O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 761

761

CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

SESSÃO EM 11 DE MARÇO DE 1864

PRESIDENCIA DO SR. CESARIO AUGUSTO DE AZEVEDO PEREIRA

Secretarios os srs.

Miguel Osorio Cabral

Eleutherio Dias da Silva

Chamada — Presentes 73 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs. Adriano Pequito, Affonso Botelho, Braamcamp, Abilio, Soares de Moraes, Ayres de Gouveia, Quaresma, Eleuterio Dias, Gouveia Osorio, A. Pinto de Magalhães, Mazzioti, Mello Breyner, Pinheiro Osorio, Magalhães Aguiar, Palmeirim, Zeferino Rodrigues, Barão da Torre, Barão do Rio Zezere, Albuquerque e Amaral, Almeida e Azevedo, Bispo Eleito de Macau, Carlos Bento, Almeida Pessanha, Cesario, Claudio Nunes, Fernando de Magalhães, Barroso, Coelho do Amaral, Fernandes Costa, Borges Fernandes, F. L. Gomes, F. M. da Costa, F. M. da Cunha, Gaspar Pereira, Mendes de Carvalho, Mártens Ferrão, J. da Costa Xavier, Fonseca Coutinho, J. J. de Azevedo, Nepomuceno de Macedo, Aragão Mascarenhas, Sepulveda Teixeira, Torres e Almeida, Mello e Mendonça, Neutel, Infante Pessanha, José Guedes, Alves Chaves, Figueiredo Faria, D. José de Alarcão, J. M. de Abreu, Costa e Silva, Frasão, Sieuve de Menezes, José de Moraes, Oliveira Baptista, Batalhós, Julio do Carvalhal, Camara Falcão, Levy M. Jordão, Camara Leme, Alves do Rio, Manuel Firmino, Murta, Pereira Dias, Miguel Osorio, Monteiro Castello Branco, Placido de Abreu, Ricardo Guimarães, R. Lobo d'Avila, Fernandes Thomás, Simão de Almeida e Visconde de Pindella.

Entraram durante a sessão — Os srs. Garcia de Lima, Annibal, Vidal, Sá Nogueira, Correia Caldeira, Brandão, Gonçalves de Freitas, Ferreira Pontes, Seixas, Lemos e Napoles, Antonio Pequito, Pereira da Cunha, Pinto de Albuquerque, Lopes Branco, A. de Serpa, A. V. Peixoto, Barão das Lages, Barão do Vallado, Freitas Soares, Abranches, Beirão, Ferreri, Cyrillo Machado, Pinto Coelho, Conde da Torre, Cypriano da Costa, Domingos de Barros, Poças Falcão, Bivar, Izidoro Vianna, Gaspar Teixeira, Guilhermino de Barros, Henrique de Castro, Medeiros, Blanc, Sant'Anna e Vasconcellos, Gomes de Castro, J. A. de Sousa, Joaquim Cabral, J. Coelho de Carvalho, Matos Correia, Rodrigues Camara, J. Pinto de Magalhães, Faria Guimarães, Lobo d'Avila, Ferreira da Veiga, José da Gama, Galvão, Sette, Fernandes Vaz, Luciano de Castro, Casal Ribeiro, Alvares da Guerra, Rojão, Menezes Toste, Gonçalves Correia, Rocha Peixoto, Mendes Leite, Sousa Junior, Pinto de Araujo, Vaz Preto, Modesto Borges, Moraes Soares, Thomás Ribeiro e Teixeira Pinto.

Não compareceram — Os srs. A. B. Ferreira, Carlos da Maia, Arrobas, Fontes, David, Barão de Santos, Garcez, Oliveira e Castro, Conde da Azambuja, Drago, Fortunato de Mello, Abranches Homem, Diogo de Sá, Ignacio Lopes, Gavicho, Bicudo, Pulido, Chamiço, Cadabal, Pereira de Carvalho e Abreu, Silveira da Mota, João Chrysostomo, Albuquerque Caldeira, Calça e Pina, Ferreira de Mello, Simas, Latino Coelho, Silveira e Menezes, Mendes Leal, Freitas Branco, Affonseca, Moura, Alves Guerra, Marianno de Sousa, Charters e Vicente de Seiça.

Abertura — Ao meio dia e tres quartos.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

1.º Uma declaração do sr. Borges Fernandes, de que faltou á camara nos dias 8 e 9 por causa justificada. — Inteirada.

2.º Um officio do ministerio do reino, acompanhando a copia, pedida pelo sr. Freitas Soares, do officio do governador civil do Porto, relativo á syndicancia da misericordia de Villa do Conde. — Para a secretaria.

3.º Do mesmo ministerio, indicando as gratificações que se mandam abonar, n'este anno economico, pelo credito supplementar, aberto por decreto de 24 de dezembro de 1863, para despezas de instrucção primaria; satisfazendo assim a um requerimento do sr. Pinto de Araujo. — Para a secretaria.

4.º Do ministerio da fazenda, acompanhando a relação, pedida pelo sr. Castro Ferreri, dos fóros pertencentes aos conventos das religiosas, segundo os inventarios a que se procedeu, e com designação do numero das remissões re-

Página 762

762

queridas, e das que já se effectuaram. — Para a secretaria.

5.º Do mesmo ministerio, devolvendo, informado, o requerimento em que os empregados da alfandega do Funchal pedem ser indemnisados dos prejuizos que dizem soffrer em seus vencimentos pela publicação do decreto de 19 de julho de 1849. — Á commissão de fazenda.

6.º Do mesmo ministerio, dando os esclarecimentos pedidos pelo sr. Frederico de Mello, ácerca dos predios legados ao convento da ordem terceira de Almodovar por José dos Santos Moura, com o fim de pagar a dois lentes de theologia dogmatica, e de philosophia racional e moral. — Para a secretaria.

7.º Uma representação da camara municipal de Leiria, pedindo a concessão de uma casa pertencente 4 fazenda nacional, para ahi estabelecer a secretaria e a administração do concelho. — À commissão de fazenda.

8. Da camara municipal de Almeirim, pedindo que se não permitta a introducção de cereaes estrangeiros. — Á commissão de agricultura.

9.º De Francisco Gonçalves de Sousa, major reformado de artilheria, pedindo melhoramento de reforma. — Á commissão de guerra.

10. ° Quatorze requerimentos de capitães de caçadores e de infanteria, pedindo que se lhes conte o tempo da graduação, para o fim de serem declarados capitães de 1.ª classe. — Á mesma commissão.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

REQUERIMENTOS

1.º Peço, pela segunda vez, que, pelo ministerio do reino, se remetta a esta camara copia da portaria pela qual foi nomeado o actual bibliothecario interino da bibliotheca nacional para servir no impedimento do bibliothecario. = Sieuve de Menezes.

2.º Requeiro que, pela secretaria da fazenda, seja remettida a esta camara um mappa do rendimento da contribuição do pescado em Armação de Pera, nos annos de 1860, 1861, 1862 e 1863. = Neutel.

Foram remettidos ao governo.

SEGUNDAS LEITURAS

PROJECTO DE LEI

Senhores. — Se somos aqui accordes todos em deplorar o desvio, que tantas vezes levou a discussão das nossas questões politicas para os campos da batalha. Se todos lamentámos hoje as consequencias desastrosas de pugnas sanguinolentas, que tantas victimas deixaram após de si. Se somos aqui todos unanimes no sentimento de fazer a estas a possivel reparação, como meio de apagar os tristes vestigios d'essas lutas fratricidas. E se a igualdade perante a lei é uma verdade, nós não poderemos, sem uma inqualificavel contradicção com os sentimentos do nosso coração, e sem negarmos culto e homenagem a um santo e eterno principio, desattender o cidadão, que nos vem aqui pedir justiça, exhibindo todos os titulos e fundamentos pelos quaes ella lhe é devida.

Senhores, são da historia contemporanea os acontecimentos politicos de Castello Branco em 1840. N'elles tomou parte Julio Fortunato da Costa, na qualidade de sargento ajudante, que então era, de infanteria n.° 6, seguindo o seu chefe, o desventurado coronel Miguel Augusto. Pelo mallogro d'aquella tentativa emigrou para Hespanha, donde regressou em 1842, confiado na amnistia publicada na ordem n.° 26, de 25 de maio do mesmo anno. Foi-lhe ella porém applicada de um modo tal, que soffrendo baixa de posto, e reduzido á condição de simples soldado, foi ex pulso dos corpos da capital, pelo que preferiu a baixa do serviço.

Nestas circumstancias, tendo sido meramente politica e arbitraria a exoneração que lhe fôra dada do posto de sargento ajudante, deveria, para os effeitos da lei de 30 de janeiro de 1864, no mesmo ser considerado em 6 de outubro de 1846, como o fôra pela junta do Porto, a cujo serviço se apresentára então em companhia do illustre general visconde de Sá da Bandeira, hoje marquez do mesmo titulo, sendo declarado alferes de infanteria n.° 7, pela ordem n.° 5, da mesma junta, de 21 de janeiro de 1847.

Na commissão de guerra existem os documentos respectivos.

É de incontroversa justiça, senhores, que o pensamento que inspirou a lei de 30 de janeiro de 1864, abranja e proteja o cidadão a que venho de alludir, ou quaesquer outros em analogas circumstancias; por isso tenho a honra de submetter á vossa illustrada apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° São extensivas ao sargento ajudante, que foi, de infanteria n.º 6, Julio Fortunato da Costa, e a quaesquer outros em analogas circumstancias, as disposições da carta de lei de 30 de janeiro de 1864.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Camara dos deputados, 9 de março de 1864. = Francisco Coelho do Amaral. = A. Gonçalves de Freitas.

Foi admittido e enviado á commissão de guerra.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: — Vae entrar-se na primeira parte da ordem do dia, que é a interpellação annunciada pelo sr. Mártens Ferrão ao sr. ministro da justiça, portanto vou dar a palavra ao sr. Mártens Ferrão.

O sr. Mártens Ferrão: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Ministro da Justiça (Gaspar Pereira): — Ainda que o nobre deputado o sr. Mártens Ferrão limitou as suas observações, e as reduziu a perguntas, desejando que eu dê respostas precisas e esclarecimentos ácerca d'ellas, não posso deixar n'esta occasião, visto que tomei a palavra, de ser um pouco mais extenso, dando todos os esclarecimentos que julgo a proposito dever dar, respondendo ao mesmo tempo ás perguntas do nobre deputado; e depois d'estas minhas explicações, s. ex.ª fará as reflexões que julgar acertadas e tiver por convenientes, como disse.

Sr. presidente, não posso deixar de me felicitar por ver chegado o momento em que me é dado explicar perante a camara e perante o paiz qual foi a minha conducta relativamente ao assumpto d'esta interpellação.

Ha muito tempo que o desejo, porque a minha consciencia está plenamente tranquilla; reputo uma felicidade para mim o poder explicar-me, porque me persuado que as minhas explicações hão de satisfazer a camara, mas quando tenha a infelicidade de assim não acontecer, espero ao menos que os nobres deputados me farão a justiça de acreditar que não influiram no meu animo ruins motivos; que se pratiquei alguns erros, esses erros foram de entendimento e não de vontade, não foram por acinte nem de proposito (apoiados).

O despacho do escrivão da camara ecclesiastica da diocese de Coimbra tem tomado as mais amplas dimensões: não fui eu que lh'as dei, mas sim quem ligou ao meu procedimento um sentido inteiramente alheio e diverso da verdade, revestindo assim este assumpto de circumstancias extraordinarias, e collocando-o em certo modo n'uma posição excepcional (apoiados).

Eu não venho aqui jactar-me nem vangloriar-me do que fiz, pelo contrario tenho summo pezar e sentimento de tudo quanto se tem seguido ao mencionado despacho; mas acredite v. ex.ª e a camara que isso não tem outro fundamento senão a errada interpretação que se deu ao modo por que me conduzi n'este negocio. Eu não tive em vista senão fazer aquillo que me pareceu ser mais do agrado do reverendo bispo de Coimbra, mas os meus actos foram interpretados de maneira que o reverendo prelado se deu por offendido e desconsiderado com o que fiz na intenção de lhe dar provas de deferencia, e de fazer aquillo que podesse ser-lhe mais agradavel. Eu logo darei explicações mais amplas sobre este ponto.

Seja-me permittido dizer ao nobre deputado, que encetou esta interpellação, que ella me foi annunciada no dia 6 de fevereiro ultimo, e na mesma occasião recebi um officio era que se me participava que se exigiam os documentos que dizem respeito a este assumpto. Ordenei que todos immediatamente se copiassem, sem excepção de um só, e mandei-os remetter a v. ex.ª; desde o momento em que elles chegaram á camara declarei-me habilitado para responder á interpellação. Passados dias recebi outro officio com data de 17 de fevereiro, e que me era dirigido pela camara dos dignos pares do reino, annunciando-me uma interpellação sobre este mesmo assumpto.

A proposito d'esta questão, tem se dito tudo quanto me póde ser desagradavel, e até se me tem feito censura por eu querer responder primeiramente na camara dos senhores deputados.

Sr. presidente, tenho igual deferencia, e a maior deferencia, tenho igual respeito e o maior para com ambas as casas do parlamento; mas tendo recebido a nota de interpellação enviada por esta camara no dia 6 de fevereiro, e tendo recebido igual nota da camara dos dignos pares, porém com data de 17, entendi que era meu dever responder primeiramente na camara dos senhores deputados (muitos apoiados). Aqui está pois explicado o motivo, porém já declarei por escripto que estava habilitado para responder á interpellação na camara dos dignos pares, na sessão que em for indicada.

Mas, sr. presidente, qual é o facto de que eu sou arguido? O nobre deputado só me arguiu, a meu ver, por eu não ter pedido ao digno prelado informação ácerca do candidato que foi nomeado para exercer o logar de escrivão da camara ecclesiastica de Coimbra. É facto que não pedi informação ao reverendo bispo de Coimbra, roas logo explicarei o motivo por que assim procedi, sem a mais leve idéa de o desconsiderar. O nobre deputado porém não disse, nem ha de dizer ninguem, que eu infringi alguma lei, ninguem diz que eu invadi as attribuições do episcopado, ninguem diz nem póde dizer que eu ultrapassei os limites e as attribuições do poder executivo.

S. ex.ª sabe, e sabem todos, quaes são as attribuições do poder executivo; s. ex.ª sabe perfeitamente o que determina o § 2.° do artigo 75.° da carta constitucional, quando diz expressamente que = entre as principaes attribuições do poder executivo uma d'ellas é nomear bispos e prover os beneficios ecclesiasticos =.

Alem d'isso s. ex.ª sabe, e sabe a camara, que ainda é mais explicito e terminante o decreto com força de lei de 5 de agosto de 1833.

