquanto a madeiras, nos temos na estatistica mundial um coefficiente sufficientemente jazoavel, embora não

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estejamos como deviamos estar. Pois, nos importámos, em 19U6, madeiras, no valor de 1:016 contos de réis, cabendo uma terça parte aos Estados Unidos; e do Brasil que é o país que possue as melhores madeiras do mundo, apenas 59 contos de réis!

Certamente que o Sr. Ministro dos Estrangeiros saberá reconhecer a utilidade dos entrepostos, que é uma doutrina que se não pode pôr de parte.

Referindo-se ainda aos cereaes, affirma que o trigo da Argentina é considerado superior ao trigo dos Estados Unidos, e não obstante nos importamos mais trigo distes e menos d'aquella. Mas o facto verdadeiramente fenomenal e extraordinario é que a Inglaterra vende o trigo mais barato. É a vantagem dos entrepostos. Assim a Inglaterra vendeu trigo a 39 réis; a Argentina já a 41; e os Estados Unidos a 43.

O parentesco commercial que temos com o Brasil não é como tem ouvido affirmar - um simples aperto de mão. É mais alguma cousa. Nos temos com o Brasil um tratamento excepcional que ternos sempre mantido em todos os tratados, não por deferencia ou estima, mas por legal obrigação, como o Brasil tem a legal obrigação de nos fazer o mesmo. Ha a reciprocidade.

Neste tratado o negociador teve o bom senso de deitar a mão a tempo antes do naufragio, mantendo as ré servas do Brasil. Este privilegio está estabelecido no artigo 5.° do tratado de paz e alliança de 29 de agosto de 1820.

Diz-se que o Brasil nos faz ameaças diplomaticas, e nos tem castigado com tarifas. Isso, porem, não se podia fazer em virtude d'aquella clausula, que é uma condição perpetua entre os dois países.

O Sr. Presidente: - Adverte o orador de que fala ha uma hora, tendo mais um quarto para concluir o seu discurso.

O Orador:-Continuando, accentua que dando de barato tudo quanto tem affirmado, que o que tem dito nada vale, temos ainda grandes compensações a dar ao Brasil, obrigando o a negociar comnosco.

Recorda depois algumas palavras que proferiu numa serie de conferencias que realizou no Brasil, sendo uma na Associação Commereial do Rio de Janeiro, onde teve a honra de ser ouvido por representantes da Camara dos Deputados e por alguns Senadores, onde declarou que o Brasil não devia acceitar a menor diminuição de direitos sobre o açucar, porque esse país não precisava disso, nem tão pouco Portugal lhe podia offerecer.

Todos sabem que a luta do açucar de beterraba com o açucar de cana é uma luta terrivel, tenebrosa, que tem havido nos dominios commerciaes.

O que é verdade, porem, é que a beterraba jamais poderá vencer, apesar da protecção dos Governos e dos grandes capitaes empregados n'aquella industria. O açucar de cana é o seu competidor invencivel, porque possue um poder saccharino muito superior.

E sobre o açucar produzido nas nossas colonias, dirá que elle ha de ser quasi todo consumido nos mercados da Africa do Sul, que é o mesmo que acontece com outros generos coloniaes.

Em seu entender, não basta manter, consolidar ou perpetuar a amizade existente entre as duas grandes nações amigas e irmãs: Portugal e Brasil; não basta somente as relações de tradição historica; não bastam as condições de raça; é preciso mais alguma cousa: fazer-se a indispensavel aproximação.

Como a hora esteja a acabar, não pode ser mais extenso para convencer o Sr. Ministro dos Estrangeiros e a Camara de que nos podiamos estabelecer relações com o Brasil que o tornassem dependente de nos e não nos d'elle.

Como a doutrina é inesgotavel procurará para a outra vez tratar devidamente do assunto, e demonstrar como o seu esforço tem sido absolutamente trabalhar em pedra dura, não conseguindo nunca facetada.

Terminando por hoje as suas considerações, agradece á Camara a sua deferencia e pede ao Sr. Presidente que o inscreva de novo.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

Votação da moção e emendas ao parecer n.° 8 - Organização da Caixa Geral de Depositos

O Sr. Presidente: - Passa-se á segunda parte da ordem do dia.

Vae ler-se a moção e as propostas de emendas ao parecer n.° 8.

O Sr. Brito Camacho: - Peço a palavra para invocar o regimento.

O Sr. Presidente: - Queira V. Exa. mandar para a mesa o seu requerimento.

O Sr. Brito Camacho: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Invoco o artigo 144.° do regimento. - Brito Camacho.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se o artigo invocado pelo Sr. Briio Camacho. Lê-se na mesa.

O Sr. Affonso Costa: - O projecto já está votado?

O Sr. Presidente: - Está votado o projecto.

Quando se votavam os differentes artigos, se a Camara não tivesse resolvido que as emendas ao projecto fossem opportunamente consideradas devia seguir-se a ordem do artigo 144.°, votando-se successivamente, pela sua ordem, as differentes propostas, mas como foram votados os artigos e á mesa não veio nenhum requerimento para que fossem ou deixassem de ir á commissão as emendas, o meu dever é, depois de votado o projecto, pôr á votação as propostas peia ordem da sua apresentação.

O Sr. Affonso Costa: - Não apoiado.

O Sr. Presidente: - Peço a V. Exa. o favor de me deixar dirigir a discussão.
- O Sr. Brito Camacho mandou para a mesa um requerimento invocando o artigo 144.°

Consulto a Camara sobre se foi ou não infringido o regimento.

Vae ler-se novamente o artigo.

Leu-se.

O Sr. Presidente: - Eu já expus á Camara a razão do meu procedimento, que foi perfeitamente conforme com a sua deliberação; votou-se primeiro o projecto e ponho agora á votação as emendas.

Os Sr. Deputados que entendem que foi infringido o regimento, teem a bondade de se levantar.

A Camara resolveu que não tinha sido infringido o regimento.

O Sr. Presidente: - Peço a attenção da Camara, eu não infringi o regimento. Cumpri rigorosamente as determinações da Camara.

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12 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O Sr. João de Menezes: - V. Exa. não tinha que consultar a Camara.

O Sr. Presidente: - Vou submetter á votação a moção do Sr. Abel Andrade que já foi lida. Consultada a Camara, foi rejeitada.

O Sr. Affonso Costa: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que as emendas ao projecto da lei n.° 8 (Caixa Geral de Depositos) vão á commissão para serem consideradas pela Camara sobre parecer della, como já resultava do requerimento do Sr. Abel Andrade, votado na sessão de 7 de agosto de 1909, e o ordena o regimento. = Affonso Costa.

Consultada a Camara, foi rejeitado.

O Sr. Affonso Costa: - Requeiro a contraprova.

O Sr. Presidente: - Vae repetir-se a votação.

(Pausa).

O Sr. Presidente: - Feita a votação, approvaram o requerimento 17 Srs. Deputados e rejeitaram 39.

Vae proceder-se á leitura e votação das emendas pela ordem que foram apresentadas.

Procede-se á leitura e votação.

O Sr. Presidente: - O projecto vae ser enviado á commissão de redacção e opportunamente será apresentado á Camara.

Para ordem do dia estão marcados varios projectos, entre elles o n.° 66, que vae ler-se para entrar em discussão.

