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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS 689

até com perda de vida, e isto para divertirem um publico ávido de sensações fortes. Um touro mugindo embravecido, espumante, desesperado, cortado de farpas, escorrendo sangue, e vingando se, não raro, com ferocidade da audácia e da habilidade do homem, que ferozmente o persegue, será para muitos um espectáculo attrahente e aprasivel; mas para mim, Sr. presidente, não é espectaculo nem moral (muitos apoiados), nem sympathico, nem louvável, nem digno de uma nação civilisada (apoiados).

Taes divertimentos, se semilhante nome póde dar-se-lhes, não são azados a amaciar as indoles, mas a endurece-las, tornando-as asperas e fragueiras (muitos apoiados); não são accommodados a melhorar os instinctos, mas a perverte-los, tornando-os rudes e truculentos; não são proprios a aperfeiçoar os costumes, mas a empeiora-los, tornando os ou duros ou mal regrados (apoiados). Mui apropositado vem o conceituoso dito de um abalisado e elegantíssimo escriptor nosso, que adereçou a lingua com as vernaculidades mais puras, e as mais formosas louçanias. É este escriptor fr. Luiz de Sousa, que disse que = as touradas só serviam para levantar corpos ao céu, e lançar almas no inferno. Eu, Sr. presidente, sinto purpurearem-se-me as faces de vergonha, quando entre as inexactidões, as injustiças e as calumnias de que estão inçados os livros estrangeiros, que fallam das nossas cousas, leio a verdade incontratavel e triste de que nós e os hespanhoes somos os povos das touradas! É preciso que alimpemos o nosso nome dos baldões d'este sarcasmo; é preciso que nos resgatemos das vergonha" d'este labéo; é preciso que aniquilemos esta herança da barbárie (muitos apoiados); é preciso que apaguemos esta nódoa da nossa civilização; é preciso, em fim, que cortemos este cancro de nossos costumes (apoiados). Se eu quizesse encarar a questão pelo lado económico, não haviam de fallecer-me argumentos. Os creadores engodados pela ganância da venda do gado por bom preço, lançam no a pastar por charnecas e gandaras extensas, que se não cultivam, e que aproveitadas podiam tornar se productivas. Entendo que a agricultura lucraria muito se acabasse o mau costume de se criarem bois para corridas (apoiados). Em confirmação d'isto me acaba de referir um facto o nosso illustre collega e meu prezado amigo o Sr. Valladas. E esse facto que, â medida que de extensiva a agricultura se torna intensiva, a criação de bois bravos diminue e vão desapparecendo.

Já por espaço de nove mezes não houve touradas n'este paiz. Um decreto dictatorial assignado pelo illustre Passos Manuel, e que tem a data de 19 de setembro de 1836, prohibiu as corridas de touros no continente do reino. De me a camará licença para ler lhe esse decreto, cujo contexto é brevíssimo. Diz assim:

"Considerando que as corridas de touros são um divertimento barbaro e improprio de nações civilizadas, e bem assim que similhantes espectáculos servem unicamente para habituar os homens ao crime e á ferocidade; e desejando eu remover todas as causas que podem impedir ou retardar o aperfeiçoamento moral da nação portuguesa: hei por bem decretar que d'ora em diante fiquem prohibidas em todo o reino as corridas de touros.

"O secretario d'estado dos negócios do reino assim o tenha entendido e faça executar. Palacio das Necessidades, em 19 de setembro de 1836. = RAINHA = Manuel da Silva Passos."

Foi este decreto revogado pela carta de lei de 30 de junho de 1837, assignada pelo Sr. António Dias de Oliveira. Lamento tal revogação que, a meu juízo, significou um retrocesso, um mal, e uma transacção ou condescendência com hábitos e interesses injustificáveis (apoiados). O decreto de 19 de setembro de 1836 é assás comprobativo d'aquelles estremados e nobilíssimos espíritos de Passos Manuel, d'aquella bua índole maviosa e amoravel, d'aquella sua alma generosa e aberta sempre ás grandes inspirações (apoiados), d'aquelle seu amor sincero e afervorado ao progresso e á boa nomeada d'este paiz.