O artigo 1.° desse decreto diz que = ficam extinctos, como se nunca tivessem existido todos os padroados ecclesiasticos de qualquer natureza ou denominação que sejam =. E o artigo 2.° é expresso quando diz: «Só o governo póde nomear e apresentar os arcebispos, bispados, dignidades, priorados mores, canonicatos, parochias, beneficios e quaesquer outros empregos ecclesiasticos». Á vista d'isto não posso ser arguido, nem o sou, por ter referendado um decreto pelo qual foi nomeado o escrivão da camara ecclesiastica de Coimbra.

Não se dá arguição n'este ponto, nem a póde haver, estando o acto dentro das attribuições do poder executivo. Aqui não ha desvio; a falta das informações, logo explicarei a rasão que teve. Não houve com isso, repito e hei de repetir sempre, nem a mais leve idéa de offensa, nem me passou pela imaginação o querer desconsiderar o reverendo prelado; pelo contrario, se não mostrei a minha deferencia para com elle no modo por que conduzi este negocio, falhou-me completamente o que tinha na idéa.

Mas feita a nomeação, o que aconteceu? O reverendo prelado começou por declarar desde logo que não daria posse ao nomeado, quando é incontestavel que a nomeação tinha sido feita dentro das attribuições do poder executivo! Quiz resignar, dizia s. ex.ª, para se não ver em conflictos com o governo, e mais tarde declarou positivamente que não obedecia, isto é, que não daria posse ao agraciado, o que importa o mesmo que não obedecer ao decreto da nomeação, e á carta regia que em virtude d'elle é expedida.

S. ex.ª pergunta qual é o estado verdadeiro da questão, e perguntou o que tem havido a respeito de Roma. Eu logo responderei a cada uma d'estas perguntas. Mas preciso primeiro fazer algumas outras declarações.

Ninguem respeita mais do que eu os reverendos prelados diocesanos; reconheço o logar elevado que elles occupam na jerarchia ecclesiastica; reconheço que os prelados diocesanos são os successores dos apostolos, são os summos sacerdotes, sei que se deve respeito a todos, e eu sou o primeiro a não faltar a esse respeito, mas sei tambem que os prelados são ao mesmo tempo cidadãos portuguezes (apoiados); sei que antes de entrarem no exercicio das suas funcções prestam o solemne juramento de cumprirem e de fazerem cumprir as disposições da lei fundamental da monarchia, e sei que aquelles que declaram que não obedecem aos decretos do poder executivo, decretos promulgados dentro das attribuições d'esse poder, faltam de certo modo ao juramento que prestam (apoiados).

Se o nobre prelado tivesse dito ao governo que tinha esses motivos de consciencia, que se davam graves inconvenientes em que fosse nomeado escrivão da camara ecclesiastica de Coimbra a pessoa sobre quem recaíu a nomeação, sem desde logo impugnar o acto da posse, sem se oppor a elle decididamente, o governo teria tomado em consideração as reflexões do prelado, para entrar na indagação dos motivos; mas desde o momento em que declarou formalmente que não podia cumprir, que não dava a posse, qual era a situação do governo se o decreto fosse declarado sem effeito, só porque se não tinham pedido informações ao prelado? (Apoiados.) Digo mais; eu não sei qual é a lei que obriga a pedir essas informações (apoiados); não sei se existe, não sei se infringi lei em deixar de as pedir. Logo tratarei esse ponto mais detidamente; por agora declaro que não conheço lei que infringisse ou antes sei que não infringi nenhuma. Dado este caso havia porventura motivo para o digno prelado dizer ao governo que = não obedecia, que não dava posse e que queria renunciar =? Persuado-me que não.

No meu officio de 19 de agosto parece-me que expliquei satisfactoriamente e dei as rasões do meu procedimento, mas não deixarei de hoje as expender com mais clareza perante a camara e o paiz a quem desejo convencer de que não commetti falta por que mereça censura.

Eu tenho obrigação de respeitar, como já disse, os prelados, mas tenho tambem obrigação rigorosa de sustentar as prerogativas da corôa (apoiados).

Sr. presidente, eu não tenho dom de palavra eloquente, esse dote valioso, o mais vantajoso que póde possuir qualquer que tem voz dentro de algumas das casas do parlamento; não me coube a mim em partilha, nem já agora me posso explicar com certa facilidade com que me explicava quando encetei a carreira parlamentar; o meu mau estado de saude é a causa de me faltar essa facilidade que tive era outro tempo.

Quando levanto a minha voz dentro d'esta casa, as poucas vezes que o faço por necessidade, devo á camara a benevolencia de me ouvir com attenção; nunca ella me foi tão precisa, essa benevolencia, como hoje, e não posso deixar de a pedir aos nobres deputados, porque vou entrar em mais amplas explicações, expondo os factos como elles se passaram, o que farei do modo que me for possivel; e se essas explicações não forem taes que possam prender a attenção da camara pela elevação de phrase, ha de ser pelo menos a minha exposição fiel, exacta, e conforme em tudo com a verdade dos factos. Então se conhecerá melhor quaes foram os motivos do meu procedimento, e por essa occasião responderei a cada uma das perguntas que acabou de fazer o nobre deputado.

Eu não venho á camara ler os documentos que já são do dominio do publico, não venho referir-me a elles extensamente, mas não poderei deixar de mencionar alguns trechos d'esses documentos, para assim poder melhor motivar as minhas explicações. Preciso começar de mais longe para chegar ao facto da nomeação do escrivão da camara ecclesiastica.

Nos principios do anno de 1862 vagaram tres cadeiras de conegos na sé de Coimbra, dois d'estes canonicatos deviam ser promovidos com onus de ensino na conformidade do decreto de 26 de agosto de 1859, decreto luminoso, decreto que tem tido felizes resultados, que teve em vista promover a instrucção do clero, e que tem aproveitado muito. Eu não falto jamais a dar testemunho da verdade, e não falto nunca a dar o devido louvor ás medidas de muito alcance promulgadas pelo nobre deputado, o sr. Mártens Ferrão, quando dignamente occupou a pasta da justiça.

Na conformidade d'aquelle decreto de 26 de agosto de 1859, pelo qual são providas em cada uma das sés do reino e ilhas quatro cadeiras de conegos com onus de ensino, foram duas de Coimbra postas a concurso com esse onus, e uma sem elle. Para os tres referidos canonicatos appareceram vinte e quatro oppositores, quinze ás cadeiras com onus de ensino, e nove para a outra cadeira sem esse onus.

Entre os oppositores que concorreram a cadeira sem onus de ensino, um d'elles foi o beneficiado da sé de Coimbra, José Ferreira Fresco.

Fechado o concurso pedi as competentes informações, e

Página 763

763

o reverendo bispo informou ácerca d'este candidato com a maior vantagem; por essas informações vi que era elle pessoa que lhe merecia todo o conceito sem duvida muito imparcial: apesar d'isso havendo um outro oppositor que teve igualmente vantajosas informações, e entendendo eu que elle tinha prestado mais valiosos e mais longos serviços á igreja, foi esse o promovido e não o beneficiado José Ferreira Fresco. Não tardou muito tempo que os acontecimentos me não viessem confirmar na idéa de que este beneficiado merecia todo o conceito do reverendo prelado.

Passados tres mezes, porque os decretos da nomeação dos conegos têem a data de 30 de junho de 1862, vagou por morte de Marcellino José de Vasconcellos o logar de escrivão da camara ecclesiastica de Coimbra (e eu chamo-lhe escrivão, porque me parece o termo mais proprio) (apoiados). O escrivão da camara ecclesiastica póde ser secretario ou deixar de o ser, não se segue que seja sempre secretario particular do prelado, póde-o ser ou não, portanto chamo-lhe escrivão da camara ecclesiastica. Vagou, como disse, o referido logar tres mezes depois, isto é, em 5 de outubro do dito anno, e a 8 fez o reverendo prelado a competente participação para a secretaria. O officio que tenho presente foi já publicado; o nobre deputado referiu se a elle, mas eu preciso tambem chamar a attenção da camara sobre algumas das ponderações que ahi se fazem. Diz elle que o logar não deverá ser provido em pessoa que o procure para modo de vida, mas em individuo que tenha as qualidades necessarias para bem o desempenhar, e que seja de confiança do prelado.

Estou persuadido de que estes logares são sempre requeridos por pessoas que precisam subsistir com os proventos d'elles (apoiados). Não fiquei pois entendendo bem a expressão — que o procure para modo de vida —; persuadi-me que o digno prelado quiz dizer — a pessoa, que não fizesse render mais o officio do que natural e legalmente elle podesse render —; se é isto, estou de accordo, e tambem em que não seja dado o officio senão a pessoa que esteja em circumstancias de o poder desempenhar com acerto, intelligencia o probidade.

Acrescenta o referido bispo que = mais convem que o provido seja antes ecclesiastico por ter de escrever em assumptos, que vae tocar com a reputação das familias, nos quaes deve haver todo o segredo =. Não contesto essa conveniencia em regra; mas tambem ha muitos seculares, que estejam nas mesmas circumstancias de poderem desempenhar esses logares dignamente, e tanto assim é que ha e têem havido muitos escrivães das camaras ecclesiasticas, que são seculares (apoiados).

Ha uma outra asserção, com a qual eu não posso concordar; diz o documento a que me refiro que =nesta especie de provimento era feita era outro tempo por livre escolha dos prelados, e que hoje ainda não está, segundo lhe consta, definitivamente regulado por outra fórma =. Sr. presidente, em presença da legislação a que já me referi, conforme o que se acha determinado no § 2.° do artigo 75.° da carta, e no decreto com força de lei de 3 de agosto, não póde ter logar a proposta por parte dos prelados. Não está ella decretada expressamente, por conseguinte o provimento do officio de escrivão de qualquer camara ecclesiastica entra na regra geral dos empregos ecclesiasticos, que o poder executivo póde prover sem dependencia de proposta do respectivo prelado.

Dentro de pouco tempo deram entrada na secretaria da justiça treze requerimentos de pretendentes, cujos nomes tenho aqui, e que é escusado mencionar.

Entre os requerimentos dos treze pretendentes que pedi rara o logar, se acha tambem o do proprio proposto José Ferreira Fresco, que veiu requerer; todos elles reconheceram que o logar devia ser provido, não em virtude de proposta, mas em virtude de requerimento e habilitações. Reservei-me pois para examinar os requerimentos e documentos dos treze pretendentes com a devida madureza, comparando os documentos de uns com os documentos de outros.

Mas não se demorou muito que não vagassem mais duas cadeiras de conegos na sé de Coimbra. Mandou-se abrir o concurso para as prover. Veiu a elle, assim como tinha vindo a outro, o beneficiado proposto para escrivão da camara ecclesiastica.

Esquecia-me ainda referir uma circumstancia. Um dos motivos por que me repugnou fazer desde logo a nomeação do proposto pelo reverendo prelado foi para evitar accumulações, porque elle era beneficiado da sé de Coimbra, e, se fosse provido, accumulava dois empregos, se fosse ao mesmo tempo despachado escrivão da camara ecclesiastica. Foi tambem este um dos motivos que eu tive para não fazer a nomeação tão prompta como se reclamava; mas abrindo-se o concurso para os dois canonicatos que vagaram, desde esse momento eu entendi não prover o officio sem ver primeiro o resultado d'esse concurso, porque tendo-me ficado uma impressão muito favoravel d'esse beneficiado desde a primeira vez que tinha sido muito bem informado, não podia haver duvida alguma em ser provido em um dos canonicatos, se não concorresse outro em melhores circumstancias.

Eram dois os canonicatos a prover, como disse, vieram treze concorrentes, e examinados e vistos os requerimentos de todos, entendi que o beneficiado José Ferreira Fresco estava nas circumstancias de ser provido em uma das cadeiras, porque não havia outro mais avantajado nem em serviços nem em habilitações.

Consequentemente passou se o decreto em agosto de 1863, provendo effectivamente este beneficiado n'aquelle canonicato. Provido assim, e estando eu, como estava, inteiramente convencido, pelo silencio da participação da vacatura, de que era elle que interinamente servia o officio de escrivão da camara ecclesiastica, esse officio içava vago, porque de modo algum o provido no canonicato podia accumular a cadeira de conego com o officio de escrivão para que fôra proposto.

O que me restava então a fazer, uma vez que não podia ter logar a accumulação? O que me restava fazer era a nomeação da pessoa que houvesse de servir o officio de escrivão da camara ecclesiastica. Chamei a mim os treze requerimentos, examinei os documentos de todos os pretendentes, e pareceu-me, pelas circumstancias que revestiam esses documentos, que o pretendente Antonio Maria Ferrão Montenegro, que juntava certidão de ser bacharel formado em direito e teologia, e attestados de excellente e irreprehensivel comportamento, estava nas circumstancias de, sem fazer offensa ao reverendo prelado, ser provido no officio que requereu. Entendi, e a meu ver com sufficiente fundamento, que elle estava no caso de ser provido, porque era ao mesmo tempo provido na cadeira de conego o proposto beneficiado José Ferreira Fresco, que eu julgava que exercia interinamente o officio.

Eis-aqui está explicado o motivo por que não pedi informações. Eis aqui está explicado o motivo por que te expediram ao mesmo tempo os dois decretos: um, provendo na cadeira de conego aquelle que tinha direito a ella, e outro provendo um dos treze concorrentes, que tinham vindo requerer o officio de escrivão da camara ecclesiastica; e, provendo neste logar aquelle que me pareceu estar mais nas circumstancias de ser provido, entendo que não offendi lei alguma (apoiados).

Mas o que aconteceu depois? Apenas se expediu o decreto veiu a representação do venerando bispo, dizendo que elle se julgava altamente desconsiderado, por isso mes me que não lhe tinham sido pedidas as informações. O motivo por que se não pediram informações está dito. Não tive a menor idéa de desconsideração para com o reverendo bispo, e quando a nomeação recaíu numa pessoa que ao seu requerimento juntava attestados de ter uma conducta exemplar, esta é a phrase, a todos os respeitos parece-me que não se fez injuria nenhuma ao prelado em que a nomeação para escrivão da camara ecclesiastica recaisse n'esse individuo.

Mas ahi está publicada a representação do reverendo bispo; não tenho precisão de a ler, todos sabem o que ella contém e quaes são os fundamentos em que baseia o pedido da renuncia. Confesso que me custou bastante a acreditar que a circumstancia de se não terem pedido informações, por cujo facto se não infringiu lei alguma, fosse rasão plausivel e bastante para aquelle prelado renunciar o seu bispado. Respondi-lhe com uma portaria, e parece-me que essa portaria está concebida em termos taes, que o reverendo prelado devia acreditar que não era sufficiente o motivo que allegava para justificar a deliberação que tomava.

Tambem não pretendo fatigar a camara lendo agora e analysando a mencionada portaria, mas tenho para mim que ella trata de convencer o digno prelado de que não houve idéa nenhuma de desconsideração, esperando por isso que elle não insistisse na sua primeira deliberação, e que abandonaria a idéa de resignar; mas que, se absolutamente insistisse n'ella, com pezar se lhe concedia a licença pedida.

