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SESSÃO DE 24 DE MARÇO DE 1886

Presidencia do exmo. sr. Pedro Augusto de Carvalho (supplente)

Secretarios os exmos. srs.

João José d'Antas Souto Rodrigues
Henrique da Cunha Matos de Mendia

SUMMARIO

Foi introduzido na sala e prestou juramento o sr. D. Jorge de Mello. - O sr. Cardoso Valente mandou para a mesa um officio do sr. deputado Luiz Osório da Cunha Pereira de Castro, declarando que deliberara resignar o seu mandato. - O sr. Joaquim José Alves chamou a attenção do governo para as obras que se estão fazendo na Ribeira Velha, e para a necessidade de progredirem com actividade. - Respondeu o sr. ministro da fazenda. - Por proposta approvada do sr. Castro Matoso, foi aggregado á commissão parlamentar encarregada de organisar um projecto de lei sobre o ( processo do recrutamento nos tribunaes judiciaes, o sr. Eduardo, José Coelho, e bem assim foi a mesma commissão auctorisada a continuar os seus trabalhos no intervallo parlamentar, podendo os seus membros residentes n'esta capital accumular, querendo. as funcções dos seus cargos. - O sr. Consiglieri Pedroso mandou para a mesa uma nota de que deseja interpellar o sr. ministro das obras publicas sobre a sua declaração, feita na sessão anterior, a respeito de alguns documentos pedidos pela mesa da camara e que s. exa. entendeu não dever enviar ao parlamento. - O sr. Reis Torgal formulou algumas perguntas ácerca da ligação da cidade da Covilhã ao caminho de ferro da Beira Baixa; ácerca do perigo em que estão de ser aniquilados os monumentos archeologicos da antiga Nabancia, proximo de Thomar; ácerca do collegio das missões ultramarinas de Sernache do Bom Jardim; e ácerca do imposto do sal, pedindo que as primeiras fossem apresentadas aos srs. ministros das obras publicas e da marinha; á quarta respondeu o sr. ministro da fazenda. - Approvou-se o parecer sobre a eleição do circulo n.º 14 (Villa Real), por onde saiu eleito o sr. Antonio Baptista de Sousa, que foi proclamado deputado. - O sr. Elvino de Brito apresentou seis representações dos povos dos concelhos que constituem o districto do Funchal.
Na ordem do dia, concluindo o sr. Dias Ferreira o seu discurso, a que respondeu em parte o sr. ministro da fazenda, foi approvada em votação nominal a generalidade do projecto n.° 23, fixando a dotação do Principe Real e mandando entregar a Sua Magestade El-Rei 100:000$000 réis para as despezas extraordinárias do casamento de Sua Alteza Real. - Foram tambem approvados os artigos 1.° e 2.° com o additamento da commissão. - A moção do sr. Consiglieri Pedroso julgou-se prejudicada. - Foram approvados os seguintes projectos: n.° 28, abrindo um credito no ministerio da fazenda, da quantia de 6:542.0240 reis para pagamento do subsidio e despeza da jornada dos srs. deputados ; n.° 27, prorogando por mais dois annos o praso marcado para. a revisão das matrizes prediaes; - n.° 50, auctorisando o governo a conceder durante tres annos, a datar da publicação, a isenção de direitos de entrada a todo o material e machinismos que a camara municipal de Ponta Delgada importar para as obras de abastecimento de aguas da respectiva cidade. - Foi tambem approvado o projecto n.° 24, sobre fianças, depois de algumas reflexões do sr. Arouca, a que respondeu o sr. ministro da justiça, tendo apresentado algumas emendas por parte da commissão o sr. Eduardo José Coelho. - Foi approvado o parecer da commissão de verificação de poderes declarando vago o logar de deputado pelo circulo de Loanda (1.°), por ter tomado assento na outra camara o sr. Luiz de Lencastre. - Apresentaram-se justificações de faltas dos srs.- Correia de Oliveira, Pereira Leite. José Novaes, José Borges de Faria, Arroyo, Castro Pereira, Côrte Real, Antonio Centeno, Antonio Ennes, Arthur Seguier, Urbano de Castro, Luiz Osorio, Miguel Tudella, Pedro Correia, visconde de Balsemão e Wenceslau de Lima. - O sr. Melicio apresentou uma declaração de voto.

Abertura - Ás tres horas e meia da tarde.

Presentes á chamada - 65 srs. deputados.

São os seguintes: - Lopes Vieira, Agostinho Lucio, A. da Rocha Peixoto, Silva Cardoso, Sousa e Silva, Antonio Candido, Garcia Lobo, A. J. da Fonseca, Moraes Sarmento, Fontes Ganhado, Jalles, Carrilho, Santos Viegas, Pinto de Magalhães, A. Hintze Ribeiro, Augusto Poppe, Pereira Leite, Neves Carneiro, Lobo d'Avila, Conde de Villa Real, E. Coelho, Estevão de Oliveira, Fernando Geraldes, Firmino Lopes, Castro Matoso, Wanzeller, Guilherme de Abreu, Matos de Mendia, Costa Pinto, Baima de Bastos, Franco Frazão, J. C. Valente, Searnichia, Souto Rodrigues, Sousa Machado, J. J. Alves, Simões Ferreira, Azevedo Castello Branco, Dias Ferreira, Elias Garcia, Laranjo, Figueiredo Mascarenhas, Oliveira Peixoto, Simões Dias, Lourenço Malheiro, Luciano Cordeiro, Reis Torgal, Luiz Dias, Luiz Jardim, M. J. Vieira, M. P. Guedes, Marçal Pacheco, Mariano de Carvalho, Guimarães Camões, Miguel Dantas, Pedro de Carvalho, Gonçalves de Freitas, Barbosa Centeno, Dantas Baracho, Pereira Bastos, Tito de Carvalho, Visconde de Ariz, Visconde das Laranjeiras, Visconde de Pindella e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Alfredo Barjona de Freitas, Pereira Borges, Cunha Bellem, Sousa Pavão, Almeida Pinheiro, Fuschini, Barão do Ramalho, Bernardino Machado, Conde da Praia da Victoria, Cypriano Jardim, Ribeiro Cabral, Elvino de Brito, Goes Pinto, Francisco Beirão, Frederico Arouca, Sant'Anna e Vasconcellos, J. A. Pinto, Melicio, Franco Castello Branco, J. A. Neves, Joaquim de Sequeira, Avellar Machado, Correia de Barros, Lobo Lamare, José Luciano, Manuel d'Assumpção, Pinheiro Chagas, Martinho Montenegro, Santos Diniz, Rodrigo Pequito, Vicente Pinheiro, Visconde de Reguengos e Visconde do Sado.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Adriano Cavalheiro, Garcia de Lima, Albino Montenegro, Torres Carneiro, Pereira Côrte Real, Antonio Centeno, Antonio Ennes, Lopes Navarro, Moraes Machado, A. M. Pedroso, Seguier, Urbano de Castro, Augusto Barjona de Freitas, Avelino Calixto, Barão de Viamonte, Caetano de Carvalho, Sanches de Castro, Carlos Roma du Bocage, Conde de Thomar, Emygdio Navarro, Sousa Pinto Basto, Fernando Caldeira, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Correia Barata, Francisco de Campos, Martens Ferrão, Barros Gomes, Silveira da Mota, Augusto Teixeira, João Arrojo, Teixeira de Vasconcellos, Ferrão de Castello Branco, J. Alves Matheus, Ponces de Carvalho, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, Ferreira de Almeida, Borges de Faria, Pereira dos Santos, Ferreira Freire, José Maria Borges, Pinto de Mascarenhas, Luiz Ferreira, Luiz Osorio, M. da Rocha Peixoto, Correia de Oliveira, Manuel de Medeiros, Aralla e Costa, Miguel Tudella, Pedro Correia, Visconde de Alentem, Visconde de Balsemão e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Illmo. e exmo. sr. - Por motivos que me abstenho de expor, deliberei resignar o meu mandato.
N'esta conformidade, peço a v. exa. se digne communical-o á camara e á respectiva commissão de verificação de poderes, a fim de ser declarada a vaga.
Deus guarde a v. exa. Illmo. e exmo. sr. presidente da camara dos senhores deputados.
Lisboa, 24 de março de 1836. = O deputado por Santarém, Luiz Osorio da Cunha Pereira de Castro.
Enviado á commissão de verificação de poderes.

REPRESENTAÇÃO

Dos habitantes dos concelhos do Funchal, Ponta do Sol, Calheta, Santa Cruz, Machico e Camara de Lobos, con-

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tra as propostas de fazenda apresentadas transacto.
Apresentadas pelo sr. deputado Elvino de Brito, enviadas á commissão de fazenda
e mandadas publicar no Diario do governo.

NOTA DE INTERPELLAÇÃO

Desejo interpellar o sr. ministro das obras publicas, sobre a declaração feita por s. exa. na sessão de hontem, a respeito de alguns documentos pedidos pela mesa desta camara, e que s. exa. entendeu não dever enviar ao parlamento. = O deputado, Consiglieri Pedroso.
Mandou-se expedir.

DECLARAÇÃO DE VOTO

Declaro que, se estivesse na sala quando se votou o projecto de lei n.° 23, tel-o-ía approvado. = João Chrysostomo Melicio, deputado por Leiria.
Para a acta.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

1.ª Estou auctorisado a declarar que o sr. deputado Antonio de Castro Pereira Corte Real tem faltado a algumas sessões por motivo justificado. = J. J. Alves, deputado por Lisboa.

2.ª Mando para a mesa uma declaração de que o meu collega João Marcellino Arroyo não tem comparecido a algumas sessões por motivo justificado. = O deputado, J. M. de Oliveira Peixoto.

3.ª Declaro que o sr. deputado José Novaes não tem comparecido ás sessões da camara por motivo justificado. = Agostinho Lucio.

4.ª Tenho a honra de participar a v. exa. e á camara, que não tenho assistido a algumas sessões da camara era virtude do fallecimento de pessoa de familia. = O deputado, Pereira Leite.

5.ª Participo a v. exa. e á camara, que os meus nobres amigos e collegas Miguel Tudella de Sousa Nápoles, Pedro Augusto Correia da Silva, visconde de Balsemão e Wenceslau de Lima têem faltado a algumas sessões por motivo justificado. = O deputado, Barbosa Centena.

6.ª Participo a v. exa. que os srs. deputados Antonio de Castro Pereira Corte Real, António Centeno, António José Ennes, Arthur Séguier, Arthur Urbano Monteiro de Castro, João Marcellino Arroyo e Luiz Osório da Cunha Pereira de Castro têem faltado às sessões por motivo justificado. = O deputado, Silva Cardoso.

7.ª Participo que o sr. deputado por Braga, José Borges de Faria, não tem podido com parecer á* sessões por motivo justificado. = Visconde de Pindella.

8.ª Participo a v. exa. e á camara que o sr. deputado Manuel Correia de Oliveira não tem comparecido ás sessões por motivo justificado. = Luiz Gonzaga dos Reis Torgal.
Para a acta.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PARTICULAR

De Alexandre Simões de Carvalho Vivaldo, Thomás Augusto Serpa, Manuel Ferreira Bret, João da Piedade e Joaquim Luiz de Sousa, pedindo que não seja approvado o projecto de lei apresentado pelo sr. Luciano Cordeiro, que altera o quadro e promoções das praças de guerra de 1.ª classe.
Apresentado pelo sr. deputado Joaquim José Alves e enviado á commissão de guerra.

O sr. Presidente: - Acha-se n'um dos corredores desta camara o illustre deputado D. Jorge de Mello.
Convido os srs. deputados Lobo de Ávila e visconde de Pindella a introduzirem na sala s. exa. I
Foi introduzido na sala e prestou juramento o sr. D. Jorge de Mello.
O sr. Cardoso Valente: - Mando para a mesa um officio do meu illustre collega o sr. Luiz Osorio, em que pede para renunciar o seu mandato.
O sr. Joaquim José Alves: - Mando para a mesa uma declaração de faltas do sr. deputado António de Castro Pereira Côrte Real.
Mando tambem para a mesa os seguintes1 requerimentos de Alexandre Simões de Carvalho Vivaldo, coronel, tenente governador da praça de Eivas, Thomás Augusto Serpa, capitão almoxarife de artilheria, Manuel Ferreira Bret, tenente ajudante da praça de Peniche, João da Piedade, alferes ajudante de praça, e Joaquim Luiz de Sousa, primeiro sargento de artilheria.
O fim d'estes requerimentos é pedir que não seja approvado o projecto apresentado pelo sr. Luciano Cordeiro, alterando as promoções no quadro das praças do exercito.
Peço a v. exa. a fineza de enviar estes requerimentos á repartição respectiva.
Desejava saber se estão na mesa os documentos que pedi pelo ministerio da fazenda.
O anno passado já fiz este pedido sem que até hoje tenha obtido resposta alguma; este anno renovei-o quando estava ainda no poder o ministerio regenerador.
O sr. Secretario (Souto Rodrigues): - O requerimento foi expedido no dia 1 de fevereiro e ainda não foi satisfeito.
O Orador: - Já que estou com a palavra chamo a attenção do sr. ministro da fazenda, para o seguinte facto. O anno passado pedi eu nesta camara que se tomassem todas as providencias com as obras que se estão fazendo na Ribeira Velha. Desejava saber quando ellas terão fim, se o governo tenciona fazer desapparecer aquelle pantano.
Effectivamente todos sabem que a doca! da Ribeira Velha é um verdadeiro pantano, muito perigoso, pois que no tempo do calor se póde ali desenvolver uma epidemia. Já por varias vezes tem sido tentado o esgoto, mas isto não basta.
Desejo saber a opinião do sr. Marianno de Carvalho, e se s. exa. empregará, como costuma, todo o seu zelo em assumpto de tanta ponderação.
O sr. Ministro da Fazenda (Mariano de Carvalho): - Em primeiro logar devo declarar a v. exa. e á camara que o sr. presidente do conselho não póde comparecer por ter de ir ao paço á assignatura real, visto ser ámanhã dia santo. Tanto eu, como o sr. ministro da justiça, estamos promptos a responder, no que podermos, aos nossos illustres collegas.
Quanto á pergunta que me dirigiu o illustre deputado, tenho a dizer a s. exa. que me merecem toda a attenção as obras que se estão fazendo na Ribeira Velha, para ampliação de armazens e outros pertencer, da alfandega.
Já ordenei que me fossem apresentados os estudos d'aquellas obras, para eu poder tambem estudar a melhor maneira de se fazerem, com a maior economia e brevidade possivel.
Espero dar em breves dias todas as explicações de que o illustre deputado carece.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa uma nota de interpellação.

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Esta nota de interpellação refere-se a um assumpto relacionado com um incidente que se levantou hontem n'esta casa.
Recorda-se v. exa. das explicações trocadas entre um deputado e um ministro da corôa?
O sr. ministro das obras publicas, da maneira a mais leal, explicou o sentido d'essas palavras.
Tudo, sr. presidente, quanto n'esta questão podesse ter o caracter pessoal, está posto de parte por esta declaração, no entretanto eu, agradecendo a s. exa. a lealdade das suas explicações, declarei desde logo, que me reservava o direito de levantar a questão parlamentar que se relacionava com a declaração feita pelo sr. ministro das obras publicas.
Como o sr. ministro não está presente, não acrescentarei mais uma unica palavra ás considerações com que porventura tencionava acompanhar esta nota, esperando que s. exa. um dia breve se dará pressa em vir perante o parlamento debater esta questão, que já não é minha, mas para o decoro da camara.
A nota de interpellação é a seguinte.
(Leu.)
O sr. Francisco Matoso: - Sr. presidente, mando para a mesa a seguinte proposta de lei.
(Leu.)
Esta proposta, como v. exa. vê, tem por fim aggregar á commissão de inquerito parlamentar o sr. deputado Eduardo José Coelho;
Esta commissão, que é composta de tres membros, não tem podido funccionar, por ter sido nomeado par do reino um dos seus membros.
A proposta tem tambem por fim dar auctorisação para esta commissão poder funccionar no interregno parlamentar e poderem os seus membros accumular estas funcções com as de outro qualquer logar que tenham.
Peço a v. exa. a urgencia da proposta.

Proposta

Tendo sido eleito par do reino o illustre deputado José Frederico Pereira da Costa, que fazia parte da commissão parlamentar para organisar um projecto de lei sobre processo de recrutamento militar nos tribunaes judiciaes, e não podendo essa commissão funccionar por falta de numero legal, proponho que lhe seja aggregado o illustre deputado Eduardo José Coelho, e bem assim que a commissao fique auctorisada a continuar os seus trabalhos no intervallo das sessões, podendo os seus membros residentes n'esta capital accumular, querendo, as funcções dos seus cargos. = O deputado, Francisco de Castro Matoso.
Foi declarada urgente e em seguida approvada.