Lê-se na mesa. É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 66

Senhores. - A vossa commissão de obras publicas examinou, com a devida attenção, o projecto de lei n.° 27-D, da iniciativa do illustre Deputado Sr. Alfredo Pereira, e que tem por fim, conforme o bem elaborado relatorio que o acompanha, "modificar algumas das disposições que regem o modo de ser da corporação dos correios e telegraphos, em cuja organização, datada de 30 de dezembro de 1901, a pratica tem evidenciado a necessidade de introduzir novos principios, tendentes a beneficiar-lhe a situação e a contribuir para o melhor desempenho das attribuições que lhe são conferidas".

A natureza e importancia sempre crescente das funccões que estão confiadas ao pessoal telegrapho-postal, a grande responsabilidade, e, para muitos, os violentos e penosos serviços que desempenham, justificam, em nosso parecer, as pequenas vantagens de vencimento que o projecto consigna, e que, melhorando a situação de tão prestimosos funccionarios, hão de necessariamente traduzir-se em resultados seguros e vantajosos no bom desempenho dos respectivos serviços, e, portanto, em beneficio do publico. E é de notar que só por espirito de economia, imposta pelas circunstancias financeiras do país, se não attendeu, com toda a largueza, á melhoria que esta prestante corporação vem desde muito reclamando, e que é de justiça dar-se, a quem, com tão louvavel solicitude, cumpre sempre o seu honroso, mas espinhoso dever.

As modificações que se propõem na organização do quadro do pessoal e os intuitos que presidiram á sua elaboração estão plenamente esclarecidos no já citado relatorio, entendendo por isso a vossa commissão de obras publicas que não ha cousa alguma a - acrescentar para sua completa intelligencia.

As classes que directamente beneficiam nos seus vencimentos pelo projecto apresentado são:

1.° Os chefes de divisão, e os primeiros officiaes, o chefe dos armazéns e fieis dos serviços telegrapho-postaes das cidades de Lisboa e Porto, cujo vencimento de categoria é aumentado de 100$000 réis, tendo, como é de justiça, os chefes de divisão que accumularem os seus logares com os de chefes de repartição o vencimento de exercicio de 300$000 réis, isto é, uma compensação de 110$000 réis, que, ainda assim, dando-lhes um ordenado total de réis 1:200$000, é menor que os ordenados dos chefes de repartição de todos os Ministerios, sendo de 80$000 réis a differença para menos;

2.° Os segundos officiaes e fieis dos armazéns da Direcção Geral dos Correios e Telegraphos, cujo aumento é de 50$000 réis, e, porque a estas classes são equiparados pela natureza dos serviços que desempenham, aumentam de 260$000 réis os fieis dos serviços telegrapho-postaes dos districtos de Coimbra e Funchal;

3.° Os primeiros aspirantes e fieis dos serviços telegrapho-postaes dos districtos, cujo vencimento actual é de 340$000 réis, e que passa a ser de 400$000 réis nos primeiros vinte annos, sendo depois de 450$000 réis;

4.° Os segundos aspirantes com o ordenado actual de 275$000 réis, e que, pelo projecto, terão o vencimento de 2ÕO$000 réis nos primeiros cinco annos, de 300$000 réis nos dez annos seguintes, sendo passados quinze annos de serviço, de 350$000 réis;

5.° Os aspirantes auxiliares com o vencimento actual de 200$000 réis, e que, pelo projecto passam a segundos aspirantes;

6.° Os vigias do mar e os chefes de guardas-fios, que receberão mais 100 réis por dia;

7.° Os continuos, cujo vencimento é aumentado de réis 50$000;

8.° Os carteiros, que, passados quinze annos de serviço, receberão mais 100 réis por dia, e bem assim os boletineiros;

9.° Os distribuidores jornaleiros, que beneficiam de mais 50 réis por dia, passados 15 annos de serviço, ou mais 40 réis por dia, passados 20 annos de serviço, conforme as localidades;

10.° Os encarregados de 2.ª e 3.ª classe, aos quaes é concedido o beneficio da aposentação.

Como se reconhece, o projecto de lei da iniciativa do Sr. Alfredo Pereira prove á melhoria da situação economica de quasi todas as mais prestimosas classes da corporação telegrapho-postal.

Fazendo inteira justiça ao pensamento e intenção do illustre apresentante, pareceu, no entanto, á vossa commissão que, tendo em attenção o seu serviço quasi permanente e de grande responsabilidade e os seus mesquinhos vencimentos, se deveria, alem da vantagem da aposentação, conceder aos encarregados de estação de 2.ª classe o vencimento de categoria de 200$000 réis nas sedes de concelho, e de 180$000 réis nas outras localidades, havendo assim um aumento de 20$000 réis annuaes nos seus actuaes vencimentos; e, para o caso de doença devidamente comprovada, e caso não possam fazer-se substituir pelos seus propostos nos termos legaes, preceitua-se que aos mesmos encarregados e aos de 3.ª classe seja abonado por dia de doença metade do respectivo vencimento, não podendo ir, porem, o abono alem de 90 dias por anno. Por identicos motivos, aos boletineiros jornaleiros se lhes assina o jornal de 300 réis nos dois primeiros annos, em vez de 250 réis que actualmente percebem.

Com estes additamentos que ao vosso esclarecido exame propomos, julga a commissão ter attendido, com a possivel equidade, a todas as principaes reclamações da benemerita corporação telegrapho-postal.

A ampliação do quadro telegrapho-postal com 20 segundos aspirantes é exigida pelo estabelecimento de 5 estações

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radio-telegraphicas, como se estatue no contrato de 4 de março de 1907, autorizado pela lei de 29 de janeiro de 1907, e feito com as companhias Eastern Telegraph e outras, obrigando-se a Eastern a estabelecer aquellas estações em Ponta Delgada, Santa Maria, Faial, Flores e Corvo (clausulas 4.ª e 6.ª).

Ainda a necessidade de melhorar e serviço telegraphico nas estações centraes de Lisboa e Porto e na estação de Coimbra, onde a intensidade d'aquelle serviço é manifesta, exige, para o seu bom desempenho, que haja, quanto possivel, um empregado privativo para cada apparelho de transmissão e recepção; por isso, no projecto se autoriza o Governo a estabelecer n'aquellas estações, e, desde já, o serviço de ajudantes.

O numero de empregados do quadro dos correios de Lisboa e Porto é aumentado de 20 segundos aspirantes, o que não é exagerado, visto a exiguidade do quadro actual e as necessidades de tão importantes serviços.

A criação de 10 logares de "auxiliares-postaes" destinados a auxiliar o serviço postal nas. capitães dos districtos administrativos das ilhas adjacentes impõe-se, como medida de boa administração, pois que é só ás chegadas e partidas dos paquetes que tocam n'aquelles portos que se torna necessario maior numero de empregados para o serviço ser feito com presteza. N'estes logares são providos, desde já, os dois ajudantes supra numerarios que estão servindo como addidos na estação telegrapho-postal do Funchal.

O principio de fazer partilhar os funccionarios que mais directamente podem contribuir para aumentar os rendimentos da exploração telegrapho-postal nos respectivos lucros foi estabelecido na organização vigente, tendo a pratica demonstrado os seus bons resultados.

Por isso se mantém principio tão salutar, qual o de interessar na melhoria do respectivo serviço o pessoal que o desempenha, modificando porem, em parte, o disposto no artigo 90.° da citada organização que dispõe que para o pagamento dos vencimentos de exercido e da participação nas receitas cobradas se deve destinar uma quantia equivalente a 5 por cento das receitas cobradas, indicando se no § 1.° que, quando a percentagem das receitas cobradas não attinja a soturna necessaria para integral pagamento dos vencimentos de exercicio, o Governo abrira os créditos necessarios para esse fim.

