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SESSÃO DE 23 DE MARÇO DE 1888
Presidencia do exmo. sr. Francisco de Barras Coelho e Campos (vice-presidente)
Secretarios os exmos. srs.
Francisco José de Medeiros
José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral
SUMMARIO
Tres officios, um do ministerio do reino, acompanhando documentos requeridos pelo sr. deputado Silva Cordeiro; outro do juizo da terceira vara de Lisboa, pedindo á camara licença para depor como testemunha o sr. deputado João Pinto Rodrigues; e outro do ministerio dos negocios estrangeiros, acompanhando a traducção de uma nota do ministro da Allemanha em Lisboa - Segunda leitura e admissão de um projecto de lei do sr Ribeiro Ferreira.- Requerimentos de interesse publico apresentados pelo sr. Baracho, e outros de interesse particular mandados para a mesa pelos srs Francisco Machado e José de Azevedo Castello Branco.- Justificações de faltas dos srs. Julio Pires, Jacinto Candido, Freitas Branco, Firmino Lopes, Wenceslau de Lima, Oliveira Pacheco, Antonio Centeno, Antonio Ennes conde de Fonte Bella, Dias Gallas, Joaquim Maria Leite, O'Neill, Barbosa Colen, Mancellos Ferraz e visconde de Monsaraz. - Declaração do sr. Arthur Hintze Ribeiro. - Considerações do sr. Antonio de Azevedo Castello Branco ácerca das irregularidades praticadas no recenseamento eleitoral de Santa Martha de Penaguião Resposta do sr. ministro dos negocios estrangeiros. - O sr. Baracho insta com a commissão de guerra para que dê os seus pareceres ácerca de dois projectos de lei de sua iniciativa, e por ultimo refere-se ao fornecimento de pannos para o exercito e guarda municipal O sr. Bandeira Coelho, por parte da commissão de guerra, informa sobre o andamento dos dois projectos de lei a que alludia o orador precedente - Apresenta um projecto de lei o sr. Santos Moreira. - O sr. José de Azevedo Castello Branco pretende que sejam presentes á camara os documentos relativos ás negociações sobre a restituição do vapor Kilica ao sultão de Zanzibar, e que fôra aprisionado pela marinha de guerra portugueza Resposta do sr. ministro dos negocios estrangeiros. - Incidente sobre se se deve ou não passar á ordem do dia. Resolve-se que se conceda primeiro a palavra ao sr. José de Azevedo Castello Branco, que usou d'ella respondendo ao sr ministro dos negocios estrangeiros. - Renova-se o incidente, deliberando-se por ultimo que se concedesse a palavra aos srs. Arroyo, Antonio Candido e Marçal Pacheco. - O sr. Arroyo apresenta uma proposta, que a camara approva por acclamação, para a concessão de um dia de vencimento de cada deputado em favor das victimas do incendio do theatro Baquet insta tambem pela remessa de uns documentos relativos á questão dos tabacos - O sr. Antonio Candido applaudiria, se estivesse presente, as declarações dos srs ministros das obras publicas e da justiça com respeito á catastrophe do Porto, e teria approvado a proposta do sr. Arroyo apresentada na sessão anterior, como approvou a que acaba de ser lida pelo mesmo illustre deputado. - Apresenta um additamento a esta proposta o sr. Marçal Pacheco. É approvado por acclamação. - Apresenta um parecer da commissão de legislação civil o sr. Francisco de Medeiros.
Na ordem do dia continua em discussão, na especialidade, o projecto de lei n ° 12 (penitenciarias). - O sr. Vicente Monteiro requer, e a camara approva, que se julgue discutida a materia do artigo 2 ° do projecto Approva-se a substituição a este artigo, apresentada pelo sr. relator, e em seguida a parte da mesma proposta relativa ao § 1.°- São depois approvados os §§ 2.° e 3.°, com o additamento a este ultimo, apresentado na mesma proposta do sr. relator - Entra em discussão o artigo 3.° do projecto e apresenta uma substituição o sr. relator, Eduardo Coelho - O sr. Arou-a pede que se consulte a camara sobre a conveniencia de ser impressa a nova proposta da commissão, suspendendo se no entretanto a discussão. Responde o sr relator Eduardo José Coelho, não acceitando o adiamento, e a camara resolve n'esta conformidade.- O sr. Arouca pede diversas explicações ao governo. Responde lhe o sr ministro da justiça, replicando-lhe em seguida o sr. Arouca. - A requerimento do sr. Pedro Monteiro proroga se a sessão até se votar o projecto. - Declaração do sr. ministro da fazenda. - O sr. Eduardo José Coelho, relator, defende a proposta e respondo aos oradores que têem impugnado o projecto. - O sr José de Azevedo Castello Branco apresenta e sustenta uma proposta de substituição - A requerimento do sr Vieira de Castro julga-se a materia discutida. - É approvada a proposta de substituição ao artigo 3.°, apresentada pelo sr relator, considerando-se por isso prejudicada a proposta do sr. José de Azevedo. - Entra em discussão o artigo 4.º do projecto e usa da palavra o sr. Arroyo, que faz largas considerações contra o governo, e em especial contra o sr. presidente do conselho - O sr Laranjo requer que se julgue a materia sufficientemente discutida. - Usam da palavra sobre o modo de propor os srs. José Castello Branco, que faz uma declaração, e Lopo Vaz, que não considera prejudicada pela votação do artigo 3.° a parte da proposto do sr. Azevedo Castello Branco, que estabelece o concurso; pede que sobre esta recáia uma votação. - Explicações do sr. presidente, que põe em seguida á votação essa parte da proposta É rejeitada pela camara. - Approva se o artigo 4.º e é levantada a sessão.
Abertura da sessão - Ás duas horas e vinte e cinco minutos da tarde.
Presentes á chamada 46 srs. deputados. São os seguintes: - Serpa Pinto, Alfredo Brandão, Antonio Castello Branco, Jalles, Hintze Ribeiro, Augusto Pimentel, Augusto Ribeiro, Barão de Combarjua, Eduardo de Abreu, Eduardo José Coelho, Francisco de Barros, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Sá Nogueira, Candido da Silva, Pires Villar, Cardoso Valente, João Arroyo, Sousa Machado, Joaquim da Veiga, Simões Ferreira, José Castello Branco, Pereira de Matos, Ferreira de Almeida, Eça de Azevedo, Abreu Castello Branco, José de Napoles, Alpoim, Oliveira Matos, José de Saldanha (D.), Santos Moreira, Julio Graça, Julio de Vilhena, Poças Falcão, Luiz José Dias, Bandeira Coelho, Manuel Espregueira, Manuel José Correia, Martinho Tenreiro, Miguel da Silveira, Miguel Dantas, Pedro Monteiro, Sebastião Nobrega, Dantas Baracho, Estrella Braga e Consiglieri Pedroso.