O sr. Reis Torjal: - Sr. presidente, a morte de um cavalheiro muito estimavel e meu amigo, o sr. Antonio Homem, cunhado do illustre deputado o sr. Manuel Correia de Oliveira, fez com que este faltasse a algumas das ultimas sessões; mando para a mesa a sua justificação de faltas.
Aproveitando a occasião de estar com a palavra, desejava fazer algumas perguntas aos srs. ministros da marinha e obras publicas, que não Vejo presentes; mas como é possível que o governo esteja habilitado a responder-me, não tenho duvida em as formular sem deixar de manifestar a minha consideração e respeito que professo por s. exas. e a confiança que tenho que hão de cumprir as promessas já feitas ao parlamento.
Ao sr. ministro das obras publicas desejava pedir alguns esclarecimentos ácerca do caminho de ferro da Beira Baixa e solicitar de s. exa. categoricas explicações ácerca do adiamento desta importante obra, de cuja realisação está pendente a prosperidade do districto de Castello Branco, que tenho a honra do representar n'esta casa. Igualmente desejava saber se o engenheiro encarregado
pelo ministerio transacto de fazer os estudos relativos á ligação da Covilhã, com o caminho de ferro da Beira Baixa já tinha mandado o seu relatorio, porque, no caso afirmativo, desejava que elle fosse presente a esta camara.
Também desejava saber quaes as providencias que o governo tenciona adoptar para que se não destruam e anniquilem os importantes monumentos archeologicos, que existem proximo de Thomar, onde foi a antiga cidade de Nabancia.
Em Italia e em toda a parte estes monumentos merecera os maiores cuidados ao estado; entre nós nem se fallaria em tal, se um cavalheiro tão intelligente como laborioso, não houvesse tomado a peito a conservação destas riquezas nacionaes. Refiro-me ao sr. conselheiro Possidonio da Silva.
Consta-me que a camara municipal vae construir uma estrada sobre este ponto, fazendo desapparecer todos os monumentos.
Ainda desejava saber se o governo pensa em remover o collegio das missões de Sernache de Bom Jardim, pondo de parte os importantes melhoramentos ultimamente realisados n'este estabelecimento.
Pergunto tambem ao sr. ministro da fazenda se ainda n'esta sessão tenciona apresentar alguma proposta, a fim de ser abolido o imposto do sai, e não tencionando apresentar proposta alguma, quaes as providencias que tencionava adoptar a fim de que os donos das salinas podessem vender, sem direitos, durante este intervallo.
Aguardo as respostas do governo.
O sr. Ministro da Fazenda (Mariano de Carvalho): - Emquanto á primeira pergunta que o illustre deputado me fez, com respeito ao caminho de ferro da Beira Baixa, não posso dar a s. exa. as informações precisas, porque esto negocio não corre pela pasta a meu cargo. Sei apenas que quando se fez o projecto do caminho de ferro havia um estudo feito pelo sr. Almeida Pinheiro com respeito á approximação d'esse caminho de ferro da cidade da Covilhã. Se depois disso algum trabalho se fez, não o posso dizer a s. exa., porque não sei; o que posso é communicar ao meu collega das obras publicas a pergunta de s. exa.
Com respeito ao collegio das missões de Sernache do Bom Jardim, não tenho noticia de que se pense na sua mudança, nem posso adivinhar as intenções do meu collega da marinha.
A respeito da conservação dos monumentos archeologicos de Nabancia, não tenho conhecimento do facto a que s. exa. se referiu, da camara municipal de Thomar querer construir uma estrada que os inutilisa.
O que posso affirmar a s. exa. é que o governo se interessará pela conservação de todos os monumentos artisticos ou históricos nacionaes, e tomará todas as providencias necessarias para evitar a destruição a que s. exa. se referiu.
Emquanto ao imposto do sal, o illustre deputado comprehende, que n'esta sessão parlamentar, peia posição especial em que o governo se encontra perante a camara, não póde apresentar a proposta para a extincção d'este imposto.
O que posso affirmar a s. exa., é que o imposto do sal não será mantido no systema fiscal.
Tenciono apresentar ao parlamento as propostas de fazenda que julgo convenientes para a causa geral e n'ellas será incluiria á extincção do imposto do sal; d'aqui até então o governo ha de cumprir as leis vigentes.
Não sei se alguma cousa me falta responder ao illustre deputado, mas s. exa. póde usar de novo da palavra.
O sr. Simões Ferreira: - Mando para a mesa o parecer da commissão de agricultura, auctorisando o governo a acceitar o donativo que fez uma grande porção de cidadãos portuguezes, para a instituição de premios denominados Saraiva de Carvalho no instituto agricola, e nos institutos industriaes de Lisboa e Porto.
Mandou-se imprimir.

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O sr. Firmino Lopes: - Mando para a mesa o parecer da commissão de verificação de poderes, relativo á eleição de Villa Real.
Peço a v. exa. que consulte a camara se dispensa o regimento, para este parecer entrar desde já em discussão.
Foi dispensado o regimento, e entrou em discussão o seguinte

PARECER

Senhores. - Á vossa commissão de verificação de poderes foi presente o processo eleitoral respectivo ao circulo n.º 14 (Villa Real).
Obtiveram votos os seguintes cidadãos:

Antonio Baptista de Sousa .... 2:562 votos
Joaquim Pinheiro de Azevedo Leite .... 18 votos
Padre João Pereira de Araujo Tapado .... 12 votos
Padre Antonio Tapado .... 6 votos
Plácido Ferreira Rato .... 5 votos
Victorino Gomes de Barros .... 1 voto
Ricardo Cordeiro de Magalhães .... 1 voto
Manuel Augusto Rebello da Silva .... 1 voto
Francisco Machado de Moura e Cunha .... 1 voto

E porque o processo eleitoral correu com a devida regularidade, é a vossa commissão de parecer que a eleição seja approvada, e proclamado deputado da nação o cidadão Antonio Baptista de Sousa, que apresentou o seu diploma em fórma legal.
Sala da commissão, 24 de março de 1886. = Frederico Arouca. = Firmino João Lopes (relator). - Tem voto dos srs. deputados Moraes Carvalho e Augusto José Pereira Leite.
Foi approvado e seguidamente proclamado deputado o sr. Antonio Baptista de Sousa, que foi introduzido na sala e prestou juramento.
O sr. Elvino de Brito: - Mando para a mesa duas representações dos povos que compõem o districto do Funchal contra a proposta apresentada pelo ministro da fazenda do gabinete transacto.
Eu unicamente pediria a v. exa. que mandasse estas representações á respectiva commissão. A camara dos dignos pares mandou publicar no Diario do governo representações idênticas, por consequência peço a v. exa. que consulte a camara se consente que estas representações sejam tambem publicadas no Diario do governo.
Foi auctorisada a publicação.
O sr. Conde da Praia da Victoria: - Sr. presidente, participo a v. exa. e á camara que a commissão encarregada de apresentar ao augusto chefe do estado o autographo de uma lei votada pelas cortes geraes, teve a honra de cumprir essa missão, pedindo a Sua Magestade El-Rei a sua real sancção para a mesma lei.
O sr. Visconde de Pindella: - Mando para a mesa uma declaração de que o sr. José Borges não tem comparecido a algumas sessões e não poderá comparecer a mais algumas.
O sr. Presidente: - Passa-se á ordem do dia.

ORDEM DO DIA

Continua a discussão do projecto de lei n.º 23, fixando em 40:000$000 réis a dotação do Principe D. Carlos, e mandando entregar a Sua Magestade El-Rei 100:000$000 réis para as despezas extraordinárias do casamento de Sua Alteza Real.

O sr. Dias Ferreira: - Já hontem disse á camara, e repito hoje, que não venho, a proposito do projecto que se discute, nem armar controvérsias políticas, nem levantar questões partidarias. O meu unico intuito é accentuar, e deixar bem consignadas nos registos parlamentares, as rasões e os fundamentos por que não posso acceitar o projecto que está pendente do exame da assembléa.
Bem comprehendo que nem o governo, nem a commissão, acceitariam emendas, nem alterações neste projecto; e, desde que se perde a esperança de melhorar as disposições de qualquer medida, toda a discussão é inutil. Não ha outro caminho a seguir senão approvar ou rejeitar.
Vou, pois, dar as rasões porque rejeito o projecto, e por que o regeito na sua totalidade.
Preciso de considerar em separado as duas partes em que o parecer naturalmente se divide, para seguir a ordem logica da minha argumentação.
Na primeira parte eleva-se a dotação do. Príncipe Real de 20:000$000 a 40:000$000 réis. Na segunda parte põe-se á disposição do Rei a quantia de 100:000$000 réis para as despezas com o casamento do herdeiro da corôa.
Este projecto, como eu já hontem disse é repito hoje, nem tem lei em que se funde, nem necessidade publica que o auctorise, nem é de conveniencia para ninguem, e antes de prejuizo para aquelles a quem parece aproveitar.
Que é da lei em que as côrtes se fundam para votar similhante despeza? Não ha.
Consultemos a este respeito o código fundamental da monarchia.
Se alguma vez a carta constitucional nós podia servir com vantagem é exactamente no presente caso; e refiro-me á carta constitucional primitiva, á carta constitucional antes das tristes emendas com que ultimamente foi peiorada. Respeitemos, ao menos, n'esta parte a constituição do estado, para não desmentirmos as velhas tradições do honrado povo portuguez, que nunca quiz ser mais realista do que o Rei.
Não sejamos mais realistas do que o Rei e Imperador, que nos deu a carta.
A carta constitucional não foi votada em cortes pela nação. Não representa na sua origem as manifestações do voto popular. Pelo contrario. Foi outorgada pelo senhor D. Pedro, IV de Portugal e I do Brazil.
Não póde, portanto, ser suspeito no que dispõe com respeito á dotação da familia real este diploma, que regula do modo mais claro e positivo as obrigações do povo portuguez quanto aos subsídios a abonar ao Rei, á Rainha, ao Principe Real, e aos Infantes.
Hoje a carta é um pacto da nação. Mas nem por isso a sua origem deixa de servir para explicar muitas das suas disposições, disposições a que não devemos dar mais largueza quando se trata de beneficiar uma dynastia de que era tronco commum o dador da mesma carta.
Ora se ha assumpto em que a carta esteja clara, e perfeitamente bem redigida, é exactamente nos artigos reguladores da dotação do Rei e da familia real.
A carta providenceia a respeito da dotação para o Rei e para a Rainha; a carta providenceia a respeito dos alimentos (dos alimentos, note-se bem) para o Príncipe Real e para os Infantes; a carta manda entregar o seu dote ás Princezas ou Infantas, quando houverem de casar; e a carta manda entregar uma quantia determinada aos Infantes que se casarem e forem residir em paiz estrangeiro.
Todas estas hypotheses a carta previu. O que a constituição não previu foi a hypothese do augmento dos alimentos ao Principe Real e aos Infantes. Previu! sim a hypothese de cessarem esses alimentos. Mas esse facto é exactamente o contrario do que se propõe no projecto em discussão.
Está pois regulado expressamente na constituição do estado o caso de cessarem os alimentos assignados aos Infantes e às Infantas.
O que se não encontra regulado na constituição é o caso de serem augmentados esses alimentos para o effeito do casamento do Principe Real.
Sr. presidente, vamos por partes.
O artigo 80.° da carta diz que as côrtes geraes, logo que o Rei succeder no reino, lhe assignarão, e a Rainha sua es-

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posa, uma dotação correspondente ao decoro da sua alta dignidade.
Para o Rei e para a Rainha ha uma dotação correspondente ao dcoro da sua alta dignidade.
O primeiro magistrado da nação, que occupa o logar mais elevado entre os seus concidadãos, e que representa perante os paizes estrangeiros a sociedade política, carece A carta não impõe às cortes a obrigação de augmentar de uma dotação que corresponda ás necessidades do cargo, e ás despezas de representação inherentes a esse mesmo cargo.
Mas as despezas relativas ao decoro da alta dignidade não são considerados, para serem pagas pelo contribuinte, senão quando se tratar da dotação para o Rei e para a Rainha.
Só com relação ao Rei e á Rainha é que a carta manda attender ás despezas necessarias ao decoro da sua alta dignidade.
Quando, porém, se refere ao subsidio para o Principe Real e para os Infantes, a linguagem da constituição é outra.
A este respeito diz a carta que as cortes assignarão alimentos ao Principe Real e aos Infantes, desde que nascerem. O que são alimentos? Eu seria injusto, este menos delicado para com a camara, se me mettesse a explicar-lhe que a idéa de alimentos é absolutamente incompativel com a idéa do fausto, do luxo, e do apparato.
Entenderia o legislador, que na dotação dos Principes não havia que attender ao decoro da sua alta dignidade, porque elles não tinham dignidade alguma a exercer, ou porque eram os paes que tinham obrigação de lhes custear essas despezas de representação? Não sei.
O que sei é que pela constituição do estado só na dotação do Rei e da Rainha é que se attende ás despezas reclamadas pelo decoro da sua lata dignidade, e que ao Principe Real e aos Infantes apenas se assigna, alimentos.
Sei mais, que essas determinações estão na carta, que a carta foi outorgada aos portuguezes pelo avô e bisavô do Rei reinante e doa actual herdeiro da corôa, e presumo que a nação não quererá ser mais realista que o Rei.
Haverá circumstancias em que deva entregar-se uma certa somma aos filhos do Rei? Ha, mas com as tres seguintes condições bem expressas, que essa somma é por uma vez, que com a entrega d'essa somma acabam os alimentos, e que similhante caso nunca póde dar-se com o Principe Real.
Vejamos as disposições da constituição sobre o assumpto.
A carta, ordenando que as côrtes assignarão o seu dote ás princezas ou Infantas quando houverem de casar, e que com a entrega d'elle cessarão os alimentos, e que aos Infantes, que se casarem e forem residir fóra do reino, se entregará, por uma vez somente, uma quantia determinada pelas cortes, com o que cessarão os alimentos que percebiam, exclue da provisão destes artigos o herdeiro da corôa.
Estes preceitos não são em caso algum applicaveis ao Principe Real, o senhor D. Carlos, que não póde de certo sair do reino; e a quem por isso não póde ser entregue similhante quantia.
Para o Rei e para a Rainha assignou a carta, não só uma, mas duas dotações. Pela carta têem o Rei e a Rainha não só a dotação pecuniaria correspondente ao decoro da sua alta dignidade, mas tambem os palácios e terrenos reaes que pertenceram aos seus antecessores; e ainda as cortes hão de cuidar nas acquisições e construcções que julgarem convenientes para a decência e recreio do Rei.
Na dotação do Rei e da Rainha, pois, ha de ter-se em conta o decoro da sua alta dignidade.
O Rei e a Rainha têem palacios á custa da nação, e hão de ter o necessario para as despezas de representação, inherentes ao exercicio da sua alta magistratura. Mas para o Principe Real não ha senão alimentos.
É verdade, que as despezas do Principe Real augmentam com o casamento, e que talvez os seus rendimentos actuaes lhe sejam sufficientes para custear devidamente os novos encargos.
Mas a questão a discutir não é essa. O que se discute é se pesa sobre a naçaõ o dever de acudir a esses novos encargos.
A carta não impõe ás côrtes a obrigação de augmentar os alimentos do principe Real pelo facto do seu casamento.
Ao que as côrtes estão compromettidas em virtude da carta é a assignar aos Infantes e ao Principe Real alimentos que nasceu. Isto mesmo é já excepção a todas as leis divinas e humanas onde está escripta, que é ao que deu ao individuo o sangue e a vida, que cumpre fornecer os meios para elle não ficar desarmado no meio da sociedade.
Até este projecto representa um desmentido solemne ás tradicções da familia real portugueza, que aliás tem responsabilidade alguma em similhante providencia, porque d'essa responsabilidade está isempta pelos principios constitucionaes.
A responsabilidade da apresentação do projecto é do governo, e só do governo, que o apresentou.
A responsabilidade do parecer é da commissão, que o assignou e do governo que se lhe associou: e a responsabilidade da approvação do parecer é do corpo legislativo, que o approvar.
O Rei e a Rainha desapparecem politicamente d'este assumpto.
Ninguem os vê, nem os póde ver n'este debate.
As minhas rasões pois dirigem-se ao governo, á commissão, e á camara; ou antes eu não discuto n'este momento com pessoa alguma, e procuro apenas accentuar as rasões por que assignei vencido o projecto.
Não discuto agora se a quantia arbitrada pelo parecer da commissão ao Principe Real para seus alimentos é modesta ou exagerada. Mas sempre darei á camara que os alimentos de 20:000$000 réis, com um thesouro que está pobre, e com um contribuinte que não está rico, se não são exagerados, são todavia sufficientes, e pelo menos accomodados ás circunstancias do alimentante.
Hoje, em Portugal, poucos estarão tão precisados de alimentos, como o proprio thesouro, que os dá!
No Brazil, de onde nos veio a carta constitucional, moldada pela constituição do imperio, da qual não tem differença essencial, salvo no que respeita á organização da Segunda camara, paiz que é nosso irmão pelo sangue e pelas tradicções, e que de nós se differença em ser muitissimo mais poderoso e rico, tanto em territorio, como em população, como em fortuna, a dotação da familia real não é mais avantajada que a da familia real portugueza.
Não sei qual a importancia dos alimentos primitivamente assignados ás duas filhas do Imperador, uma das quaes é a Princeza Imperial e a outra já morreu, deixando filhos e marido, nem quaes as condições pecuniarias estabelecidas nos contratos anti-nupciaes, por occasião do casamento das duas Princezas. Mas a dotação do Imperador e da Imperatriz, e os alimentos dos netos, que vem descriptos no orçamento brazileiro para o ano de 1884 a 1885, comparados com a dotação da familia real portugueza, não nos envergonha.
A dotação annual do Imperador do Brazil são réis 800:000$000 fracos, que correspondem a 400:000$000 réis, moeda portugueza, cambio ao par, dotação que póde dizer-se inferior á do nosso monarcha, attentas as condicções do imperio, e o facto de ser muito mais cara a vida no Brazil do que em Portugal.
A dotação da Imperatriz são 96:000$000 réis, ou réis 48:000$000, moeda portugueza, dotação muito inferior á da nossa Rainha.
Não quero com estas explicações propor a reducção de nenhum dos vencimentos, que estão assignados á familia real portugueza. Muito afflictivas haviam de ser as cir-