Á vista d'esta explicação franca e leal, e d'esta satisfação, esperei que o digno prelado dotado, como é, de um espirito de mansidão, e dotado, como o deve ser, de um espirito de tolerancia, acreditaria que nenhuma offensa se lhe tinha feito, e que não insistisse por consequencia na sua intenção de resignar o bispado. Não aconteceu assim. O reverendo prelado, apesar d'estas explicações que se lhe deram, continuou a considerar-se offendido; e veiu com o teu officio, que tenho aqui e que está impresso', de 15 de agosto de 1863, insistindo em que lhe repugnava a pessoa do no meado, que não mudava de opinião, que agradecia a licença que se lhe dava para poder resignar o seu bispado, e remettia para ser dirigida ao nuncio de Sua Santidade a supplica que dirigia ao Santo Padre, pelo motivo, e não ha outro, de não ter sido consultado ácerca da idoneidade da pessoa que tinha sido nomeada para escrivão da camara ecclesiastica.

Immediatamente (porque entendi que não tinha outra cousa a fazer) dei conhecimento de tudo ao ministerio dos negocios estrangeiros, porque é aquelle que se entende mais proximamente com os representantes das nações estrangeiras, a fim de que por aquelle ministerio fosse remettida ao nuncio de Sua Santidade a supplica do reverendo bispo.

No tempo em que isto se deu caí doente, estive fôra do serviço porque não podia presta-lo, e foi nomeado para occupar interinamente a pasta da justiça o meu collega, o sr. Anselmo José Braamcamp, que então era ministro do reino.

Apenas voltei ao ministerio tratei de me informar do que se tinha feito relativamente ao negocio do reverendo bispo de Coimbra. Fui informado de que se não tinha respondido ainda ao ultimo officio.

Immediatamente mandei redigir o officio de 19 de novembro de 1863, que ahi corre tambem impresso, dizendo ao reverendo bispo, que tinha remettido a sua supplica ao nuncio de Sua Santidade, explicava ainda mais os motivos que tinham influido para aquelle despacho, e fazia differentes observações sobre a causa, que me parecia extraordinaria, por que se tinha tomado uma resolução tão precipitada como aquella que tomou o reverendo bispo.

Não tomo tempo á camara lendo e analysando este officio, mas digo que elle contém exactamente o meu pensamento. Quem o ler attentamente ha de ali encontrar a desculpa de todos os meus actos, e a explicação do modo por que elles foram conduzidos.

A este officio tão explicito respondeu o reverendo bispo, insistindo e agradecendo que se tivessem remettido para

Roma os papeis que elle mandára com esse destino. É nessa resposta que elle então explica que não fôra José Ferreira Fresco o nomeado interinamente para servir aquelle officio, que era isto um lapso que lhe cumpria rectificar, mas sim um outro. Fiquei sabendo com certeza o que havia a respeito do provimento interino, porque até ahi não tinha conhecimento d'elle.

Pergunta agora o nobre deputado, o sr. Mártens Ferrão, qual é o estado da questão, depois de Sua Santidade não ter aceitado a resignação do reverendo bispo. Eu respondo que não tive informação nenhuma official a similhante respeito. Estou persuadido de que veiu resposta de Roma, porque me consta que ha uma declaração verbal do nuncio de Sua Santidade, em audiencia do sr. ministro dos negocios estrangeiros, dizendo-lhe que effectivamente tinha sido recusada a licença ou breve para renunciar; mas não ha participação nenhuma official. Se o reverendo bispo a recebeu directamente da nunciatura, ignoro isso; mas se tal aconteceu, o que não devo acreditar, não é esse procedimento conforme, antes é contrario á portaria de 15 de dezembro de 1860, e a muitas disposições em identico sentido.

Os prelados do reino não devem dirigir-se á nunciatura senão por intermedio do governo (apoiados). Á nunciatura se dirigiu o reverendo bispo de Coimbra por intermedio do governo, e pelo mesmo modo devia ser dada a resposta, qualquer que ella fosse, á representação que o reverendo bispo de Coimbra fez a Sua Santidade.

Portanto não tenho informação alguma official a esse respeito.

Mas supponhamos que existe a recusa. O governo não tomou uma parte directa n'esse negocio. O governo não interveiu para que ao reverendo bispo fosse concedido o breve para resignar, pelo contrario o governo tem muito interesse em que o reverendo prelado continue á frente da sua diocese, nem vê motivo nenhum pelo qual se deva verificar a resignação.

Pergunta o nobre deputado—mas que quer fazer o governo na conjunctura em que o prelado deva continuar á frente da sua diocese? Eu respondo.

Ha um decreto promulgado dentro das attribuições do poder executivo. Em virtude d'esse decreto ha de haver um carta regia, que é a do provimento do logar, passada a favor do agraciado. Esta carta regia acredito que já se expediu, tenho mesmo idéa de a ter assignado. Ha de ser apresentada ao reverendo bispo de Coimbra, e estou persuadido que elle ha de cumpri-la e dar posse ao agraciado (apoiados). Nem outra cousa se póde esperar.

Tambem não venho aqui discutir pessoas. Mas supponhamos por momentos que o agraciado não tinha as qualidades necessarias para exercer o officio de escrivão da camara ecclesiastica. Era isso motivo sufficiente para o prelado deixar de dar cumprimento á carta regia negando a posse ao nomeado? (Apoiados.) Dê-lhe a posse como é do seu dever e obrigação, e se o nomeado não é sufficiente para poder desempenhar o officio, suspenda-o se tanto for preciso, e dê depois conta; diga os motivos que teve para se dar a suspensão, e o governo tomará conhecimento d'esses motivos, e fará aquillo que lhe cumpre sustentando ou revogando o decreto. Mas antes de dada a posse, só porque o governo não pediu informações ao prelado, ha de ser retirado o decreto? Pois isso é motivo para revogar um decreto e declara lo sem effeito? (Apoiados.) Qual é a lei que o governo infringiu? Eu não conheço nenhuma (apoiados)

Já dei as rasões pelas quaes entendo que não precisava pedir informações. Ha casos em que a lei expressamente ordena que se peçam informações aos prelados para melhor acerto nos provimentos de beneficios, mas a respeito de certos empregos, e o de escrivão da camara ecclesiastica é um d'elles, não ha lei que o determine positivamente.

Não havendo lei que obrigue o governo a pedir informações no caso de que se trata, não me póde passar pela idéa, nem por um momento, nem por um instante, que o reverendo bispo de Coimbra deixe de cumprir a carta regia quando ella lhe for apresentada, nem que deixará de dar posse aquelle que é agraciado. Siga se muito embora depois o que se seguir, porém a posse não póde deixar de lhe ser conferida. Mas se s. ex.ª insistir em não lh'a dar? Pergunta o illustre deputado. Não acredito de modo algum que elle insista no seu proposito; se tal acontecer, o que não é de esperar, veremos o que cumpre fazer (apoiados).

Não posso dizer ainda á camara, sem chegarmos a esse ponto, nem preciso declarar qual ha de ser a conducta do governo.

O que tenho a dizer é que hei de fazer cumprir a lei (muitos apoiados), depois de esgotados todos os meios que a prudencia aconselha.

O que tenho a dizer em ultima analyse, repito, é que ninguem respeita mais do que eu os dignos prelados diocesanos, mas que não hei de consentir, emquanto estiver sentado n'estas cadeiras, que sejam menosprezadas ou que se invadam as attribuições do poder executivo, e as prerogativas da corôa (muitos apoiados).

Vozes: — Muito bem.

O sr. Mártens Ferrão: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Blanc: — Mando para a mesa dois pareceres da commissão de fazenda.

A imprimir.

O sr. Ministro da Justiça: — Tenho muito poucas palavras a acrescentar ás explicações que já tive a honra de dar á camara, e que não sei se são satisfactorias. A camara o julgará como entender em sua alta sabedoria.

Entretanto, não posso dispensar-me de fazer breves e ligeiras observações sobre alguns dos pontos a que se referiu o illustre deputado o sr. Mártens Ferrão.

Página 764

764

Não vim ao seio do parlamento ostentar força para opprimir ninguem (apoiados). Longe de mim similhante idéa. Não é esse o meu proposito.

Já disse, e repito, o muito respeito que tenho pelos prelados diocesanos; mas não posso tambem deixar de sustentar a dignidade do logar em que me acho collocado (apoiados), e de fazer cumprir as leis, quando alguem se afaste do cumprimento d'ellas, e isto não póde nunca aviltar ninguem (muitos apoiados), seja quem for a pessoa que tenha de as cumprir (apoiados).

O governo tem muito em vista fazer respeitar as attribuições do poder executivo (apoiados). Não vem deprimir pessoa nenhuma, nem ostentar força com esse fim.

O illustre deputado fallou em acontecimentos que têem tido logar, e acrescentou que o governo os deixa chegar a uma certa altura, para depois recuar e arrepender-se. Mencionou diversos casos em que julga que se tem dado esse arrependimento. Não pretendo agora analysar cada um d'elles; e com referencia ao ponto de que nos occupâmos, digo que não sei qual será o resultado d'esta questão, mas estou convencido de que obrei, segundo a minha consciencia; estou tambem persuadido de que não hei de referendar, nas circumstancias em que me acho, o decreto que nomeie outro individuo para o officio de escrivão da camara ecclesiastica, só pelo facto de que o nomeado não agrada ao nobre prelado da diocese de Coimbra, sem se conhecerem e apreciarem os motivos por que lhe repugna isso.

Não agrada ao nobre prelado d'aquella diocese o despacho que referendei? Pois o provimento dos empregos póde ficar dependente só da consciencia dos prelados? (Muitos apoiados.) Não póde ser (apoiados). Não ha mais se não o prelado dizer — repugna á minha consciencia o aceitar o empregado que o governo nomeia, para o governo retirar a nomeação?! Porque o prelado diz que lhe repugna á sua consciencia aceitar um individuo que o governo nomeia para um logar vago, e cuja nomeação compete ao governo, ha de este declarar sem effeito o decreto da nomeação? Não me persuado de que isto seja conveniente (apoiados), nem que a consciencia possa deixar de ser regulada por motivos fortes e poderosos. Neste caso era necessario declarar os motivos que havia para a recusa (apoiados).

Por isto, o que era natural, era ter cumprido a carta do provimento, ou não se recusar formalmente a cumpri-la.

Quem é que quer arrastar aos tribunaes um velho carregado de serviços? Ninguem. Eu não quero senão respeitar em tudo o prelado de Coimbra, respeitar a sua idade, o seu saber e os seus longos serviços, e quero convencer-me de que elle ha de cumprir a lei. Não póde querer resistir áquillo que o direito, a boa rasão e o seu dever lhe aconselha. Repito, estou persuadido de que elle ha de cumprir o decreto, e então nem pela imaginação me passa que possa ser chamado aos tribunaes. «Mas o governo deve seguir a questão da renuncia». Eu ainda não disse que não a devia seguir, disse que não tenho conhecimento official, e quando tiver esse conhecimento havemos de obrar com madureza. O governo não quer outra cousa senão paz e harmonia com os prelados, mas quer que elles cumpram a lei (muitos apoiados), e que não venham por modo algum invadir as attribuições dos poderes constituidos (muitos apoiados). E cumprem effectivamente, nem outra cousa é de esperar das suas virtudes e cordura. Este ponto de que nos occupâmos é uma ligeira excepção que se ha de desvanecer som o emprego de meios desagradaveis. É necessario que se apresentem os motivos, e é preciso que esses motivos sejam plausiveis. Recusar a posse immediata ao nomeado, e declarar que se não dá Cumprimento á carta regia da nomeação, é, como eu ha pouco tive a honra de dizer, faltar em certo modo ao juramento que se prestou, e desobedecer em certo modo á carta constitucional (apoiados).

Não é o governo, não sou eu quem provocou esta luta, da qual tenho vivo pezar e grande sentimento, como já disse a primeira vez que fallei; fui trazido a esta situação. Negou-se cumprimento a um decreto. Que hei de fazer? De maneira nenhuma posso deixar de pugnar pelo cumprimento dos deveres de cada um; de maneira nenhuma posso deixar de pugnar para que se respeitem as attribuições do poder executivo, para que se respeitem os seus decretos (apoiados).

Eu não levantei a minha voz da primeira vez que fallei com a idéa de offender alguem. Se a levantei um pouco mais, é isso modo natural de fallar; mas foi sem offensa nenhuma a ninguem da minha parte (apoiados).

E torno a repetir: não é para aqui que vem os casos de consciencia. A consciencia do prelado respeito-a, e respeito a de todos os prelados. Se ha motivos que repugnem á aceitação da pessoa nomeada, saibamos quaes são esses motivos, tratemos de os examinar e o governo ha de fazer justiça; tendo em muita consideração as virtudes, o zêlo e a respeitabilidade do prelado e de todos os prelados quando se trata do cumprimento dos seus deveres, porque o governo não falta de modo nenhum a esse respeito. O que o governo quer é que a lei seja executada, é que as attribuições do poder executivo sejam mantidas (apoiados).

E não venha dizer-se que por motivos de consciencia se nega obediencia aos decretos de um poder que tem a faculdade de promulgar esses decretos: isso seria, como já disse, uma completa anarchia (apoiados). Seria, como disse e repito, uma completa anarchia, se acaso tivessemos de sujeitar sempre as nomeações, n'aquillo que a lei não as manda sujeitar, ao informe ou ás propostas de qualquer auctoridade, ou essa auctoridade seja ecclesiastica, ou seja civil (apoiados).

O illustre deputado reconheceu que não ha lei nenhuma que obrigue o governo a pedir informações ao prelado no caso de que se trata; mas disse que havia uma lei que equivalia a lei escripta, e era a lei da responsabilidade.

Quem é que nega isso? Eu, no logar que occupo, jamais deixei de pedir informações aos prelados em todos os casos; e o illustre prelado de quem se trata diz, em um dos seus officios, que o governo lhe tem pedido informações até de um sachristão. É verdade. Sempre que tenho feito nomeações para beneficios ecclesiasticos lhe tenho pedido informações. E porque não as pedi n'esta occasião? Já declarei á camara o motivo por que assim procedi, e parece-me que esse motivo é plausivel. Foi porque não só existiam nos documentos motivos sufficientes para fazer a nomeação, mas havia a necessidade de prover o officio ao mesmo tempo que era despachado para um outro aquelle que lá estava servindo interinamente, ou isso se acreditava com bom fundamento, por isso que o officio não podia ficar vago, e não se podia admittir que houvesse uma accumulação (apoiados). Este motivo, se não é sufficiente para n'aquella occasião deixarem de ser pedidas as informações, ao menos foi aquelle que actuou no meu animo; não houve outro. Entendi que isto era bastante, e que podia fazer o provimento do logar á vista dos documentos que instruíam o requerimento do pretendente, e que o podia fazer na occasião em que despachava para conego da sé de Coimbra aquelle que tinha sido proposto pelo prelado (apoiados).

Posto isto, parece-me que tenho explicado o meu procedimento, e que não ha rasão sufficiente para Se julgar offendido o muito reverendo bispo de Coimbra (apoiados).