Entraram durante a sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Mendes da Silva, Alfredo Pereira, Anselmo de Andrade, Sousa e Silva, Baptista de Sousa, Antonio Candido, Antonio Villaça, Ribeiro Ferreira, Gomes Neto, Pereira Borges, Guimarães Pedrosa, Moraes Sarmento, Mazziotti, Fontes Ganhado, Pereira Carrilho, Simões dos Reis, Augusto Fuschini, Bernardo Machado, Lobo d'Avila, Conde de Villa Real, Elizeu Serpa, Emygdio Julio Navarro, Madeira Pinto, Estevão de Oliveira, Feliciano Teixeira, Fernando Coutinho (D.), Almeida e Brito, Francisco Beirão, Castro Monteiro, Francisco Mattoso, Fernandes Vaz, Francisco Ravasco, Lucena e Faro, Soares de Moura, Severino de Avellar, Frederico Arouca, Guilherme de Abreu, Guilhermino de Barros, Sant'Anna e Vasconcellos, Izidro dos Reis, Santiago Gouveia, Vieira de Castro, Rodrigues dos Santos, Correia Leal, Silva Cordeiro, Avellar Machado, Ferreira Galvão, Dias Ferreira, Ruivo Godinho, Elias Garcia, Laranjo, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, Ferreira Freire, Barbosa de Magalhães, José Maria dos Santos, Julio Pires, Lopo Vaz, Mancellos Ferraz, Vieira Lisboa, Manuel d'Assumpção, Manuel José Vieira, Brito Fernandes, Marçal Pacheco, Marianno de Carvalho, Marianno Prezado, Matheus de Azevedo, Vicente Monteiro, Visconde da Torre, Visconde de Silves e Wenceslau de Lima.
Não compareceram á sessão os srs.: - Albano de Mello, Alves da Fonseca, Campos Valdez, Oliveira Pacheco, Antonio Centeno, Antonio Ennes, Tavares Crespo, Antonio Maria de Carvalho, Barros e Sá, Santos Crespo, Miranda Montenegro, Victor dos Santos, Conde de Castello de Paiva, Conde de Fonte Bella, Elvino de Brito, Goes Pinto, Mattoso Santos, Freitas Branco, Firmino Lopes, Gabriel Ramires, Casal Ribeiro, Baima de Bastos, João Pina, Franco de Castello Branco, Souto Rodrigues, Dias Gallas, Menezes Parreira, Teixeira de Vasconcellos, Alfredo Ribeiro, Alves Matheus, Oliveira Valle, Joaquim Maria Leite, Oliveira Martins, Jorge de Mello (D.), Jorge O'Neill, Amorim Novaes, Alves de Moura, Barbosa Colen, Guilher-
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me Pacheco, Vasconcellos Gusmão, José Maria do Andrade, Rodrigues de Carvalho, Simões Dias, Pinto Mascarenhas, Santos Reis, Abreu e Sousa, Pinheiro Chagas, Pedro de Lencastre (D.), Pedro Victor e Visconde de Monsaraz.
Acta - Approvada.
EXPEDIENTE
Officios
Do ministerio do reino, remettendo documentos requeridos pelo sr. deputado Joaquim Antonio da Silva Cordeiro, em sessão de 18 de fevereiro ultimo.
Para a secretaria.
Do ministerio da justiça, solicitando licença para que o sr. deputado João Pinto Rodrigues dos Santos possa depor como testemunha no dia 24 do corrente mez no juizo da terceira vara.
Foi concedida.
Do ministerio dos negocios estrangeiros. Lisboa, 23 de março de 1888. - Illmo. e exmo. sr. - Tenho a honra de remetter a v. exa., a fim de que d'ella tome conhecimento e a communique á camara a que tão dignamente preside, a inclusa traducção de uma nota que me foi dirigida pelo ministro da Allemanha n'esta côrte, manifestando o reconhecimento da dicta do imperio pelos sentimentos expressos pelas camaras portuguezas na occasião do fallecimento do Imperador Guilherme.
Deus guarde a v. exa. - Illmo. e exmo. sr. presidente da camara dos senhores deputados. = H. de Barros Gomes.
Ministerio dos negocios estrangeiros.- Repartição do gabinete. - Traduccão. - Illmo. e exmo. sr. - A dicta do imperio allemão (reichstag) resolveu por unanimidade na sessão de 19 do corrente, declarar que os signaes de veneração pelo nosso fallecido e inolvidavel Imperador e a participação no luto do povo allemão, que as côrtes portuguezas tão eloquentemente manifestaram nas suas sessões de 9 e 12 de março produziram em toda a Allemanha a mais profunda sensação e o mais vivo reconhecimento e attestam do modo mais evidente a cordialidade das relações entre os dois povos. Tenho a honra de rogar a v. exa., da parte do chanceller do imperio, de levar esta declaração ao conhecimento dos srs. presidentes das camaras portuguezas, conforme o desejo da dicta do imperio.
Ao mesmo tempo aproveito esta occasião, etc. - Illmo. e exmo. sr. Henrique de Barros Gomes, ministro e secretario d'estado dos negocios estrangeiros de Sua Magestade Fidelissima. (Assignado) Schmidthals.
Está conforme. Secretaria d estado d'estado dos negocios estrangeiros, em 23 de março de 1888. = A. de Ornellas.
Mandou se lançar na acta.
Segunda leitura
Projecto de lei
Senhores. - O decreto de 10 de dezembro de 1836, cujo objectivo era combater o trafico da escravatura, que ainda n'aquelle tempo se fazia dos portos da nossa Africa para os do Brazil perdeu felizmente, ha longos annos, o seu alcance e utilidade, porque do nefando trafico, contra o qual foi promulgado, só hoje existe a triste recordação historica, e tanto assim, que os seus preceitos se não cumprem já em muitos pontos, como sejam: o de negar a capitania do porto passaporte ao navio, sem previa prestação de fiança, a visita feita, no navio no dia da saída pela auctoridade civil acompanhada por um official da alfandega, ou official de fé, a fim de se certificarem, que a bordo não existe objecto algum que possa indicar a sua applicação ao transporte de escravos, e ainda o facto, varias vezes repetido, de terem saído para Africa alguns navios sem fiança, o que prova que só a prestam os que voluntariamente a offerecem.
É certo tambem que no tempo em que o trafico existia não o exerciam os navios saídos dos portos da metropole com destino aos de Africa, mas sómente os que para ali íam em lastro dos portos do Brazil e outros, o que se confirma com a falta absoluta de exemplo de se ter tornado effectiva a responsabilidade dos fiadores dos navios que desde remota data se têem despachado dos portos da metropole para as costas africanas.