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cumstancias da nação, para eu propor, ou me associar á reducção dos alimentos, ou da dotação de qualquer dos membros da familia real.
E a rasão é simples. Digo-a já á camara. É porque, pela mesma rasão porque eu quero uma monarchia em Portugal perfeitamente á ingleza, em que o Rei não tenha ingerencia activa, nem nos negocios politicos, nem na marcha da administração, desejo tambem que o Rei e a familia real vivam, quanto possivel, ao abrigo das tempestades politicas, e das evoluções parlamentares.
Continuando com a noticia das disposições do orçamento brazileiro, com respeito á dotação da familia imperial, devo acrescentar que os netos do Imperador do Brazil têem: o Principe Imperial do Grão-Pará 8:000$000 réis ou 4:000$000 réis, moeda portugueza, e cada um dos outros 6:000$000 réis, ou 3:000$000 réis, moeda portugueza, cambio ao par.
Repito que não estou mencionando estes factos para propor reducções na dotação da familia real portugueza.
Vou procurar exemplos insuspeitos, e de todo procedentes, para impugnar augmentos de dotação, absolutamente incompativeis com o estado politico do paiz e com a situação grave da fazenda publica.
Para ser inteiramente justo, como quero, como devo e como desejo, vou ainda declarar a v. exa. e á camara que este projecto destoa completamente das tradições da nação portugueza e da familia real portugueza.
Agora pede-se augmento de alimentos, que não está auctorisado expressamente na carta; e durante largos annos prescindia-se de alimentos que a carta expressamente garantia.
O senhor D. Pedro V esteve oito annos sem lhe serem assignados alimentos, apesar da carta dispor terminantemente que as cortes assignarão alimentos ao Principe Real desde que nascer; e o senhor D. Luiz I esteve sete annos sem as cortes lhe assignarem alimentos, apesar da carta dizer positivamente que as cortes assignarão alimentos aos Infantes desde que nascerem.
Quer v. exa. saber a rasão do facto?
É porque n'essa epocha ainda havia administração, e ainda se olhava com seriedade e attenção para os negócios publicos.
Então ainda havia contemplações com a opinião publica e com as necessidades do paiz.
Por isso ao senhor D. Pedro V, que tinha nascido em 1837, e ao senhor D. Luiz I, que nascera em 1838, só foram assignados alimentos em 1845.
A proposta para a assignação de alimentos aos dois filhos mais velhos da nossa primeira Rainha constitucional só foi apresentada na sessão de 9 de abril de 1845.
D'essa sessão consta o seguinte:
«O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. presidente do conselho de ministros por parte do governo.
«O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Pedi a palavra para mandar para a mesa a seguinte proposta de lei, que vou ler:
«Senhores. - A carta constitucional da monarchia determina no artigo 81.º que as cortes assignarão alimentos «aos Serenissimos Principe Real e Infantes desde o seu «nascimento; mas esta disposição da lei fundamental não «tem tido até ao presente execução»
Mas como é que, sendo expresso na carta o preceito de se assignarem alimentos ao Principe Real e aos Infantes desde que nascerem, eram decorridos oito annos depois do nascimento do Príncipe Real e sete depois do nascimento do filho segundo da Rainha, sem que nenhum governo das differentes parcialidades politicas, que estiveram no poder desde 1837 a 1845, se atrevessem a vir ás côrtes pedir a assignação de alimentos para o Principe Real e para o Senhor Infante D. Luiz?
A rasão dá-a a proposta do governo; e é honrosissima para o soberano.
Continuo a leitura da proposta, porque a rasão está no seguimento do que eu estava lendo, nas seguintes palavras:
«Porque Sua Magestade a Rainha, attendendo ás urgencias do thesouro, quiz que se sobreestivesse na apresentação para esse fim ao corpo legislativo, das competentes propostas de lei.
«Entretanto Sua Alteza Real, e o Sereníssimo Infante D. Luiz, têem chegado á idade de carecerem de preceptores em maior escala, e de um estado proprio do seu nascimento e alta dignidade - e em taes circumstancias, não sendo possivel espaçar por mais tempo, a respeito das pessoas de Suas Altezas, o cumprimento d'aquelle artigo constitucional, vem hoje o governo, auctorisado por Sua Magestade a Rainha, sollicital-o do corpo legislativo com a apresentação da seguinte, etc.»
Chamo ainda a attenção da camara para uma circumstancia notavel, que se relaciona com este facto.
Em 9 de abril de 1845, isto é, na occasião em que foi apresentada ás cortes a proposta para se assignarem alimentos ao senhor D. Pedro e ao senhor D. Luiz, era já nascido o senhor Infante D. João, e as senhoras Infantas D. Maria Anna e D. Antonia; e para esses não assignaram alimentos as cortes, nem o governo apresentou proposta para similhante fim.
O Principe Real esperou oito annos e o Infante D. Luiz sete, até que a Rainha auctorisasse o governo a vir ás cortes pedir que lhe assignassem alimentos para aquelles dois filhos; e sendo já nascidos mais tres, quando o governo apresentou a proposta ás cortes, aos quaes deviam ser assignados alimentos nos termos da carta, o governo não os comprehendeu na proposta.
Também é conveniente dizer á camara e ao paiz quem eram os jacobinos desse governo, que não propunha alimentos para os tres filhos mais novos da Rainha, apesar de lhes serem devidos os alimentos desde o seu nascimento em conformidade da carta. Os jacobinos, que formavam o ministerio, eram: duque da Terceira, Antonio Bernardo da Costa Cabral, José Joaquim Gomes de Castro, Joaquim José Falcão, e conde do Tojal.
Estes homens cujos sentimentos monarchicos, e cujo amor pela dynastia, nunca ninguem poz em duvida, tendo até o primeiro ajudado a collocar a Rainha no throno, vindo ás côrtes pedir que assignassem os alimentos para o Principe Real e para o Infante D. Luiz, deixavam de os pedir para os outros tres Infantes já nascidos, de certo porque os altos poderes do estado, nessa epocha, punham os interesses do thesouro acima dos interesses da familia real.
Os senhores Infantes a quem n'aquella occasião não foram assignados os alimentos só os tiveram em 1 854, sendo então assignados tambem aos que nasceram posteriormente, a 1845; e os alimentos que em 1854 se lhes arbitraram foram 2:800$000 réis a cada um.
Sr. presidente, eu não reputo constitucionaes os artigos do capitulo da carta, relativo á dotação da familia real, porque constitucional, nos termos do artigo 144.º da mesma carta, é só o que diz respeito aos limites e attribuições respectivas dos poderes politicos, e aos direitos políticos e individuaes dos cidadãos.
Todavia a novissima reforma constitucional prohibe tocar na carta sem decorrerem quatro annos; e, como lei organica, não é regular adoptar providencias que lhe sejam contrarias sem ella ser previamente alterada.
Por outro lado, nas constituições em que se regula a dotação da familia real, determina-se, como na lei fundamental da monarchia, que a dotação do Rei e da Rainha se deve fixar na occasião de succederem no throno, e a dos Infantes por occasião do seu nascimento.
De facto seria extremamente irregular, e de graves perigos para a politica do paiz, depois de designada a dota-

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ção do Rei, da Rainha, do Principe Real e dos Infantes, estar a alteral-a a cada hora e a cada momento.
Todavia a rasão capital por que eu me opponho a que se fixe em 40:000$000 réis a dotação ou alimentos do Principe Real é por julgar que 20:000$000 réis, nas circumstancias presentes da nação portugueza, são sufficientes para alimentos d'aquelle Principe, visto que os alimentos se regulam sempre pelas necessidades do alimentado e pelos meios do alimentante.
Ora nas, actuaes circunstancias economicas é financeiras da nação portugueza não podemos dispor dos recursos do contribuinte, senão para o que for absoluta e restrictamente indispensavel.
Se o contribuinte quizer dispor á vontade dos seus recursos e da sua fortuna para festejos com o consorcio do Principe Real, está no seu plenissimo direito. Nós, porém, como administradores de bens alheios, temos obrigação impreterivel de manter a mais rigorosa economia na administração dos dinheiros que nos estão confiados.
Quer a camara decretar festejos por occasião do casamento do herdeiro da coroa? Pois decrete-os, mas salvaguardando sempre a bolsa do contribuinte.
Tambem podem fazer-se festas sem recorrer ao dinheiro do thesouro.
Sr. presidente, já declarei que me oppunha ao augmento de dotação do Principe Real, porque lei nenhuma me obrigava a votar essa despeza; e nas actuaes circumstancias só despezas impreteriveis podem ser votadas. Agora direi em breves palavras as rasões por que não posso associar-me á dadiva de 100:000$000 réis á El-Rei, para as despezas extraordinarias com o casamento do herdeiro da corôa.
Esta historia dos 100:000$000 réis é muito curiosa. Os 100:000$000 réis para despezas extraordinárias foram pela primeira, vez dados por occasião do primeiro casamento dá senhora D. Maria II. A senhora D. Maria II, alem de lhe ser arbitrada a dotação de 1:000$000 réis por dia, porque igual quantia tinha sido arbitrada a seu avô o senhor D. João VI, em 1821, quando o Brazil ainda fazia parte de Portugal, deram-se 100:000$000 réis por uma vez, pela lei de 19 de dezembro de 1834. Mas qual foi o fundamento d'esta dadiva de réis 100.000$000 á senhora D. Maria II, alem da sua dotação que lhe era fixada em cumprimento da carta?
Os 100:000$000 réis foram-lhe dados, diz a lei, para seu enxoval e ornamento de sua casa e palacio. Mas nas circumstancias de então aquelle subsidio à senhora D. Maria II era indispensavel.
As côrtes tinham de habilitar a Rainha a installar-se no throno, dando-lhe para isso os meios necessarios, ou em nome da carta ou contra a carta, porque se estavam liquidando os resultados de uma revolução.
A senhora D. Maria II precisava d'este subsidio extraordinario de 100:000$000 réis, forque vinha da emigração, e não podia contar com os recursos de seu pae, que vinha dos campos da batalha.
O Imperador chegára do cerco do Porto e das linhas de Lisboa, sem um real com que podesse occorrer ás despezas urgentes da installaçao de sua filha.
Todos sabem que a causa liberal esteve a baquear mais de uma vez, por falta de recursos pecuniarios; e que o Rei soldado a nenhuns sacrificios se poupou, chegando a pôr em jogo a sua vida, e a sua fortuna, para salvar a causa da Rainha, da carta, e da liberdade.
Em que condições de fortuna, pois, entrava em Portugal a senhora D. Maria II? Sem meios nenhuns.
Por isso veio a lei de 19 de dezembro de 1834, quando ella ia estava auctorisada, por carta de lei de 13 de setembro do mesmo anno, para casar com um principe estrangeiro, fixar-lhe a dotação permanente de 1:000$000 por dia, e dar-lhe o abono de 100:000$000 réis por uma só vez.
Era-lhe absolutamente indispensavel este subsidio extraordinario para o seu enxoval, e para ornamentação da sua casa e palacio.
Esta somma representava era parte tambem, como que um supprimento de viagem, segundo a linguagem das côrtes de 1827.
As condições da senhora D. Maria II eram excepcionaes.
Esta senhora subiu ao throno soffrendo comnosco todas as consequencias de uma revolução violenta de uma guerra civil e fratricida, que esteve dilacerando o paiz durante seis annos.
As condições extraordinarias que precederam e acompanharam a ascenção ao throno da senhora D. Maria II, e que depois se seguiram durante o seu reinado, não podiam ser invocadas por nenhum dos monarchas que lhe succederam.
Mas em Portugal, logo que se trate, de gastar dinheiro á custa do contribuinte, não ha precedentes que não vinguem, e precedentes que sé não ampliem.
O subsidio dos 100:000$000 réis á senhora D. Maria II, pelas circumstancias extraordinarias em que ella se achava, já serviu de precedente para se gastarem 100:000$000 réis com o casamento de El-Rei o senhor D. Pedro V, e de El-Rei o senhor D. Luiz I.
Os 100:000$000 réis gastos por occasião do casamento de El-Rei o senhor D. Pedro V e de El-Rei o senhor D. Luiz I já servem de precedente para se gastar igual quantia com o casamento do Principe Real.
Talvez que eu me engane, mas os 100:000$000 réis, gastos agora por occasião do casamento do Principe Real, ainda hão, de servir de precedente para se gastar a mesma ou outra quantia com o casamento do Infante.
Se os nossos governantes se preoccupassem tanto com a necessidade de pagar, como se preoccupam com a mania de gastar, o nosso paiz seria o mais bem administrado do mundo.
Os nossos governos tratam só de gastar, e quanto mais arruinado está o thesouro mais gastam. Do que não querem saber é donde ha de vir o dinheiro para pagar. Continuo na minha ordem de idéas. Deram-se réis 100:000$000 á senhora D. Maria II para o seu enxoval e para a ornamentação da sua casa e palacio. Foi quanto bastou para se darem 100:000$000 réis ao senhor D. Pedro V e ao senhor D. Luiz I, por occasião do casamento de cada um d'estes monarchas.
A redacção das leis que auctorisaram estas munificencias variam; mas a dadiva dos 100:000$000 réis permanece inalteravel.
As leis de 20 de junho de 1857 com respeito ao casamento do senhor D. Pedro V, e de 1 de julho de 1862 com respeito ao casamento do senhor D. Luiz I, põem á disposição de cada um dos dois soberanos os 100:000$000 réis, não para o enxoval e ornamentação de sua casa e palacio, mas para as despezas extraordinarias do seu faustissimo consorcio.
A dadiva aos 100:000$000 réis á Rainha, á Rainha, a senhora D. Maria II, para o seu enxoval e para ornamentação de sua casa e palacio, comprehendem-se, e justificam-se pelas circumstancias extraordinariamente violentas em que ella tomava conta da governação do estado.
O presente de 100:000$000 réis para despezas extraordinarias com os faustissimos consorcios do senhor D. Pedro V. e do senhor D. Luiz I não tem justificação de especie alguma, e só n'um paiz cujo thesouro fosse rico é que poderia ter apparencias de plausibilidade.
Ainda assim convem que a camara saiba que não foi o governo quem tomou a iniciativa do dispendio extraordinario de 100:000$000 réis com é casamento do senhor D. Pedro V e do senhor D. Luiz I.
Agora até essas cerimonias se dispensam. Agora está tudo mudado e todas as praxes alteradas.