Pelo projecto, o pagamento dos vencimentos de exercicio fica independente da quantia realizada nas receitas cobradas, fazendo se a deducção de 4 por cento nestas receitas para o pagamento da partilha, mas com as restricções indicadas no mesmo artigo 90.°, isto é, a participação não pode exceder a differença entre as receitas effectivamente cobradas e as orçadas nos precisos termos da lei de contabilidade, e cada empregado não pode receber quantia superior a 20 por cento dos seus vencimentos de categoria.

O progresso dos serviços telegrapho-postaes no nosso país é consideravel e manifesto, sendo os resultados financeiros da exploração os mais animadores e sendo cada vez menores as queixas e reclamações da parte do publico.

É certo, porem, que ainda precisam taes serviços de muito impulso e aperfeiçoamento. Dentro das nossas modestas circunstancias financeiras apresenta o projecto vantagens que a commissão julga de acceitar; e, neste sentido, de acordo com o Governo, tem a honra de submetter á vossa apreciação, e entende que deveis, approvar o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° E modificada a organização do pessoal dos correios, telegraphos e industrias eléctricas, approvada por decreto com força de lei de 30 de dezembro de 1901, nos seguintes termos:

a) Fica supprimida a classe de aspirantes auxiliares nos quadros telegrapho-postal e de correios, passando os funccionarios desta classe a segundos aspirantes.

Os segundos aspirantes, emquanto não tiverem seis meses de bom e effectivo serviço, só poderão ser empregados, os do quadro telegrapho-postal no serviço de manipulação de apparelhos e os do quadro dos correios de Lisboa e Porto na 3.ª secção das estações centraes dos correios.

b) É criada, uma nova classe de empregados estranhos aos quadros, sem serventia vitalicia, que se denominarão "auxiliares-postaes" destinados a auxiliar o serviço postal nas capitães dos districtos administrativos das ilhas adjacentes.

Os logares de "auxiliares-postaes" serão livremente providos em individuos do sexo masculino que satisfizerem ás condições dos n.ºs 1.° a 5.° do artigo 50.° da referida organização e obtenham approvação em um exame especial sobre calligraphia, orthographia, chorographia, geographia physica e traducção das linguas francesa e inglesa

c) Os logares de ajudantes são providos em individuos do sexo feminino, que podem ser:

1.° Pessoas de familia dos chefes de estação de 1.ª classe (com excepção dos das estações telegrapho-postaes das capitães dos districtos) ou dos encarregados das estações de 2.ª e 3.ª classes, com os quaes fazem serviço.

Considera-se para este eifeito, como familia do empregado, sua mãe, sua mulher, suas filhas ou suas irmãs.

2.° Pessoas estranhas á familia dos encarregados das estações de 2.ª e 3.ª classes, quando estes sejam do sexo feminino.

Para desempenhar exclusivamente o serviço de transmissão e de recepção telegraphica nas estações telegraphicas centraes de Lisboa e Porto e na estação telegrapho-postal de Coimbra poderão ser nomeados ajudantes, independentemente de terem grau de parentesco com qualquer dos empregados das mesmas estações. Estes ajudantes constituirão um turno especial, separado dos demais empregados das referidas estações, e serão dirigidos e fiscalizados directamente por um primeiro aspirante com a necessaria competencia;

d) Os fieis dos serviços telegrapho-postaes. dos districtos de Coimbra e do Funchal são equiparados em vencimentos e categoria honorifica aos segundos officiaes. Estes logares são providos por concurso entre os fieis dos serviços telegrapho-postaes dos outros districtos.

e) E concedida a aposentação aos encarregados de estação de 2.ª e 3.ª classes, a qual será regulada pelo decreto n.° 1 de 17 de julho de 1886 ou pela legislação que o substituir.

Os logares de encarregados de estação de 2.ª classe, collados nas sedes dos concelhos, serão providos de preferencia em individuos que tenham exercido esse cargo em estacões, situadas fora das sedes do concelho.

f) Aos encarregados de estação de 2.ª e 3.ª classe, quando impedidos por doença devidamente justificada, e por motivo comprovado não possam fazer-se substituir pelos seus propostos nos termos legaes, ser-lhes-ha abonado por dia de doença que não exceda noventa aias no anno, metade do respectivo vencimento.

g) É substituida a doutrina do segundo periodo do artigo 90.° da citada organização pelo seguinte:

"Para o pagamento da participação nas receitas cobradas dos Correios e Telegraphos destinar-se-ha uma quantia equivalente a 4 por cento das receitas designadas no artigo 11.° da organização dos serviços de contabilidade dos telegraphos e correios, approvada por decreto desta data de forma que essa participação não exceda a differença entre as receitas effectivamente cobradas e as orçadas nos precisos termos da lei de contabilidade, e que cada empregado não receba quantia superior a 20 por cento dos seus vencimentos".

É supprimido o § 1.° d'este artigo.

h) O artigo 91.° da organização de 30 de dezembro de 1901 é substituido pelo seguinte:

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14 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

"Os vencimentos de categoria e os jornaes são os seguintes:

1.º - Vencimentos de categoria

a) Pessoal dos quadros

[Ver tabela na imagem]

b) Pessoal estranho aos quadros

[Ver tabela na imagem]

i) O vencimento de exercicio dos chefes de divisão que accumularem as suas funcções com as de chefes de repartição é fixado em 300$000 réis annuaes,
O vencimento de exercicio do official que desempenhar o cargo de chefe dos serviços das ambulancias postaes é fixado em 150$000 réis annuaes.

j) O chefe dos armazéns terá participação nas receitas cobradas a que se refere o artigo 90.° da organização de 30 de dezembro de 1901, nos precisos termos do artigo 93.° da mesma organização.

Art. 2.° Para o serviço nas ilhas adjacentes são criados dez logares de auxiliares-postaes, devendo ser collocados era dois d'esses logares os ajudantes supranumerarios que actualmente servem como addidos na estação telegrapho-postal do Funchal.

Art. 3.° São collocados como primeiros aspirantes do quadro dos correios de Lisboa e Porto, para servirem na Direcção Geral dos Correios e Telegraphos, onde teem tido exercicio, os tres fiscaes de 2.ª classe do movimento e trafego da Direcção Fiscal da Exploração dos Caminhos de Ferro e o amanuense da mesma direcção fiscal, os quaes ficarão á esquerda dos demais funccionarios desta classe e pela ordem da sua antiguidade no serviço publico,

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SESSÃO N.° 50 DE 21 DE AGOSTO DE 1909 15

ficando assim aumentado de quatro o numero de empregados desta categoria.

Art. 4.° O quadro telegrapho-postal é aumentado com vinte segundos aspirantes; e com igual numero de empregados da mesma classe o quadro dos correios de Lisboa e Porto, devendo fixar-se em trinta o numero de aspirantes do quadro dos correios para serviço na Direcção Geral.

Art. 5.° Nas estações centraes telegraphicas de Lisboa e Porto e na estação telegrapho postal de Coimbra será estabelecido desde já o serviço de ajudantes.

Art. 6.° O Governo poderá alterar quaesquer disposições de caracter puramente administrativo do decreto com força de lei de 30 de dezembro de 1901, harmonizando-as com as necessidades mais instantes do serviço e sem que d'ahi advenha encargo algum para o Thesouro; e bem assim codificar num só diploma as disposições d'esta lei e as da organização do pessoal de telègraphos, correios e industrias electricas, approvada pelo decreto com força de lei de 30 de dezembro de 1901, e fazer os regulamentos que forem necessarios para a execução d'esta lei.