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O sr. Presidente: — Da lista da inscripção consta que pediram para tomar parte nesta interpellação os srs. José Maria de Abreu e Quaresma. Tem a palavra o sr. José Maria de Abreu.

O sr. J. M. de Abreu: — Não me proponho fazer um discurso, porque me faltam para isso os dotes naturaes, e porque os ornatos e preparos oratorios me parece terem pouco cabimento n'uma simples interpellação; mas direi alguma cousa em relação ao negocio de que se trata, pedindo desculpa á camara de entrar em um assumpto alheio aos meus estudos e á minha profissão.

Eu não podia deixar de manifestar os graves reparos que me causara o singular procedimento do sr. ministro da justiça, no provimento do logar de escrivão da camara ecclesiastica da diocese de Coimbra. Por isso acrescentarei apenas algumas observações ao que disse o meu illustre collega e amigo o sr. Mártens Ferrão, afastando-me completamente da questão pessoal, porque não costumo tratar neste logar questões pessoaes, principalmente quando ellas dizem respeito a individuos que não podem aqui levantar a sua voz para se defenderem.

A questão foi luminosamente tratada pelo illustre deputado, o sr. Mártens Ferrão, e não vi na resposta do sr. ministro da justiça senão a repetição do que s. ex.ª tinha dito da primeira vez que fallou. S. ex.ª não cessou de prestar homenagem ás qualidades distinctas do sr. bispo de Coimbra, s. ex.ª foi o primeiro a manifestar quanto o maguava tudo o que podesse importar uma desconsideração para com este illustre prelado, que junta ás suas virtudes a qualidade de ter sido sempre como um dos ornamentos do episcopado, um dos mais dedicados amigos das liberdades patrias (apoiados).

Todos nós conhecemos o sr. bispo de Coimbra, e todos estamos costumados a fazer justiça ás suas virtudes e ás suas eminentes qualidades (apoiados); e a fallar a verdade, não me parece que fosse bem escolhido para alvo de medidas de rigor contra um prelado, aquelle que tantas provas tem dado da sua dedicação á causa liberal, e tantas vezes tem mostrado o seu empenho pela harmonia que deve haver entre o poder espiritual e o poder temporal, n'aquellas relações que são essenciaes para a boa ordem do governo do estado, sobretudo n'um. paiz que tem como religião do estado a religião catholica.

Portanto não carecemos de discutir as qualidades, aliás distinctas, do sr. bispo de Coimbra, porque todos as reconhecem, (apoiados); mas o que é certo, o que resulta inevitavelmente dos documentos de que a camara tem conhecimento, é que elles importam uma grave desconsideração para com aquelle prelado.

Eu quero acreditar que as intenções do sr. ministro não eram essas, nem o podiam ser; mas o que é certo é que se procedeu no negocio de que se trata contra todos os principios de rigorosa justiça, não só d'aquelles escriptos nas leis, mas dos que servem de norma ao bom governo e administração do estado, que têem por si as boas praticas, e que são conformes com as conveniencias que a indispensavel harmonia de dois distinctos poderes exigem para bem do estado e da igreja.

Tratava-se de prover o logar de escrivão da camara ecclesiastica de Coimbra — e eu não pretendo entrar aqui na questão, se o provimento deste logar era da nomeação regia ou da do prelado diocesano, ou se a este competia a proposta do individuo que devia ser despachado, porque materia é esta para ser examinada mais detidamente.

Qualquer que seja o modo por que se considere este negocio, sempre é muito para entranhar que este alto funccionario não fosse ouvido para a nomeação do empregado que tinha com elle de tomar parte nos actos mais intimos da sua auctoridade e jurisdicção. Mas diz se: «O prelado conimbricense recusou cumprir as ordens do governo e desobedeceu-lhe formalmente». Peço perdão; esta apreciação não é exacta. O prelado de Coimbra não contestou ao governo o direito da nomeação. O prelado não disse que negava ao governo o direito da nomeação, não entrou nessa questão; disse que a pratica antiga era serem estes logares providos pelos prelados, independentemente de nomeação regia, mas que podendo suscitar-se duvida a este respeito propunha o individuo que julgava idoneo para desempenhar aquelle logar, e effectivamente propoz ao governo um individuo que entendeu que podia exercer e desempenhar dignamente esse logar. O prelado propunha um individuo tão digno, que o proprio governo o foi depois nomear para uma cadeira capitular; reconhecendo assim que tinha habilitações é capacidade até para mais elevadas funcções, e que neutros serviços d'aquella diocese tinha dado provas da sua idoneidade e merecimento.

Nem tão pouco se póde dizer que qualquer espirito adverso ás instituições que nos regem ou qualquer influencia menos legitima tinha inspirado aquella proposta; porque foi o proprio sr. ministro da justiça que o proveu n'uma cadeira capitular da sé de Coimbra. Por consequencia tinha reconhecido o merecimento desse individuo. Mas o ponto que o sr. ministro da justiça quiz fazer sobresaír na sua portaria de 17 de outubro e officio de 19 de novembro ultimo ao sr. bispo de Coimbra foi — que o não tinha desconsiderado por não ter nomeado aquelle mesmo individuo para escrivão da sua camara ecclesiastica. Era sempre uma questão pessoal que o sr. ministro da justiça, talvez mau grado seu, via constantemente diante de si, suppondo que podia assim attenuar o effeito da resistencia que encontrava na admissão do nomeado, attribuindo a motivos particulares um acto que da parte do venerando prelado nascia só da sua consciencia e da dignidade que lhe cumpria manter. Mas a questão não era pessoal. O prelado indicou o sujeito que lhe parecia que devia ser nomeado; e queixava-se não de que não fosse nomeado o individuo que propozera, porque nem uma palavra dirigiu ao sr. ministro a este respeito, nem uma só referencia se encontra n'este ponto nos officios de s. ex.ª: o prelado não disse ao governo — eu queixo-me, estranho e censuro que não fosse nomeado este individuo —; queixava-se do modo por que o governo procedêra provendo um logar que devia ser da confiança do prelado em quem lh'a não podia merecer, em quem tinha impedimento e incompatibilidade para servi-lo. Era por consequencia uma questão de principios e não de certa e determinada pessoa. O prelado queixava se, e com sobeja rasão, porque era a primeira vez que n'um caso d'estes não tinha sido ouvido, sendo-o sempre em todos os outros negocios da sua diocese. O governo entendeu que tendo treze concorrentes aquelle logar não carecia de annunciar concurso para evitar que alguns mais se apresentassem. Entendeu que não precisava de ouvir a opinião do prelado, e este é o ponto importante da questão. Ninguem contestou a faculdade que o governo tem de nomear individuos para os differentes logares quando tem as habilitações legaes; mas entre o poder e o dever ha uma grande distancia: entre o direito de exercer uma faculdade e o dever de a exercitar ha uma grande differença (apoiados).

Lembra-me agora que em França pela concordata de 1801, e pela lei organica de 1810, o governo tem a faculdade de não consentir que se façam as procissões publicas; mas entretanto declaram todos que tem tratado d'este assumpto, e designadamente mr. Battie, que este poder que o governo tem de não consentir que as procissões religiosas sáiam fóra dos templos, nem sempre se observa, e nem sempre é inconveniente que se torne effectiva esta prohibição, porque se deve ter em vista as circumstancias das diversas povoações, em relação ás crenças e ao culto que n'ellas predominam; e é com esta prudente reserva que as auctoridades procedem em França consentindo ou prohibindo estes actos publicos.

O sr. ministro que tanto nos encareceu o respeito que diz ter para com o prelado de Coimbra, recusou-se absolutamente a ouvir a sua opinião e o seu voto sobre a escolha do individuo que havia de ser nomeado secretario da sua camara ecclesiastica, deu claramente um documento de pouca confiança n'aquelle prelado. Mas s. ex.ª veiu dizer em documentos officiaes que não só se regulara pelas informações da commissão municipal e do administrador do concelho, mas que obtivera outras informações particulares. Aqui é que está ainda a maior desconsideração para com o prelado (apoiados). Aqui ha não só desconsideração pessoal, mas grave e reprehensivel inconveniencia. Ha desconsideração por se ter nomeado um individuo que ha de servir immediatamente junto de um alto funccionario, sem este ser ouvido, sem se attender á elevada jerarchia, e á grave responsabilidade do prelado a quem se quiz impor para seu secretario, para escrivão de sua camara um individuo, sem ao menos por mera deferencia o governo o mandar ouvir sobre as qualidades e idoneidade do pretendente, sem ter a menor attenção pelo voto e informação do prelado, facto este sem precedente, que nenhuma rasão póde desculpar (apoiados).

Ha tambem inconveniencia neste procedimento, porque desde que não houver harmonia e confiança entre o chefe e o seu subordinado, o serviço ha de ser gravemente prejudicado; e se isto acontece nas relações do poder civil e dos seus funccionarios, quanto mais grave se torna com relação ao poder espiritual, quanto mais grave é no exercicio das funcções que se ligam ao poder espiritual e jurisdicção episcopal; e nas relações da igreja com o estado, ha sempre perigo quando qualquer destes poderes invade as attribuições ao outro. E é por isso que cada um desses poderes deve ter o maior empenho e procurar por todos os modos evitar os conflictos; alem de que n'um paiz como o nosso, em que as nomeações dos prelados são da corôa, e que por consequencia não são propostos á santa sé senão aquelles ecclesiasticos em quem o governo deposita a sua confiança; negar ou não querer as suas informações para os provimentos dos individuos que hão de funccionar junto d'elles, é negar-lhes a sua competencia, retirar-lhes a confiança com que os honraram e desauctorisar-se o proprio governo. A questão: não diz só respeito a este prelado, não é só uma questão de dignidade pessoal.

O insolito procedimento do governo n'este caso é não só

Página 765

765

prejudicial ao serviço da igreja que ao poder civil compete proteger, mas compromette as relações do poder, civil com as do poder espiritual, entre as quaes deve existir harmonia; e é preciso para isto que não haja uma manifesta desconsideração, uma falta de confiança, como se dá n'este caso para com os legitimos representantes do poder espiritual; falta de confiança que não está auctorisada em nenhum precedente da vida publica d'aquelle prelado, e o nobre ministro que tantas vezes deu hoje testemunho ao illustre prelado de Coimbra, poderá dizer se uma unica vez encontrou nas suas informações, motivo para falta de confiança n'elle, se encontrou nas suas informações uma unica que não fosse completamente conforme á verdade e á justiça. Eu aceito nos signaes affirmativos do sr. ministro o insuspeito testemunho das minhas palavras. Ora quando um prelado tem dado na sua vida publica documentos d'estes, não póde, sem grave inconveniente e sem grave affronta, dizer o sr. ministro da justiça: «Eu despachei para seu secretario um individuo, sobre o qual não quiz deliberadamente que aquelle respeitavel prelado informasse! Eu despachei o individuo que bem me aprouve para secretario da camara ecclesiastica; mas ao mesmo tempo despachei o proposto pelo prelado para logar mais considerado; dei assim satisfação ao prelado». Isto quer dizer que o prelado tinha um afilhado que s. ex.ª diz que = attenderá, e que por isso o sr. bispo de Coimbra devia ficar satisfeito, e agora vou despachar o meu afilhados. N'isto é que está o aggravo para o illustre prelado. Um alto funccionario não deve ter pretensões para fazer prevalecer, contra a conveniencia do serviço, as suas affeições particulares; e s. ex.ª não as tinha de certo.

O prelado não fez questão exclusivamente d'aquelle individuo, não ha documento nenhum que o prove. Porém o sr. ministro disse que = tivera informações que abonavam a nomeação do individuo que despachou para escrivão da camara ecclesiastica de Coimbra; mas se soubesse que o prelado tinha as difficuldades que depois apresentou contra este despacho; se podesse suppor que o prelado estava disposto a pedir a sua resignação, confessava que teria procurado o modo de evitar este resultado =. Pois o sr. ministro podia esperar outra cousa do caracter e da dignidade d'este ou de qualquer outro prelado! E s. ex.ª foi n'este ponto tão pouco delicado que nem ao menos guardou a conveniencia de lhe fazer a communicação do despacho antes de mandar estampar no Diario de Lisboa o decreto da nomeação como o caso pedia e é do estylo. Parece que havia deliberado proposito de tornar bem patente a desconsideração que se queria fazer aquelle illustre prelado, e se tivesse feito essa communicação da nomeação antes de publicada na folha official, talvez se não tivesse creado o embaraço em que esta questão hoje se acha, e o desar que d'ahi resulta para o governo pela sua inconsideração ou pela sua fraqueza diante de exigencias, a que nunca devia sacrificar a sua dignidade e a do episcopado (apoiados). O prelado procedeu com uma completa abnegação, sem querer estabelecer o menor conflicto, porque um tal despacho pelo modo como fôra feito, e pela pessoa nomeada, repugnava á sua consciencia e era offensivo da sua dignidade; e por isso não podia dar posse ao individuo nomeado. Não allegou direito algum, para se arrogar aquella nomeação, nem tão pouco contestou ao governo o direito de prover o logar de que se trata; disse unicamente = repugna á minha consciencia; é contrario ao bem da administração espiritual da minha diocese a nomeação d'esse individuo =; e expoz francamente os justificados motivos d'este seu proceder.

Creio que não ha nada mais licito, mais legal e mais conforme com os sentimentos da propria dignidade, e com o religioso cumprimento dos sagrados deveres de um prelado no exercicio das funcções do seu pastoral ministerio. O sr. bispo de Coimbra quiz levantar este conflicto; não quiz pôr em difficuldades o governo; não tratou mes me de sustentar os seus direitos recusando o nomeado pelos fundamentos que para isso tinha, e aguardando o procedimento que o governo intentasse contra elle, e cujos resultados lhe não podiam ser desfavoraveis quando se lhe instaurasse processo perante a camara dos dignos pares, como membro que é d'aquella casa.

O prelado fundou a sua recusa em dar posse ao nomeado em rasões de consciencia por interesse espiritual da sua igreja; se notou a desconsideração de não ser ouvido sobre este despacho, não foi esse o principal motivo que actuou no seu animo; o sr. ministro da justiça porém insistiu sempre que fôra por este e não outro motivo que o digno prelado procedêra; estranha e singular apreciação que denota a falta de rasões para justificar o acto governativo, e que revela a leviandade com que se procedeu n'este negocio, não encontrando s. ex.ª para se desculpar senão frívolos protestos e gratuitas supposições. Pois não está bem patente nos documentos apresentados á camara que o prelado procedeu assim, porque repugnava á sua consciencia confiar os graves negocios, que correm pela camara ecclesiastica, ao agraciado; e que como não queria suscitar embaraços pedia licença para impetrar da santa sé a sua renuncia? Ha proceder mais digno e mais louvavel? Se porventura junto a um governador civil nomeassem para secretario, sem elle ser ouvido, um homem em que elle não tivesse confiança, o governador civil dava immediatamente a sua demissão.