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N'esta quadra de liberalismo avançado é o governo, ou o ministerio, são os proprios secretarios d'estado do Rei que apresentam ás côrtes a competente proposta para se darem 100:000$000, réis ao chefe do poder executivo.
Ora nem em 1857 nem em 1862 se fez similhante cousa. Guardaram-se ao menos as conveniencias, o que, em politica sobretudo, não é indifferente.
Em 1857, na sessão de 8 de junho, o presidente do conselho de ministros fazia á camara a communicação do casamento do senhor D. Pedro V nos termos seguintes:
«O sr. Presidente do Conselho: (Marquez de Loulé: - Sr. presidente, Sua Magestade El-Rei encarregou-me de vir participar á camara que julgou chegado o tempo em que devia occupar-se do seu casamento; effectivamente as negociações sobre este objecto acham-se já adiantadas e Sua Magestade espera que brevemente tenham a sua conclusão. Igualmente Sua Magestade me encarregou de affirmar á camara que a Princeza que escolher para sua esposa na de ser a todos os respeitos digna, de ser Rainha dos portuguezes. (Muitos apoiados.)
«O governo na presença d'estas circumstancias julga do seu, dever chamar a attenção da camara para o fim de prover conforme o artigo 80.º da carta constitucional á dotação da Rainha e despezas extraordinarias que por esta occasião é forçoso fazer. (Vozes: - Muito bem, muito bem.)»
O presidente da camara, que era Joaquim Filippe de Soure, em vista das declarações do governo, encarregou a commissão de fazenda de elaborar a proposta para a dotação da Rainha, conforme determina o artigo 80.° da carta, sem fallar em despezas com festejos.
Aquelle distincto patriota exprimia-se nos seguintes termos:
«O sr. Presidente: - Parece-me que interpreto os desejos de toda a camara, propondo a nomeação de uma grande deputação que seja encarregada de expressar a Sua Magestade a satisfação da mesma camara por similhante resolução, (Muitos apoiados.) e que a commissão de fazenda se deve occupar de trazer um projecto para a dotação, conforme determina o artigo 80.° da carta. (Apoiados.) - (Vozes: - O governo que traga a proposta.) Não sei sé o governo quer fazer a proposta... (O sr. Ministro da Fazenda: - Não, senhor, não faz.) - Então a commissão de fazenda deve-se occupar d'este objecto. Agora vou propor á camara se quer que se nomeie, uma grande deputação que vá por parte da mesma camara manifestar a Sua Magestade a sua satisfação. (Apoiados.)
«Foi approvado unanimemente.»
O ministro da fazenda, apesar de ter declarado em aparte que não apresentaria a proposta, pediu a palavra, e fez a seguinte declaração:
«O sr. Ministro da Fazenda (Antonio José de Avila): - Como v. exa. perguntou aos ministros se faziam alguma proposta a este respeito, devo dizer que Sua Magestade ordenou aos ministros que não fizessem proposta alguma, e que deixassem este negocio completamente ao arbitrio do corpo legislativo.»
Por occasião do casamento, do senhor D. Luiz I observaram-se as mesmas praxes.
O presidente do conselho de ministros, communicando á camara, que o soberano ia casar, dirigiu-se á assembléa nos seguintes termos:
«O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Marquez de Loulé): - Pedi a palavra, a fim de chamar a attenção da camara para um objecto que, estou certo, merecerá a sua sympathia, e de que ha de querer occupar-se com toda a sollicitude.
«A camara não ignora que Sua Magestade tem tratado mui seriamente do seu casamento. É muito provavel que este negocio, num praso mais ou menos curto, em todo o caso no intervallo das sessões, chegue á termos de se celebrar o contrato matrimonial, para o qual é necessario que a dotação da futura Rainha seja fixada.
«Sua Magestade, auctorisando-me a fazer esta communicação á camara, ordenou-me que declarasse que deixava este negocio inteiramente ao seu arbitrio. Espera que a camara o tomará na devida consideração (Muitos apoiados.), e que a somma que ha de fixar, não só para a dotação, como para as despezas do casamento, será a conveniente e em relação com os nossos recursos.
«Vozes: - Muito bem.»
O presidente da camara, que era o sr. Antonio Luiz de Seabra, dirigiu-se tambem á commissão de fazenda para elaborar a competente proposta.
N'aquella epocha ainda o presidente do conselho, chamando a attenção da camara para as despezas com o casamento do soberano, podia fazer sentir, a asssembléa dos eleitos do povo, que tivessem em, conta os recursos da nação.
Hoje fallar em economias por parte do governo seria um crime.
Em todo o caso o presidente da camara encarregava, a commissão de fazenda de elaborar uma proposta para a dotação da Rainha, e para as despezas a fazer com o casamento do monarcha.
Estas eram as praxes observadas pelos governos, em tempos que não vão longe.
A apresentação de uma proposta, como a que está sugeita ao exame da camara, nem os regeneradores se atreveram a fazel-a.
O sr. Fontes, que não desconhecia de certo estas praxes e estes. precedentes, e que não era homem para prescindir d'esta mise-en scene, communicando á outra casa do parlamento o casamento do Principe Real, e indicando logo o nome da senhora escolhida para esposa do herdeiro da coroa, o que em 1857 e em 1862, por occasião do casamento do senhor D. Pedro V e do senhor D. Luiz I, se não fizera, exprimia-se assim:
«O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): - Sr. presidente, tenho a honra de participar a v. exa. e á camara, que Suas Magestades pediram, e immediatamente lhes foi concedida, á mão de Sua Alteza Real a Princeza D. Maria Amelia Luiza Helena de Orleans, filha de Sua Alteza, o conde de Paris, para Sua Alteza o Principe Real D. Carlos de Bragança.
«Dando esta grata noticia á camara, sinto verdadeira satisfação, porque me parece que este projectado enlace não só é um prenuncio de felicidade para os futuros conjuges, como tambem de se manterem as instituições politicas da monarchia.»
A esta assembléa não foi feita a participação do casamento do Principe Real. pelo sr. presidente, do conselho, como era costume sempre que á camara dos deputados-se annunciava o casamento do Rei.
N'esta camara foi feita pelo sr. ministro do reino a participação do casamento do Principe, quasi nos mesmos termos em que na camara dos dignos pares a fizera o sr. presidente do conselho. Apenas se differençavam na redacção as communicações feitas pelos dois ministros, em que ao sr. ministro do reino pareceu-lhe que nos deviamos congratular, mas em dinheiro não fallou; e eu não quero fazer a injustiça gravissima áquelles dois cavalheiros de que elles tivessem horror ao augmento das despezas publicas!
Em todo o caso é tão curiosa a formula de que se serviu é sr. ministro do reino para annunciar á camara o casamento do herdeiro da corôa, que eu não resisto á tentação de fazer a leitura publica das suas palavras, que foram as seguintes:
«O sr. Ministro do Reino (Barjona de Freitas): - Pedi a palavra para communicar á camara, em nome do governo, que Suas Magestades pediram para sua Alteza Real o Príncipe D. Carlos, herdeiro da corôa de Portugal, a mão da Princeza P. Maria Amelia de Orleans, filha dos

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condes de Paris, e que este pedido foi benevolamente acolhido, sendo concedida a mão d'aquella Princeza.
«Eu vejo n'este facto alguma cousa de auspicioso para o futuro dos dois conjuges, e para a estabilidade das nossas instituições, parecendo-me por isso que nos devemos congratular. (Apoiados. - Vozes: - Muito bem.)»
Nas declarações dos dois ministros demissionarios, apenas é novo e digno da mais singular attenção o pretenderem amparar, as instituições com o casamento do herdeiro da corôa n'uma familia desthronada e caída!
O procedimento dos ministros dimissionarios comparado com ás noticias dadas num jornal, que não póde deixar de reputar-se bem informado, á respeito das causas e da solução da crise, carece de explicações para honra de todos.
Não levanto clara e explicitamente esta questão, que todos já comprehendem. Mas com a cautela, que costumo usar em todas as discussões, e com a conveniencia que deve guardar-se em assumptos tão delicados, lembro ao ministro demissionario, que tem assento na outra casa do parlamento; e a quem se attribue a paternidade do artigo, que por um desmentido formal e categorico ponha a coberto a responsabilidade de todos.
Quereria o sr. Fontes deixar este doce e honroso encargo aos progressistas, pois que é sempre com os progressistas no poder que se votam as dotações para as Rainhas, e se aggravam as despezas publicas com os faustos consorcios dos monarchas? (Riso.)
Receiaria o governo demissionario que, mettendo-se a propor augmentos de despeza a esta camara, ella sé levantasse como um só homem a zelar os haveres e a bolsa do contribuinte? (Riso.)
Quaesquer que fossem os motivos que inspiraram os ministros regeneradores, para não tomarem sobre si a iniciativa d'este encargo para o paiz, é certo que nós vamos augmentar a despeza publica em 100:000$000 réis para festejos com o casamento do Principe, sem que similhante providencia tenha por si a mais ligeira apparencia de plausibilidade.
Esta despeza está tão fóra das condições legaes, que nem com precedentes póde ser justificada.
Ha sim dois precedentes de se terem gasto 100:000$000 réis com os casamentos dos Reis, o senhor D. Pedro V e o senhor D. Luiz I.
Mas quem agora vae casar não é o Rei, é o Principe Real. E se o precedente dás despezas com o casamento do Rei auctorisa iguaes despendios com o casamento do Principe Real, ninguem se ha de surprehender de que o precedente das despezas com o casamento do Principe Real venha ainda a servir de argumento para se despender do mesmo modo com o casamento de algum dos Infantes.
Eu comprehendo perfeitamente que a nação faça os festejos que julgar opportunos, e até que é corpo legislativo se associe por qualquer fórma a esses festejos, não só por occasião do casamento do Rei, mas até por occasião do casamento do Principe Real, porque não póde ser indifferente, nem ao povo portuguez, nem aos representantes do povo, o casamento do que é, e do que têm de ser o supremo magistrado dá nação.
Mas eu quero expor com inteira franqueza a minha opinião, sem Offender ninguem, e protestando pelo contrario o meu respeito e consideração para com todos.
Quero deixar accentuado da maneira mais clara e incisiva que eu não posso congratular-me com o paiz pelo casamento do herdeiro da coroa, debaixo do ponto de vista politico, unico lado por onde posso e devo encaral-o.
Eu não teria duvida em associar o meu voto a qualquer verba de despeza, se os recursos do thesouro o permittissem, para festejar o casamento do Rei ou do Principe Real, quando esse casamento assegurasse vantagens politicas á nação.
Mas os casamentos de familia só em familia se celebram.
Desde que o casamento obedece unicamente a condições de familia, e não assenta em interesses essencialmente politicos para a nação, o parlamento, respeitando aliás as deliberações da familia real, e não devendo faltar a nenhum dos actos de cortezia é de deferencia, aconselhados pelas boas praxes das monarchias constitucionaes, não póde envolver a nação em assumptos, a que por sua natureza ella é, e deve ser, estranha.
Eu comprehendia o enthusiasmo da nação portugueza pela alliança da dynastia de Bragança com a casa de Saboya.
Aos homens liberaes não podia deixar de ser extremamente sympathico o enlace dás armas portuguezas com as armas italianas.
São dois paizes de tradições brilhantes.
Qualquer das duas familias reinantes luctou com a ponta, da espada nos campos dá batalha pela conquista das liberdades populares.
A familia de Sabóya é uma das familias reinantes mais populares da Europa moderna.
A casa de Saboya forma nas avançadas liberaes, dentro dá esphera monarchica. As duas dynastias...
A este respeito não digo mais nada. Já, disse tudo quanto queria, para todos comprehenderem perfeitamente o meu pensamento.
Este projecto é altamente impolitico, e as consequencias da approvação de similhante medida ha de o governo sentil-as em breve. O paiz assiste hoje indifferente a este debate, e hade provavelmente associar-se com prazer a todas as manifestações de regosijo. Mas quando chegar o dia do pagamento da letra, que estamos saccando sobre o paiz, e que ha de vencer-se conjunctamente com outras que já estão saccadas, isto é quando chegar a hora das amarguras, que é o momento de pedir aos contribuintes os meios para occorrer a todos estes encargos, os ódios hãode levantar-se bem fundos, e hão de levantar-se contra as instituições vigentes. Não devo comprimentos a ninguem, nem os faço como representante da nação; mas á monarchia em Portugal carece de se popularisar, e não de saccar sobre o povo.
As instituições politicas que eu reputo mais convenientes a Portugal é uma monarchia á ingleza, isto é, uma monarchia, que não pese nas deliberações e soluções partidarias, e que se limite a chancellar as manifestações da vontade popular, e as votações das assembléas parlamentares, isto é uma monarchia rigorosamente constitucional.
Bem sei que as monarchias, como as republicas, não ouvem estes conselhos e estes avisos, e que ordinariamente preferem cair a capitular.
Mas eu não me preoccupo com o procedimento dos outros, preoccupo-me, com o cumprimento do meu dever.
Oxalá que eu me engane, e que os poderes dó estado não tenham que soffrer as consequencias dá votação d'este projecto, quando appellarem para o contribuinte, cuja situação é tão difficil.
Estas circumstancias hão podem deixar de estar presentes por occasião de se discutir um augmento de despeza sem justificação.
Sr. presidente. Se eu tivesse n'este momento á responsabilidade dos negócios, não viria por iniciativa minha á camara similhante proposta, e se eu recebesse a mais leve indicação para apresentar projecto identico ás côrtes, teria aconselhado, a quem por dever constitucional me cumpria aconselhar, não só que não instasse por similhante providencia, mas até que não acceitasse qualquer subsidio, que as côrtes por iniciativa própria lhe arbitrassem.
Assim é que se popularisava a monarchia e o monarcha. As monarchias para terem uma base solida, e serena proveitosas e duradoras, carecem de abraçar-se lealmente com o paiz, de se inspirarem no sentimento publico, e de perfilharem a boa ou má sorte das nações, a cujos destinos estam presidindo.

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Está finda a exposição das rasões por que voto contra este projecto, não só, debaixo do ponto de vista financeiro mas sobre tudo sob o ponto de vista politico, e vou por isso terminar com uma bem singela declaração.
É provavel que, depois deste discurso, eu fique mal com o Rei por causa do povo, e mal com o povo por causa do Rei; mas, como estou em perfeita paz com a minha consciencia, julgo ter cumprido o meu dever de representante da nação.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Não me occupo neste momento a responder ao illustre deputado que me precedeu e por quem tenho a maior consideração, porque s. exa. mesmo disse que apenas queria dar explicações e não travar uma discussão sobre o assumpto.
Houve, porém, no discurso de s. exa., uma phrase que exige uma resposta immediata por parte do governo.
O governo não recebeu indicações de qualquer natureza para apresentar esta proposta de lei á camara. Apresentou-a reconhecendo a sua necessidade e assumindo d'ella a mais completa responsabilidade.
Não me pertence defender nem criticar os actos da administração que me precedeu neste logar, nem discutir os motivos por que não procedeu ha pouco como em casos anteriores. O que quero é manifestar bem claramente á camara e ao paiz que o governo apresentou esta proposta de lei, perfeitamente cônscio da sua responsabilidade e perfeitamente convencido da necessidade de a apresentar, sem ter recebido indicações de ninguem, repito, e unicamente para cumprir o seu dever.
Nada mais direi ao illustre deputado n'este momento, porque, como digo, s. exa. limitou-se a dar explicações sobre o modo de votar. Mas ás explicações de s. exa. entendi que deviam e corresponder as explicações claras, francas e leaes da parte do governo. (Apoiados.)
O sr. Presidente: - Está esgotada a inscripção. Vae ler-se o projecto para se votar na generalidade.
O sr. Consiglieri Pedroso (sobre o modo de votar): - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que haja votação nominal. (Apoiados.)
Resolveu-se afirmativamente.
Feita a chamada.
Disseram approvo os srs. Agostinho Lucio, Moraes Carvalho, Silva Cardoso, Baptista e Sousa, Antonio Candido, Joaquim da Fonseca, Pereira Borges, Cunha Bellem, Fontes Ganhado, Jalles, Pereira Carrilho, Santos Viegas, Pinto de Magalhães, Almeida Pinheiro, A. Hintze Ribeiro, Lobo Poppe Fuschini, Pereira Leite, Neves Carneiro, Barão do Ramalho, Carlos Lobo d'Avila, Conde da Praia da Victoria, Conde de Villa Real, Cypriano Jardim, Eduardo José Coelho, Elvino de Brito, Goes Pinto, Estevão de Oliveira, Firmino Lopes, Veiga Beirão, Castro Matoso, Van-Zeller, Frederico Arouca, Costa Pinto, Baima de Bastos, J. A. Pinto, Searnichia, Franco Castello Branco, Sousa Machado, J. A. Neves, Germano de Sequeira, Simões Ferreira, D. Jorge de Mello, Avellar Machado, Correia de Barros, Azevedo Castello Branco, Lobo Lamare, Simões Dias, Lourenço Malheiro, Luciano Cordeiro, Luiz José Dias, Luiz Jardim, Manuel d'Assumpção, Pinheiro Chagas, Marianno de Carvalho, Martinho Montenegro, Guimarães Camões, Santos Diniz, Gonçalves de Freitas, Rodrigo Pequito, Sebastião Centeno, Thomás Bastos, Tito de Carvalho, Vicente Pinheiro, Visconde das Laranjeiras, Visconde de Pindella, Visconde de Reguengos, Matos de Mendia, Souto Rodrigues e Pedro de Carvalho.
Disseram rejeito os srs. Bernardino Machado, Dias Ferreira, Elias Garcia e Consiglieri Pedroso.
Foi portanto approvada a generalidade do projecto por 70 votos contra 4.
A moção do sr. Consiglieri Pedroso considerou-se prejudicada.
Art. 1.° approvado.
Art. 2.° approvado.
Foi tambem approvado o seguinte additamento proposto pela commissão.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.
Leu-se na mesa o projecto n.° 28.
É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 28