Art. 7.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da Camara dos Senhores Deputados, em 8 de agosto de 1908. = Pereira dos Santos, Presidente = Eduardo Valerio Villaça = Conde de Arrochella = Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti = Francisco Limpo de Lacerda Ravasco = Antonio Rodrigues Nogueira = A. C. Claro da Ricca = Fernando de Almeida Loureiro e Vasconcellos, relator.

Senhores. - Á vossa commissão de fazenda foi presente o parecer da commissão de obras publicas, que, de acordo com o Governo, approvou, nas suas linhas geraes o projecto de lei n.° 27-D, apresentado ás Cortes pelo Sr. Deputado Alfredo Pereira, introduzindo-lhe algumas modificações.

Do exame minucioso deste projecto deprehende-se que o serviço dos correios e telegraphos necessita de ser remodelado, devendo ser attendidas as reclamações antigas e constantes dos seus funccionarios.

Não devemos esquecer que estes serviços se teem nos ultimos quinze annos desenvolvido de uma forma extraordinaria, aumentando parallelamente as receitas sem que os quadros, á proporção, se tenham ampliado e sem que os vencimentos do respectivo pessoal tenham crescido em correspondencia com o aumento do trabalho.

Basta recordar, para demonstrar este asserto, que a receita livre dos correios e telegraphos, em 1892-1893, foi de 1.088:910$100 réis, e que em 1906-1907 foi de réis 2.037:551$138, emquanto que a despesa n'aquelle anno foi de 1.101:986$628 réis, e no penultimo anno economico de 1.624:488$142réis.

Nos vencimentos d'esses quadros ha desigualdades manifestas e injustiças flagrantes, que é indispensavel fazer desapparecer; mas a vossa cornniissão de fazenda, atten-dendo ás condições actuaes das nossas finanças - condições postas a claro no orçamento de 1908-1909, que não se apresenta de molde a permittir que, desde já, melhor se dotem estes serviços é de parecer que podereis approvar o projecto de lei da commissão de obras publicas, sendo, porem, a respectiva reforma posta em execução só no principio da anno economico de 1909-1910, visto que tudo a leva a suppor que então mais se deve accentuar o aumento das receitas telegrapho-postaes e definir a melhoria do nosso estado financeiro, de modo que seja possivel, sem maior inconveniente, realizar esse acto de profunda justiça.

Sala das sessões, era 22 de agosto de 1908. = Alfredo Pereira = D. Luis Filippe de Castro = Conde de Castro e Solla = Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro = Alvaro Augusto Postollo de Sousa = Carlos Augusto Ferreira = José Jeronimo Rodrigues Monteiro = José Cabral Correia do Amaral = João Soares Branco = José Joaquim Mendes Leal = José de Ascensão Guimarães, relator.

N.° 27-D

Senhores. - O projecto de lei que tenho a honra de submetter á vossa esclarecida apreciação visa a modificar algumas das disposições que regem o modo de ser da corporação dos correios e telegraphos, em cuja organização, datada de 30 de dezembro de 1901, a pratica tem evidenciado a necessidade de introduzir novos principios, tendentes a beneficiar lhe a situação e a contribuir para o melhor desempenho das attribuições que lhe são confiadas.

O espirito de economia que tem presidido a todas as reformas neste ramo de administração publica, e que infelizmente ainda desta vez tem que influir no meii animo, impede me que formule projecto, habilitando o Governo a melhorar, com a devida largueza, a situação economica da corporação, que sempre tem cumprido com tão louvavel solicitude o seu honroso, se bem que penoso, dever, e que tão justamente vem de há muito reclamando a acção equitativa e aliás inadiavel do poder legislativo.

Não pode, pois, senão medicamente, mas é dever fazê-lo, ser melhorada a situação dos empregados, e é nesse sentido que são propostos em pequena escala alguns aumentos nos vencimentos e bem assim a diuturnidade de serviço aos aspirantes, carteiros, boletineiros e distribuidores, e se projecta a suppressão da classe actual dos aspirantes auxiliares.

Justificadas são estas medidas. Os elementos indispensaveis á vida tornaram-se incomparavelmente mais pesados noa ultimos tempos, tendo tudo subido de preço em proporções superiores ao que tem succedido na maior parte das nações do mundo. A par deste facto, o serviço a cargo de tão prestante corporação tem aumentado de forma assombrosa, assoberbando a com trabalho penoso, sem que a escassez retribuitiva lhe tenha arrefecido o zelo que sempre se tem devidamente mantido, apreciado pelo publico e pelos poderes do Estado.

A diuturnidade dos aspirantes tem por fim remunerar um longo periodo de bom e effectivo serviço aos que não podem ter accesso ao officialato, o qual, por muito reduzido que é, comparativamente com a numerosa classe de aspirantes, difficilmente é attingido. Como natural consequencia desta situação, a grande maioria de primeiros aspirantes nunca chega ao officialato, e os segundos, em virtude da mingua de promoção d'aquelles, só tardiamente alcançam accesso.

O principio da diuturnidade vem, para determinadas classes, consignado nas diversas organizações que teem regido estes serviços; propõe-se agora que seja applicavel tambem aos aspirantes como fica exposto, e ainda aos carteiros e boletineiros, beneficiando-os nos limites do possivel. Este principio é muito proficuo, porquanto estimula o empregado a ser assiduo e prestar bom serviço, condições que mais rapidamente permittem alcançar essa melhoria.

Torna se evidente que não pode subsistir a actual classe de aspirantes auxiliares, cujos vencimentos são muito exiguos, e por isso convirá supprimir esta classe, encorporando-a na immediatamente superior. Mal se comprehende que a individuos a quem forçosamente tem de se exigir habilitações especiaes se pague, quando admittidos ao serviço, apenas 200$000 réis annuaes, cativos nos primeiros tempos de deduções que reduzem a ridicula a remuneração respectiva. De ha muito que se tem procurado diminuir o numero de empregados d'esta classe, aumentando lentamente os das classes superiores; mas é indispensavel que de pronto seja ella fusionada com a dos segundos aspirantes, tanto mais que o encargo que d'ahi provém não é extraordinario.

Os encarregados de estações de 2.ª e 3.ª classe tam-

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16 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

bem merecem ser attendidos na pretensão, aliás justificada, de lhes ser concedido o direito de aposentação; nem se comprehende que o Estado, ao fira de muitos annos de serviço, quando, por doença ou velhice, taes funccionarios se impossibilitem e não tenham capacidade para continuar á testa de serviços de tanta responsabilidade, os lance na miseria. É indispensavel dar-lhes direito á reforma. Em harmonia com as disposições vigentes, não foi possivel certamente, muito a pesar do Governo de então, comprehendê-los no regime da caixa de reformas do pessoal jornaleiro, decretada em 23 de janeiro de 1900, e por isso urge acudir á triste situação em que se encontram, equiparando-os, para este effeito, aos empregados do quadro.

O serviço nas ilhas adjacentes, sob o ponto de vista postal, é extraordinario em dias determinados, e quasi nullo noutros. N'aquelles que correspondem ás chegadas ou partidas, de paquetes, exige, para ser desempenhado com presteza, numero avultado de empregados. Por outro lado, o serviço telegraphico é regular e afflue, por assim dizer, methodicamente.

Dotar as principaes estações insulanas com pessoal numeroso do quadro, isto é, pessoal habilitado para os dois ramos do serviço, seria dispendioso, sem vantagem nem utilidade.

Parece, pois, mais util e mais economico criar para as ilhas adjacentes uma classe de empregados estranhos aos quadros e destinados somente ao desempenho do serviço postal nos centros importantes. Será esta nova classe composta de numero limitado de empregados, consoante as necessidades do serviço.