Desculpe-me acamara se um pouco mais me alargo, fazendo aqui protestação publica de meu affecto e da minha veneração ao varão eminente, que por tantos annos foi lustre e ornamento d'esta casa, que foi um symbolo de honra e patriotismo n'esta terra, e cujo nome similhante ao cume das pyramides do Egypto, visto de longe e dourado pelos raios do sol no poente, ha de altear-se e resplandecer sempre como uma das glorias maiores, mais explendidas e mais puras da nossa historia (apoiados).

Façamos nós, por uma lei votada em côrtes, a boa acção (apoiados), que o grande dictador de 1836 não pôde tornar duradoura e permanente.

Tem o paiz nos seus theatros as harmonias da musica, que deleitam, as commoções do drama, que moralisam, e as graças da comedia, que divertem e provocam a galhofa inoffensiva; por honra do seu nome, do seu caracter e da sua civilisação, deve acabar com as corridas de touros, que tamanho desabono lhe refundem, e que menoscabam a reputação de um povo, que tanto se preza da excellencia dos seus instinctos e da amenidade dos seus costumes (apoiados). Fomos nós o primeiro povo do mundo, que em homenagem ao direito de Deus e á dignidade do homem, eliminou dos seus códigos a pena de morte; fomos nós, que em um dos mais afortunados e bellos dias da nossa vida politica social consagrámos o maximo respeito á inviolabilidade da vida humana; fomos nós, que com esse acto erguemos um marco glorioso no itinerário da civilisação; merecemos por isso que um dos genios mais fecundos e mais brilhantes d´este seculo, que um grande escriptor, que está inundando de luz os horisontes do mundo litterario, nos apertasse a mão, e nos desse cordeaes embora", chamando-nos o povo mais livre e mais feliz. Pois nós, Sr. presidente, que despedaçámos os postes da forca, que arrancamos a corda das mãos do algoz, que velámos o despedimos do meio do nós essa figura sinistra, que enche a humanidade de horror e o céu de piedade; nós, que supprimimos essa irracional, anti-christã, deshumana e monstruosa entidade do homem, que por officio matava homens, havemos da continuar a consentir, que o touro possa ser o carrasco de nossos similhantes? (Muitos apoiados,) Nós, que declarámos na lei não termos direito de tirar a vida a ninguém em nome do interesse da sociedade, havemos de tolerar que animaes bravos venham para as ruas e praças matar gente? em nome e por causa de um divertimento? (Apoiados.) Nós, que sem condolencia não podemos ver um desastre de que alguém é victíma, havemos de permittir espectaculos ferteis em sangue e desastres? (Apoiados.) Não póde ser, não deve ser, Sr. presidente. Acabem os barbaros e hediondos espectáculos das touradas (apoiados); acabem em nome da elevação e brandura de caracter, que e proverbial n'este povo, mas que em taes espectaculos recebe um desmentido; acabem em nome da boa fama e da dignidade d'este paiz; acabem em nome dos progressos da civilisação; acabem, visto ser tão desauctorisada a minha voz, em nome da memoria honrada, luzida e benemerita do Passos Manuel, que esta camará póde coroar mais uma vez convertendo em lei um dos seus pensamentos mais insto", mais humanitarios e mau civilisadores (apoiados).

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi cumprimentado por muitos dos seus collegas.)

O Sr. Camara Leme: - Pedi a palavra para um negocio urgente, e estimava que estivesse presente o Sr. ministro do reino, porque eram mais bem cabidas as perguntas que vou fazer; mas como está presente o Sr. ministro das obras publicas, desejava que s. exa. me declarasse se tinha, tido alguma noticia a respeito da ilha da Madeira.

Ha tres dias que correm boatos desagradáveis a respeito da ilha da Madeira.

Diz-se que chegou ha poucos dias ás aguas do Tejo um navio de guerra inglez, e que este navio trouxera a noticia de que havia graves tumultos na ilha; e acrescenta-