Eu appello para o pundonor e cavalheirismo de todos os que me escutam; e estou certo que não ha um só que assim não procedesse dadas aquellas circumstancias; pedia-o a honra; exigia-o a conveniencia do serviço publico. O governador civil porém, qualquer outro chefe superior são funccionarios que podem largar os seus cargos sempre que o desejarem fazer.

O prelado não podia fazer isso pelos vinculos espirituaes que o ligam á sua igreja, e que não póde solver só por acto seu proprio ou do governo. E então que lhe restava? Fazer o que fez, não desejando estabelecer um conflicto com o governo; mas querendo tambem praticar um acto que repugnava á sua consciencia e á dignidade do seu caracter episcopal, pediu a sua renuncia, e disse: «Quero voltar á vida privada e obscura, quero antes passar o resto dos meus dias bem com a minha consciencia, do que sacrifica-la ás honras e dignidade do meu cargo... não sei que haja nada mais nobre e mais digno (apoiados); só d'este modo posso livrar o governo das difficuldades que elle creou, e salvar o meu pessoal decoro».

Alto dignitario da igreja, e grande do reino, o illustre prelado tudo sacrificou gostoso, tudo resignou, porque a sua honra, a sua dignidade e a sua consciencia assim lh'o pediam! Mas subdito fiel do governo do seu paiz, a quem sempre respeitara e servira lealmente, não querendo crear-lhe embaraços, não hesitou em pedir a sua resignação.

Parecia que este nobre e generoso exemplo de abnegação devia merecer a consideração do sr. ministro da justiça; mas, pelo contrario, s. ex.ª no seu officio de 19 de novembro diz que = isto não resolve o conflicto, porque o acto da resignação segue um processo demorado, e que entretanto não se dava posse do logar ao individuo nomeado =. O que admira é que o sr. ministro achasse agora tanta urgencia em que o nomeado tomasse posse, e deixasse correr um anno sem prover o logar (apoiados); correu um anno e s. ex.ª não se deu pressa em prover aquelle logar; agora que o proveu tem pressa em que o nomeado tome posse (apoiados); e nem se podia esperar pela decisão da renuncia pedida pelo sr. bispo de Coimbra!

O que tudo isto revela é a inconveniencia do procedimento do governo; é a precipitação das suas resoluções; é o esquecimento dos deveres que a sua elevada missão lhe impõe.

E eu noto com pezar este empenho constante de cercear as legitimas attribuições do episcopado e do o abater e humilhar, para justificar a intervenção da santa sé em conflictos desnecessarios, e tornar cada vez mais dependente d'ella os nossos prelados; e não era de certo a escola liberal que devia servir um tal empenho, que tem sido sempre o do partido ultramontano, que procura engrandecer o poder de Roma á custa do episcopado.

Com relação porém a este negocio, o que está fóra de duvida; o que se evidencia pelos documentos de que a camara tem conhecimento, e pelas explicações que acaba de ouvir ao sr. ministro da justiça, é que s. ex.ª, esquecendo todas as conveniencias, todas as boas regras, de administração, todas as ponderosas rasões que o prelado lhe apresentára, levou as cousas a ponto de s. ex.ª pedir a sua resignação; e o que mais é, o sr. ministro entre um prelado cheio de annos e de virtudes, e carregado de serviços á igreja e ao estado, e o individuo que lhe queria impor para secretario da sua camara, não hesitou em sacrificar o illustre prelado concedendo-lhe licença para resignação do seu bispado!

Mas tanto o sr. ministro da justiça conhecia o errado caminho que seguira, que dirigindo-se ao seu collega o sr. ministro dos negocios estrangeiros, e communicando-lhe a resolução do prelado, no acto de enviar-lhe a supplica em que o sr. bispo de Coimbra pediu a Sua Santidade que lhe concedesse a sua resignação, s. ex.ª procurou, por todos os modos, attenuar as rasões e considerações que tinham actuado no animo do prelado, para tomar aquella extrema resolução; attribuindo-as sempre a motivos e affeições pessoaes, e não aos deveres da consciencia e da dignidade; e a este respeito não posso deixar de ler á camara o seguinte paragrapho do officio do sr. ministro da justiça de 30 de outubro.

«Ficára no entretanto a servir o officio, pela nomeação interina desde o fallecimento do respectivo proprietario, o individuo proposto pelo reverendo bispo, e permanecendo no desempenho d'aquella commissão, sem opposição alguma por parte do governo, era assim considerada a resolução do mesmo prelado, e o serviço feito a seu contento pela pessoa que para esse effeito escolhêra; por este motivo, e não por menos consideração pelo reverendo bispo, ou pelos pretendentes, não se tratou de pedir lhe informação alguma ácerca d'estes.»

A isto respondia o sr. bispo conde no seu officio de 27, de novembro, dizendo: «O bacharel José Ferreira Fresco, que eu tive a honra de indicar a v. ex.ª para o logar vago de escrivão da camara ecclesiastica d'esta diocese, nunca serviu interinamente, como o officio de v. ex.ª diz, aquelle logar; nem de escripto algum meu podia essa secretaria d'estado haver similhante noticia».

Eu abstenho-me de tirar as illações que se podiam deduzir da linguagem official do sr. ministro, quando até os mais notorios factos são assim desfigurados para justificar o que não tem defeza possivel!

A questão por este lado está julgada; e eu não posso acrescentar cousa alguma de novo ás solidas e judiciosas observações que acaba de fazer o meu illustre amigo e collega, o sr. Mártens Ferrão, que encetou esta discussão.

Mas se é grave a injustiça e a desconsideração havida com um prelado por tantos titulos respeitavel; não são me nos, se não mais graves os resultados d'esta pendencia em relação aos principios por que n'estas questões se deve regular o governo para nem comprometter a independencia dos dois poderes — o espiritual e o temporal — nem levantar questões que podem de pequenas e insignificantes na sua origem, tomar vulto e adquirir proporções taes, que envolvam a dignidade do paiz e as suas relações tanto internas como internacionaes em assumpto tão melindroso.

E infelizmente esta questão está levada a este ponto por culpa do governo. O sr. bispo pediu a sua resignação, a santa sé não lh'a aceitou; que faz n'este caso o sr. ministro? S. ex.ª confia que o prelado sacrificará a sua consciencia e a sua dignidade aceitando para escrivão da sua camara ecclesiastica o individuo nomeado pelo governo. Ora quando motivos de consciencia actuam de tal modo no animo de um prelado, que o obrigam a preferir o resignar o seu bispado, a acceder a tal nomeação, não sei que haja força moral que possa obriga-lo a commetter um acto contra a sua consciencia e dignidade. Isso seria um acto humiliante que o prelado nunca praticará (apoiados).

Quer o governo instaurar o processo ao prelado por desobediente? Mas elle não quer desobedecer, quer, resignar, porque a sua consciencia lhe não permitte praticar um acto a que o governo o quer obrigar; e perante o fôro da consciencia, que assim procede, o governo não encontrará juizes que condemnem o prelado.

Eis-aqui toda a gravidade deste negocio, que não póde já ter solução airosa para o sr. ministro da justiça.

Não basta ter direito, é necessario caber usar d'elle com discernimento, e segundo as regras da boa administração publica, sobretudo nas relações do estado para com a igreja e d'esta para com aquelle.

Todos reconhecem hoje a separação dos dois poderes, mas não é sempre facil distinguir bem os raios que os devem extremar; todos reconhecem a grande conveniencia em que o estado e a igreja se mantenha dentro dos seus limites, para que um d'estes poderes não invada o outro; para que um não procure avassallar o outro poder, porque estas invasões têem sido sempre fataes á igreja e ao estado, em todos os paizes e em todas as epochas, desde Constantino até aos tempos modernos (apoiados). A deploravel historia das lutas entre o imperio e o sacerdocio ahi está para attestar esta triste verdade.

É por isso que eu lamento e censuro o procedimento do sr. ministro da justiça no negocio de que nos occupâmos; porque d'elle ha de necessariamente resultar, ou a humilhação do governo perante o paiz e perante a côrte de Roma, ou a necessidade de, por meios violentos, improprios e sobremodo inconvenientes, querer obrigar um prelado a forçar a sua consciencia, e a praticar um acto que repugna á sua dignidade, e que é offensivo do seu caracter episcopal, para o que o governo não tem direito quando mesmo tivesse força para o fazer.

Eu não quero duvidar de que as intenções do sr. ministro da justiça não fossem as mais rectas; porém sinto que a maneira por que tem conduzido esta negociação fosse tão pouco lisongeira para s. ex.ª, e tão pouco digna para o paiz, e tanto mais que tão facil era em tempo regula-la pelo modo mais satisfactorio para o governo e para o prelado.

Não serei suspeito invocando uma auctoridade de um distincto escriptor que nas relações do poder temporal com o poder ecclesiastico tem sustentado sempre a legitima intervenção do governo em tudo quanto póde interessar ao bem da religião e ás necessidade da sociedade, sem quebra do que é devido á independencia reciproca dos dois poderes, que mutuamente devem auxiliar-se para tudo quanto possa concorrer para o aperfeiçoamento moral da humanidade.

Eu peço licença á camara para lhe ler um trecho da obra de mr. Vivien, no capitulo em que trata do culto catholico n'um paiz onde a liberdade dos cultos é lei do estado.

Parece-me este trecho de tão illustrado auctor talhado para a situação em que nos achâmos, e de salutar conselho para, o governo de um paiz que é catholico.

«É incontestavel que deve manter-se a separação entre o poder espiritual e o temporal. Ninguem hoje o contesta. É o principio do direito moderno; o penhor da liberdade da igreja, e da independencia do estado, o termo das lutas entre o sacerdocio e o imperio. Muitos objectos ha porém em que os dois poderes se achavam confundidos, e cumpre ao poder politico julgar quaes são as questões que pertencem ao seu dominio e resolve-las. Todavia, nós o reconhecemos, chamar o estado e a igreja a deliberar em commum, a combinarem-se, e a entenderem-se entre si, é o meio mais proprio de conservar a boa harmonia, é aquelle que primeiro deve empregar um governo prudente. Tal foi a norma que se propoz seguir a commissão dos cultos da assembléa constituinte de 1848, quando tratou de entabolar negociações com a santa sé, sobre questões que em rigor o poder politico teria direito de resolver. Conselho prudente, que merece ser imitado.

«Nenhum poder illustrado usa do seu direito até ao extremo. A igreja tanto como o estado fariam mau uso do seu, se o exercessem a todo o trance.»

Medite o governo n'estas palavras de um escriptor liberal, e compare a camara o procedimento do sr. ministro da justiça n'esta questão com estas opiniões e doutrinas da escola liberal, e diga nos depois se um tal procedimento tem justificação possivel.

Concluo dizendo, que sinto profundamente que o sr. ministro da justiça quizesse estabelecer um precedente, que compromette a dignidade do episcopado, e torna odiosa a intervenção do governo nos negocios da igreja, quando pelos meios de brandura e de boa harmonia teria evitado um conflicto, que redunda todo em descredito do governo.

A discussão vae já larga, e não devo por isso abusar por mais tempo da benevolencia da camara.

Deixo consignado o meu voto com um protesto solemne contra o procedimento inqualificavel do governo nesta questão.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Quaresma: — Se não se tivesse dito constantemente hoje n'esta casa que a rasão por que o prelado de Coimbra não tinha querido dar posse do logar de escrivão da mesa ecclesiastica ao individuo que para esse logar fôra nomeado pelo governo, era devida unicamente a uma repugnancia, de consciencia, eu não teria pedido a palavra; porque acho a questão perfeitamente sustentada pelo sr. ministro da justiça; mas tendo-se allegado sempre uma tal rasão ve-

Página 766

766

jo-me na necessidade de fazer algumas considerações sobre o assumpto.

Quem diz que não aceita um empregado porque lhe repugna a consciencia, sem apresentar os motivos, acarreta sobre elle desfavor, quando eu aliás entendo que elle tem tanto direito á sua reputação como o maior principe da igreja. Todos nós temos direito á nossa reputação (apoiados).

N'este ponto abundo portanto nas idéas do nobre ministro da justiça, quando disso: «Repugna á consciencia do prelado dar posse a um empregado? E necessario dizer os motivos por que lhe repugna. E se forem de ordem tal que devam ser attendidos pelo governo, não existe rasão para que o governo não os saiba».

E veja-se até onde nos podia levar similhante principio, se se deixasse passar d'esta fórma. Se os prelados podessem recusar-se a aceitar todas as nomeações do governo por lhes repugnar á consciencia, tinhamos uma anarchia completa (apoiados).

Que um prelado o não queira publicamente, admitte-se, mas n'esse caso diga confidencialmente ao governo = repugna-me aceitar este empregado por estes ou por aquelles motivos =; mas dizer = não dou posse, porque repugna á minha consciencia = não póde admittir-se (apoiados). Não haveria em tal caso mais empregados que não viessem da escolha d'esse alto funccionario, porque para os rejeitar bastava dizer = repugna-me á consciencia =. E haverá alguem que queira admittir similhante principio? (Apoiados.)

Ora eu devo dizer, em abono do individuo nomeado pelo governo, que é homem dignissimo a todos os respeitos (apoiados). Não lhe faltam nenhumas habilitações scientificas; é formado em duas faculdades. Não tem uma nota na sua conducta moral (apoiados). Frequenta a melhor sociedade de Coimbra; entra ali em todas as casas, e até quando ha algum segredo de familia é elle muitas vezes chamado para tratar dos negocios, porque o acham digno de guardar o segredo que o caso pede; aqui me está ouvindo gente que se tem utilisado dos seus bons serviços n'esta parte (apoiados).

Para que se diz então — repugna á minha consciencia? Pois elle commetteu algum crime? A moral não o condemna, e deixam-no debaixo de uma tão terrivel pressão! (Apoiados.)

O debate tem corrido com muita placidez, e não serei eu quem queira azeda-lo.

Mas tem havido uma grande confusão de idéas, talvez apresentada com proposito.

Porventura o escrivão da camara ecclesiastica é um empregado de confiança? (apoiados.) E elle o secretario do bispo? Não, senhores. O bispo lá tem o seu secretario, que é quem lhe trata das cousas particulares e quem vê a sua correspondencia. Pois a correspondencia de s. ex.ª vae ás mãos do escrivão da camara ecclesiastica? O escrivão da camara ecclesiastica é como o escrivão de direito, trata do processo ecclesiastico como o escrivão de direito trata do processo judicial. E havendo processo judicial, como ha, segredos de alta consideração que affectam a honra e a vida dos cidadãos, o juiz póde dizer: «Eu não quero este empregado, porque me repugna á consciencia?» Querem aceitar este principio? (Apoiados.)

O escrivão da camara ecclesiastica é para o processo ecclesiastico como o escrivão de direito para o processo civil.

Não ha pois similhança nenhuma entre o escrivão da camara ecclesiastica e o secretario particular do bispo. Só esse deve ser empregado de confiança.

E então para que se diz que = é um logar de plena confiança = como quando esse governador civil o é do governo, ou um secretario geral de um governador civil? (Apoiados.)