Esta medida já foi mandada adoptar por decreto ditatorial de 12 de janeiro do corrente anno e nunca posta em execução, por ter sido suspensa.

Outro ponto conveniente a alterar é o que respeita aos empregados do sexo feminino, os quaes pela organização vigente só podem servir com os maridos, paes, filhos ou irmãos, quando alfas nenhuma razão justifica que não possam ser admittidos nas estações a cargo de individuos do mesmo sexo, ou mesmo nos centros de maior movimento em secções especiaes, separadas do restante pessoal do sexo masculino.

Uma nova disposição, no sentido que fica exposto, dará accesso a maior numero destes individuos, distribuindo-os em serviços que lhes sejam apropriados.

Não se coaduna com as grandes responsabilidades que os fieis dos serviços telegrapho-postaes das cidades de Coimbra e Funchal teem pela intensidade do serviço que lhes incumbe em relação ao das outras capitaes de districto, que taes funccionarios sejam da mesma categoria; é por isso que se propõe ser-lhes concedido o vencimento e graduação honorifica de segundos officiaes.

A organização vigente estabeleceu o salutar principio de fazer partilhar dos lucros da exploração telegrapho-postal aos funccionarios que, pela sua acção mais ou me nos directa, podem contribuir para avantajar os reditos que d'ella se obtém.

Já na lei relativa á rede ferroviaria do Estado igual principio se acha consignado. Tornar bem definida essa participação; alheá-la de duvidas e incertezas e trazer ao pessoal a convicção de que não será fácil que as circunstancias inherentes á natureza especial da propria exploração façam, em futuro mais ou menos proximo, desapparecer o beneficio que de tal preceito provém, é o fim que tem em vista a nova forma por que está redigida a competente disposição no projecto que vos apresento.

Entendo que posso desafogadamente propor-vos que autorizeis o dispendio necessario para melhorar um pouco as diversas classes da corporação, porquanto a vossa autorização não virá sobrecarregar o Orçamento Geral do Estado.

O problema reduz-se a exigir apenas que o Thesouro não aproveite na sua totalidade o acréscimo sempre progressivo das receitas, que o serviço postal de anno para anno apresenta.

Basta ver que as receitas cobradas em 1899-1900, para não irmos mais longe, foram na importancia de réis 1.599:573$202; as do anno de 1906-1907 subiram já a 2.037:551$138 réis; isto é, num periodo de sete annos as receitas cresceram 437:977$936 réis, o que representa uma media de mais de 60 contos de réis de acréscimo annual nas mesmas.

É pois de uma deducção no excesso das receitas, que de futuro o Estado auferirá dos proprios serviços telegrapho-postaes, que virá a fonte dos recursos necessarios para os novos encargos a estabelecer.

Convém notar ainda que os lucros liquidos da exploração destes serviços teem sido representado em cada um dos ultimos annos por quantias aproximadas a 500 contos de réis.

Tem o serviço dos correios e telegraphos melhorado nestes ultimos annos, devido não somente a uma rigorosa administração, mas tambem á devoção profissional que, por muitas vezes, tem supprido a deficiencia de pessoal e de recursos; todavia, carece ainda de muito impulso e aperfeiçoamento, A parte destas necessidades inadiaveis occorrerá o projecto que segue; outras medidas attinentes a estender mais largamente os beneficios adstrictos a este ramo da dependencia do Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria, e a facultar-lhe dotação larga para material adequado e aperfeiçoado e para installações devidamente adaptadas á natureza dos serviços tornam-se tambem imprescindiveis, mas não reputando o momento asado para aggravar os encargos do Thesouro, vejo-me forçado a limitar as minhas propostas.

Em vista das considerações que ficam expostas, solicito o vosso esclarecido exame para o projecto de lei que elaborei, convencido de que, sem criar difficuldades para a administração publica, se pratica um acto de inteira justiça. Espero pois que lhe dareis a vossa approvação.

Artigo 1.° E modificada a organização do pessoal dos correios, telegraphos e industrias electricas approvada por decreto com foi a de lei de 30 de dezembro de 1901, nos seguintes termos:

a) Fica supprimida a classe de aspirantes auxiliares nos quadros telegrapho-postal e de correios, passando os funccionarios d'esta classe a segundos aspirantes.

Os segundos aspirantes emquanto não tiverem seis meses de bom e effectivo serviço só poderão ser empregados, os do quadro telegrapho-postal no serviço de manipulação de apparelhos e os do quadro dos correios de Lisboa e Porto na 3.ª secção das estações centraes dos correios.

b) É criada uma nova classe de empregados estranhos aos quadros, sem serventia vitalicia, que se denominarão auxiliareis postaes, destinados a auxiliar o serviço postal nas capitães dos districtos administrativos das ilhas adjacentes.

Os logares de auxiliares postaes serão livremente providos em individuos do sexo masculino que satisfizerem ás condições dos n.ºs 1.° a 5.° do artigo 50.° da referida organização e obtenham approvação em um exame especial sobre calligraphia, orthographia, chorographia, geographia, physica e traducção das linguas francesa e inglesa.

c) Os logares de ajudantes são providos em individuos do sexo feminino, que podem ser:

1.° Pessoa de familia dos chefes de estação de 1.ª classe (com excepção das estações telegrapho-postaes das capitães dos districtos), ou dos encarregados das estações de 2.ª e 3.ª classes com os quaes fazem serviço. - Considera-se para este effeito como familia do empregado sua mãe, sua mulher, suas filhas ou irmãs.

2.° Pessoa estranha á familia dos encarregados das es-

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tações de 2.ª ou 3.ª classes, quando estes sejam do sexo feminino.

Poderão ser nomeados para desempenhar exclusivamente o serviço de transmissão e de recepção telegraphica nas estacões telegraphicas centraes de Lisboa e Porto e na estacão telegrapho-postal de Coimbra, independentemente de terem grau de parentesco com qualquer dos empregados das mesmas estações. Estas ajudantes constituirão um turno especial, separado dos demais empregados das referidas estações, e serão directamente dirigidos e fiscalizados por uru primeiro aspirante com a necessaria competencia.

d) Os fieis dos serviços telegrapho-postaes dos districtos de Coimbra e do Funchal são equiparados em vencimento e categoria honorifica aos segundos officiaes. Estes logares são providos por concurso entre os fieis dos serviços telegrapho-postaes dos outros districtos.

e) E concedida a aposentação aos encarregados da estacão de 2.ª e 3.ª classes, a qual será regulada pelo decreto n.° 1 de 17 de julho de 1886 ou pela legislação que o substituir.

Os logares de encarregados de estação de 2.ª classe, collados nas sedes de concelho, serão providos de preferencia em individuos que tenham exercido esse cargo em estacões situadas fora das sedes de concelho.

f) E substituida a doutrina do segundo periodo do artigo 90.° da citada organização pelo seguinte:

"Para pagamento da participação nas receitas cobradas dos correios e telegraphos destinar-se-ha uma quantia equivalente a 4 por cento das referidas receitas, não podendo cada empregado, que á mesma participação tiver direito, perceber quantia superior a 25 por cento do respectivo vencimento de categoria".

É supprimido o § 1.° d'este artigo.

g) O artigo 91.° da organização de 30 de dezembro de 1901 é substituido pelo seguinte:

"Os vencimentos de caregoria e os jornaes são os seguintes:

Vencimentos de categoria

a) Pessoal do quadro

[Ver tabela na imagem]

b) Pessoal estranho aos quadros

[Ver tabela na imagem]

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18 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

[Ver tabela na imagem]

h) O vencimento de exercicio dos chefes de divisão que accumularem as suas funcções com as de logares de chefes de repartição é fixado em 300$000 réis.