É, portanto, evidente que a obra encetada pelo marquez de Sá da Bandeira encontrou no caracter e no coração dos portuguezes a mais leal e dedicaria cooperação. Por estas considerações, e porque o presente projecto tende a derogar uma lei que se torna vexatoria, o que o estado actual da civilisação não justifica, tenho a honra de submetter ao vosso esclarecido exame o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É derogado, para todos os effeitos, o decreto com força de lei de 10 de dezembro de 1836.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 20 de março de 1888. = O deputado, Antonio Francisco Ribeiro Ferreira.
Lido na mesa foi admittido e enviado á commissão de marinha.
REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO
Requeiro que, pelo ministerio da guerra, me seja fornecida, com urgencia, copia do inquerito a que se mandou proceder no anno passado, depois do malogrado exercicio no Sabugo. = Sebastião Baracho.
Requeiro igualmente que, pelo mesmo ministerio, e tambem com urgencia, me seja fornecida copia do resultado da analyse a que no anno passado se mandou proceder, para se conhecer se os pannos fornecidos aos corpos eram iguaes aos padrões typos, e se eram justas as reclamações dos commandantes dos regimentos. = Sebastião Baracho.
Mandaram-se expedir.
REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR
De setenta e tres sargentos do exercito, pedindo melhoria de vencimento para a sua classe.
Apresentados pelo sr. deputado F. J. Machado e enviados á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.
Do general de divisão reformado Thiago Ricardo de Soure, pedindo a approvação do projecto de lei apresentado na sessão de 20 de fevereiro ultimo pelo sr. deputado Dantas Baracho, augmentando o soldo aos officiaes reformados.
Apresentado pelo sr. deputado José de Azevedo Castello Branco e enviado á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.
De oito sargentos de artilhem n.° l, pedindo e revogação do artigo 184.° da ultima reorganisação do exercito, sendo substituido por outro com doutrina igual á do n.° 302.° e seus paragraphos do regulamento geral para o serviço dos corpos do exercito de 21 de novembro de 1866.
Apresentados pelo sr. deputado F. J. Machado e enviados á commissão de guerra.
JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS
Declaro que tenho faltado a algumas sessões por motivo justificado. = O deputado, Julio José Pires.
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Declaro a v. exa. e á camara que faltei a algumas das sessões d'esta camara por incommodo de saude. = Jacinto Candido.
Participo a v. exa. e á camara que os meus collegas, Freitas Branco, Firmino João Lopes e Wenceslau de Lima têem faltado ás sessões por motivos justificados. = Jacinto Candido.
Participo a v. exa. e á camara que os meus collegas e amigos os srs. Oliveira Pacheco, Antonio Centeno, Antonio Ennes, Conde de Fonte Bella, Dias Gallas, Joaquim Maria Leite, Jorge O'Neill, Barbosa Colen, Mancellos Ferraz e visconde de Monsaraz têem faltado a algumas sessões por motivos justificados. = O deputado, S. da Nobrega.
Para a secretaria.
DECLARAÇÃO
Declaro que estive presente á sessão do dia 12 do corrente, estando porém o meu come incluido no numero dos deputados que não compareceram a essa sessão no respectivo diario. = Arthur Hintze Ribeiro.
Para a acta.
O sr. Antonio Azevedo Castello Branco: - Em uma das ultimas sessões, chamei a attenção do governo para as violencias e irregularidades que se estavam praticando na villa de Santa Martha de Penaguião a respeito do recenseamento eleitoral.
Disse, que o escrivão de fazenda d'aquelle concelho, voluntariamente ou por coacção não prestava todos os elementos indispensaveis aos individuos que pretendiam apresentar reclamações a fim de serem inscriptos n'aquelle recenseamento.
O sr. ministro da fazenda, que estava então presente, e quem eu me dirigi especialmente, declarou que n'aquelle mesmo dia havia de telegraphar, dando ordens terminantes para que o escrivão cumprisse os seus deveres.
E com effeito eu tive noticias de que o sr. ministro cumpriu o que tinha promettido; o telegramma foi expedido; mas tambem sei que o escrivão de fazenda tem zombado das ordens expedidas pelas auctoridades superiores, continuando a não passar as certidões que se pedem, por parte dos regeneradores, sob pretexto de que tem a passar outras certidões, pedidas anteriormente, mas que e foram de combinação com elle e com a maioria da commissão.
O meu illustre collega o sr. Antonio Baptista de Sousa apresentou aqui uma certidão, pela qual pretendeu demonstrar que não eram exactas as informações que me haviam sido dadas com respeito ás irregularidades que se praticaram na organisação do recenseamento dos quarenta maiores contribuintes d'aquelle concelho.
Ainda não vi essa certidão, apesar de s. exa. ter tido a delicadeza de a mandar para a mesa, declarando n'essa occasião que sentia não me ver presente, mas eu recebi novas informações que me merecem todo o credito, embora não sejam baseadas em certidões, que não posso apresentar, exactamente porque as não querem passar; e essas informações dizem que o escrivão de fazenda tem sempre um pretexto para se recusar a passar certidões sobre os trabalhos executados pela maioria da commissão de recenseamento que pertence ao partido progressista e que de accordo com o administrador do concelho está praticando no recenseamento todas as tramoias indispensaveis para que o suffragio lhe seja favoravel nas futuras eleições.
Insisto, portanto, nas considerações que fiz e tenho ainda a acrescentar o seguinte.
Ha dias, um grupo de cavalheiros do concelho de Santa Martha de Penaguião, pertencentes ao partido regenerador, e cujos caracteres, probos e justos, eu muito respeito, apresentou-se ao governador civil de Villa Real o passou ás suas mãos uma representação contra as arbitrariedades e actos irregulares, praticados pela commissão, allegando, entre outras cousas, que se tinham feito falsificações no recenseamento.
Tenho aqui um jornal onde se lê isto e eu desejava chamar a attenção do sr. ministro da justiça, que sinto por isso não ver presente, para este facto que é grave.
Desde que se diz haver no recenseamento falsificação, é indispensavel que s. exa. expeça ordens terminantes para que na comarca de Peso da Regua se proceda a exame sobre todos os papeis attinentes ao recenseamento e se proceda contra quem haja praticado essas falsificações.
Pelo que respeita á certidão apresentada pelo meu illustre amigo e collega o sr. dr. Baptista de Sousa, tenho a dizer o seguinte: entre os nomes figura, por exemplo, o do sr. Francisco Lourenço de Matos, que está inscripto como um dos quarenta maiores contribuintes, o qual, porém, em consequencia da phylloxera ter devastado as suas vinhas, tem tido em seu beneficio uma deducção no pagamento das contribuições, superior a 14$000 réis; ha entre outros tambem o sr. Manuel Leite, da Cumeeira, que tem tido um certo favor, um abatimento de 20$000 réis no imposto predial, estando collectado na matriz predial com 17$960 réis, d'onde parece que o thesouro ainda lhe mette na algibeira mais de 2$000 réis!
São estas as informações que tenho.
