SESSÃO DE 24 DE MARÇO DE 1886 711
posa, uma dotação correspondente ao decoro da sua alta dignidade.
Para o Rei e para a Rainha ha uma dotação correspondente ao dcoro da sua alta dignidade.
O primeiro magistrado da nação, que occupa o logar mais elevado entre os seus concidadãos, e que representa perante os paizes estrangeiros a sociedade política, carece A carta não impõe às cortes a obrigação de augmentar de uma dotação que corresponda ás necessidades do cargo, e ás despezas de representação inherentes a esse mesmo cargo.
Mas as despezas relativas ao decoro da alta dignidade não são considerados, para serem pagas pelo contribuinte, senão quando se tratar da dotação para o Rei e para a Rainha.
Só com relação ao Rei e á Rainha é que a carta manda attender ás despezas necessarias ao decoro da sua alta dignidade.
Quando, porém, se refere ao subsidio para o Principe Real e para os Infantes, a linguagem da constituição é outra.
A este respeito diz a carta que as cortes assignarão alimentos ao Principe Real e aos Infantes, desde que nascerem. O que são alimentos? Eu seria injusto, este menos delicado para com a camara, se me mettesse a explicar-lhe que a idéa de alimentos é absolutamente incompativel com a idéa do fausto, do luxo, e do apparato.
Entenderia o legislador, que na dotação dos Principes não havia que attender ao decoro da sua alta dignidade, porque elles não tinham dignidade alguma a exercer, ou porque eram os paes que tinham obrigação de lhes custear essas despezas de representação? Não sei.
O que sei é que pela constituição do estado só na dotação do Rei e da Rainha é que se attende ás despezas reclamadas pelo decoro da sua lata dignidade, e que ao Principe Real e aos Infantes apenas se assigna, alimentos.
Sei mais, que essas determinações estão na carta, que a carta foi outorgada aos portuguezes pelo avô e bisavô do Rei reinante e doa actual herdeiro da corôa, e presumo que a nação não quererá ser mais realista que o Rei.
Haverá circumstancias em que deva entregar-se uma certa somma aos filhos do Rei? Ha, mas com as tres seguintes condições bem expressas, que essa somma é por uma vez, que com a entrega d'essa somma acabam os alimentos, e que similhante caso nunca póde dar-se com o Principe Real.
Vejamos as disposições da constituição sobre o assumpto.
A carta, ordenando que as côrtes assignarão o seu dote ás princezas ou Infantas quando houverem de casar, e que com a entrega d'elle cessarão os alimentos, e que aos Infantes, que se casarem e forem residir fóra do reino, se entregará, por uma vez somente, uma quantia determinada pelas cortes, com o que cessarão os alimentos que percebiam, exclue da provisão destes artigos o herdeiro da corôa.
Estes preceitos não são em caso algum applicaveis ao Principe Real, o senhor D. Carlos, que não póde de certo sair do reino; e a quem por isso não póde ser entregue similhante quantia.
Para o Rei e para a Rainha assignou a carta, não só uma, mas duas dotações. Pela carta têem o Rei e a Rainha não só a dotação pecuniaria correspondente ao decoro da sua alta dignidade, mas tambem os palácios e terrenos reaes que pertenceram aos seus antecessores; e ainda as cortes hão de cuidar nas acquisições e construcções que julgarem convenientes para a decência e recreio do Rei.
Na dotação do Rei e da Rainha, pois, ha de ter-se em conta o decoro da sua alta dignidade.
O Rei e a Rainha têem palacios á custa da nação, e hão de ter o necessario para as despezas de representação, inherentes ao exercicio da sua alta magistratura. Mas para o Principe Real não ha senão alimentos.
É verdade, que as despezas do Principe Real augmentam com o casamento, e que talvez os seus rendimentos actuaes lhe sejam sufficientes para custear devidamente os novos encargos.
Mas a questão a discutir não é essa. O que se discute é se pesa sobre a naçaõ o dever de acudir a esses novos encargos.
A carta não impõe ás côrtes a obrigação de augmentar os alimentos do principe Real pelo facto do seu casamento.
Ao que as côrtes estão compromettidas em virtude da carta é a assignar aos Infantes e ao Principe Real alimentos que nasceu. Isto mesmo é já excepção a todas as leis divinas e humanas onde está escripta, que é ao que deu ao individuo o sangue e a vida, que cumpre fornecer os meios para elle não ficar desarmado no meio da sociedade.
Até este projecto representa um desmentido solemne ás tradicções da familia real portugueza, que aliás tem responsabilidade alguma em similhante providencia, porque d'essa responsabilidade está isempta pelos principios constitucionaes.
A responsabilidade da apresentação do projecto é do governo, e só do governo, que o apresentou.
A responsabilidade do parecer é da commissão, que o assignou e do governo que se lhe associou: e a responsabilidade da approvação do parecer é do corpo legislativo, que o approvar.
O Rei e a Rainha desapparecem politicamente d'este assumpto.
Ninguem os vê, nem os póde ver n'este debate.
As minhas rasões pois dirigem-se ao governo, á commissão, e á camara; ou antes eu não discuto n'este momento com pessoa alguma, e procuro apenas accentuar as rasões por que assignei vencido o projecto.
Não discuto agora se a quantia arbitrada pelo parecer da commissão ao Principe Real para seus alimentos é modesta ou exagerada. Mas sempre darei á camara que os alimentos de 20:000$000 réis, com um thesouro que está pobre, e com um contribuinte que não está rico, se não são exagerados, são todavia sufficientes, e pelo menos accomodados ás circunstancias do alimentante.
Hoje, em Portugal, poucos estarão tão precisados de alimentos, como o proprio thesouro, que os dá!
No Brazil, de onde nos veio a carta constitucional, moldada pela constituição do imperio, da qual não tem differença essencial, salvo no que respeita á organização da Segunda camara, paiz que é nosso irmão pelo sangue e pelas tradicções, e que de nós se differença em ser muitissimo mais poderoso e rico, tanto em territorio, como em população, como em fortuna, a dotação da familia real não é mais avantajada que a da familia real portugueza.
Não sei qual a importancia dos alimentos primitivamente assignados ás duas filhas do Imperador, uma das quaes é a Princeza Imperial e a outra já morreu, deixando filhos e marido, nem quaes as condições pecuniarias estabelecidas nos contratos anti-nupciaes, por occasião do casamento das duas Princezas. Mas a dotação do Imperador e da Imperatriz, e os alimentos dos netos, que vem descriptos no orçamento brazileiro para o ano de 1884 a 1885, comparados com a dotação da familia real portugueza, não nos envergonha.
A dotação annual do Imperador do Brazil são réis 800:000$000 fracos, que correspondem a 400:000$000 réis, moeda portugueza, cambio ao par, dotação que póde dizer-se inferior á do nosso monarcha, attentas as condicções do imperio, e o facto de ser muito mais cara a vida no Brazil do que em Portugal.
A dotação da Imperatriz são 96:000$000 réis, ou réis 48:000$000, moeda portugueza, dotação muito inferior á da nossa Rainha.
Não quero com estas explicações propor a reducção de nenhum dos vencimentos, que estão assignados á familia real portugueza. Muito afflictivas haviam de ser as cir-