O vencimento de exercicio do official que desempenhar o cargo de chefe dos serviços das ambulancias postaes é fixado em 100$000 réis.

Art. 2.° É autorizado o Governo a:

1.° Prover dez logares de auxiliares postaes, devendo ser collados em dois desses Jogares os ajudantes supranumerarios que actualmente servem como addidos na estação telegrapho-postal do Funchal.

2.° Collocar como primeiros aspirantes do quadro dos correios de Lisboa e Porto para servirem na Direcção Geral dos Correios e Telegraphos, onde teem tido exercicio, os tres fiscaes de 2.ª classe do movimento, e trafego da Direcção Fiscal da Exploração dos Caminhos de Ferro e o amanuense da mesma direcção fiscal, os quaes ficarão a esquerda dos demais funccionarios desta classe e pela ordem de sua antiguidade no serviço, publico, ficando assim aumentado de quatro o numero de empregados d'esta categoria.

3.° Ampliar o quadro telegrapho-postal com vinte segundos aspirantes e com igual numero de empregados da mesma classe o quadro dos correios de Lisboa e Porto, devendo fixar-se em trinta o numero de aspirantes do quadro de correios para serviço na Direcção Geral.

4.° Estabelecer desde já o serviço de ajudantes nas estações centraes telegraphicas de Lisboa e Porto e na estação telegrapho-postal de Coimbra.

5.° Alterar quaesquer disposições de caracter puramente administrativo do decreto com força de lei de 30 de dezembro de 1901, harmonizando-as com as necessidades mais instantes do serviço e sem que d'ahi advenha encargo algum para o Thesouro.

6.° Codificar num só diploma as disposições desta lei e as da organização do pessoal de telegraphos, correios e industrias eléctricas approvado por decreto com força de lei de 30 de dezembro de 1901, e fazer os regulamentos que forem necessarios para a execução d'esta lei.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, em 14 de julho de 1908. = O Deputado, Alfredo Pereira.

O Sr. Valerio Villaça: - Sr. Presidente: na ausencia do meu illustre collega o Sr. Fernando de Vasconcellos, tomei o encargo de relatar este projecto e vou mandar para a mesa, de acordo com o Governo e com a respectiva commissão, a seguinte proposta:

Proposta de additamento

Proponho que ao projecto de lei n.° 66 se acrescente o seguinte artigo:

O acrescimo de despesa resultante da presente lei só se tornará effectivo para o orçamento de 1910 a 1911, e será levado a effeito gradualmente, conforme o consentirem as receitas liquidas dos correios e telegraphos. depois de deduzida a quantia de 400 contos de réis, que ficará representando o minimo da receita geral do Estado proveniente da exploração d'estes serviços. = E. V. Villaça.

Dadas as circunstancias financeiras do país, a Camara comprehende bem a apresentação desta proposta. Mando ainda para a mesa as seguintes emendas:

Na alinea g) do artigo 1.° acrescente-se á palavra "vencimentos" as palavras "de categoria". = E. V. Villaça.

Apresento igualmente a seguinte

Proposta de emenda

Proponho que o artigo 7.° do projecto de lei n,° 66 passe a ser o artigo 8.° do mesmo projecto. = E. V. Villaça.

O Sr. João Pinto dos Santos: - Sr. Presidente: apesar de me ter inscrito contra, não é intenção minha contrariar este projecto, mas como o regimento impõe a obrigação de declarar-se se fala contra ou a favor, e eu desejava ser o primeiro a falar, inscrevi-me contra.

Eu quero definir como sempre a attitude do partido que represento.

Nós comprehendemos que em Portugal não é a corporação dos correios que deve ser remodelada, devem ser todos os serviços publicos que estão mal organizados.

Não são só os empregados telegrapho-postaes que estão mal pagos, são em geral todos os empregados publicos, que se veem na necessidade de accumular o seu serviço official com outras funcções, se não não teem meios para viver, e, succede que, accumulando os serviços officiaes com outras funcções não podem dar ao Estado o trabalho que poderiam dar se não tivessem outras occupações.

Era necessario que, quando as circunstancias fossem opportunas se pensasse nisto, e se remunerassem os funccionarios de modo a poderem estabelecer-se serias incompatibilidades, mas de modo que o funccionario publico não precisasse exercer outras funcções, para ter meios para viver.

Uma remodelação nos serviços telegrapho-postaes é de grande opportunidade, e não ha ninguem que discuta a importancia que teem estes serviços.

Não ha ninguem que desconheça os serviços prestados por esses funccionarios e quanto elles são mal remunerados.

Está á testa dos correios e telegraphos um funccionario distinctissimo, o Sr. Alfredo Pereira, (Apoiados) que todos nós consideramos muito e. que "tem uma verdadeira devoção por esses serviços.

Logo que me falaram a respeito deste projecto, eu mostrei o desejo de contribuir quanto pudesse para elle ser approvado.

Não fazia tenção de tomar parte na discussão, e tanto assim, que nem estudei o projecto.

Quando me disseram que era uma remodelação dos serviços telegrapho-postaes, eu entendi que o Sr. Afredo Pereira havia de pôr n'elle todo o seu interesse, como funccionario distincto que é, no desejo de melhorar a situação dos seus empregados.

Como é empregado antigo e sabe que a situação do Thesouro não é prospera, estou convencido de que elle não foi arrancar muito dinheiro ás arcas do Thesouro.

Ora eu devo dizer que tenho recebido mais de uma representação de funccionarios tambem dos correios, para que sejam contemplados nesta reforma.

Quando me falaram, eu disse que não tomava a liberdade ,de pedir aumentos de despesa, nem era meu temperamento politico pedir esses aumentos sem se procurar receitas para elles, mas que, em todo o caso, leria na Camara as suas representações.

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Cumprindo, pois, aquillo que prometti, vou ler as representações que recebi.

(Leu).

Eu não posso apreciar o valor destas emendas, porque não estudei o projecto, como já disse.

Recommendo-as especialmente ao Sr. Director Geral dos Correios e Telegraphos, que já pediu a palavra, para ver se ellas podem ser tomadas em consideração.

Limito por aqui as minhas considerações dizendo que, se o projecto é para melhorar a situação dos funccionarios telegrapho-postaes, eu tenho muito prazer em o approvar.

(O orador não reviu).

O Sr. Costa Lobo: - Pedi a palavra para ser interprete das reclamações que sobre este projecto fazem os carteiros supranumerarios. São de todo o ponto justificadas as razões que elles apresentam, porque eu sei quanto é arduo o seu trabalho o como a sua situação é penosa.

Tenho grande satisfação em ter tido necessidade de pedir a palavra, para dizer que acabo de ouvir com a maior satisfação as palavras do Sr. João Pinto dos Santos sobre este projecto e a respeito do seu autor.

Todos nós temos em tanto apreço as qualidades de trabalho do Sr. Conselheiro Alfredo Pereira que realmente são de verdadeira justiça as palavras que lhe foram dirigidas.

Eu estou certo de que, se com este projecto se não consegue tudo quanto seria para desejar, em todo o caso fica melhorada a situação dos empregados telegrapho-postaes.

Limito-me pois a estas considerações, e mando para a mesa esta proposta.

Proposta de emenda

Proponho que seja elevado a 350 réis o vencimento diario dos distribuidores supranumerarios passados os primeiros tres annos de serviço. = Costa Lobo.

Lida na mesa, foi admittida ficando conjuntamente em discussão.

O Sr. Brito Camacho: - Sr. Presidente: as propostas mandadas para a mesa em nome das commissões dispensam-me um certo numero de considerações que tinha a fazer a proposito d'este projecto.