Logar de confiança é o do secretario particular. E para esse logar é que o bispo póde escolher o homem que lhe pareça.

O sr. ministro da justiça tem dado provas de que tem na maior consideração o sr. bispo de Coimbra, ouvindo-o sempre em todas as cousas. Testimunha a sua muita deferencia para com aquelle prelado em acto praticado por s. ex.ª e que eu vou referir.

Vagou o logar de reitor do seminario. O sr. bispo propoz para ser provido n'aquelle logar um individuo que ao sr. ministro não agradava, não obstante o sr. bispo conservar-se interinamente no logar de reitor, e o sr. ministro da justiça, supponho que para o não desgostar, não tem ha dois annos exigido nova proposta; ora querem ainda maior prova de deferencia? Parece-me que no mesmo officio do sr. bispo se acha a rasão por que o sr. ministro da justiça o não devia ouvir n'este despacho, e é o que vou referir.

Não se poderá contestar que da parte do sr. bispo houve algum excesso de solicitude para o provimento do logar do escrivão da camara ecclesiastica de Coimbra. O escrivão Marcolino José de Vasconcellos morreu no dia 5 de outubro, e no dia 8 já estava uma proposta para o provimento d'este logar. Esta pressa, esta solicitude, podia causar alguma suspeita, não a mim, porque conheço o sr. bispo e sou o primeiro a tributar lhe todos os respeitos, mas esta insistencia podia fazer desconfiar alguem (apoiados). Pois não haveria no districto de Coimbra nenhum outro padre idoneo senão o padre Fresco? Não haveriam quinze ou vinte padres com as necessarias habilitações para exercer este logar, e muitos seculares? Haviam de certo; mas este excesso de zêlo da parte do reverendo bispo, com relação ao sr. Fresco, repito, podia dar logar a alguma suspeita, não deshonrosa para s. ex.ª E de mais a idéa que s. ex.ª apresentava no provimento do logar, antes que podesse concorrer mais alguem, não provará que o sr. bispo tinha uma cega predilecção por aquelle que propunha? E nem o poderia isto tornar suspeito para a informação a respeito de outros? (Apoiados.) Pois já s. ex.ª não queria o concurso para este logar? Mas diz-se: «É preciso que para este logar seja escolhido um homem capaz de guardar segredo, um homem no qual o sr. bispo tenha a mais plena confiança, e o mais competente para o exercer é um sacerdote». Eu pergunto se o escrivão que falleceu não era um secular, e até casado? É verdade que os homens casados podem confiar ás suas consortes, em algumas occasiões, o que não convenha que ellas saibam (riso), mas isso não se póde receiar d'aquelle que o nobre ministro nomear, porque é um celibatario, e effectivamente é padre, e demais teve as melhores informações, porque o nobre ministro, antes de o nomear, mandou ouvir todas as estações competentes. Ouviu o administrador do concelho, ouviu a commissão municipal, colheu muitas informações particulares (apoiados do lado esquerdo).

Os illustres deputados podem apoiar, sei aonde querem ir, mas tambem se podem enganar, e ninguem deve aventurar um juizo sem estar certo d'elle (apoiados). Pois os illustres deputados fallam tanto em consciencia e querem ingerir-se na dos outros? (Apoiados.)

Não direi mais nada. Parece-me que o nobre ministro andou muito bem, e eu, no seu logar, depois da insistencia do nobre prelado, querendo que o sr. padre Fresco fosse despachado com preferencia a qualquer outro, teria feito o mesmo (apoiados).

O sr. Mártens Ferrão: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Presidente: — Vae passar-se á ordem do dia. Se alguns srs. deputados tem representações ou pareceres a apresentar, podem faze-lo.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Duque de Loulé): — Pedia a palavra para apresentar algumas propostas de lei.

O sr. Presidente: — Tem a palavra.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Não cansarei a camara com a leitura dos relatorios, mesmo para não demorar a discussão que vae começar. Lerei por isso só as propostas (leu-as).

São as seguintes:

PROPOSTA DE LEI N.° 34-C

Senhores. — No dia 8 de junho de 1863 foi concluida uma convenção entre Portugal e a Belgica estabelecendo o resgate dos direitos do Escalda, e tendente a augmentar e desenvolver as relações commerciaes e maritimas entre os dois estados; havendo a França, á Italia, os Estados Unidos, a Suissa, a Prussia e as cidades anseaticas de Bremen e de Lubeck celebrado, na mesma occasião e convenções de igual natureza com aquelle paiz.

Das estipulações da mencionada convenção resulta:

1.º A abolição dos direitos de tonelagem, calculados, segundo o medio dos ultimos seis annos, em 1:038 francos annualmente;

2.º Uma reducção computada em francos 821 por anno, nos direitos de pilotagem;

3.° A assimilação da bandeira portugueza á da Belgica para o transporte do sul com destino aquelle reino; cumprindo advertir que só os navios belgas, inglezes e francezes gosavam, até então, o monopolio da importação d'aquelle genero na Belgica;

4.° A concessão, para o commercio e productos de Portugal, das mesmas franquezas outorgadas pela Belgica á Inglaterra, França, Italia e a alguns outros paizes, em virtude de tratados recentemente celebrados.

Em compensação d'estas vantagens, compromette-se o nosso paiz a negociar com a Belgica um tratado de commercio estipulando a favor d'esta ultima potencia o tratamento em Portugal e nas suas provincias ultramarinas, da nação mais favorecida; e a contribuir para a capitalisação dos direitos do Escalda com francos 23:280; sendo esta a quantia que proporcionalmente lhe compete satisfazer, segundo a importancia da sua navegação n'aquelle rio, e as bases a que adheriram as potencias maritimas interessadas no resgate dos mencionados direitos.

Na conformidade pois do disposto no artigo 10.° do acto addicional á carta constitucional da monarchia, tenho a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei.

Artigo 1.° É approvada para ser ratificada pelo poder executivo, a convenção celebrada entre Portugal e á Belgica, aos 8 de junho de 1863, estabelecendo o resgate dos direitos do Escalda, e tendente a augmentar e desenvolver as relações commerciaes e maritimas entre os dois paizes.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 29 de fevereiro de 1864. = Duque de Loulé.

PROPOSTA DE LEI N.° 34—D

Senhores. — Havendo o representante de Sua Magestade El-Rei da Belgica dado conhecimento ao governo portuguez do tratado concluido, em 12 de maio do anno passado, entre aquelle reino e o dos Paizes Baixos, para a capitalisação dos direitos do Escalda, convidou-o a adherir ao tratado geral que sobre o assumpto devia ser celebrado no mez de julho em Bruxellas, aonde haviam de reunir-se, em conferencia, os plenipotenciarios das diversas potencias maritimas, ás quaes fôra dirigido igual convite.

Reconhecidas as vantagens que d'aquella proposta deviam resultar ao commercio e navegação, foi ella admittida por parte de Portugal, dignando-se Sua Magestade nomear seu plenipotenciario o visconde Seisal, enviado extraordinario e ministro plenipotenciario na côrte da Belgica, a quem foram mandadas as convenientes instrucções.

Tendo sido aceitas pelo sobreditos plenipotenciarios as bases apresentadas pela Belgica, assignaram effectivamente, em 16 do referido mez de julho, o mencionado tratado geral, em que se estipulou:

1.º A suppressão dos direitos de tonelagem que se percebiam nos portos da Belgica;

2.º A reducção dos direitos de pilotagem nos portos belgas, e no Escalda;

De 20 por cento para os navios de vela;

De 25 por cento para os navios rebocados;

De 30 por cento para os barcos de vapor.

3.º O pagamento em relação a Portugal de 23:280 franco, pela sua quota parte no resgate dos direitos do Escalda;

4.º Que a execução dos compromissos reciprocos contidos no tratado geral ficava sujeita nos estados aonde isso se tornasse necessario, ao cumprimento das formalidades e regras estabelecidas pelas suas leis constitucionaes, obrigando se as altas partes contratantes a satisfazer a essas formalidades no mais curto espaço de tempo possivel. Na conformidade portanto do disposto no artigo 10.° do

acto addicional á carta constitucional da monarchia, tenho a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Art. 1.° É approvado para ser ratificado pelo poder executivo, o tratado geral entre a Belgica e diversas potencias maritimas para a remissão dos direitos do Escalda, a que Portugal adheriu, e que foi assignado em Bruxellas pelo respectivo plenipotenciario, em 16 de julho do anno proximo passado.

Art. 2.° É o governo auctorisado a pagar ao de Sua Magestade El-Rei dos Belgas a quantia do 23:280 francos, em que foi computada a remissão dos sobreditos direitos em relação a Portugal.

Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 21 de fevereiro de 1864. = Duque de Loulé.

PROPOSTA DE LEI N.° 34-E

Senhores. — Na conformidade do que dispõe o artigo 10.° do acto addicional á carta constitucional da monarchia, tenho a honra de apresentar-vos as tres convenções concluidas entre Portugal e a Suecia e Noruega, em 17 de dezembro do anno proximo findo, sobre transmissão de bens, prisão e entrega de marinheiros desertores, e extradicção reciproca de accusados e malfeitores.

Sendo estas convenções quasi identicas a outras celebradas entre Portugal o differentes paizes, tenho a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° São approvadas para serem ratificadas pelo poder executivo as tres convenções entre Portugal e a Suecia e Noruega, sobre transmissão de bens, prisão e entrega de marinheiros desertores; e extradicção reciproca de accusados e malfeitores, assignadas em 17 de dezembro do anno proximo findo.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 29 de fevereiro de 1864. = Duque de Loulé.

PROPOSTA DE LEI N.° 12-F

Senhores. — A celebração da convenção consular entre Portugal e o Brazil, concluida e assignada no Rio de Janeiro aos 4 de abril de 1863, e ratificada em virtude da carta de lei que em 10 de julho seguinte sanccionou o vosso decreto de 19 de julho do mesmo anno, veiu tornar urgente a necessidade, não só de dar aos consulados portuguezes n'aquelle imperio uma nova organisação mais adequada ás actuaes circumstancias e ás justas exigencias do serviço, mas tambem de regular o exercicio das attribuições reconhecidas pela mesma convenção.

Não podendo porém proceder-se a essa reorganisação sem que haja expressa auctorisação do corpo legislativo, tenho a honra de submetter para esse fim á vossa consideração e approvação uma proposta de lei, na qual vão consignadas em resumo as bases em que o governo de Sua Magestade entende dever assentar o uso que tenha de fazer da auctorisação que vos dignardes conceder lhe sobre este assumpto.

Por ellas conhecereis o quanto o mesmo governo deseja que o serviço dos consulados portuguezes no Brazil esteja regulado de fórma que corresponda devidamente á sua missão, e que offereça as sufficientes garantias dos importantes e valiosos interesses que d'elle dependem.

A abolição do systema até agora adoptado de pertencerem aos consules todos os emolumentos percebidos nas suas repartições, dá logar a que não só esses funccionarios tenham uma retribuição annual que seja certa, e com a qual possam contar, mas tambem a que o governo de Sua Magestade fique habilitado com meios para melhorar a condição dos diversos empregados na legação portugueza no Rio de Janeiro, e para convenientemente retribuir os novos serviços que a convenção torna necessarios nos consulados, sem com estas despezas sobrecarregar o thesouro publico.

A instituição de chancelleres não sendo indispensavel por agora para todos os consulados portuguezes no Brazil, é-o comtudo para alguns, onde a affluencia dos negocios é maior, e por isso o consul carece de quem o auxilie com um caracter official.

Tendo os consules portuguezes de exercer, depois da convenção consular de 4 de abril de 1863 as funcções de juiz do inventario nos processos que perante elles correrem ácerca de espolios, e sendo este um assumpto tão grave, e ao qual estão affectos tão avultados interesse, é de toda a conveniencia que juntos a cada um dos consules haja um advogado, o qual com o seu parecer os auxilie, não só em todas as questões de administração consular, mas principalmente nos processos de inventarios, nos quaes deverá sempre intervir, exercendo tanto quanto possivel as attribuições que entre nós têem os curadores geraes dos orphãos. E como importariam em uma somma avultadissima os honorarios d'esse advogada, se se contassem com relação a

Página 767

767

cada um dos actos em que fossem consultados, entende o governo de Sua Magestade que será muito preferivel o estabelecer uma gratificação annual para o advogado que for escolhido para o ser permanentemente de cada consulado.

É a mesma importancia e a propria natureza das attribuições consulares que tambem levam o governo a propor a designação das habilitações que devam ter os futuros consules e chancelleres; e a creação opportuna de uma classe de alumnos consulares, porque esta instituição destinada a completar pelo ensino pratico aquellas habilitações, deve necessariamente produzir muito beneficos resultados sobre a futura administração consular.

Quanto ao regulamento consular portuguez de 26 de novembro de 1851, e á tabella de emolumentos a elle annexa, não póde o governo deixar de propor a sua revisão e alteração, por isso que a experiencia tem demonstrado não estar adaptado ás actuaes circumstancias, as quaes exigem tambem que esta parte da proposta se refira, não só aos consulados portuguezes no Brazil, mas tambem aos que existem nas outras nações.

Não deixarei de chamar tambem a vossa attenção sobre a base que trata da organisação de um systema geral de contabilidade, e sobre a fiscalisação e inspecção a que ficam sujeitos os funccionarios consulares; e de certo reconhecereis qual a vantagem da adopção d'essas medidas, por isso que ellas tendem a garantir os legitimos interesses e direitos, e a fornecer ao governo de Sua Magestade os elementos para de futuro tomar as providencias que as circumstancias forem reclamando.

Resta me ponderar-vos que a avultada quantidade de negocios que progressivamente vão affluindo á legação portugueza no Rio de Janeiro, e que portanto têem tornado maior o serviço, levam o governo de Sua Magestade a propor vos que se augmente com um segundo addido o pessoal da mesma legação.