Podia ir procurar no ministerio da fazenda os documentos comprovativos d'este facto, mas sendo este caso de urgencia, entendi que não podia andar pelas repartições do ministerio da fazenda a solicitar documentos.
D'estas irregularidades e outras já teve conhecimento a auctoridade superior do districto, e consta-me que contra o escrivão de fazenda se promove processo na comarca do Peso da Regua, para se lhe tomar a responsabilidade que lhe compete n'estas falcatruas do recenseamento. Para funccionarios d'este jaez é mister todo o rigor das leis, para que se não afoitem a praticar actos identicos ou peiores. Faço votos para que o favoritismo ou a negligencia não fruste os resultados do processo.
Por agora limito-me a pedir ao governo que dê terminantes ordens ao governador civil de Villa Real para que averigua a verdade a respeito dos factos que lhe foram expostos, e que mande instaurar os processos que sejam necessarios para que a lei se cumpra, e para que sejam punidos todos aquelles que a tenham transgredido. (Apoiados.) Igual pedido faria especialmente ao sr. ministro da justiça, se aqui estivesse, a respeito das falsificações allegadas n'aquelle documento; entretanto espero que estas minhas palavras lhe constem, e creio que tambem s. exa. não deixará de as tomar na devida consideração.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes): - Desejo apenas asseverar ao illustre deputado, que transmittirei ao sr. ministro do reino e ao sr. ministro da justiça as considerações por s. exa. apresentadas á camara, e, se os factos apresentados pelo illustre deputado forem verdadeiros, estou convencido que os meus collegas não deixarão de tomar todas as providencias para que as leis sejam cumpridas e castigados os empregados que tenham saído da orbita das suas attribuições.
O sr. Baracho: - Sr. presidente, pedi a palavra para perguntar á illustre commissão de guerra se já tomou alguma deliberação relativamente a dois projectos de lei que tive a honra de mandar para a mesa, já este anno, um d'elles seguramente ha mez e meio e o outro ha mais de um mez.
O primeiro diz respeito á modificação do quadro dos officiaes superiores na arma de cavallaria, creando mais um major em cada corpo, e o segundo refere-se ás tarifas de soldos de 1865, que, conforme a letra do alvará de 1790, devem ser applicadas aos officiaes reformados que já o estavam quando foi convertida em lei, no anno passado, a proposta do sr. ministro da guerra, que elevou os vencimentos dos officiaes em effectivo serviço.
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Desejava que algum dos membros da illustre commissão de guerra me informasse sobre se esses projectos já mereceram a sua attenção, se já os tinha estudado, se já deu sobre elles o seu parecer, ou se estão dormindo o somno dos justos... e bem justos que elles são. (Apoiados.)
Não trato agora de justificar os projectos, visto que já o fiz o largamente, quando os apresentei; (Apoiados.) mas o que desejo saber é se elles ainda não despertaram a attenção da commissão, porque n'este caso terei de instar para que tenham parecer, por isso que, compenetrado, como estou, da justiça d'esses projectos, entendo que não podem ficar esquecidos sem virem á discussão. (Apoiados.)
Posto isto, mando para a mesa dois requerimentos, que passo a ler:
(Leu.)
Sr. presidente, não é costume fundamentar requerimentos; mas como relativamente ao ultimo que formulei e que diz respeito ao fornecimento de pannos para o exercito e outras corporações, tanto se tem fallado aqui, eu entendo dever proferir tambem algumas palavras sobre o assumpto.
O meu illustre collega e amigo o sr. Arroyo fez notar que os fornecimentos para a guarda municipal do Porto não eram feitos por concurso. Notou tambem o sr. Ribeiro Ferreira, deputado da maioria, que o fornecimento de pannos para a policia fiscal tinha sido por concurso, mas que esse concurso se fizera por fórma que verdadeiramente não merecia tal denominação.
Eu não entro agora na apreciação d'estes factos; mas, como á testa da guarda municipal e da policia fiscal, estão dois cavalheiros, com cuja amisade me honro, e que toem prestado importantes serviços ao paiz, cumpre-me dizer que, naturalmente da parte dos illustres deputados que ao occuparam d'este assumpto, não houve intuito de lançar a menor suspeição (Apoiados) sobre o caracter d'aquelles dois distinctos funccionarios.
E já que se tem tratado de averiguar quaes são as corporações que não têem cumprido com a lei, eu devo lembrar, e espero que o sr. ministro dos negocios estrangeiros o communicará ao sr. presidente do conselho, que não vejo presente, que sou informado de que a policia civil do Porto tambem é fardada com pannos sem serem fornecidos por concurso, devendo pôr-se termo a este abuso. (Apoiados.)
Mas, sr. presidente, não é só o concurso que é essencial. Julgo igualmente indispensavel que se cumpram á risca as clausulas dos concursos o que os arrematantes desempenhem integralmente os seus deveres (Apoiados.)
E a proposito d'isto direi que no anno passado, as reclamações dos commandantes dos corpos, foram tantas, que o sr. ministro da guerra se viu na necessidade de mandar proceder a uma analyse minuciosissima, de que foi incumbido um illustre official do exercito e por cujos resultados eu instarei tantas vezes quantas sejam sufficientes, até que elles me sejam fornecidos e ao parlamento.
É necessario que o paiz saiba, que não só se procura cumprir a lei, mas ainda como ella é cumprida. É preciso que se torne publico se houve fornecedores que faltaram aos seus compromissos, e quem são esses fornecedores. (Apoiados.)
Segundo informações que tenho, na analyse a que só procedeu, estão perfeitamente apuradas as responsabilidades de todos. Insto portanto pela remessa d'esses documentos, para que elles venham com a maior urgencia a esta camara, porque o assumpto é grave e serio e eu quero tambem á vista d'esses documentos, e depois de um rigoroso exame, pedir, se assim o julgar conveniente, as responsabilidades a quem as tem.
Tenho dito
Os requerimentos vão publicados na secção competente a pag. 872.
O sr. Bandeira Coelho: - Na qualidade de secretario da commissão de guerra, tenho a informar o illustre deputado que todas as propostas e projectos estão já distribuidos, tendo-se principiado a discussão pelas propostas de lei constitucionaes. Estas já têem parecer assignado, que foi enviado às outras commissões; e quanto aos outros projectos serão successivamente discutidos nas proximas sessões.
O sr. Francisco Machado: - Mando para a mesa oito requerimentos de sargentos de artilhem n.° 2, pedindo que a promoção ao posto de sargento ajudante seja por antiguidade e não por concurso.
Mando tambem setenta e tres requerimentos de primeiros sargentos de differentes corpos do exercito, pedindo augmento de vencimento.
Peço a v. exa. se digne enviar sem demora todos estes requerimentos ás respectivas commissões.
Tiveram o destino indicado nos respectivos extractos a pag. 872.