Senhores. - Á vossa commissão de fazenda foi presente a mensagem da illustre commissão administrativa desta camara, sobre a necessidade de dotar convenientemente a verba da tabella de despeza referente aos subsidios dos srs. deputados. E considerando que o facto de ter optado pelo subsidio maior numero de membros desta camara do que fora calculado no orçamento rectificado, ha pouco approvado, entende, de accordo com o governo, que, para que os ditos subsídios possam ser pagos, em relação ao periodo que termina no dia 2 de abril proximo, deveis approvar o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É aberto no ministerio da fazenda um credito da quantia de 6:542$240 réis, supplementar ao do artigo 9.° da tabella de despeza rectificada do dito ministerio e actual exercício de 1885-1886, para pagamento de subsidio e despeza de jornada dos srs. deputados.
Art. 2.° Fica revogada a legislação contraria a esta.
Sala da commissão de fazenda, aos 22 de março de 1886. = José Dias Ferreira = Pinheiro Chagas = Francisco de Castro Mattoso = Eduardo José Coelho = Marçal Pacheco = Antonio de Sousa Pinto de Magalhães = M. d'Assumpção = Franco Castello Branco = Augusto Poppe = Moraes Carvalho = Carlos Lobo d'Avila = Lopes Navarro = Correia Barata = Arthur Hintze Ribeiro = Luciano Cordeiro = Antonio Maria Pereira Carrilho, relator.
Foi approvado.

Entrou em discussão o projecto n.° 27.
É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 27

Senhores. - Á vossa commissão de fazenda foi presente a proposta de lei do governo, n.° 26-A, tendente a prorogar por mais dois annos o praso fixado na lei de 17 de maio do 1880 para a revisão das matrizes prediaes. E porque é indispensavel que esse importante serviço não seja interrompido, entende que a proposta deve ser approvada e convertida no seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É prorogado por mais dois annos é praso marcado na lei de 17 de maio de 1880 para a revisão das matrizes prediaes.
Art. 2.° Fica revogada a legislação contraria a esta.
Sala da commissão de fazenda, 22 de março de 1886. = José Dias Ferreira = Pinheiro Chagas = Marçal Pacheco = Francisco de Castro Mattoso = Frederico Arouca = Franco Castello Branco = Correia Barata = Antonio de Sousa Pinto de Magalhães = M. d'Assumpção = Eduardo José Coelho = Moraes Carvalho = Lopes Navarro = Luciano Cordeiro = Carlos Lobo d'Avila = Arthur Hintze Ribeiro = Augusto Poppe = Antonio Maria Pereira Carrilho, relator.

N.º 26-A

Senhores. - A lei de 17 de maio de 1880 marcou o praso de seis annos para a revisão das matrizes prediaes no continete do reino e olhas adjacentes. De qualquer fórma que este praso se conte, encontra-se proximo de seu termo, e não é possivel concluir dentro d'elle o importante trabalho da revisão das matrizes, embora actualmente tenha começado em todos os districtos do reino.

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Por este motivo tenho a honra de submetter á vossa esclarecida consideração a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É prorogado, por mais dois annos, o praso marcado na lei de 17 de maio de 1880 para a revisão das matrizes prediaes.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negócios da fazenda, 20 de março de 1886. = Marianno Cyrillo de Carvalho.
Foi approvado.

Leu-se na mesa o projecto n.° 50.
É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.º 50

Senhores. - Á vossa commissão de fazenda foi presente a representação da camara municipal de Ponta Delgada e o projecto de lei n.° 31-H, dos srs. deputados Pedro de Carvalho, Arthur Hintze Ribeiro, visconde das Laranjeiras (Manuel) e Antonio Augusto de Sousa e Silva, aquella pedindo e o projecto concedendo a isenção de direitos de todo o material e machinismos, que a referida camara tiver necessidade de importar de paizes estrangeiros para as obras do abastecimento de aguas da cidade.
E posto que o § 6.° do artigo 12.° da lei de 21 de junho de 1883, prohibindo a isenção, sob qualquer fundamento, de direitos de entrada de mercadorias estrangeiras, obriga as estações publicas, de qualquer ordem e natureza, a pagar os direitos fixados na pauta para os productos e artigos que importarem, quer de paizes estrangeiros, quer das provincias ultramarinas; entende a vossa commissão que o pedido deve ser attendido, tanto mais que identicas poessões já foram feitas ás camaras municipaes de Lamego, Santarem e Beja, pois que é justo auxiliar as corporações locaes na execução de melhoramentos com que muito devem lucrar os povos.
N'estes termos, de accordo com o governo, propõe á vossa approvação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º É auctorisado o governo a conceder, durante tres annos, a datar da publicação d'esta lei, a isenção de direitos de entrada a todo o material e machinismos que a camara municipal de Ponta Delgada importar para as obras de abastecimento de aguas da respectiva cidade.
§ 1.º O governo, ouvidas as estações competentes, realisará a concessão, por meio de decreto publicado na folha official, no qual se declare circumstanciadamente a qualidade e quantidade dos materiaes a importar e os direitos que, pela pauta geral, lhes corresponderiam. Quando quaesquer objectos importados não forem empregados nas referidas obras, ficam sujeitos ao pagamento dos respectivos direitos.
§ 2.º A applicação do material importado será fiscalisada pelo governo.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Sala da commissão de fazenda, 18 de abril de 1885. = Pedro Augusto de Carvalho = Manuel d'Assumpção = João Marcellino Arroyo = Lopes Navarro = José Maria dos Santos = Moraes Carvalho = L. Cordeiro = Franco Castello Branco = Antonio de Sousa Pinto de Magalhães = Augusto Poppe = Antonio Maria Pereira Carrilho, relator.

N.º 31-H

Senhores. - A camara municipal de Ponta Delgada vae proceder a uma obra da mais reconhecida necessidade, qual a do abastecimento da cidade de Ponta Delgada e de outras povoações pela canalisação das aguas de umas nascentes importantes que brotam nas faldas da serra de Agua de Pau, no concelho da Lagoa.
Esta obra é de grande importancia pela sua extensão de mais de 18 kilometros e pela difficuldade que a natureza vulcanica dos terrenos â atravessar offerece á construcção do canal.
Para a realisar terá a camara de fazer largo despendio e de importar materiaes do estrangeiro, que são indispensáveis e não podem ser obtidos no paiz.
É, pois, de toda a justiça, como tem sido sempre reconhecido para outros emprehendimentos d'esta ordem ou similhante natureza, carecer-se dispensa dos direitos de importação para os materiaes que a camara tiver de mandar vir do estrangeiro. Assim o requereu a mesma camara em representação que dirigiu ao parlamento, e na qual desenvolve as condições de urgencia que actuam para a realisação immediata d'este grande melhoramento local.
Fundado na justiça de tal pretensão e em muitos precedentes de igual natureza, temos a honra de submetter á vossa elevada consideração o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º É auctorisado o governo a conceder isenção de direitos a todo o material e machinismo que a camara municipal da cidade de Ponta Delgada importar para as obras do abastecimento de aguas da mesma cidade.
§ unico. A applicação deste material será fiscalisada pelo governo, e se alguns objectos não forem empregados nas referidas obras, ficam sujeitos ao pagamento dos respectivos direitos.
Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala das sessões, 27 de março de 1885. = Pedro Augusto de Carvalho = Arthur Hintze Ribeiro = Visconde das Laranjeiras (Manuel) = Antonio Augusto de Sousa e Silva.
Foi approvado.

O sr. Presidente: - Passa-se á discussão do projecto n.° 24.
Leu-se na mesa.
É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 24

Senhores. - A vossa commissão de legislação criminal, tendo examinado com a devida attenção o projecto de lei n.° 24, da iniciativa do governo, vem submetter á vossa muito illustrada apreciação o seu parecer sobre o alludido projecto, e expor-vos as rasões que o determinaram.
O que avulta n'este projecto, o que é n'elle principalmente caracteristico e predominante, é a parte que amplia b direito de fiança aos crimes a que pela nova reforma penal de 14 de junho de 1884 correspondem as penas de prisão maior e degredo até doze annos, ou as equivalentes do regimen penitenciário. O pensamento, pois, principal da proposta governamental define-se no artigo 1.°, desenvolve-se e completa-se nos artigos 4.°, 9.° e 10.°
Admittindo como uma triste e imperiosa necessidade social a prisão preventiva, convém proceder de modo que as liberdades individuaes, as franquias cidadãs, não sejam sacrificadas a exagerações infundadas,a perigos mais ou menos imaginarios. Em assumpto tão grave e ponderoso, a sciencia, o bom senso e a experiencia estão aconselhando que, em bem da sociedade, do superior interesse da justiça e das garantias individuaes, o legislador deve acautelar, que os presumidos criminosos, ou suspeitos de o serem não possam fugir á acção da justiça, e, por outro lado, que os cidadãos não sejam privados, mesmo temporariamente, da sua liberdade, excepto nos casos raros e excepcionaes, em que o uso d'ella possa considerar-se um grande perigo social.
Ninguem põe hoje em duvida o caracter da detenção preventiva; e porque não póde ter caracter penal, é evidente que ella deve ser o menos incommoda possivel, durar o menos possivel, e não podendo o detido soffrer outras oppressões, alem das indispensáveis para evitar a sua fuga.
Mas não é menos certo tambem que a privação da liberdade, mesmo temporaria, e a prisão com mero caracter

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preventivo impede este de tratar dos seus negocios, e não raro é para elle a detenção motivo de ruina e miseria.
Do exposto se deriva que um bom regimen de cadeias preventivas, um bom codigo do processo criminal, e uma boa lei de fianças, são assumptos intimamente ligados, que mutuamente se completam, e que por isso reclamam a attenção dos governos e corpos co-legisladores. Não sendo possivel, ou, mais propriamente, sendo muito difficil realisar estes melhoramentos nas nossas instituições penaes ao mesmo tempo, a theoria e a pratica, a sciencia e a experiencia ensinam que uma boa lei sobre fianças deve merecer a preferencia, alem de outras rasões, porque torna, em grande numero de casos, inutil a prisão preventiva, e porque é o melhor coefficiente de correcção ás lentidões do processo criminal, excessivamente formulista, aos vicios e defeitos da nossa organisação judiciaria.
Com uma organisação judiciaria defeituosa, e com cadeias verdadeiramente do antigo regimen, das quaes se póde dizer com um publicista notavel, que só o carrasco é que bem poderia escrever a historia d'ellas, o projecto do governo realisa um melhoramento notável, e parece á vossa commissão que não póde deixar de merecer a vossa solicitude e reflectido exame.
O artigo 1.° do projecto exclue de fiança sómente os crimes, a que correspondem as penas dos artigos 49.° e 50.° da lei de 14 de junho de 1884, ou equivalentes do regimen penitenciario, o que equivale a dizer que ficam excluidos de fiança os crimes, a que, segundo a antiga legislação penal, correspondiam penas perpetuas e aos que correspondem hoje as chamadas penas fixas.
É, portanto, admissivel fiança aos crimes a que correspondem as penas temporarias de prisão maior e degredo, cujo maximo foi reduzido a doze annos pela lei citada (artigo 51.°).
O direito de fiança pelos crimes, a que correspondem penas maiores, foi já consignado no projecto de lei de 13 de maio de 1870, da iniciativa do actual presidente do conselho, o sr. José Luciano de Castro, artigo 2.°, § 2.°; no projecto de lei, da iniciativa do illustre jurisconsulto, o sr. Antonio Alves da Fonseca, que foi discutido e approvado na camara dos senhores deputados, em sessão de 19 de março de 1881, com as modificações que lhe fez a respectiva commissão, parecer que tem a data de 12 de março de 1881; no projecto definitivo do codigo do processo criminal do sr. Navarro de Paiva, artigo 192.° n.° 1.°, trabalho que conquistaria por si só uma reputação, se o illustre magistrado superior do ministerio publico a não tivesse desde muito adquirido; no projecto do illustre estadista, o sr. Julio de Vilhena, de 26 de março de 1883, artigo 3.°, n.° 4.°
O projecto, pois, do governo, no ponto principal, como pondera o illustrado ministro da justiça no seu lucido, substancial e brilhante relatório, está de todo amadurecido, e é por isso motivo de justificada confiança que em breve seja convertido em lei do paiz.
Pareceu á vossa commissão, que o artigo 2.° do projecto devia redigir-se de modo a melhor traduzir o pensamento que o dictou.
O artigo 3.° do projecto do governo soffreu notavel modificação, principalmente o § unico, como vereis.
Entre outras rasões, a vossa commissão entendeu que devia acceitar as modificações a este artigo, porque a situação do réu condemnado pelo jury em penas de prisão maior e degredo era já muito differente do réu meramente iniciado.
Alem do respeito pelas prerogativas do jury, podia causar algum sobresalto, que réus condemnados em penas tão graves podessem gosar de liberdade até definitivo julgamento. As theorias radicaes precisam de modificar-se no interesse das proprias garantias individuaes, que são ao mesmo tempo garantias sociaes, e reciprocamente.
A vossa commissão chegou a uma formula conciliadora traduzida no artigo 3.° como actualmente está redigido, sendo a iniciativa dos illustrados membros da commissão, os srs. Marcai Pacheco e Moraes Carvalho.
O artigo 3.° da presente proposta de lei é, na essência, o disposto no § 2.° do artigo 1.° do projecto de lei de 12 de março de 1881, conforme o parecer da respectiva commissão, e approvado, como fica dito, na sessão de 19 de março do mesmo anno. O artigo 4.° do projecto consigna uma disposição tão justa, e satisfaz a reclamações tão instantes e reiteradas, que parece ocioso á vossa commissão procurar justifical-a.
Pareceu tambem á vossa commissão, que os artigos 5.° e 6.° da proposta podiam melhor traduzir o pensamento nelles encerrado, reduzindo-os a um só artigo, como podereis verificar. É sempre conveniente harmonisar a linguagem nos differentes diplomas legislativos.
A vossa commissão foi de parecer que devia ser eliminado o artigo 7.°, não obstante reconhecer que elle contém um pensamento sympathico, e não desconhecer que a doutrina d'elle está exarada em algumas, ou alguma legislação estrangeira. O atrazo das nossas instituições policiaes, principalmente fóra de Lisboa e Porto, o conhecimento de que o réu, anteriormente bem comportado, quasi sempre encontra entre os seus concidadãos e convizinhos abonação pessoal, foram os principaes motivos, que determinaram a vossa commissão a votar, por maioria, pela eliminação do artigo.
O artigo 8.° foi modificado em harmonia com as deliberações anteriormente tomadas pela vossa commissão, com respeito aos artigos approvados, modificados ou eliminados.
O artigo 9.° tende a fazer desapparecer o estado fluctuante da nossa jurisprudencia em assumpto de tanta magnitude. Não se duvida, que a questão sobre fianças é distincta da questão sobre pronuncia; mas não é menos certo que a questão sobre fianças póde ser discutida preliminarmente, em qualquer estado de processo, e sem que o réu esteja preso.
Mas a questão sobre fianças presuppõe o processo regularmente organisado e o crime constatado.
Repugna ao bom senso, e ao mais vulgar criterio juridico, que se discuta sobre concessão, ou denegação de fiança, em processo que labora em nullidade insanável, ou em processo, no qual se não manifestam os elementos constitutivos do crime. Conceder, pois, aos tribunaes a faculdade de conhecer se a lei foi violada, negando-lhe o direito de verificar se o processo está nullo, se o crime existe, e se, existindo, foi bem ou mal classificado no juizo recorrido, o mesmo é que conceder o fim, e negar os meios de o alcançar.
A disposição do artigo 9.° é, na essencia, o que, sobre o mesmo assumpto, consignava o projecto de lei da iniciativa do sr. Alves da Fonseca.
O artigo 10.° satisfaz tambem as reclamações do foro, e resolve, no sentido liberal e sem o menor damno para a sociedade as duvidas que a contradicção das decisões da tribunaes tem suscitado.
A jurisprudencia mais accentuada, n'estes ultimos tempos, seguida pelo supremo tribunal de justiça, é de que o réu chamado a juizo de policia correccional não póde recorrer do despacho, que designa dia de julgamento, com o fundamento de que o facto não é criminoso, e de que ha carencia de corpo de delicto. Os inconvenientes desta jurisprudência são só em prejuízo do réu, e sem proveito algum social. Se a lei fora expressa, conviria revogal-a e substituil-a na forma do artigo 10.°; se a lei é duvidosa, convém interpretal-a de modo, que todas as duvidas desappareçam. Os gravames, resultantes da jurisprudencia ultimamente preponderante, estão notavelmente attenuados pela lei do 14 de junho de 1884, artigo 3.°; mas isso não obsta a que prevaleça a doutrina do artigo 10.° d'esta proposta de lei. O réu, chamado a juizo de policia correccio-

