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Tendo sido publicado com algumas inexactidões o discurso pronunciado pelo sr. deputado Ignacio Francisco Silveira da Mota, na sessão de 16 do corrente, publica-se novamente com as devidas emendas

O sr. Silveira da Mota: — Cumprindo as prescripções do regimento começo por ler a minha moção de ordem (leu).

A questão que n'esta conjunctura preoccupa os animos significa mais uma usurpação da curia romana, mais um insulto aos principios de direito publico ecclesiastico e aos fóros e liberdades da igreja portugueza, mais uma espoliação do pouco que nos resta de tantos descobrimentos e conquistas. Se ha occasião pois em que se devam reunir nos mesmos arraiaes todos os partidos é esta, porque se acham em imminente risco a dignidade nacional, as tradições e as saudades de antigos tempos, a esperança e o esteio do futuro.

Não se trata da crença que herdámos, e que queremos e devemos conservar; trata-se de manter as fronteiras entre o sacerdocio e o imperio; e é isso tanto mais preciso, quanto de se confundir o abuso, com o uso, a mentira com a verdade, o detrimento do direito com o direito, podem muitas vezes nascer aberrações e desvarios, que prejudiquem gravemente a igreja e o estado (apoiados).

Dois são os factos recentissimos com que Roma faltou ao cumprimento dos tratados e violou o nosso direito; o primeiro diz respeito ás restricções com que se procedeu á confirmação do bispo de Macau; o segundo refere-se a ter o summo pontifice constituido o reino do Congo em perfeitura apostolica, desmembrando-o da jurisdicção do bispo de Angola e Congo.

Quanto ao primeiro facto direi poucas palavras, quantas julgue bastarem para a breve exposição do assumpto; e faço-o não só pela intima connexão que existe entre esses dois factos, mas até porque já tem sido tratados promiscuamente em ulteriores sessões, e porque o governo se declarou apto para responder.

Sr. presidente, o real padroado portuguez no Oriente fundamentou-se sempre, quanto aos territorios que nos pertencem, na soberania nacional, direito que deriva dos descobrimentos e conquistas que nossos avós realisaram animados pelo nobre estimulo de alargar os âmbitos da monarchia, e pelo zêlo evangelico de propagar a fé. Quanto aos territorios fóra do nosso dominio, firmou-se esse padroado no fervor com que os nossos martyres ahi plantaram a cruz, nas igrejas que construimos, nas dioceses que fundámos e dotámos, factos que constituem titulo canonicamente legitimo e revalidado ainda pela prescripção. As bullas, pelas quaes os summos pontifices reconheceram o padroado portuguez nas regiões do Oriente em que penetraram os nossos soldados e missionarios, e ainda em todas as outras terras da Asia em que por fundação ou dotação elle se radicasse, não nos crearam direito, e apenas o sanccionaram em nome da familia christã. Depois da ultima concordata porém, que nos custou perdas enormes e humilhantes sacrificios, esse padroado, embora muito diminuido da sua legitima extensão, tem por base a fé dos tratados, á qual a côrte de Roma não póde faltar sem quebra de todos os principios de justiça, que as leis da igreja mandam respeitar, e uma sã politica aconselha de certo a que se não offendam (apoiados).

A concordata de 21 de fevereiro de 1857, que reputo um triste documento de politica imprevidente e timida, coagio-nos a ceder, sem compensação, na India importantissimas missões, na China as dioceses de Nankim e Pekim, e uma parte da de Macau; mas fez com que alguns espiritos facilmente credulos suppozessem que ao menos por esse modo se obteria a paz nas igrejas do Oriente, e cessaria o escandalo promovido, com manifesto desacato da justiça humana e do espirito evangelico, pelas tenazes pretensões da propaganda (apoiados).

Illudiram-se, comtudo, e o desengano não tardou cabal e manifesto. Em Macau, depois de decorridos seis annos sem haver bispo, o santo padre confirma finalmente um, contra a letra expressa da concordata, limitando-lhe a jurisdicção.

Com referencia a este assumpto importantissimo disse s. ex.ª, o sr. conde de Castro, que o governo portuguez não aceitaria nunca as bullas com restricções, e essa resposta é honrosa para o nobre ministro.

Mas bastará acaso isso? Se o governo não aceitar as bullas com restricções, se o summo pontifice não mandar passar outras, se ficar por conseguinte sem prelado a unica diocese que nos resta do vastissimo padroado da China, não está s. ex.ª na firme resolução de reclamar instantemente da côrte de Roma que respeite o nosso direito incontestavel?

É isso o que desejo se nos diga, franca e cathegoricamente, e que depois de ser dito se faça.

Quanto á questão do Congo ainda é mais injusto o procedimento da curia.

O territorio do Congo se não é tão nosso como esta terra que pisâmos, e para a qual já receio que dentro em pouco Roma mande tambem vigarios apostolicos, está comtudo debaixo da nossa suzerania. Rasões de justiça universal, leis coloniaes, direito publico confirmado pelos papas e reconhecido pela Europa, são os nossos titulos a esse senhorio. Alcançámo-lo quando hasteavamos por toda a parte a cruz e estabeleciamos em redor d'ella uma transformação social, ao passo que as outras nações catholicas, entretidas em lutas feudaes, se esqueciam de que lhes cumpria derramar pelo mundo o christianismo e a civilisação. Depois essas nações herdaram da nossa incuria e do nosso infortunio muito do que possuiamos, mas será esse facto, consumado e irremediavel, motivo procedente para abandonarmos agora o resto?

Não, sr. presidente! Decerto não! N'este caso, porém, se devéras queremos conservar as colonias, como podemos e é nosso dever impreterivel; se desejâmos povoar e civilisar, condições indispensaveis para as manter; se finalmente acreditâmos que Portugal possa ainda ser, numa epocha mais ou menos proxima, a metropole de um poderoso e rico imperio ultramarino, não havemos de desprezar a influencia religiosa, sem duvida efficaz e poderosissima, e muito menos entregar o nosso direito, as benevolencias que nos creou o passado, as esperanças que nos promette o futuro, a uma nação estranha, e cujos interesses estão, n'este ponto, em antagonismo com os nossos.

Apreciando agora a questão á luz do interesse catholico, vemos que a côrte de Roma, alem de ferir as doutrinas tanto civis como canonicas que marcam a temporalidade dos direitos de padroado, procede á desmembração de uma diocese sem ouvir o respectivo prelado, nem o clero, nem os fieis do territorio desmembrado, o que é absolutamente contrario á disciplina da igreja.

Dir-se-ha que o governo portuguez não tem desempenhado, como lhe cumpria, as obrigações de padroeiro, nem tem provido a que as igrejas do ultramar tenham parochos e missionarios sufficientes para doutrinarem na crença catholica as populações barbaras. Suppondo isto exacto, e creio que em parte o é, cabe de certo censura aos que não tenham feito quanto dos poderes publicos depende em favor d'essa necessidade urgentissima, e é sobretudo para lamentar que não tenha ainda apparecido por parte do governo uma justificação completa em resposta ás graves accusações, aqui francamente levantadas em uma das anteriores sessões pelo illustre deputado o sr. Levy, sobre os estorvos apresentados a alguns padres portuguezes, que espontaneamente se têem offerecido para missionarem no ultramar.

Mas ainda n'este caso perguntarei eu se o nobre impulso de propagar o evangelho não póde porventura conciliar-se com o respeito á propriedade alheia, e aos direitos inalienaveis da soberania? (Apoiados.)

Se esses missionarios francezes estivessem dispostos a desbravar os terrenos safaros da idolatria só com o intuito de