O sr. Santos Moreira: - Mando para a mesa um projecto de lei approvando o contrato provisorio feito entre a camara municipal da villa da Povoa de Varzim e Alfredo Harrison para a illuminação da dita villa por meio de gaz.
Ficou para segunda leitura.
O sr. José de Azevedo Castello Branco: - Tencionava perguntar se já tinha relator a proposta de lei que reorganisa o serviço de saude militar; mas em vista da explicação dada ha pouco pelo sr. Bandeira Coelho, na qualidade de secretario da commissão de guerra, limitava-se a fazer votos para que esse assumpto viesse á discussão.
Apresentou em seguida um requerimento do Thiago Ricardo de Soure, general de divisão reformado, pedindo a approvação do projecto de lei do sr. Dantas Baracho, relativo á tarifa de soldos dos officiaes reformados.
Entrando no assumpto principal para que pedira a palavra, diz que pretendia mandar para a mesa um requerimento, mas não o querendo fazer inutilmente, ia dirigir primeiro uma pergunta ao sr. ministro dos negocios estrangeiros.
É sabido que, em virtude de desintelligencias entre o governo portuguez e o sultão de Zanzibar, foi aprisionado pela marinha de guerra portugueza o vapor Kihwa, que depois foi restituído. Actualmente preoccupou a opinião publica a fórma por que se realisou essa restituição, o boato de que as negociações com o sultão estavam em campo desairoso para Portugal, e o facto do sr. ministro dos negocios estrangeiros ter declarado na camara dos dignos pares que o vapor era má presa.
Para o bom nome da marinha portugueza e para socego do paiz, julga de toda a necessidade que sejam conhecidos os termos das negociações relativas ao vapor Kilwa, e pela sua parte deseja os documentos relativos a este assumpto, para instruir uma nota de interpellação ao sr. ministro dos negocios estrangeiros.
Talvez s. exa. lhe dissesse que não os podia mandar por haver negociações pendentes. Tinha, porém, a seu favor os precedentes.
Assim, quando na conferencia de Berlim se debatiam interesses muito superiores aos interesses ligados com a questão do Zanzibar, não tivera duvida o sr. Barros Gomes em dirigir uma interpellação ao sr. Bocage sobre a delimitação do Congo, declarando que separava o assumpto da interpellação d'aquillo que se estava tratando em Berlim, porque discutia factos anteriores áquelles que tinham levado o governo áquella conferencia. Elle, orador, seguia este precedente.
Portanto, se s. exa. dissesse que mandaria os documentos relativos ao vapor Kilwa, que não diziam respeito ás negociações, habilitando o assim a realisar uma interpellação a este respeito, mandaria para a mesa o seu requerimento.
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Era sua opinião que as nações pequenas, ou não deviam ter diplomacia, ou deviam ter uma diplomacia muito habil, para não acontecer o que tinha acontecido ao sr. ministro dos negocios estrangeiros.
S. exa. tinha sem duvida muito boa vontade, e era trabalhador como poucos; mas antes não trabalhasse, porque as suas negociações eram sempre infelizes.
Com a concordata todos sabiam o que tinha acontecido; das negociações com a Allemanha e com a França tinha resultado perda de territorio no sul da Africa e na Guine, e agora a respeito das negociações com Zanzibar já se dizia que estavam em campo desairoso para Portugal.
Conclue, repetindo que mandaria para a mesa o seu requerimento se o sr. ministro declarasse que não teria duvida de apresentar á camara os documentos a que já se referiu.
(O discurso será publicado na integra, em appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.)
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes): - Respondeu ao orador precedente.
(O discurso será publicado na integra, em appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.)
O sr. Presidente. - Passa-se á ordem do dia. (Sussurro.)
Vozes da esquerda: - Não póde ser.
O sr. José de Azevedo Castello Branco: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que eu diga duas palavras em resposta ao sr. ministro dos estrangeiros.
O sr. Presidente: - Não tenho duvida em a consultar; mas lembro que já se devia ter entrado na ordem do dia. (Apoiados.)
O sr. Arroyo: - Peço a v. exa. que consulte a camara sobre só permitte que fallem todos os srs. deputados que estavam inscriptos.
O sr. Presidente: - O que vou é consultar a camara sobre se permitte que use da palavra o sr. José de Azevedo Castello Branco, como s. exa. pediu, para responder ao sr. ministro dos negocios estrangeiros.
O sr. Arroyo: - A consulta deve ser uma relação a todos os deputados inscriptos.
Pois o sr. ministro dos estrangeiros póde fallar perto de tres quartos de hora, o aos deputados que estão inscriptos nega-se a palavra?! (Apoiados da esquerda.)
O sr. Marçal Pacheco: - Peco a palavra para um requerimento.
O sr. Presidente: - Não ha palavra para requerimentos antes da ordem do dia, (Apoiados.) Vou consultar a camara sobre o pedido do sr. Azevedo Castello Branco.
O sr. Marçal Pacheco (sobre o modo de propor): - V. exa. diz que não ha palavra para requerimentos antes da ordem do dia - e todavia o que v. exa. vão propor á resolução da camara é um requerimento do sr. José de Azevedo Castello Branco.
Vozes da direita: - É um pedido, não é um requerimento. (Apoiados.)
O sr. Marçal Pacheco: - Então faço eu igual pedido em relação aos srs. deputados que estão inscriptos.
O sr. Arroyo: - É o pedido que eu já fiz. (Susurro.)
Vozes da esquerda: - Fazemos igual pedido.
O sr. Presidente: - Consulto primeiro a camara sobre se consente que o sr. José de Azevedo Castello Branco use da palavra.
Vozes: - Falle, falle.
O sr. Presidente: - Em vista da manifestação da camara, tem o illustre deputado a palavra.
O sr. José de Azevedo Castello Branco: - Agradece a resposta do sr. ministro dos negocios estrangeiros e insiste nas considerações que ha pouco apresentou.
(O discurso será publicado em appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.)
O sr. Presidente: - Passa-se á ordem do dia.
Vozes da esquerda: - Não póde ser.
O sr. Arroyo: - Se o sr. ministro dos negocios estrangeiros entendeu dever fallar por mais de meia hora, como quer v. exa. impedir-nos do fallar alguns minutos?
O sr. Presidente: - Vou consultar a camara sobre se permitte que use da palavra o sr. Arroyo
Vozes da esquerda: - Podem os que estão inscriptos.
O sr. Presidente: - Observo aos illustres deputados que são muitos os inscriptos.
Vozes da esquerda: - Deve ser concedida a palavra a todos que a pediram.
(Sussurro.)
O sr. Presidente: - Peço ordem. Eu vou consultar a camara sobre se deve passar-se desde já á ordem do dia, ou se devo continuar a dar a palavra a todos os srs. deputados que a pediram e pela ordem por que estão inscriptos.
Vozes da direita: - Não é isso, é sómente com respeito a tres.