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nal, pÓde, é certo, defender-se na audiencia de julgamento, allegando que o facto não é criminoso, mas não deve tolher-se-lhe o direito de levantar perante os tribunaes a questão previa da existência do crime.
A vossa commissão foi de parecer, que devia ser eliminado o artigo 12.°, não só porque o governo está auctorisado a fazer os regulamentos adequados á boa execução das leis, mas tambem porque não devia complicar-se a discussão do presente projecto com assumptos, que não são indispensaveis para a realisação pratica e immediata das suas principaes disposições, as quaes são um progresso enorme sobre o que existe, e assim é grato á vossa commissão crer, que dedicareis a este projecto de lei o vosso apurado critério e superior illustração.
Em vista, pois, dos motivos expostos, tem a commissão a honra de submetter ao vosso esclarecido exame, e é de parecer, de accordo com o governo, que seja approvado o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Os réus accusados em qualquer processo criminal poderão livrar-se soltos, nos termos da presente lei, excepto quando haja de lhes ser applicada qualquer das penas fixas estabelecidas nos artigos 49.° e 50.° da lei de 14 de junho de 1884, ou qualquer das que, segundo o systema penitenciario, forem a ellas correspondentes.
Art. 2.° Os réus incursos em crimes, a que corresponda processo correccional, nos termos da lei, podem livrar-se desde que, provada a sua identidade, se não forem conhecidos em juizo, assignarem termo, em que declarem a sua residência, e se obriguem a comparecer em juizo, e a participarem tambem previamente qualquer mudança. Esta declaração, ou termo, será feito logo que os réus sejam entregues ao poder judicial.
§ 1.° Se o réu for residente fóra da circumscripção, onde o processo tem de correr, apresentará em juízo uma pessoa que, residindo dentro da mesma circumscripção, tome sobre si o encargo de receber as citações e intimações necessarias ao regular andamento do processo, ficando aquelle obrigado a comparecer em juizo, a fim de dar previa parte de qualquer mudança de residencia d'essa pessoa.
§ 2.° No caso da pessoa, a que se refere o paragrapho antecedente, fallecer, mudar a residencia para fora da respectiva circumscripção, ou, por qualquer motivo, se tornar incapaz de receber as citações e intimações, o réu substituil-a-ha immediatamente por outra, que seja apta a cumprir o disposto no mesmo paragrapho.
§ 3.° Se o réu não comparecer em juizo nos termos a que a lei o obriga a esse com pareci mento sem motivo justificado, será preso, e só poderá livrar-se solto nos termos do artigo seguinte.
Art. 3.° Os réus accusados em qualquer processo, aos quaes não hajam de ser applicaveis as penas mencionadas no artigo 1.°, ou que não tenham de ser processados correccionalmente, poderão livrar-se soltos sob caução, nos termos do. artigo 6.°
§ unico. Os réus, porém, condemnados nas penas de prisão maior ou degredo, serão logo recolhidos á cadeia, mas a prisão posterior á sentença será levada em conta pelos tribunaes superiores, como circumstancia attenuante para o effeito da reducção da pena.
Art. 4.° Os réus absolvidos em processo, em que se haja interposto recurso de revista, serão immediatamente postos em liberdade, se o crime de que eram accusados não for dos mencionados no artigo 1.°, e sendo-o, depois de haverem satisfeito ás prescripções do artigo 3.°
Art. 5.° A caução poderá ser prestada pelo proprio accusado. Os bens mobiliarios empenhados e os immobiliarios hypothecados devem ser livres de encargos que, no caso de exigencia, possam prejudicar o penhor ou a hypotheca. A fiança será prestada pela forma que for prescripta no respectivo regulamento.
Art. 6.° A caução póde ser prestada por meio de deposito, penhor, hypotheca ou fiança.
Art. 7.° Nos recursos sobre fianças compete a todos os juizos e tribunaes conhecer, alem do objecto do recurso, de todas as nullidades do processo, e da existencia e qualificação do crime, sem prejuízo dos competentes recursos do despacho que pronunciou ou deixou de pronunciar os querellados.
Art. 8.° A caução subsiste durante os termos dos recursos interpostos, salvo o disposto no artigo 3.°, § unico.
§ unico. Se o fiador reclamar para ser desonerado da fiança, será o réu obrigado a prestal-a novamente.
Art. 9.° Nos processos correccionaes, se o réu entender que o facto imputado não é prohibido, nem qualificado crime por lei, póde interpor aggravo, com effeito suspensivo, do despacho que o mandar responder em juizo, devendo o processo nos tribunaes superiores ter o visto de tres juizes.
Art. 10.° As disposições da presente lei são applicaveis aos réus accusados ou absolvidos em qualquer processo pendente ao tempo em que elle for posto em execução.
§ unico. Para os effeitos d'este artigo, as penas perpetuas estabelecidas no codigo penal e na lei de 1 de julho de 1867 são equiparadas ás penas fixas que as substituiram, nos termos da lei de 14 de junho de 1884.
Art. 11.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala das sessões, 17 de março de 1886. = José Dias Ferreira (com declaração ao § unico do artigo 3.°) = Avellino Cesar Augusto Calixto (com declarações) = Agostinho Lucio da Silva = Marçal Pacheco = Correia Barata = Pereira Leite = Eduardo José Coelho (relator) = Tem voto dos srs. Moraes de Carvalho = F. J. Lopes.

N.º 22-H

Senhores. - A prisão preventiva sendo, como é, um cerceamento á liberdade do individuo, que, embora suspeito, ainda não foi convencido de haver praticado um crime, só se justifica pela necessidade social de impedir que o indiciado escape á acção da justiça. Por isso mesmo, pois, desde que seja possivel assegurar o julgamento do presumido delinquente sem attentar contra os seus direitos, a detenção preliminar deixa de ser uma necessidade social para se tornar em simples vexame.
Nos casos em que o crime é por tal modo grave que ao accusado seja de manifesta vantagem correr todos os riscos e aventurar-se a todos os sacrifícios para evitar o soffrimento de uma pena, em demazia afflictiva, a probabilidade de que elle ha de preferir o homisio confere á sociedade o direito de se premunir contra a possivel evasão do delinquente, submettendo-o á prisão preventiva. Fóra, porém, d'esses casos, quando a pena que o réu haja de expiar seja tão leve que não compense os perigos e as privações da fuga, ou quando, embora seja mais grave, haja meio de sujeitando o accusado, caso se ausente, a um sacrificio maior do que o da pena, ou ainda mais de tomando as necessarias providencias, evitar a sua evasão, a lei deve permittir-lhe livrar-se solto.
A legislação vigente não representa, já hoje, o justo equilibrio entre a necessidade social de assegurar o julgamento dos accusados e o direito de liberdade individual. Nem admira que tendo variado tanto, de 10 de dezembro de 1852, data do decreto regulador da materia, até hoje, as condições sociaes, diminuisse a necessidade de restringir os direitos do accusado a livrar-se solto. Com effeito as reformas na organisação policial, tornando-a superior em numero e qualidade de agentes, a incomparavelmente major facilidade das communicações entre os diversos pontoa do paiz, o desenvolvimento e a regularidade dos serviços postaes, o maior numero de tratados de extradicção, e sobretudo a organisação da telegraphia electrica, armaram o poder de recursos, de que, trinta annos ha, não dispunha, e que tornando mais efficaz a vigilancia e a rapida captura

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dos accusados por qualquer crime, dispensam, em muitos casos, a sua immediata detenção.
E exprimindo a opinião de se deixarem alargar as disposições legaes que permittem aos accusados o livrarem-se soltos, não emittimos um simples parecer individual, senão tambem o de alguns dos nossos distinctos antecessores. Os srs. Luciano de Castro, Julio de Vilhena, Lopo Vaz e Manuel d'Assumpção, todos manifestaram claramente os seus votos neste sentido, os dois primeiros apresentando ao parlamento em 13 de maio de 1870 e em 26 de março de 1873, propostas alargando a concessão das fianças; o terceiro insistindo no relatorio da reforma penal, que apresentou, na approvação do projecto do seu antecessor; e o ultimo declarando em sessão d'esta camara, de 6 de fevereiro proximo lindo, que havia resolvido trazer dentro em pouco outra proposta sobre o mesmo assumpto.
Mais ainda. A camara dos senhores deputados approvou em 19 de maio de 1881, por iniciativa do illustre jurisconsulto o sr. António Alves Pereira da Fonseca, uma proposta ampliativa dos casos em que os réus se podiam livrar soltos.
A idéa está, pois, amadurecida; chegou o momento de a traduzir em disposição legal. A isso se propõe o projecto que hoje tenho a honra de submetter á vossa esclarecida deliberação.
O restringimento dos casos em que a detenção preventiva tem de ser applicada, não representa só uma justa homenagem á liberdade individual, o que era muito, senão que tambem opéra, desde já, no nosso regimen prisional, uma reforma de largo e benefico alcance, o que o torna nas condições actuaes alem de justo, urgente.
A detenção provisoria effectua-se, entre nós, nos mesmos edificios em que se cumpre a pena de prisão. Os accusados vivem, pois, ali em promiscuidade com outros individuos, o que é mau, e até com criminosos, já condemnados, o que é pessimo. Ora, a vida em commum dos presumidos delinquentes é, não só um dos maiores obstáculos á averiguação judicial da verdade, mas tambem um dos mais estimulantes incentivos de perversão moral.
É em commum que os accusados muitas vezes concertam o plano de negar o crime e desorientar a accusação, e que dos mais experientes aprendem as artes de illudir a justiça.
É em commum que o espirito de homens, em geral, illetrados, se corrompe com a lição continua do crime, e que a consciencia de individuos, em geral, pouco ou mal educados, se perverte com o exemplo dos companheiros de prisão.
Tem-se discutido a efficacia regeneradora sobre criminosos do systema de aprisionamento individual, mas quer-nos parecer que ninguem duvidará da inconveniencia do regimen da vida em commum para simples accusados, e muito mais applicado nas mesmas cadeias em que os grandes criminosos expiam as suas penas. Acrescente-se ao exposto a consideração de que em algumas das nossas prisões ha, alem de outros defeitos, o da nimia accumulação de presos, e haver-se-ha a prova de que não só a justiça, mas a prudencia, aconselham a realisação de uma idéa que concorrerá para attenuar tal inconveniente.
Diminuido o numero de casos, em que a prisão preventiva tem de ser de necessidade imposta, e applicada esta disposição, como é de justiça, aos arguidos em processos pendentes, decrescerá não só de futuro, mas desde agora, a população das nossas cadeias, desaccumulando-se muitas d'ellas, quanto possível, com evidente vantagem moral e até economica.
A proposta alarga os casos em que os accusados se podem livrar soltos, conservando a prisão preventiva para os réus de crimes, a que correspondiam as antigas penas perpetuas do código penal, hoje abolidas, e por isso actualmente punveis pelas penas fixas, ou pelas que, segundo o systema penitenciário, lhes forem correlativas.
Fica ainda assim a prisão preventiva sendo applicavel aos casos de crimes mais graves, taes como, em geral, os commettidos contra a segurança do estado, moeda falsa, extorsão violenta praticada por empregados publicos, homicidio voluntario simples e aggravado, envenenamento, parricidio premeditado e sua tentativa, filicidio, roubo commettido ou tentado, concorrendo homicídio, cárcere privado, violação ou sendo praticado por duas ou mais pessoas em logar ermo com violencia ou era certos edificios, quebra fraudulenta e fogo posto, de que resulte morte de qualquer pessoa.
As ponderações já expostas, bem como as disposições do projecto, já approvadas em tempo por esta camara, parecem-me bastantes para evidenciar que fóra d'estes casos a segurança publica e a repressão penal não correrão risco em se deixar os presumidos delinquentes em liberdade.
Amplia a proposta os meios por que o accusado póde livrar-se solto.
Pela legislação vigente o deposito de quantia certa effectuado pelo réu, e a fiança prestada por terceiro, limitam aquella faculdade exclusivamente aos réus que possam já dispor de certos recursos, e aos que mais relações tenham na comarca.
Parece justo introduzir na legislação um principio em virtude do qual, sendo possivel assegurar a comparencia do réu nos prasos legaes, se lhe não tolha aquella faculdade só pela desgraça de ser pobre, ou pelo acaso de ser desconhecido.
A vigilancia especial da policia já admittida em outros casos, e a apresentação obrigatoria do réu em prasos prefixos á auctoridade, realisam sem perigo, em certas condições, que o juizo apreciará, aquelle desideratum, convertendo quanto possivel um privilegio individual numa providencia mais generica.
A presente proposta limita-se a introduzir na nossa legislação uma reforma reclamada pela justiça e anciosamente exigida pela opinião. Mas muito mais ha ainda a fazer no tocante ao processo criminal; essas reformas, porém, comquanto de summa importancia, por não serem de tanta urgencia como a de que se trata, poderão introduzir-se n'um remodelamento total do nosso processo criminal, para que já existem valiosos trabalhos a cuja ultimação o governo se acha devotadamente empenhado.
Emquanto se não conclue essa obra, cuja importancia não é licito negar, parece-nos conveniente regular, ao menos provisoriamente e até então, o processo pratico de executar a presente reforma que é de urgencia nos termos constantes do artigo 12.° da proposta.
Por todos estes motivos, e pelos mais que a vossa illustração nos supprirá, tenho a honra de submetter á vossa deliberação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.º Os réus accusados em qualquer processo criminal poderão livrar-se soltos, nos termos da presente lei, excepto quando haja de lhes ser applicada qualquer das penas fixas estabelecidas nos artigos 49.° e 50.° da lei de 14 de junho de 1884, ou qualquer das que, segundo o systema penitenciário, forem a ellas correspondentes.
Art. 2.° Os réus accusados em processo correccional podem livrar-se soltos desde que, provada á sua identidade, se não forem conhecidos em juizo, assignarem termo, em que declarem a sua residência, e se obriguem a comparecer em juizo, a fim de participarem previamente qualquer mudança.
§ 1.º Se o réu for residente fóra da circumscripção, onde o processo tem de correr, apresentará; em juizo uma pessoa que, residindo dentro da mesma circumscripção, tome sobre si o encargo de receber as citações e intimações necessarias ao regular andamento do processo, ficando aquelle obrigado a comparecer em juizo a fim de dar previa parto de qualquer mudança de residencia d'essa pessoa.