Este projecto é da iniciativa de um illustre Deputado, e visa elle, como se diz no relatorio, a melhorar a situação dos empregados telegrapho-postaes.

Está-se a ver, e é desnecessario repetir, que esta classe, que é muitonumerosa e prestigiosa, tem uma remuneração insuficiente, mas, como muito bem di?se o Sr. João Pinto dos Santos, insufficiente é tambem a de quasi todos os empregados publicos em Portugal.

É verdade que a maior parte d'elles não merecem o que reeebem, mas um individuo pode absolutamente nada fazer, pode não fazer trabalho util, mas entretanto precisa de lançar mão de algum meio para viver, mas este caso não é o que se dá com os empregados telegrapho-postaes, porque está provado que elles teem a maior competencia e a maior solicitude.

Sr. Presidente: vê-se bem que este projecto foi da iniciativa de um Deputado que conhece muito bem os serviços e as necessidades da corporação a que preside, mas permitta-se-me lembrar a S. Exa., que talvez não houvesse nesta distribuição de beneficios, aliás legitimos, um estricto rigor de justiça.

Assim, eu recebi varias reclamações de empregados telegrapho-postaes, e todas ellas me pareceram bem fundadas, é claro que não venho propor aqui aumento de despesa, seria irrisorio nas alturas em que estamos, e dada a péssima situação economica e financeira, trazer ao Parlamento uma proposta que aumentasse as despesas.

Não se diz isso no projecto expressamente, mas o aumento da despesa é expressivo, é claro que é justificado pela má situação dos empregados do correio, mas como disse, se nos pudéssemos remediar a má situação de todos os empregados publicos, então não faltariam propostas a respeito do orçamento.

De resto, eu não quero dizer que a situação dos empregados publicos não é uma cousa que hão se deva lastimar demasiadamente.

Eu sei que muitas vezes se pedem empregos publicos, cuja remuneração é irrisoria e ridicula, e perguntando ao pretendente qual a razão desse pedido, elle responde: "Em primeiro logar não vou lá"; é esta a doutrina de todos os dias, e eu que sou republicano, mas que tenho entre os monarchicos relações de boa amizade, tambem tenho sido procurado para arranjar empregos, de modo que ha uma real difficuldade em remunerar bem os empregados que merecem boa remuneração, porque uma grande percentagem não merece parte d'aquillo que recebe, como toda a gente e sabe.

Mas, Sr. Presidente, dizia eu que me parecia não ter havido uma rigorosa equidade na distribuição de remuneração deste projecto.

Assim, por exemplo, no que diz respeito aos primeiros aspirantes, que venciam duzentos mil réis, ficam a vencer agora duzentos e cinco.

Eu desejava perguntar se isso se entende com os segundos aspirantes que hão de vir ou tambem com os actuáes que tenham menos de cinco annos de serviço.

Ha um outro ponto para que eu chamo a attenção da Camara.

No projecto ha um aumento de 20 segundos aspirantes, no quadro de 193 segundos aspirantes.

Ora, sendo o quadro geral de 019 empregados, acho este aumento muito diminuto.
Pediram-me para que esse aumento, em vez de ser feito no quadro dos segundos aspirantes, fosse feito no dos primeiros aspirantes; assim, os segundos aspirantes passariam a ter uma compensação que já era alguma cousa.

Como S. Exa. vê, eu não discuto o projecto. Elle não reorganiza os serviços,, nem foi essa a intenção de quem o apresentou, que teve unicamente o desejo de accudir á situação dos empregados dos correios e telegraphos. Eu espero que, como complemento d'este projecto, o Sr. Alfredo Pereira nos trará um projecto remodelando todos os serviços j de modo a satisfazerem a todas as conveniencias do publico.

Ditas estas palavras, que me parecem ser de absoluta justiça, eu não digo mais nada.

(O orador não reviu).

O Sr. Pereira de Lima: - Tencionava discutir o projecto de fond en comble e apresentar alguns alvitres; mas por uma attenção muito especial limita se a acompanhar, não a discussão, mas o com de hosannas ao Sr. Conselheiro Alfredo Pereira, que bem o merece, porque, alem de ser um caracter honestissimo, é um Secretario de Estado dos Correios e Telegraphos verdadeiramente á altura, o que não acontece muito lá por fora, onde as attribuições são mais vastas e é possivel gastar á larga com estes serviços, por se comprehenderem as suas altas funcções economicas.

A este proposito tinha emendas para apresentar, mas não quer demorar a approvação do projecto nem sujeitar-se a que nua e cruamente lhe sejam rejeitadas, como aconteceu com as que apresentou sobre o projecto da Caixa Geral dos Depositos.

Alem d'isso, como o projecto representa já um remedio importante para agora, attentas as finanças do país, nem sequer alludirá á conveniencia de acabar com a partilha dos lucros, como é actualmente, fazendo a sua distribuição pelos pequenos funccionarios, e termina congratulando-se com o Sr. Conselheiro Alfredo Pereira pela segunda me-

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20 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

recida glorificação que lhe é feita na Camara pelos relevantes serviços que tem prestado ao país.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Alfredo Pereira: - Sr. Presidente: sobre este projecto falaram já os Srs. João Pinto dos Santos, Costa Lobo, Brito Camacho e Pereira de Lima, e todos elles tiveram para mim os maiores louvores, e eu não sei que expressões deva empregar para agradecer a S. Exas. as palavras de louvor que para mim tiveram.

Pedi a palavra ao ser posto este projecto em discussão, para mandar para a mesa um aditamento ao artigo 3.°, para supprir uma lacuna que o projecto contém, qual é a criação de um logar de segundo official para chefe da estação telegrapho-postal do Funchal, isto para evitar differenças de categoria.

A este respeito mando para a mesa a seguinte

Proposta de additamento

Acrescentar ao artigo 1.° uma nova alinea:

k) O logar de chefe da estacão telegrapho-postal de Funchal será exercido por um segundo official. O quadro telegrapho-postal será aumentado com mais um segundo official. = O Deputado, Alfredo Pereira.

Foi admittida.

Isto prova a previsão de difficuldades se se estabelecesse o que eu pensava trazer á Camara e prova tambem que a minha situação não era infundada.

Referiu se o Sr. Dr. Brito Camacho ao aumento de despesa que trazia este projecto, insurgindo se contra isso.

Com relação a este ponto tenho a dizer a S. Exa. que, evidentemente, o projecto que está sob a apreciação da Camara traz aumento de despesa. Mas, o que tambem é verdade é que delle advirá um acréscimo de receita em media de 54 contos de réis por anno. Nos ultimos tres annos esse acréscimo tem subido a 60 e tantos contos de réis. Portanto, como o Sr. Brito Camacho vê, está na economia do projecto da minha iniciativa aproveitar por um lado essa receita, embora por outro traga aumento de despesa. Este aumento de despesa não será como muitos illustres Deputados desejam de 60 contos de réis, mas de muito mais, porque a classe é muito numerosa e d'esta maneira o preciso uma verba extraordinaria.

Com relação ao mal entendido que ha da parte de alguns Srs. Deputados, entre os quaes o Sr. Dr. Brito Camacho, no que a respeito a classe dos aspirantes, tenho a dizer que eu no projecto proponho a fusão dos aspirantes auxiliares, que passam a ser segundos aspirantes e estes passam receber nos primeiros cinco annos 300$000 réis em vez de 250$600 réis que agora teem.

O Sr. Brito Camacho: - A razão do projecto deve ser identica. V. Exa. podia-me dizer se já houve alguma lei n'este sentido?