O sr. Marçal Pacheco: - São apenas tres os deputados que pedem a v. exa. a, fineza de consultar a camara; são os srs. Arroyo, Antonio Candido e eu.
O sr. Presidente: - E os outros srs. deputados inscriptos desistem da palavra?
Vozes: - Desistem.
Consultada a camara resolveu-se que fosse concedida a palavra aos tres srs. deputados que a tinham pedido.
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Arroyo.
Uma voz: - Vae fallar até ás seis horas.
O sr. Arroyo: - Não fallo até ás seis horas, podem estar socegados; e não o faço porque não costumo fazer obstruccionismo. Se ha obstruccionismo vem elle das cadeiras do poder. A camara acaba de ver que em resposta a umas simples considerações feitas pelo sr. José de Azevedo Castello Branco, o sr. ministro dos negocios estrangeiros não duvidou usar da palavra por mais de meia hora, e parece-me que, sendo destinada apenas uma hora para a discussão dos diversos assumptos antes da ordem do dia, demorar-se s. exa. na sua resposta mais de meia hora, é coarctar aos deputados o seu direito, (Apoiados.)
Não vou, portanto, fallar até ás seis horas; desejo simplesmente responder, em breves considerações, á parte do discurso do sr. ministro dos negocios estrangeiros, em que s. exa., com ares ironicos, improprios d'aquelle logar, e sobretudo das responsabilidades gravissimas que lhe incumbem, das enormes responsabilidades que pesam sobre s. exa. pretendeu responder ás accusações severas, mas justissimas do sr. José de Azevedo Castello Branco.
Serão breves, repito, as considerações que tenho a fazer; antes, porém, de usar da palavra para o fim para que a tinha pedido, permitia-me a camara uma observação.
O sr. ministro dos negocios estrangeiros declarou que não queria antecipar a remessa dos documentos sobre o aprisionamento do Kilwa, e eu digo que a opposição parlamentar tem direito a exigir que o sr. ministro as envie a esta camara, e que s. exa. tem o restricto dever de não recusar essa remessa immediata, porque o ponto de que só trata é uma questão finda que nada tem com as questões que só succederam. (Apoiados.)
Tambem o tratado de 1884 estava ligado á conferencia de Berlim e o sr. Barros Gomes, então deputado da opposição, discutiu aqui esse tratado, emquanto a conferencia se reunia na capital do imperio allemão. (Apoiados.)
Portanto, s. exa. furtando agora indevida e injustamente á apreciação parlamentar todos os documentos relativos ao aprisionamento d'aquelle navio de guerra zanzibariano, falta ao seu dever. (Apoiados.)
(Susurro.)
Se a maioria pretende agora usar d'esse novo plano, conversar emquanto eu fallo, creiam que não me confundem. Tenho voz vibrante, e assás vigorosa para se fazer
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ouvir sobre todas as conversas com que pretendam abafar as minhas palavras. (Apoiados.)
(Pausa.)
E tem o sr. ministro dos negocios estrangeiros a triste coragem de aproveitar a phrase ironica com que o sr. José de Azevedo Castello Branco comparou o seu nome com o nome respeitavel e respeitado do sr. duque de Palmella; comquanto o nome do sr. Barros Gomes tambem o seja, tem s. exa. repito, a triste coragem de querer tirar partido d'essa phrase em favor da sua argumentação ?!...
Póde, porventura, haver comparação alguma entre o duque de Palmella e v. exa., sr. ministro dos negocios estrangeiros ?!...
V. exa. no que toca a felicidades diplomaticas, é o sr. duque de Palmella ás avessas. (Apoiados.)
. exa. é, para todos os effeitos, o Jules Fabre da nossa diplomacia. (Apoiados.)
Mais mau olhado, mais guignoneur, mais jettatoreu, é que v. exa. não podia ser n'esse logar. (Riso.)
E na realidade, nas negociações a proposito da questão africana, quando os allemães começaram por reconhecer nos primeiros documentos o nosso dominio effectivo até ao parallelo 18 não cedeu v. exa. das fertilissimas regiões do Ovampo e de outros terrenos immensos, nos quaes se não encontrava o menor signal de posse effectiva pelos allemães?
E a questão da concordata?! Que bellissima questão essa, em que s. exa., rasgando mais uma vez a carta constitucional, não permittiu que nós discutissemos esse diploma, com que mais uma vez se mutilou o dominio portuguez no ultramar! Que magnifica questão!
E a questão de Ceylão?! Esplendida questão, em que de um lado nós vemos uma grande massa de cidadãos a pedirem a sua continuação no padroado, e do outro vemos o sr. ministro dos negocios estrangeiros, genuflexando respeitoso diante do Papa, e calcando aos pés o direito d'esses cidadãos!
Que bellissima questão!!
E a isto tudo, depois das mais energicas accusações, s. exa. levanta-se para responder, sempre com um sorriso ironico!!
Deixe s. exa. de se rir em presença das nossas accusações, porque ellas são justissimas; apague das suas faces esse sorriso improprio e constante, porque, quer em Ceylão, quer na China, na Africa, no padroado, na Allemanha, como na Inglaterra, s. exa. é, eu lhe assevero, o homem que mais tem desprestigiado e menosprezado os direitos de Portugal.
E nada mais, sr. presidente, sobre este assumpto, porque não quero ser obstruccionista. Fica assim devidamente respondido o arzinho de ironia, que por uma especie de movimento de propaganda pathologica, vae passando da cara do sr. presidente do conselho para a cara do sr. Barros Cromes. (Apoiados.)
São estes, por emquanto, os dois ministros que mais se riem; um, que accentua o procedimento progressista na politica interna; outro, que sustenta esse mesmo procedimento na politica externa; ambos rasgando a carta constitucional, desprestigiando o poder e rebaixando o exercicio de tão augusta missão, até ao ponto onde nunca descera! (Apoiados.)
Continuem, pois, s. exa. a rirem-se, que nós continuaremos a fustigar, como devemos, os actos illegaes, injustos, illegitimos e prejudicialissimos para o paiz, praticados por este gabinete.
E dito isto, que foi unica e simplesmente movido pela replica impensada do sr. ministro dos negocios estrangeiros, eu vou, succintamente, referir-me aos assumptos, que me levaram a pedir a palavra.
Sr. presidente; a phenomenal catastrophe que enlutou a cidade do Porto, por todos os motivos torna necessaria a abertura de subscripções, que tendam, não a remediar, porque não é possivel prover de remedio, mas ao menos attenuar as suas tristissimas e medonhas consequencias.
Creio que estará no animo e no espirito de todos accudir ao appello feito pela imprensa diaria do paiz; (Apoiados.) e procedendo assim, não fazemos senão cumprir com o nosso dever de cidadãos, e com a obrigação de darmos uma livre expansão aos sentimentos, que por certo são communs.