N'esta conformidade tenho a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.º É o governo auctorisado a reformar sobre as seguintes bases os consulados portuguezes no imperio do Brazil, organisando-os pela fórma mais adequada ás actuaes circumstancias e ás justas exigencias do serviço:

1.ª Fixar a circumscripção territorial do districto de cada um dos referidos consulados, augmentando ou diminuindo agora e de futuro o numero d'elles segundo convier;

2.ª Estabelecer o ordenado que annualmente deva vencer cada um dos consules;

3.ª Crear o cargo de chanceller do consulado, onde e quando o julgar necessario, e estabelecer o seu vencimento annual;

4.ª Organisar, quando o julgar opportuno, a classe de alumnos consulares;

5.ª Marcar quaes as habilitações que devam ter os consules, chancelleres e alumnos consulares, dando sempre preferencia aos bachareis formados em direito, e entre estes aos que tiverem o curso administrativo;

6.ª Fixar a gratificação tambem annual que deverá perceber o advogado permanente de cada consulado;

7.ª Regular as attribuições dos consules e chancelleres, e a intervenção dos advogados dos consulados, nos inventarios e mais actos de arrecadação, liquidação, administração e entrega de heranças, a que se proceder em virtude da convenção consular de 4 de abril de 1863, devendo sempre ser applicada tanto quanto possivel nesses processos a legislação portugueza;

8.ª Alterar, pela fórma mais adequada ás actuaes circumstancias e ás exigencias do serviço dos consulados portuguezes nos diversos paizes, não só o regulamento consular portuguez de 26 de novembro de 1851, mas tambem a tabella de emolumentos a elle annexa;

9.ª Providenciar sobre a inspecção e fiscalisação dos consulados portuguezes no Brazil;

10.ª Conservar o systema de dividir em partes iguaes entre cada consulado, e os vice-consulados, e agencias consulares, a elle subordinados, os emolumentos que te cobrarem nos mesmos vice consulados e agencias ou delegações consulares;

11.ª Crear em cada consulado um cofre de emolumentos, destinado a receber, não só a parte que lhe couber n'aquella divisão, mas tambem os que se cobrarem na propria sede do consulado;

12.ª Estabelecer que a importancia total da somma dos emolumentos depositados nos cofres dos diversos consulados, fica pertencendo ao thesouro portuguez, para por ella se pagar: 1.°, os ordenados dos consules e seus chancelleres; 2.º gratificação annual dos advogados dos consulados; 3.º, as despezas a que der logar a inspecção e fiscalisação dos consulados; 4.º, todas as mais despezas legaes de cada consulado incluindo as retribuições aos outros individuos n'elle empregados.

O excedente será especialmente applicado a augmentar na justa proporção os ordenados dos empregados da legação portugueza na côrte do Rio de Janeiro; devendo o governo regular a maneira de fazer as transferencias de fundos que forem necessarias para realisar as diversas applicações que ficam designadas aos emolumentos consulares;

13.ª Organisar um systema legal de contabilidade que seja uniforme para todos os consulados portuguezes no Brazil.

Art. 2.° A despeza proveniente da organisação que sobre estas bases se fizer, quanto aos mesmos consulados, não deverá exceder a importancia total da somma dos emolumentos que, segundo ellas, ficam pertencendo ao thesouro portuguez.

Art. 3.° É auctorisado tambem o governo a augmentar com um segundo addido, cujo ordenado será o marcado pela lei, o pessoal da legação portugueza no Rio de Janeiro.

Art. 4.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer d'esta auctorisação.

Art. 5.° Fica revogada toda a legislação era contrario.

Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 10 de março de 1864. = Duque de Loulé.

Foram todas enviadas á commissão diplomatica.

O sr. J. A. da Gama (sobre a ordem): — A commissão diplomatica acha-se incompleta em consequencia do sr. José Bernardo da Silva Cabral ter sido nomeado par do reino, e o sr. Latino Coelho não comparecer ás sessões. Foram mandadas para a mesa quatro propostas que têem de ser mandadas a esta commissão, e por isso pedia que fossem nomeados os dois membros para a commissão se constituir (apoiados).

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

DISCUSSÃO DO PROJECTO DE LEI n.° 19

Senhores. — Ás vossas commissões de fazenda e legislação foram enviadas duas propostas de lei, de iniciativa do governo, tendentes a alterar o regimen que actualmente regula a cultura, fabrico e venda do tabaco no continente do reino, ilhas adjacentes e Macau.

Ocioso seria dizer-vos quantos cuidados e desvelos mereceu ás vossas commissões o estudo de tão grave materia. Investida pela confiança da camara no honroso encargo de fiscalisar os interesses economicos do paiz, tinha a primeira o rigoroso dever de estudar minuciosamente os motivos e consequencias financeiras das propostas alludidas; cumpria á segunda examinar a applicação do direito penal aos crimes previstos n'esta lei, os quaes, na hypothese especial de desvios de tabaco, podem comprometter seriamente uma das principaes receitas do estado; ambas deviam tambem, como partes que são da representação nacional, dilatar em tão momentoso assumpto as suas apreciações até á dignidade dos poderes publicos e á harmonia politica da nossa constituição. Foi debaixo d'estes variados pontos de vista que as vossas commissões formularam o parecer que têem a honra de submetter agora ao voto parlamentar.

Parece ás vossas commissões que a illustração da camara as dispensa de adduzirem numerosos argumentos contra o systema que ha perto de cento e cincoenta annos se pratica em Portugal. Não resiste a arrematação do monopolio do tabaco ás aggressões da sciencia economica nem aos ataques dos direitos politicos. Traz no proprio nome os fundamentos de sua condemnação. Como monopolio, extingue toda a especie de concorrencia, estimulo das industrias e garantia do consumidor; como monopolio arrematado, circumda-se de um cortejo de vexames, de que não póde prescindir, porque todos elles representam estabilidade ou augmento de lucros. De um lado atropelam-se as leis economicas com a imposição de um preço invariavel; difficulta-se o consumo com as prohibições intimadas ao gosto; comprime-se a actividade fabril e commercial do paiz com as exclusões do privilegio; do outro, apropriam se attribuições do poder moderador; exercem-se funcções do poder executivo, dispondo de uma força armada; fere-se a legitima susceptibilidade do cidadão portuguez, vendendo se a dinheiro, aos seus iguaes, o direito de o vexarem com uma fiscalisação que concede, por indispensavel, ao estado, porém contra a qual reage a dignidade pessoal, quando a vê exercida pelos agentes da industria particular.

Demais, senhores, o expediente até agora seguido não se combina com o espirito geral de nossas leis, cuja appetecivel unidade de pensamento elle transtorna com monstruosa excepção.

Por todas estas rasões pensam as vossas commissões que a arrematação do monopolio do tabaco deve ser irrefutavelmente condemnada. Resta saber qual o systema que convem adoptar em sua substituição, e que podendo garantir ao thesouro a cobrança de uma avultada receita, se encontre em melhor harmonia com os interesses sociaes.

Apresentam-se dois methodos distinctos: a gerencia do monopolio do tabaco por conta do estado e a permissão mais ou menos restricta de cultura, fabrico e venda d'esta planta.

A gerencia por conta do estado (régie) não apresenta certamente muitos dos inconvenientes da segunda especie que fica apontada. Não usurpa direitos politicos, nem irrita melindres individuaes. Conserva porém em toda a sua plenitude o vastissimo programma dos rigores do fisco, e tende a exagerar despropositadamente o numero de individuos sujeitos á immediata acção do poder central.

Mas se a régie sob este aspecto se figura superior ao methodo de arrematação, cede-lhe sem duvida o passo no primeiro terreno. A régie não é mais do que a transferencia do monopolio, do escriptorio dos arrematantes para as mesas das secretarias. É o mesmo monopolio; isto é, o mesmo erro economico aggravado pelo proprio facto d'esta simples mudança. O estado feito fabricante e commerciante poderá achar argumentos no exemplo, porém não encontrará de certo defeza na sciencia e na rasão. Produz sempre mais caro do que os outros, e não poucas vezes peior. Para incentivo de aperfeiçoamento falta-lhe, como diz o sr. ministro da fazenda em seu excellente relatorio, o estimulo da concorrencia e do interesse individual. Diminue a expansão da riqueza de todos, inutilisando as forças de cada um. É justo comtudo dizer-se que, no caso de que tratâmos, alguma cousa augmentaria: a sujeição do olfacto, do paladar e da bolsa a um producto privilegiado.

O systema a que se estão referindo as vossas commissões não parece tambem dever produzir um satisfactorio resultado financeiro, importante sempre, e digno das mais profundas attenções quando principalmente diz respeito a um assumpto que interessa tão de perto ás necessidades do thesouro. O relatorio do governo explica de sobejo esta opinião, a favor de cuja verdade, se exceptuarmos até certo ponto a França, paiz onde uma exagerada centralisação administrativa póde prestar á régie valiosos auxilios, depõem as quantias, relativamente pouco importantes, que a Hespanha e a Italia auferem do exclusivo do tabaco, e as elevadissimas sommas que a Inglaterra, pelos meios que o governo aconselha em tuas propostas, recolhe do consumo d'este genero.

Condemnada a arrematação, julgada inconveniente a régie, resta por ultimo apreciar o systema de liberdade de cultura, fabrico e venda. Contra este não protestam as theorias economicas, pois d'ellas nasce e por ellas vive. Somente as exigencias do fisco, expendidas em nome da necessidade, reclamam contra a applicação absoluta de tal regimen aos productos do tabaco. Bem quereriam as vossas commissões poder desprezar similhantes reclamações; porém viram-se obrigadas a aceita-las até ao ponto de garantirem aos cofres publicos a cobrança de avultados rendimentos que, se não forem augmentados, como é de esperar, ficarão d'este modo seguros, como se deprehende das demonstrações inseridas no relatorio do governo, e que as vossas commissões não reproduzem agora, para vos evitarem o enfado de uma longa repetição.

Taes foram, senhores, os motivos que nos levaram a approvar algumas restricções importantes que se encontram nas propostas ministeriaes, como, por exemplo, a prohibição da cultura do tabaco no continente do reino, a concentração por emquanto do fabrico em certas localidades, um direito elevado sobre a importação d'aquelle artigo, quer em folha ou em rolo, quer já preparado para entrar no consumo, e algumas outras de menor importancia. Por identicas rasões foram igualmente approvadas, na maxima parte, as disposições penaes das propostas.

As vossas commissões portanto profundamente convencidas de que, com a adopção do novo systema, se desaffrontam algumas das mais preciosas immunidades dos poderes publicos e se inaugura um excellente principio economico, têem a honra, de accordo com o governo, de submetter á vossa illustrada approvação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º Fica abolido o monopolio do tabaco desde o dia 1 de maio de 1864.

Art. 2.° Do referido dia 1 de maio em diante é livre, nos termos da presente lei, o fabrico do tabaco nas cidades de Lisboa e Porto, ilhas adjacentes e Macau, e igualmente a venda do mesmo quando manipulado, em todo o territorio até agora sujeito ao regimen do monopolio. Em folha ou em rolo só poderá ser despachado e vendido no continente do reino para uso das fabricas devidamente habilitadas.

§ 1.° É auctorisado o governo a designar, quando o julgar conveniente, as terras onde, alem dos pontos acima indicados, se poderá permittir o fabrico do tabaco.

§ 2.° Toda a pessoa ou sociedade que quizer fabricar ou vender tabaco no continente do reino e ilhas adjacentes, deverá previamente habilitar-se em cada anno, com a competente licença que, para o caso de ser de venda, obrigará ao previo pagamento de um imposto de 1$200 réis até 24$000 réis, conforme o local em que a mesma venda for feita e o modo por que tiver logar.

§ 3.° Estas licenças não isentam os vendedores do tabaco de outras contribuições a que estiverem sujeitos pelas industrias que exercerem.

Art. 3.° É prohibida no continente do reino a plantação e cultura do tabaco (herva santa); e toda a pessoa que plantar, semear ou cultivar tabaco, fica sujeita ás mesmas penas que os descaminhadores de direitos de tabaco, alem da destruição da plantação.

Art. 4.° Nas ilhas adjacentes é livre a cultura do tabaco, devendo a differença que possa haver entre a importancia dos direitos e imposições, que se cobrarem por virtude da presente lei, e a somma de 70:000$000 réis, em que é computado o actual rendimento liquido do tabaco nas mencionadas ilhas, ser paga pelos cultivadores do tabaco na proporção da cultura e producção respectiva, regulando o governo o modo mais conveniente de fazer esta distribuição e de effectuar a cobrança.

§ unico. A disposição do § 2.º do artigo 2.º relativa a licença para venda, não é applicavel aos cultivadores que venderem tabaco de sua producção.

Art. 5.° De todos [os tabacos que se importarem, quer sejam de producção nacional quer estrangeira, pagar-se-hão nas alfandegas os seguintes direitos:

De tabaco actualmente denominado de rolo, por cada kilogramma... 1$000

Dito em folha, por cada kilogramma... 1$200

Dito em charutos, por cada kilogramma... 2$800

Outras quaesquer especies de tabaco manipulado, por cada kilogramma... 1$600

§ 1.° Todo o fabricante de tabaco fica sujeito a um imposto de industria na rasão de 100 réis por cada kilogramma de tabaco em folhas ou era rolo, pago no acto do despacho.

§ 2.º Cinco sextas partes do producto dos 3 por cento addicionaes que se cobrarem a titulo de emolumentos, com relação aos direitos do tabaco, constituirão receita do estado.

§ 3.º A disposição do artigo 27.º dos preliminares da pauta geral das alfandegas não é applicavel ao tabaco.

§ 4.° O tabaco importado na ilha da Madeira fica sujeito ao pagamento integral dos direitos e impostos estabelecidos pela presente lei.

Art. 6.° O tabaco em folha, em rolo ou manipulado será importado no continente do reino, unicamente pelas alfandegas de Lisboa e Porto, ficando porém o governo auctorisado a tornar extensiva esta disposição a qualquer outra alfandega quando o julgar conveniente.

Página 768

768.

§ unico. Nas ilhas adjacentes a importação de tabaco estrangeiro terá logar comente pelas alfandegas maiores.

Art. 7.º Pela exportação do rapé fabricado no continente do reino haverá a restituição de tres quartas partes do direito correspondente a um peso igual de materia prima.

§ 1.° Nas ilhas adjacentes a exportação do tabaco não dá logar a restituição alguma.

§ 2.° O tabaco de manufactura nacional uma vez exportado não poderá mais ser admittido sem o pagamento dos direitos estabelecidos no artigo 5.°, mesmo a pretexto de beneficiação, e aquelle que for encontrado nas alfandegas em estado de ruina será inutilisado.

Art. 8.° Pela infracção do disposto no § 2.° do artigo 2.º ficam sujeitos os infractores a uma multa que não será inferior a dez vezes o valor da licença, nem superior a vinte.

Art. 9.° Todo o estabelecimento onde se fabricar tabaco fica sujeito á immediata inspecção e fiscalisação da auctoridade que para isso for designada pelo governo, a qual conhecerá que quantidades de tabaco se fabricam e suas differentes especies, bem como se nesse fabrico se empregam plantas estranhas ao tabaco ou quaesquer ingredientes nocivos á saude publica.

Art. 10.° Aquelle que no fabrico do tabaco empregar plantas ou materias estranhas ao mesmo fabrico, será condemnado na multa de 500$000 réis a 1:000$000 réis. Quando porém empregar substancias prejudiciaes á saude incorrerá na pena estabelecida no artigo 251.° do codigo penal, aggravada com o pagamento da mesma multa.

§ unico. No caso de reincidencia a multa subirá ao dobro, sendo o reincidente condemnado tambem no encerramento da fabrica pelo espaço de tres annos, se o crime for da primeira classe acima indicada, e de dez annos se pertencer á segunda,

Art. 11.° Aquelle que commetter o crime de descaminho de direitos de tabaco será punido, alem do perdimento do genero apprehendido e dos transportes, com uma multa no tresdobro do valor do tabaco, calculado com os respectivos direitos, e com prisão de um mez a um anno, segundo a gravidade do crime.