O Orador: - Não houve ainda lei nenhuma.

Os empregados que já teem pago os seus direitos de mercê, descontos para a reforma, emfim que já pagaram uma parte dos seus vencimentos não perdem nada, nem podiam perder, bem sabemos. Embora alguns d'elles não passem a ser melhorados immediatamente, mas dentro em pouco passarão a ganhar mais, como já tive occasião de explicar.

Podia ainda fazer mais algumas considerações a este respeito, mas não desejo roubar mais tempo á Camara e somente tenho a declarar que este projecto só tem em mim melhorar as condições dos empregados telegrapho-postaes.

Tenho dito.

(O orador não reviu).

O Sr. Valerio Villaça: - Pedi a palavra para declarar, em nome da commissão, que acceito a emenda apresentada pelo Sr. Alfredo Pereira e que rejeito a emenda do Sr. Costa Lobo.

O Sr. João de Menezes: - Simplesmente para registar duas observações: a primeira feita pelo Sr. Alfredo Pereira que confirma plenamente o que disse o meu collega, Sr. Brito Camacho. É que esta melhoria de vencimentos não attinge todos os empregados dos correios e telegraphos; a segunda, é que, tendo sido apresentado este projecto o anno passado, entrando em discussão este anno, tenho pena que tambem por uma declaração do Sr, Alfredo Pereira se veja confirmado o que dizia o Sr. Brito Camacho. É que não se trata de uma remodelação de serviços dos correios e telegraphos, mas simplesmente de aumentar os vencimentos. Registo estas duas declarações.

Lamento que o projecto não melhore a situação de todos os empregados, especialmente os de pequena categoria. Abundo nas ideias d'aquelles que entendem que quem trabalha deve receber a remuneração do seu trabalho e quasi sempre os que mais trabalham são os peor remunerados. Não tenho duvida em reconhecer que a classe dos correios e telegraphos é d'aquellas onde existem mais empregados e que mais serviços prestam ao país. Sirva-nos isso de compensação em relação aos outros empregados das outras secretarias, que nada fazem e simplesmente passeiam.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se a emenda do Sr. Alfredo Pereira e a proposta do Sr. Costa Lobo.

Lidas na mesa foi admittida a emenda e rejeitada a proposta.

O Sr. Presidente: - Está esgotada a inscrição sobre o artigo 1.° Como não ha mais ninguem inscrito vae ler-se para se votar.

Lido na mesa e posto á votação foi approuadoi Seguidamente foram approvados os artigos 2.°, 3.°, 4.°, 5.° e 6.°

O Sr. Costa Lobo: - Manda para a mesa o seguinte

Additamento

Artigo novo. - Ao antigo chefe de exploração postal que, de 1886 a 1892, pertenceu, como chefe de repartição, ao Ministerio das Obras Publicas, será concedido o direito de aposentação com vencimento de categoria igual á dos outros chefes de repartição do mesmo Ministerio. = Costa Lobo.

Foi admittida e ficou em discussão com o projecto.

O Sr. Affonso Costa: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho que o limite estabelecido neste artigo não seja inferior á receita do ultimo exercicio. ou sejam 455 contos de réis, conforme a declaração do Sr. Relator do projecto. = Affonso Costa.

Foi admittida.

O Sr. Valerio Villaça: - Para declarar que, n'essas circunstancias, se o projecto já é difficilmente viavel dando ao Estado a differença da receita para a despesa, que é de 400 contos de réis, com a emenda do Sr. Affonso de Costa fica absolutamente nullo.

Teem estado a elogiar o projecto, dizendo que é necessario proteger os empregados dos correios e telegraphos e melhorar os serviços respectivos e agora apresenta-se uma emenda que impede todos estes beneficios! (Apoiados). Comtudo, a Camara resolverá na sua soberania.

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SESSÃO N.° 50 DE 21 DE AGOSTO DE 1909 21

O Sr. Affonso Costa: - V. Exa. dá-me licença?

Como a receita proveniente dos correios e telegraphos tem tendencia para aumentar e estamos num país que tem as suas finanças tão avariadas, podiam os empregados esperar um pouco para ser melhorada a sua situação. Alem de que este projecto constitue um mau precedente, em relação a outros funccionarios do Estado, igualmente mal remunerados.

Não quero com a minha emenda enterrar o projecto, e desejo apenas com o meu voto impedir o cerceamento de uma importante receita do Estado.

O Orador: - Estava no uso da palavra o Sr. Affonso Costa fez um discurso no meu.

Quis pronunciar qual era a opinião da commissão sobre o additamento do Sr. Affonso Costa, sem ser necessario que a commissão desse o seu parecer.

Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se na mesa, para se votar, a emenda apresentada pelo Sr. Affonso Costa.

Foi rejeitada.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se a emenda do Sr. Alfredo Pereira.

(Leu-se).

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

O Sr. João de Menezes: - Parece um presente de Natal.

O Sr. Costa Lobo: - Desejo em poucas palavras estabelecer a verdade dos factos, relativamente ao empregado dos correios do Funchal a que me refiro na minha proposta de emenda.

Aquelle empregado era chefe da repartição, em que esteve em effectivo serviço desde 1886 a 1892. Em virtude da lei passou depois a chefe da exploração.

Portanto a minha proposta tem por fim garantir-lhe um direito que lhe assiste, e é tudo quanto ha de mais justo.

O Sr. João de Menezes: - Sr. Presidente: não sei se a Camara se fatigará com as considerações que tenciono fazer. Previno-a desde já que serei pouco extenso.

A proposta de emenda apresentada pelo Sr. Costa Lobo suggere-me em primeiro logar a seguinte observação. Num projecto de ordem geral, como aquelle que está em discussão, vamos tratar da situação particular de um empregado dos correios e telegraphos. Para assim procedermos, era preciso que juntamente com o projecto viesse a nota dos serviços de cada um dos empregados.

Vozes: - Já deu a hora.

O Sr. João Pinto dos Santos: - Sr. Presidente: V. Exa. diz-me se a sessão foi prorogada.

O Sr. Presidente: - Estava esperando que o Sr. João de Menezes concluisse o seu discurso para então encerrar a sessão.

O Orador: - Como alguns collegas meus estão inscritos para antes de se encerrar a sessão, dou por findas as minhas considerações.

O Sr. Presidente: - Não podendo, por já ter dado a hora, conceder a. palavra a qualquer Sr. Deputado, vou encerrar a sessão. Ficam inscritos os Srs. Affonso Costa e Brito Camacho.

O Sr. Affonso Costa: - Desisto da palavra.

O Sr. Presidente: - Fica apenas inscrito o Sr. Brito Camacho.

A proxima sessão é na segunda feira á hora regimental. A ordem do dia é a mesma que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 7 horas e 15 minutos da tarde.

Documentos enviados para a mesa nesta sessão

Representações

Da Associação dos Lojistas de Barbeiro e Cabelleireiro, pedindo o descanso semanal por turnos.

Apresentada pelo Sr. Deputado Moreira Junior e enviada á commissão de administração publica.

Da Camara Municipal de Agueda, pedindo para que não seja approvada a disposição do artigo 22.° da lei de 18 de setembro de 1908, sobre vinhos.

Apresentada pelo Sr., Deputado Rodrigues Nogueira e enviada á commissão de agricultura.

Dos segundos aspirantes dos correios e telegraphos, com o ordenado annual de 265$000 réis, pedindo aumento de vencimento.

Apresentada pelo Sr. Deputado João Pinto dos Santos.

O REDACTOR = Luiz de Moraes Carvalho.

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