Eu proponho, pois, «que a camara subscreva com um dia de subsidio, em favor das victimas do incendio no theatro Baquet do Porto, e dos inutilisados n'essa catastrophe». (Apoiados geraes.)
Antes de terminar, permitta-me v. exa. que eu me refira ainda a outro assumpto em poucas palavras.
Sr. presidente, em janeiro ultimo, requeri eu uns documentos relativos á questão dos tabacos, e entre esses documentos, pedi nota do resultado da administração das fabricas por conta do governo até 31 de dezembro. O sr. ministro da fazenda, em officio que acompanhava a remessa de alguns d'esses documentos, acrescentava que mandaria depois os restantes.
Veiu o balancete dos mezes de outubro e novembro da administração provisoria do estado nas fabricas de tabacos da companhia nacional, mas falta o balanço geral do anno; e este elemento é absolutamente indispensavel para se poder apreciar qual o resultado da administração provisoria do estado.
Rogo por isso a v. exa. queira instar com o sr. ministro da fazenda para que me seja remettido sem demora o balanço feito em 31 de dezembro de 1887, de todas as fabricas de tabaco administradas por conta do estado. É inverosimil que no mez de março ainda esse balanço não possa ser enviado á camara.
Espero tambem que v. exa., sr. presidente, comprehendendo como este elemento de estudo é indispensavel para a discussão da questão de tabacos, não fará discutir o respectivo projecto sem que estejamos habilitados com os dados positivos e seguros sobre o resultado da administração por conta do estado.
Por ultimo peço aos srs. ministros presentes a fineza de dizerem ao seu collega da fazenda que eu desejava conversar com s. exa. sobre o fornecimento de pannos para a policia fiscal, e sobre uns celebres annuncios para um celebre concurso, a que já n'uma das ultimas sessões tive ensejo de alludir.
Como v. exa. vê, demorei-me o menos possivel; mas sinto que, no cumprimento do meu dever, não podesse alongar-me no uso da palavra para responder mais desenvolvidamente ás considerações feitas pelo nosso Jules Favre portuguez.
(S. exa. não reviu as notas tachiygraphicas.)
O sr. Antonio Candido: - (O discurso será publicado em appendice, quando s. exa. o restituir.)
Leu-se na mesa a seguinte:
Proposta
Proponho que a camara subscreva com um dia do seu subsidio em favor das familias das victimas do incendio do theatro Baquet do Porto, inutilisadas na catastrophe. = O deputado pelo Porto, João M. Arroyo.
Approvada por acclamação.
O sr. Marçal Pacheco: - Agradeço á camara a benevolencia que teve para commigo, consentindo que eu fallasse n'esta altura da sessão.
Para corresponder a essa deferencia, não usarei da palavra por muito tempo e limitar-me-hei ao indispensavel para explicar o fim para que a pedi.
Fui precedido pelo sr. Arroyo na proposta que tencionava apresentar a v. exa. e á camara. Concordo, portanto, com ella; e agora desejo apenas propor, como additamento, que os deputados que não recebem subsidio, por terem
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optado pelos seus ordenados, sejam convidados a ceder, para o mesmo fim, uma parte d'estes, equivalente ao dia de subsidio de que cedera os seus collegas.
Faço esta additamento por estar convencido de que terão vontade de concorrer tambem para a subscripção, destinada a soccorrer as victimas sobreviventes da catastrophe do Porto, aquelles dos nossos collegas que, havendo optado pelos seus ordenados fóra d'esta camara, não teriam, pela proposta do sr. Arroyo, ensejo de o fazer. (Apoiados.)
Leu-se na mesa a seguinte:
Proposta
Proponho que os srs. deputados que não recebem subsidio, por terem optado pelos seus ordenados, sejam convidados a ceder para o mesmo fim uma parte d'estes, equivalente ao dia de subsidio do que cedem os seus collegas. = O deputado, Marçal Pacheco.
Approvada por acclamação.
O sr. Francisco de Medeiros: - Mando para a mesa o parecer da commissão de legislação civil sobre a proposta de lei n.° 107-U, alterando a lei de 24 de julho de 1885, relativa á eleição da parte electiva da camara dos pares.
A imprimir.
ORDEM DO DIA
Continuação da discussão do artigo 2 ° do projecto de lei n.º 12 (penitenciarias)
O sr. Vicente Monteiro (para um requerimento): - Roqueiro a v. exa. que consulte a camara sobre se julga suficientemente discutida a materia do artigo 2.° do projecto.
Assim se resolveu.
O sr. Presidente: - Vae ler-se, para se votar, em primeiro logar a substituição os artigo 2.°, mandada para a mesa pelo sr. relator.
Leu-se a seguinte.
Proposta
Artigo 2.° O numero de cadeias geraes penitenciarias, fixado no artigo 28.º da referida lei, é elevado de tres a cinco, comtanto que não exceda em todas ellas, construidas ou a construir, o numero total de 1:700 cellas.
Foi approvada.
O sr. Presidente: - Vae ler-se a parte da substituição, relativa a § 1.º do artigo 2.°
É a seguinte:
«§ 1.° O governo fixará o numero de cellas de cada uma das cadeias geraes penitenciarias, e os logares em que hão de ficar, devendo uma d'ellas ser construida nas proximidades da cidade do Porto.»
Foi approvado.
Leu-se o § 2.° do mesmo artigo.
É o seguinte:
«§ 2.° Se uma cadeia geral penitenciaria satisfizer á condição prevista no artigo 44.° da mesma lei, poderá servir tambem, emquanto houver cellas disponiveis, para prisão de condemnados dos dois sexos.»
Foi approvado.
Leu-se o seguinte:
«§ 3.° O governo póde desde já adquirir, e aproprial-os aos fins de que trata esta lei, até dois edificios construidos para prisão de criminosos, nos termos da lei de l de julho de 1867, não podendo o encargo annual d'essa acquisição o apropriação exceder a 33:000$000 réis.»
Foi approvado.
O sr. Presidente: - Ha ainda um additamento a este paragrapho, e que se comprehende da mesma proposta do sr. relator. Vão ler-se.
É o seguinte:
Additamento
«...dando conta ás côrtes dos actos praticados dentro dos termos d'este paragrapho. = O deputado, Eduardo J. Coelho».
Foi approvado.
O sr. Presidente: - Passa se á discussão do artigo 3.° Vae ler-se.
É o seguinte:
«Art. 3.° O pessoal das cadeias geraes penitenciarias será fixado em decreto especial á medida que cada uma se for estabelecendo.
«§ unico. O pessoal não poderá exceder o fixado na carta de lei de 29 de maio de 1884 para a cadeia geral penitenciaria do districto da relação de Lisboa, e deverá ser proporcional para as que tiverem menor numero do cellas.»
O sr. Eduardo Coelho (relator): - Mando para a mesa uma substituição ao artigo 3.°, que acaba de ser lido..