§ 1.° No caso de reincidencia as multas serão impostas no dobro, e no tresdobro pela segunda reincidencia, sendo a pena de prisão no primeiro destes casos de um a dois annos, e no segundo de dois a tres, contando-se porém aos réus no cumprimento da pena o tempo de prisão soffrido durante o processo.

§ 2.° As penas estabelecidas neste artigo são applicaveis aquelles que commerciarem em tabaco sendo sabedores de que os respectivos direitos d'elles não foram devidamente pagos.

§ 3.° Não será considerado como descaminhador de direitos o viajante que no acto de entrada em territorio portuguez trouxer para uso proprio até 40 grammas de tabaco.

Art. 12.° A cumplicidade nos crimes previstos nesta lei será regulada conforme as regras estabelecidas no artigo 26.° do codigo penal, e punida com as penas na presente declarada», com tanto que a pena de prisão nunca seja inferior a Quinze dias, nem superior a seis mezes, e com metade da multa estabelecida contra os auctores.

Art. 13.° De toda a tomadia de tabaco terão os apprehensores e o denunciante, quando o haja, metade do producto. Se porém a apprehensão do genero for acompanhada da captura do réu, pertencerão aquelles dois terços do mesmo producto.

Art. 14.° Nos processos de tomadia de tabaco observar-se-ha, no que for applicavel e em conformidade com a presente lei, o disposto nos artigos 349.° a 354.° e seus §§ da novissima reforma judicial.

§ 1.° A fiança para estes crimes será sómente admittida nos processos por descaminhos de direitos que não excederem a 2$800 réis.

§ 2.° Os réus presos serão sempre remettidos ao poder judicial dentro de vinte e quatro horas.

Art. 15.° Quando o crime de descaminho de direitos de tabaco for praticado por individuo que exerça qualquer funcção publica, a sentença condemnatoria importará o perdimento da mesma funcção.

Art. 16.° De todo o tabaco que ficar em ser, findo o actual contrato, quer nas fabricas quer nas administrações, nos estancos ou em quaesquer depositos, pagará o mesmo contrato os direitos e impostos estabelecidos na presente lei, levando-se todavia em conta no direito de entrada aquelle que os contratadores tiverem pago na, alfandega quando despacharem o tabaco, para a fabrica.

Art. 17.° Os empregados na contabilidade do contrato do tabaco na data de 19 de janeiro de 1864 são considerados como se tivessem pertencido a uma repartição publica para o effeito de serem considerados como addidos ás diversas repartições do estado, a cujo serviço serão obrigados, abonando-se-lhes os seus vencimentos nos termos do artigo 2.° do decreto de 16 de janeiro de 1834, quando não continuarem a ter emprego e vencimento na empreza do extincto contrato.

§ 1.° Quando os empregados que passarem do serviço do contrato para o do estado já recebam d'este algum subsidio, ser-lhes-ha, em logar d'aquelle vencimento, abonada uma simples gratificação, nos termos do artigo 3.° da lei de 30 de julho de 1844.

§ 2.° Só gosarão dos beneficios do precedente artigo os empregados do contrato que entrarem para o serviço publico até ao dia 1 de maio do corrente anno.

§ 3.º Em igualdade de circumstancias, e sem prejuizo das disposições em vigor relativas a concursos, o pessoal estipendiado nos termos d'este artigo será preferido na admissão para os empregos das repartições do estado, cessando desde então o vencimento concedido por esta lei.

Art. 18.° Os actuaes empregados na fiscalisação dó contrato do tabaco ficarão encorporados, para todos os effeitos, no pessoal da fiscalisação externa das alfandegas, e a este em tudo equiparados.

Art. 19.° O governo fará todos os regulamentos necessarios para a boa execução d'esta lei.

Art. 20.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da commissão, 17 de fevereiro de 1864. = Belchior José Garcez = Hermenegildo Augusto de Faria Blanc = Jacinto Augusto de Sant'Anna e Vasconcellos = Placido Antonio da Cunha e Abreu = João Antonio Gomes de Castro = Anselmo José Braamcamp = Antonio Vicente Peixoto = Joaquim Januario de Sousa Torres e Almeida = Guilhermino Augusto de Barros = José Bernardo da Silva Cabral = José de Oliveira Baptista = Joaquim Antonio de Calça e Pina = Annibal Alvares da Silva = Pedro Augusto Monteiro Castello Branco = José Maria da Costa e Silva = Antonio Pequito Seixas de Andrade = Albino Augusto Garcia de Lima = Antonio Ayres de Gouveia = Bernardo de Albuquerque e Amaral = José Luciano de Castro = Antonio Carlos da Maia = Claudio José Nunes, relator.

Entrou em discussão na generalidade.

O sr. José de Moraes (sobre a ordem): — Não concordando com a doutrina do projecto em discussão, e coherente com os meus principios e com as minhas votações nesta camara, não posso deixar de mandar para a mesa um projecto de substituição ao que se discute, o qual a camara tomará na consideração que lhe merecer. Procedendo deste modo não faço, repito, senão ser coherente com as minhas votações n'esta camara, durante o já não pequeno periodo da minha vida parlamentar.

Em 1854, trazendo a esta camara o sr. Fontes Pereira de Mello um projecto para a abolição do monopolio do tabaco e sabão, emitti a minha opinião sobre esta materia, a qual se acha consignada no diario das sessões; o meu nome apparece rejeitando o projecto que estava em discussão, e consta do Diario da Camara, sessão de 27 de julho.

E houve nessa occasião um caso singular. O menor numero venceu o maior, porque votando vinte e oito deputados pela rejeição do projecto no generalidade e sessenta pela sua approvação, nunca mais foi possivel vir á discussão especial similhante projecto e morreu na pasta do ministro.

Depois, em 1857, tratando-se da questão do tabaco, a camara votou pela arrematação, que foi convertida em lei de 27 de julho de 1857.

Em 1860, vindo a questão novamente á camara e querendo-se estabelecer a régie, eu votei contra ella, porque entendi, e entendo, ainda hoje, que a régie é uma calamidade, entendo que a régie é peior do que o projecto do governo (apoiados).

Se fosse obrigado a optar entre a régie e o projecto do governo preferia o projecto do governo e rejeitava a régie; mas como posso escolher entre o projecto do governo e a arrematação, prefiro a arrematação.

É provavel que fique só, e que os lados da camara votem, um pela liberdade o outro pela régie, mas eu voto como entendo, como me dieta a minha consciencia.

A rasão fundamental e mesmo unica por que voto contra o projecto do governo, é porque entendo que esse projecto ha de produzir um enorme desfalque na receita publica (apoiados), e esse desfalque necessariamente ha de vir a paga-lo a propriedade. Ora eu considero, e não podem deixar de considerar todos, que a propriedade já está muito sobrecarregada de tributos, não hei de votar um projecto que indirectamente importa lançar novos tributos sobre a propriedade (apoiados).

Isto que se propõe não é liberdade de industrias, nem de commercio, nem de venda de tabaco, é uma illusão de todas ellas, mas tenho muito medo d'esta mesma chamada liberdade do tabaco por causa do contrabando. Não quero dizer que a fiscalisação não se possa melhorar; mas todos nós sabemos que a fiscalisação do contrato do tabaco estava na mão de particulares, que são sempre muito zelosos dos seus interesses, e da sua propriedade, e que tendo de pagar ao estado a importante somma de 1.500:000$000 réis, necessariamente haviam de empregar todos os esforços para evitar o contrabando; comtudo o contrabando fazia-se apesar da fiscalisação do contrato do tabaco, e fazia-se em longa escala, nunca os contratadores o poderam reprimir ao ponto d'elle deixar de existir.

Passando agora a fiscalisação para as mãos do governo, entendo que ha de peiorar.

Se consultarmos a estatistica das apprehensões feitas pelas differentes alfandegas, veremos que a maior parte d'ellas se têem verificado pelos empregados do contrato do tabaco.

Por consequencia, eu não posso votar o projecto do governo, em seu logar proponho que o governo fique auctorisado a arrematar o contrato do tabaco por mais seis annos, e estou persuadido que essa arrematação não ha de dar só 1.500:000$000 réis como a actual, mas que ha de produzir uma somma muito maior (apoiados).

E não se diga que já não é tempo para fazer a arrematação; não sou d'essa opinião.

Quando em 30 de abril do anno passado, entendendo que nos deviamos preparar para resolver a questão da tabaco, provoquei explicações do sr. ministro da fazenda a esse respeito, s. ex.ª disse-me que = em occasião competente daria explicações =. As explicações que s. ex.ª deu foi propor a liberdade do tabaco!

Se não ha tempo para fazer a arrematação, tambem o não ha para estabelecer a régie, ou a liberdade (apoiados). Para qualquer das cousas é preciso tempo.

Mas quando assim não fosse, se o projecto passar, nós vamos, sem o querermos, conceder o monopolio aos actuaes contratadores (apoiados). Pelo menos emquanto ao rapé os actuaes contratadores ficam com um verdadeiro monopolio por mais de dois annos (apoiados).

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Oh!

O Orador: — O illustre deputado admira-se? Pois não tem de quê. Eu digo o que entendo em minha consciencia. Poderá ser que me engane, mas o tempo mostrará se fui eu que me enganei ou se foi o illustre deputado.

Havemos de encontrar-nos, e eu que tenho um bocado de memoria, em tempo competente procurarei ao illustre deputado pelo resultado dos factos.

Mando para a mesa o meu projecto de lei. Não leio o relatorio, ainda que é pequeno, e limito-me a ler os artigos.

É o seguinte:

Senhores. — Subsistindo as mesmas senão maiores rasões que vos determinaram a approvar a proposta da carta de lei de 28 de julho de 1860, que mandou proceder á arrematação do monopolio do tabaco por tres annos, contados do 1.° de maio de 1861 e acabando em igual praso em 1864, sendo perigosa qualquer experiencia nas actuaes circumstancias, tenho a honra de vos propor o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° O governo mandará proceder á arrematação do monopolio do tabaco por seis annos, que hão de começar no 1.° de maio de 1864 e acabar em igual praso de 1870 nos termos da carta de lei de 27 de junho de 1857, subsistindo as auctorisações que lhe foram concedidas pela mesma carta de lei.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Lisboa, 10 de março de 1864. = José de Moraes Pinto de Almeida.

Foi admittido á discussão.

O sr. Secretario (Miguel Osorio): — A commissão de redacção não fez alteração alguma á do projecto n.° 137, por consequencia vae ser expedido para a outra camara.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Francisco Luiz Gomes.

O sr. F. L. Gomes: — Faltam apenas cinco minutos para dar a hora. Se a camara me permitte, começarei a usar da palavra na sessão de ámanhã (apoiados).

O sr. Presidente: — A ordem do dia para a sessão de ámanhã é a mesma que vinha para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram quasi quatro horas da tarde.

PARECERES

B

Senhores. — Foi presente á vossa commissão de administração publica o requerimento de José Maria de Oliveira, director do correio de Villa de Castro Verde, pedindo a sua aposentação. É a vossa commissão de parecer que este requerimento seja remettido ao governo, para o tomar na devida consideração.

Sala da commissão de administração publica, 8 de março de 1864. = Barão do Vallado, presidente = José Maria Rojão = F. Coelho do Amaral = Adriano Pequito Seixas de Andrade = Ricardo A. P. Guimarães = Henrique Ferreira de Paula Medeiros = J. R. da Cunha Aragão Mascarenhas.

C

Senhores. — Angelica Serrão e Candida Serrão, allegando os serviços prestados por seu fallecido irmão, na qualidade de thesoureiro que foi da alfandega do Funchal, pedem se lhes conceda uma pensão alimenticia por se acharem reduzidas á indigencia e miseria.

Consta dos documentos juntos ao requerimento das supplicantes, que a sua sustentação estava a cargo do dito seu fallecido irmão, e que este fóra um honrado e intelligente funccionario publico, sendo no tempo do governo intruso demittido do seu emprego por affecto á causa da liberdade, e do throno legitimo da Senhora D. Maria II, de saudosa memoria. E comquanto estas circumstancias especiaes justifiquem a supplica, no entretanto como é attribuição do poder executivo, nos termos do § 11.° do artigo 75.° da carta constitucional, conceder mercês pecuniarias em recompensa de serviços feitos ao estado, ficando dependentes da approvação do corpo legislativo as que não estiverem já designadas e taxadas por lei, entende a commissão que ao governo compete apreciar o merecimento da supplica, resolvendo a pretensão das supplicantes como for de justiça.

Sala da commissão de fazenda, 10 de março de 1864. = Placido Antonio da Cunha e Abreu = Antonio Vicente Peixoto = Guilhermino Augusto de Barros = Hermenegildo Augusto Blanc = João Antonio Gomes de Castro = Claudio José Nunes = Joaquim José de Sousa Torres e Almeida.

D

Senhores. — D. Joaquina Maria Bernardes, viuva do feitor e recebedor, que foi, da alfandega de Vianna do Castello, Gonçalo Joaquim de Almeida Sousa e Sá Baptista, pede, em recompensa dos serviços prestados por seu fallecido marido, por se achar reduzida á indigencia e miseria, e em attenção á sua avançada idade, se lhe conceda, uma pensão alimenticia.

A supplicante, com os documentos que offerece, prova a verdade do que allega em seu requerimento; sendo porém attribuição do poder executivo, nos termos do § 11.° do artigo 75.º da carta constitucional, conceder mercês pecuniarias em recompensa de serviços feitos ao estado, ficando dependentes da approvação do corpo legislativo as que não estiverem já designadas e taxadas por lei, entende a commissão que ao governo compete apreciar o merecimento da supplica, resolvendo a pretensão da supplicante como for de justiça.

Sala da commissão de fazenda, 10 de março de 1864. = Placido Antonio da Cunha e Abreu = Guilhermino Augus-

Página 769

769

to de Barros = Hermenegildo Augusto de Faria Blanc = Antonio Vicente Peixoto = João Antonio Gomes de Castro = Claudio José Nunes = Joaquim Januario de Sousa Torres e Almeida.

E

Senhores. — A commissão de fazenda foi presente o requerimento de D. Balbina Joaquina Trindade, viuva do capitão reformado, João de Ornellas, pedindo, pelos motivos que allega, que as côrtes lhe votem uma pensão.

Se o marido da supplicante falleceu em resultado de ferimentos em combate, a supplicante tem direito a uma pensão de sangue na conformidade da lei. Quer porém a pensão que requer seja de sangue, quer de graça, em attenção aos serviços do marido da supplicante, o seu decretamento pertence ao governo na conformidade do § 11.° do artigo 75.° da carta. Em vista do que, a commisão de fazenda é de parecer que não pertence á camara.

Sala da commissão, 9 de março de 1864. = Anselmo José Braamcamp = Guilhermino Augusto de Barros = Placido Antonio da Cunha e Abreu = Joaquim Januario de Sousa Torres e Almeida = João Antonio Gomes de Castro = Hermenegildo Augusto de Faria Blanc.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×