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§ 2.° No caso da pessoa, a que se refere o § antecedente, fallecer, mudar a residencia para fóra da respectiva circumscripção, ou, por qualquer motivo, se tornar incapaz de receber as citações e intimações, o réu substituil-a-ha immediatamente por outra, que seja apta a cumprir o disposto no mesmo paragrapho.
§ 3.° Se o réu não comparecer em juizo nos termos a que a lei o obriga, a esse comparecimento sem motivo justificado, será preso, e só poderá livrar-se solto nos termos do artigo seguinte.
Art. 3.° Os réus accusados em qualquer processo, a quem não hajam de ser applicaveis as penas mencionadas no artigo 1.°, ou que não tenham de ser processados correccionalmente, poderão livrar-se soltos sob caução, prestando fiança ou ficando sujeitos á especial vigilância da policia, como no caso couber.
§ unico. Os réus, porém, de crimes a que se refere este artigo, depois de condemnados a penas excedentes a prisão maior e degredo por mais de seis annos, serão logo recolhidos á cadeia.
Art. 4.° Os réus absolvidos em processo, em que se haja interposto recurso de revista, serão immediatamente postos em liberdade, se o crime de que eram accusados não for dos mencionados no artigo 1.°, e sendo, depois de haverem satisfeito a qualquer das prescripções do artigo 3.°
Art. 5.º A caução poderá ser prestada pelo proprio accusado, por meio de deposito, penhor ou hypotheca, nos termos geraes de direito.
§ unico. Os bens mobiliarios empenhados e os immobiliarios hypothecados devem ser livres de encargos que, no caso de exigência, possam prejudicar o penhor ou a hyposheca.
Art. 6.° A fiança será prestada pela fórma que for prescripta no respectivo regulamento.
Art. 7.° Justificando o réu o seu bom comportamento anterior, e não podendo constituir deposito, dar caução ou prestar fiança, o juiz poderá, em vista das circumstancias, conceder-lhe a liberdade provisória, sujeitando o á especial vigilancia da policia, e obrigando-o a apresentar-se, nos prasos que lhe forem prefixos, á competente auctoridade.
Art. 8.° A caução dada pelo réu e a fiança que tiver sido prestada, se o fiador não reclamar contra ella e a especial vigilancia da policia, quando a sua continuação não seja inconveniente, subsistirão durante os termos dos recursos interpostos, salva a disposição do § 2.° do artigo 3.°
§ unico. Reclamando o fiador contra a fiança prestada, poderá o réu prestar nova fiança.
Art. 9.° Nos recursos sobre fianças compete a todos os juizos e tribunaes conhecer, alem do objecto do recurso, de todas as nullidades do processo, e da existencia e qualificação do crime, sem prejuizo dos competentes recursos do despacho que pronunciou ou deixou de pronunciar os querellados.
Art. 10.° Nos processos correccionaes, se o réu entender que o facto imputado não é prohibido, nem qualificado crime por lei, póde interpor aggravo, com effeito suspensivo, do despacho que o mandar responder em juizo.
Art. 11.° As disposições da presente lei são applicaveis aos co-réus accusados ou absolvidos em qualquer processo pendente ao tempo em que elle for posto em execução.
§ unico. Para os effeitos deste artigo, as penas perpetuas estabelecidas no código penal e na lei de 1 de julho de 1867 são equiparadas ás penas fixas que as substituiram, nos termos da lei de 14 de junho de 1884.
Art. 12.° O governo no regulamento da presente lei fixará:
Os termos e formulas necessarios para a constituição do deposito, prestação de caução ou de fiança, julgamento de idoneidade desta, e para a sujeição á especial vigilancia da policia;
As circumstancias e os prasos em que houverem de ser pagas custas ou emolumentos por aquelles actos, e os em que os mesmos actos hajam de ser gratuitos.
Art. 13.º Fica revogada toda a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 15 de março de 1880. = Francisco Antonio da Veiga He irão.
O sr. Eduardo Coelho (relator): - Por parte da commissão, mando para a mesa tres propostas.
Leram-se na mesa.
São as seguintes:
Artigo 5.° Supprimido.
§ unico do artigo 7.°
Nos processos comprehendidos n'este artigo e em quaesquer outros que na relação sejam julgados só com o «visto» do relator, serão no supremo tribunal de justiça julgados com o «visto» de tres juizes.
Artigo 9.° Supprimidas as ultimas palavras «devendo o processo nos tribunaes superiores ter o visto dos tres juizes». = O relator, E. Coelho.
Foram admittidas e ficaram em discussão.
Foi o projecto approvado na generalidade.
Seguidamente foram tambem approvados sem discussão os artigos 1.°, 2.°, 3.° e 4.°
Entrou em discussão a proposta de suppressão do artigo 5,°, apresentada pela commissão.
O sr. Frederico Arouca: - Disse que o projecto tinha um fim liberal e vinha supprir uma lacuna que existia no processo criminal.
Desejou saber se o sr. ministro estava na intenção de apresentar ás côrtes um codigo de processe correccional e uma reforma da magistratura judicial.
(O discurso será pullicado quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - Direi poucas palavras em resposta ás perguntas que me fez o sr. deputado Árctica, e direi poucas palavras, não por falta de consideração para com s. exa., mas porque me parece que poucas palavras bastam para lhe responder.
Perguntou o illustre deputado se eu tencionava apresentar um projecto de codigo de processo criminal, e insistiu na necessidade da apresentação e da publicação de um tal codigo.
Estou perfeitamente de accordo com as considerações que o meu amigo, o sr. Arouca, fez a tal respeito. E tanto assim, que no relatório com que entendi dever prefaciar o actual projecto escrevi que, alem do trabalho que agora apresento á camara, mais, muito mais ha ainda a fazer no tocante ao processo criminal. Essas reformas, porém, comquanto de summa importancia, por não serem de tanta urgencia como a de que se trata, poderão introduzir-se num remodelamento total do nosso processo criminal, para que já existem valiosos trabalhos, e a cuja ultimação o governo se acha devotadamente empenhado.
Perguntou mais s. exa. se eu estava disposto a antepor a reforma da magistratura judicial á publicação do codigo do processo criminal. Os trabalhos d'estes dois projectos estão começados, é o que posso affirmar a s. exa., mas não me é possivel, desde já, antever, se um d'elles, se adiantará, a ponto de poder concluir-se antes do outro. O que posso dizer, repito, é que já tenho trabalhos a respeito de um e de outro, e que me hei de empenhar, igualmente, por um e outro assumpto, porque os reputo igualmente importantes, e dignos da mais breve solução que for possivel dar-lhes.
Quanto ao grande numero de processos de policia correccional, que existem pendentes nos tribunaes, e á necessidade, não só de obstar á presente accumulaçao, mas tambem á de procurar evital-a de futuro, observarei que se isso acontece por os criminosos desapparecerem, sem, na phrase juridica, se lhes ficar sabendo parte, não podendo por isso ser julgados, parece-me que o actual projecto

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obstará, quanto possivel, a esse inconveniente. Com effeito as disposições do artigo 2.°, como s. exa. póde verificar, obrigam o réu a assignar termo de residencia, ou a apresentar pessoa que, por elle, receba os necessários avisos judiciaes, cercando-se, ainda, esta formalidade, de outras que, mais effectiva e pratica, a tornem.
Quanto á celeridade com que devem ser julgados os processos, depende isso, não só da organisação do processo criminal, mas tambem da reforma da magistratura judicial e fiscal.
E devo dizer que talvez seja mais instante a reforma dos tribunaes criminaes para o julgamento dos processos correccionaes, do que para o dos processos ordinarios. Mais facilmente se julga, ás vezes, um processo crime do que uma simples transgressão de postura. (Apoiados.)
É para lamentar que um juiz de direito, depois de uma larga e cançada carreira, sendo, por exemplo, nomeado para um dos districtos criminaes de Lisboa, se veja obrigado a gastar o tempo e a arruinar a saude, a julgar milhares de processos por simples transgressões de posturas.
Ora, no projecto de reforma da magistratura, espero poder fixar a jurisdicção de magistrados já superiores em hierarchia, como são os juizes criminaes de Lisboa e Porto, de modo que se possam dispensar de julgar simples e insignificantes processos, quaes, por exemplo, os de transgressão de posturas.
Com o que tenho dito, parece-me ter respondido, como por agora me é possivel, às observações do illustre deputado, por quem tenho, não só consideração, mas já antiga amisade.
Foi approvada a eliminação do artigo 5.°
Artigo 6.°
Approvado.
Artigo 7.°
Approvado com o additamento da commissão.
Artigo 8.°
Approvado.
Artigo 9.°
Approvado com a suppressão da parte proposta pela commissão.
O sr. Melicio: - Mando para a mesa uma declaração de voto.
O sr. Carrilho: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda, auctorisando o governo a prorogar até 31 de dezembro de 1890 o praso para a cultura do tabaco na regi Só vinhateira do Douro.
O sr. Goes Pinto: - O sr. Arouca encarregou-me de enviar para a mesa o parecer da commissão de verificação de poderes, que declara vago o circulo de Loanda, 1.°
Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se dispensa o regimento para entrar já em discussão este parecer.
Foi dispensado o regimento.
Leu-se na mesa o seguinte:

PARECER

Senhores. - Á vossa commissão de verificação de poderes foi presente a communicação da camara dos dignos pares, participando ter tomado assento n'aquella camara o digno par eleito Luiz Adriano de Magalhães e Menezes de Lencastre, que era deputado pelo circulo de Loanda, 1.°
É portanto a vossa commissão de parecer que o mesmo circulo seja considerado vago para todos os effeitos legaes. = Pereira Leite. = Frederico Arouca. = J. A. Neves. = Moraes Carvalho.
Foi approvado.

O sr. Presidente: - A ordem do dia para sexta feira é a discussão do projecto n.° 25.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e quarenta minutos.

Discurso proferido pelo sr. presidente do conselho de ministros, José Luciano de Castro, na sessão de 15 de março de 1886, e que devia ler-se a pag. 637, col. 1.º

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (José Luciano de Castro): - Mando para a mesa a seguinte proposta de accumulação.
(Leu.)
Mando tambem para a mesa uma proposta de lei, que julgo de instantissima e inadiavel necessidade e por isso peço a v. exa. lhe dê prompto seguimento. A proposta versa sobre instrucção secundaria.
Para não tomar tempo á camara, abstenho-me de ler o relatorio e passo a ler a proposta.
(Leu.)
Direi agora algumas brevissimas palavras a respeito das considerações que acaba de fazer o meu nobre amigo e respeitavel membro d'esta camara, o sr. Bernardino Machado.
Em primeiro logar, permitta-me s. exa. que sinceramente lhe agradeça as palavras de extremada benevolencia com que se dirigiu ao gabinete, palavras que nos dão esperança, de que, se não podemos contar com o apoio enthusiastico e fervoroso da sua palavra, podemos confiar que não nos faltará a sua espontânea e sincera cooperação, se nos não afastarmos do nosso programma.
Permitta-me mais s. exa. que lhe agradeça, em nome do sr. Marianno de Carvalho, as palavras sympathicas e mais que muito benevolentes, com que s. exa. se lhe dirigiu saudando a sua ascensão aos conselhos da corôa.
Agora permitta-me s. exa. que muito summariamente, e sem prejudicar nenhuma solução, e querendo deixar para o exame das commissões e da camara, quando este assumpto seja commettido ao seu estudo, a resolução de alguns dos pontos em que s. exa. toca, permitta-me s. exa. que eu lhe diga a impressão que me fizeram as palavras que pronunciou, e os alvitres que expoz.
Quanto ás observações que o illustre deputado fez a respeito do programma ministerial, o governo deu já em occasião opportuna as explicações precisas, e s. exa. ha de ter a benevolencia de me dispensar de entrar neste momento em mais largas considerações.
O governo disse á camara para onde caminhava, expoz claramente o seu pensamento economico, administrativo e politico. E não pense s. exa. que, por nós nos! inclinarmos agora para as questões económicas e financeiras, renunciámos de uma vez para sempre as reformas politicas que noutra occasião foram a nossa principal aspiração. Cada assumpto tem a sua epocha própria. Cada questão tem a sua opportunidade. Entendemos que no momento actual os interesses do paiz, as mais instantes necessidades publicas nos estão convidando a occupar-nos principalmente e exclusivamente das questões de fazenda e administração.
Não fomos nós que creámos as circumstancias. Achámol-as creadas. Tivemos que subordinar o programma do gabinete á situação em que subimos ao governo. Portanto, creia o illustre deputado que, em hora propria, quando o entendermos conveniente, quando a opinião publica nos impellir n'esse caminho, quando o paiz exigir que nos occupemos das reformas politicas, não trahiremos o nosso programma, não faltaremos aos nossos compromissos, e saberemos occupar dignamente o nosso posto e desempenhar-nos dos nossos deveres.
Entendemos que depois de se fazer uma reforma constitucional como aquella que se verificou ha um anno, depois de estar em começo de execução essa reforma, solicitada por imperiosas necessidades de administração, hão podiamos de maneira alguma, só por coherencia partidaria, unicamente por contemplação com as palavras que tinhamos escripto n'um programma, escripto n'outra epocha, e sob a impressão de outras circumstancias, adiar ou preterir os assumptos economicos e fazendarios, para tratar de questões politicas.

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O paiz faz-nos justiça, e esperâmos que havemos de ter o tempo preciso para nos occuparmos das reformas politicas em occasião opportuna, dando assim satisfação aos nossos antigos compromissos, que não renegâmos, nem esquecemos. O tempo se encarregará de o mostrar.
Disse o illustre deputado que devia ser a aspiração principalissima do partido progressista não augmentar as despezas. Perfeitamente de accordo com s. exa. Creia o illustre deputado que empenharemos todas as forças, não só para não augmentar as despezas, mas para as reduzir na proporção que nos for possivel.
Não faremos economias barbaras, precipitadas e contraproducentes; mas todas as economias que podermos fazer sem prejuizo do serviço publico, tenha o illustre deputado a certeza de que as faremos. E se alguma vez o governo a que presido se esquecer deste preceito, que a si impoz, peço ao illustre deputado, e não só ao illustre deputado mas a todos, amigos e adversários, nos advirtam e nos dêem força para que nos possamos manter nos estreitos limites da mais severa economia.
É urgente, é indispensavel, é até um dever altamente patriotico, acompanhar o governo nos esforços que elle se propõe empregar para realisar este programma. No desempenho d'esta ardua missão conto com o apoio de todos os homens cordatos e amantes do paiz, que os ha em todos os partidos. (Apoiados.)
Podemos, n'uma hora de obsecação politica, esquecer-nos dos deveres que todos temos para com o paiz, mas estou certo que, passada a excitação da paixão política, quando o governo appellar para a consciência de todos, quando procurar pela reducção das despezas melhorar a administração do paiz, ha de encontrar o apoio e a cooperação de todos os homens sensatos.
Sr. presidente, ha tempo para nos occuparmos das questões propriamente politicas e das controvérsias partidárias, que muitas vezes nos dividem em campos oppostos; mas nas questões de fazenda podemos todos auxiliar-nos e cooperarmos mutuamente, para que se resolvam do modo mais proficuo, sem todavia esquecermos as nossas distincções partidarias.
Peço hoje o que pedi no primeiro dia em que subimos ao poder; peço uma trégua, não muito longa, mas sufficiente para o governo poder cumprir as suas promessas e pôr em pratica o seu programma.
Não quero nem devo acirrar as paixões; pelo contrario, as enormes responsabilidades que pesam sobre nós obrigam-nos a ser cautelosos, prudentes e tolerantes e a appellar para a sincera cooperação de todos os que tenham. boa vontade, de todos que, pondo de parte os seus interesses e paixões politicas, saibam bem avaliar qual é a gravidade das suas responsabilidades em relação ao paiz e ao futuro.
Esse appello fil-o no primeiro dia em que me apresentei n'esta casa com os meus collegas do ministerio; fil-o da primeira vez em que me assentei n'esta cadeira, e torno a fazel-o hoje; e acrescento que espero e conto, não digo com o apoio nem com a confiança politica da camara, porque não tenho direito a pedil-a, mas peço e espero que os nossos proprios adversarios rios não recusarão o que n'este momento é um dever patriotico não recusar a nenhum governo. (Apoiados.)
Dadas estas explicações, permitte-me o meu amigo, o sr. Bernardino Machado que eu lhe diga muito brevemente que as suas indicações comprehendem alvitres muito para pensar e estudar, mas que não podem ser resolvidos num momento sem o exame demorado e a justa apreciação dos factos, de circumstancias e de dados, que n'este momento não temos presentes.
A minha primeira impressão em relação á creação de um ministerio especial de instrucção publica não é inteiramente desfavoravel a esta idéa, mas não podemos acceital-a já sem mais estudo e exame.
Alludo, porém, á creação de um ministerio especial, que reunisse, não só a instrucção geral, que está actualmente no ministerio do reino, mas a instrucção especial, que está comprehendia em todos os ministerios, a ecclesiastica, a industrial, a miliatr, etc. Se, porém, separar do ministerio do reino a instrucção geral, para a ir juntar ao novo ministerio de agricultura, que se projecta, juntando-lhe a instrucção technica e especial que se vê no ministerio das obras publicas, parece-me que seria uma medida incompleta que nos poria em contradicção com as idéas que nos levam a propor a creação de um ministerio de agricultura.
Pois se vamos crear um ministerio de agricultura, porque precisamente se não póde no ministerio das obras publicas acudir a todos os trabalhos tão complicados como os que estão comprehendidos nas attribuições d'este ministerio, como iremos juntar logo ao novo ministerio o ministerio de instrucção publica? Caíamos em inexplicavel contradicção se tal fizessemos. (Apoiados.)
É esta a rasão porque não posso á primeira vista acceitar a indicação do illustre deputado, que contradizia o pensamento que nos leva a propor a creação do ministerio de agricultura.
Os assumptos que actualmente fazem objecto do ministerio das obras publicas, em França, constituem quatro differentes ministerios. Veja o illustre deputado como é vasta, complexa e importante a materia que deve ser comprehendida no novo ministerio de agricultura, cuja creação projectâmos.
Eu creio que o ministerio das obras publicas com as estradas, os caminhos de ferro, os correios, telegraphos e pharoes, será trabalho, mais que bastante, para occupar a attenção de um ministro, e o ministerio que projectâmos crear com os assumptos que lhe serão commettidos, tambem terá bastante que fazer.
Por outra parte, afigura-se-me, que o serviço da instrucção publica não é de mais no ministerio do reino. Em poucas palavras o provarei.
O serviço da instrucção está hoje muito reduzido, depois da lei que passou para a camara municipal a nomeação dos professores de instrucção primaria.
Por outro lado, depois da reforma administrativa, o serviço diminuiu consideravelmente, por isso que muitas attribuições passaram para as corporações administrativas.
Não me parece, portanto, haver muita rasão para separar o serviço da instrucção publica do ministerio do reino.
Se tirassemos do ministerio do reino a direcção geral de instrucção publica, creio que o trabalho do ministro ficaria reduzido a muito pouco.
Estas considerações provam um pouco, me parece, contra a idéa exposta pelo sr. Bernardino Machado. Entretanto, declaro francamente que não quero prejudicar nenhuma solução, nem digo desde já que me opporei a qualquer projecto de lei que s. exa. apresente sobre este assumpto.
Estou expondo franca e lealmente á camara as minhas primeiras impressões. Opinião definitiva não a posso por ora dar.
Quanto á idéa de desdobrar em dois o ministerio da marinha e ultramar, passando a parte que diz respeito á marinha para o ministerio da guerra, devo dizer ao illustre deputado que nesse ponto tenho a minha opinião prevenida no sentido da de s. exa.
Fiz parte de uma commissão de inquérito no ministerio da marinha e ultramar, nomeada ha tres ou quatro annos pela camara dos deputados, commissão que era numerosa e da qual faziam parte alguns cavalheiros que são membros d'esta casa.
Reunida a commissão, distribuiram-se os trabalhos, cabendo aos meus collegas os mais melindrosos e difficeis, e por esse motivo não tiveram occasião de apresentar nenhum. Eu fui encarregado de um trabalho sobre a organisação da administração central do ultramar.

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Apresentei o meu trabalho, de que tenho em minha casa as provas, e que talvez ainda tenha occasião de fazer publicar. Uma das providencias que eu indicava era a reunião do ministerio da marinha ao da guerra, e apresentava a este respeito uma certa ordem de rasões, que me abstenho de expor á camara para não a fatigar, mas era para chegar a um resultado importante, qual o da creação de um ministerio especial das colonias, porque me parecia e parece que esse ministerio teria sempre uma larguíssima e proveitosa missão a cumprir.
Mas juntar o ministerio das colonias ao dos negócios estrangeiros esse é que não era o meu pensamento, e levo a minha franqueza ao ponto de dizer que não vejo utilidade em tal reforma.
Por outro lado eu digo a s. exa. que não ha difficuldade em se realisar praticamente o seu pensamento sempre que o presidente do conselho, na organisação do gabinete, entenda que o ministerio da marinha e ultramar deve andar junto ao ministerio dos negocios estrangeiros.
O ministerio dos negocios estrangeiros andou durante muitos annos, por um decreto dictatorial de 1852, annexo a outro ministerio. Essa legislação foi alterada, e hoje o ministerio dos negocios estrangeiros tem organisação independente; mas isso não obsta a que o ministerio da marinha e do ultramar ande junto ao dos negocios estrangeiros, provendo-se o mesmo cavalheiro em ambas as pastas, como succedeu com o sr. Andrade Corvo, que durante muito tempo foi ministro dos negocios estrangeiros e da marinha e ultramar.
Aqui estão as minhas idéas a respeito das indicações do illustre deputado.
Nem sequer tive occasião de consultar os meus collegas a este respeito, e por consequência as minhas considerações são meramente individuaes, são simples reparos, são despretenciosas observações, que apresento á camara sem o caracter de opiniões do governo.
Se o illustre deputado apresentar algum projecto de lei a este respeito, eu estudal-o-hei com a respectiva commissão, e creia s. exa. que porei ao seu serviço tudo quanto sei e tudo quanto possa fazer, não digo em proveito d'essa idéa, mas em proveito da idéa que se julgar mais rasoavel.
São estas as explicações que tinha que dar á camara e ao illustre deputado. Se s. exa. entender que não são bastantes, eu, n'esta sessão ou em outra qualquer, estou prompto a dar as que se julgarem precisas.

Discurso proferido pelo sr. presidente do conselho de ministros, José Luciano de Castro, na sessão de 22 de março de 1686, e que devia ler-se a pag. 680, col. 1.ª

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (José Luciano de Castro): - Reconheço ao illustre deputado o direito que s. exa. allegou de pedir explicações ao governo sobre o momentoso assumpto a que s. exa. se referiu. Não só lhe reconheço esse direito, mas até lhe agradeço o ter-me proporcionado occasião de dizer francamente á camara qual é a opinião do governo sobre esse assumpto.
Direi, qual é o meu pensamento clara, franca e desassombradamente, como é meu costume.
É certo que eu disse ao illustre deputado, e s. exa. não o poderá negar, no primeiro dia em que o governo se apresentou á esta camara, que estava resolvido a manter a integridade do districto de Braga, mas que não me recusava, pelo contrario, teria muito prazer em dar as possiveis satisfações, e em procurar ter todas as deferencias com a cidade de Guimarães.
N'essa occasião, o sr. deputado Franco Castello Branco suppoz que as minhas palavras se referiam a quaesquer projectos com que eu intentasse seduzir a cidade de Guimarães, e proferiu algumas palavras censurando as intenções politicas que me attribuia. S. exa. foi muito injusto commigo.
O pensamento que eu já tinha nessa occasião, relativamente á resolução do conflicto levantado entre Braga e Guimarães, por meio de uma providencia geral de interesse publico, era pouco mais ou menos o que o governo tem hoje. S. exa. hade estar lembrado, se porventura alguma vez leu o projecto de reforma administrativa, apresentado por mim ás cõrtes na qualidade de ministro do reino em 1880, que eu propunha para as cidades de Lisboa e Porto Uma organisação especial, similhante á que actualmente se estabeleceu na lei de 18 de julho de 1885, applicada á cidade de Lisboa!
N'esta reforma inseri eu um artigo, no qual tornava facultativo e applicavel aos concelhos de uma certa importancia o mesmo regimen municipal, que propunha para as cidades de Lisboa e Porto.
Pensava eu, quando respondi ao illustre deputado na occasião em que o governo se apresentou á camara, em resolver a questão de Guimarães por uma medida geral, que eu já tinha inserido na proposta da reforma administrativa de 1880. Já s. exa. vê que a minha idéa não data de agora; estava já comprehendida n'aquella proposta!
Pensando novamente nos meios de resolver esta questão, entendi que o não devia fazer por uma medida especial, e, lembrando-me do que estava escripto no meu projecto de reforma administrativa com relação a este assumpto, pareceu-me que ahi estava a resolução do actual conflicto. Não fiz segredo da minha idéa e por isso não me admira que na imprensa, quer de Lisboa, quer do Porto, tenha apparecido alguma allusão a este respeito.
E portanto não hesito em responder franca e categoricamente á pergunta do illustre deputado.
É proposito do governo inserir na reforma administrativa, de que tem de occupar-se, uma providencia que não só applique o actual regimen municipal de Lisboa com as modificações necessárias á cidade do Porto, mas a qualquer concelho importante; e n'este caso está o concelho de Guimarães. D'esta maneira mantenho tambem a minha idéa com respeito á integridade do districto de Braga.
Este districto fica inteiro, não soffre na sua circumscripção a menor modificação; mas Guimarães recebe por uma providencia geral, não tomada ad hoc, a satisfação a que porventura se julgava com direito.
A questão de Guimarães com Braga foi promovida pelos aggravos que nesta cidade se fizeram aos seus procuradores á junta geral.
Pela minha idéa, pelo regimen municipal que pretendo applicar a Guimarães e a outros concelhos que estejam na mesma situação, Guimarães não tem de nomear mais procuradores á junta geral; a sua autonomia municipal é completa: não fica sujeita á tutela, nem da junta geral, nem da commissão executiva; e Braga, pelo seu lado, tambem não deve ficar descontente, porque desta maneira o districto fica inteiro, e é este o seu principal desejo.
O sr. Franco Castello Branco: - E na questão de impostos?
O Orador: - O illustre deputado não quererá que eu esteja aqui a expor todo o projecto que eu tenho de submetter á sancção do parlamento; devo, comtudo, dizer que a minha idéa é applicar o actual regimen municipal de Lisboa, com a separação do districto, não só a Guimarães, mas a todo e qualquer concelho que esteja na mesma situação. Já s. exa. vê que o mesmo regimen financeiro da municipalidade de Lisboa deve ser applicado a estes concelhos.
Não posso nem devo entrar em minuciosidades que poderão ser alteradas até que eu fixe definitivamente o meu pensamento no projecto que hei de apresentar.
Não sei se estas idéas satisfazem o illustre deputado, mas creio que tenho dito bastante para que a cidade de Guimarães saiba que póde receber d'este governo, não

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SESSÃO DE 24 DE MARÇO DE 1886 725

uma simples promessa, mas a melhor satisfação ás suas reclamações. E parece-me que a cidade de Braga tambem recebe a satisfação, a que tem direito, porque o districto fica inteiro.
O municipio de Guimarães governa-se por si proprio, mas estando sujeito ao mesmo governador civil e ao mesmo delegado do thesouro, e ao mesmo conselho de districto, e tenho a esperança de que esta solução ha de concorrer para se manter á ordem e para satisfazer ás duas partes interessadas. Serei feliz se poder conseguir isto, e o illustre deputado que disse que não queria fazer quês tão politica d'este assumpto, deve apoiar as minhas idéas.
Não exijo nenhuma vantagem ou conveniencia partida para o governo actual, nem auctoriso ninguem a pedil-a.
O governo expõe as suas idéas e espera que os seus amigos e a imprensa do seu partido façam propaganda d'ellas. Não pede nenhuma compensação pelo que faça a favor de qualquer das duas cidades.
Não sei se o illustre deputado quer mais explicações da minha parte; se quer, póde estar certo que estou prompto a dal-as com a mesma franqueza com que acabo de dar estas, e termino agradecendo a s. exa. o alto favor que fez ao governo provocando explicações categoricas, claras e leaes, sobre o assumpto, e que não só devem interessar ao illustre deputado, mas a toda a camara. (Apoiados.)

Discurso proferido pelo sr. presidente do conselho de ministros, José Luciano de Castro, na sessão de 22 de março de 1886, e que devia ler-se a pag, 680, col. 2.ª

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (José Luciano de Castro): - Desejo dar ao illustre deputado todas, as explicações que na verdade lhe posso dar, até onde está definido e assente o pensamento do governo.
Não posso, nem o illustre deputado tem o direito, nem a camara me póde exigir, que eu exponha o meu pensamento em todas as suas minuciosidades. (Apoiados.}
Posso dizer qual é a minha idéa, e essa ficou bem definida quando declarei que o pensamento do governo era applicar o regimen municipal de Lisboa, com as precisas modificações - porque, como v. exa. sabe, por exemplo, emquanto ao numero de vereadores e de membros da commissão executiva, não se pude applicar ao Porto e aos outros concelhos o mesmo regimen que se applica a Lisboa - era applicar o regimen municipal de Lisboa a Guimarães e a outras cidades, dadas certas circumstancias. Por isso eu disse que havia de apllicar o regimen municipal de Lisboa ao Porto e outros concelhos «com as devidas modificações».
O que posso desde já declarar a s. exa. é que, segundo a minha idéa, sendo este regimen á cidade de Guimarães, ella não terá que pagar para as despezas districtaes nem um ceitil. Não nomeia procuradores á junta geral do districto. A sua emancipação relativamente á tutela da administração municipal é completa.
Creio que estas explicações devem satisfazer o illustre deputado.
Mas quando realisará o ministerio esta idéa, pergunta s. exa.? Quando eu apresentar e submetter ás estações competentes a proposta de reforma administrativa. Quer s. exa. que eu destaque d'ella esta parte para a apllicar a Guimarães? A isso me recuso eu; e como não peço a Guimarães nenhuma compensação, nem favor, nem mercê pela idéa a que me referi, estou perfeitamente no meu direito em applical-a como medida geral, não só a Guimarães, mas a outros concelhos igualmente importantes do paiz, na mesma occasião.
Não tenho duvida alguma em inserir esta idéa na reforma administrativa, porque já está comprehendida na reforma de 1880, porque a considero util e boa, e porque entendo que ella é a melhor resolução que se póde dar ao conflicto levantado entre Braga e Guimarães.
Destacar do projecto de reforma administrativa a parte que aproveita a Guimarães, deixando de applicar o principio a outras povoações, a outros concelhos que possam estar nas mesmas condições, isso é que não estou disposto a fazer; a isso é que não anunúo.
A camara fará o que entender; eu é que não concordo n'esse alvitre.
Se a Guimarães basta a confiança que lhe deve merecer a minha palavra desinteressada e as minhas promessas não compradas por qualquer compensação, (Apoiados.) parece-me que deve estar satisfeita e tranquilla.
Se Guimarães desconfia de mim, e só confia no sr. Franco Castello Branco, então s. exa. e a camara procederão como julgarem conveniente.
Eu mantenho a minha idéa.
Não procuro resolver a questão por uma medida especial sómente applicavel a Guimarães.
Procuro resolvel-a por uma medida geral, por uma medida que possa comprehender todos os concelhos que requeiram a applicação do regimen municipal de Lisboa, e que estejam no caso de lhes ser applicado esse regimen.
Para isto conto com a cooperação do illustre deputado, que acceitei aliás de muito boa vontade.
Não vinha dizer isto se não me pedissem explicações a este respeito. Como se me pediram essas explicações, eu dou-as tão francas e leaes como as costumo dar sempre.
Se Guimarães, por esta maneira se julgar desaggravada e satisfeita, eu estimal-o-hei muito; se Guimarães quizer que se vote um projecto de lei, como lembrou o illustre deputado, destacando uma parte da reforma administrativa, só para satisfazer aos desejos d'aquella cidade, eu oponho-me a isso, não concordo com s. exa.
Diga o illustre deputado a Guimarães que espere por que seja approvada a reforma administrativa, em que vem a idéa que ha de satisfazer não só aquella cidade mas todos os concelhos do reino que estiverem em certas circumstancias.
Este é o meu pensamento.
O resto é uma questão de confiança.
Não tenho o direito de exigir a confiança do illustre deputado. De accordo, mas desde que s. exa., querendo cooperar comigo, baseia o seu pensamento na desconfiança para com o governo, julgo-me no direito de lhe dizer que não é generoso, nem coherente o seu procedimento.
O illustre deputado não confia em mim. Eu sou mais generoso; eu confio na cooperação e no auxilio que s. exa. me prometteu.
Eis-aqui o que eu tinha a dizer ao illustre deputado.
Resumindo: quanto á pergunta que s. exa. fez com relação á idéa do governo, devo francamente dizer que os seus desejos, segundo o meu projecto, ficam satisfeitos.
Guimarães, se essa idéa se realisar, não terá que nomear procuradores á junta geral de Braga nem que pagar para as despezas do districto.
Pelo que respeita á sua realisação, peço ao illustre deputado que deixe o governo avaliar da sua opportunidade.
Não sei se o illustre deputado deseja mais explicações.
Eu tenho o maior empenho era não deixar a mais pequena duvida sobre as intenções do governo.
Como fallo alto e desassombradamente, como não fallo com a idéa de illudir alguem, não tenho a menor duvida em pedir a v. exa. que me conceda novamente a palavra, se o illustre deputado entender que as minhas palavras não são claras,
ou dão logar a qualquer equivoco.

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

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