Leu-se, na mesa a seguinte:
Proposta
Artigo 3.° O pessoal das cadeias geraes penitenciarias será fixado pelo governo em decreto especial, á medida que cada uma se for estabelecendo.
§ 1.° O pessoal de cada cadeia geral penitenciaria não poderá exceder o fixado na carta de lei de 29 de maio de 1884 para a cadeia geral penitenciaria do districto da relação de Lisboa, devendo ser inferior e quanto possivel proporcional nas cadeias geraes penitenciarias que tiverem menor numero de cellas.
§ 2.° A nomeação do pessoal, bem como as attribuições, direitos, deveres e penas, disciplinares de todos os empregados de qualquer cadeia geral penitenciaria, serão reguladas nos termos preceituados na mencionada lei de 29 de maio de 1884.
§ 3.° Os vencimentos de todos os empregados de qualquer cadeia geral penitenciaria serão fixados pelo governo, conforme o disposto no § 1.° d'este artigo, ficando, porém, a sua fixação definitiva dependente da approvação das côrtes. = Eduardo José Coelho.
Foi admittida.
O sr. Frederico Arouca: - Sustenta que deve ser impressa a nova proposta que acaba de ser apresentada pelo sr. relator, suspendendo se, no entretanto, a discussão. Pede que n'este sentido se consulte a camara.
(O discurso será publicado em appendice quando s. exa. o restituir.)
O sr. Eduardo Coelho: - Creio que é da letra e espirito do regimento, e pratica parlamentar constante, apresentar, durante a discussão, emendas ou additamentos, que não contendo disposição diversa ou contraria d'aquella que se discute, define melhor e amplia o pensamento de qualquer projecto. (Apoiados.)
Usei, pois, de um direito, e cumpri o meu dever enviando para a mesa a emenda, ou additamento, a que se refere o illustre deputado, porque essa emenda ou additamento estão redigidas em harmonia com o resultado da discussão e declarações que fiz n'esta casa. (Apoiados.)
Não posso, pois, acceitar o adiamento, que se propõe.
Consultada a camara, foi rejeitado o requerimento do sr. Frederico Arouca.
O sr. Frederico Arouca: - Pede diversas explicações ao governo, que julga indispensaveis para que a camara saiba como ha de votar.
(O discurso será publicado em appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.)
O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - Responde ao orador precedente.
(O discurso será publicado em appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.)
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O sr. Frederico Arouca: - Replica ao sr. ministro da justiça.
(O discurso será publicado em appendice a esta sessão, guando s. exa. o restituir.)
O sr. Pedro Monteiro (para um requerimento): - Roqueiro a v. exa. que consulte a camara sobre se quer prorogar a sessão até se votar o projecto. {Apoiados.)
Assim se resolveu.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Pedi a palavra, não para intervir n'este debate, mas unicamente porque tenho de me retirar da camara por motivo de serviço publico.
Como o sr. deputado Arroyo mostrou desejos de que eu viesse aqui responder a s. exa. e a alguns outros illustres deputados sobre a arrematação de pannos para a policia fiscal, devo declarar a s. exa. que eu hontem vinha munido para a camara com os documentos necessarios para responder sobre este assumpto, se fosse interrogado e n isso teria até muita satisfação; mas, por uma, catastrophe que todos lamentâmos, a camara levantou a sessão Hoje estive, até ha poucos momentos, na camara dos dignos pares d'onde chego agora; ámanhã não poderei estar aqui a tempo de poder dar quaesquer explicações, porque estou preso por um debate importante na outra casa do parlamento; e portanto, só na segunda feira poderei vir a horas de responder ao illustre deputado, o que farei, repito, com muita satisfação.
(S. exa. não reviu)
O sr. Arroyo: - V. exa. permitte-me uma pergunta? Desejava apenas saber se o panno para a guarda fiscal já está arrematado.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - A arrematação já está feita.
O sr. Eduardo José Coelho (relator): - A camara acaba de ouvir mais um discurso vehemente, apaixonado, e creio que não offendo o illustre deputado a quem me refiro, dizendo quanto possivel partidario.
Este projecto será um projecto mal estudado, e, pelo que me diz respeito, peior defendido. Será tudo isso; mas não é menos certo, que para o atacar é preciso ver n'elle intentos que não tem, alcance que não comporta, previsões que estão fóra dos seus preceitos claros e definidos. (Apoiados.)
A opposição, no seu elevado criterio, insiste em dar a esta discussão uma fórma apaixonada, ás vezes irritada, proclamando que assistimos a um debate com verdadeiro caracter politico e ministerial. É direito seu, que lhe não contestamos; mas nós que somos a maioria, e por isso a força, desejâmos ser ao mesmo tempo a rasão, a justiça, a serenidade de animo, e, sem repellir, o repto, continuamos a affirmar, que não deixaremos de acceitar, e de directamente propor, quaesquer emendas ou additamentos, que não alterem o pensamento primordial do projecto, e que melhor o traduzam e ampliem. (Apoiados.) É tambem este o nosso direito e o nosso dever. (Apoiados.)
Declarada, pelo repto da opposição, politica e ministerial a presente discussão, podiamos invocar os deveres da lealdade politica, e fazer appello aos rigores da disciplina partidaria, em favor do projecto em discussão; mas proferimos seguir por caminho opposto, e, apesar das reiteradas affirmações d'esse lado da camara, mantemos firme o proposito do discutir este projecto de lei fóra de todas as preoccupações partidarias. (Apoiados)
A opposição a si mesmo decreta as honras do triumpho; e não serei eu que tente derribal-a do pedestal em que se collocou. Seria tarefa superior ás minhas forças. Não posso, porém, deixar de notar os primores do delicadeza parlamentar, que se traduzem pelo respeito devido ás opiniões alheias, e que significam tanta tolerancia pelas opiniões dos adversarios politicos. (Apoiados)
Repete-se sempre que o projecto foi mal estudado, e talvez isso seja assim; mas a affirmativa reiterada, de que as objecções oppostas ao projecto não têem sido respondidas, e de que as impugnações estão sem replica, não corresponde á verdade da discussão; bem ou mal, ainda não houve uma objecção, uma impugnação, que não fosse apreciada e discutida por este lado da camara. (Apoiados.)
Já disse e repito, que da fallibilidade da intelligencia humana deriva a obrigação de respeitar as opiniões alheias, (Apoiados.) mas observo que os illustres deputados, que a si mesmo decretam as honras de triumpho, ao mesmo tempo são tão tolerantes para com as opiniões alheias, que dizem e proclamam que, por causa d'este projecto, assistimos a uma verdadeira decadencia parlamentar.
Confrontemos, porém, as nossas respostas com as allegações dos illustres deputados, a quem tenho a honra de me dirigir, interroguemos em seguida a consciencia, e talvez possamos então saber quem discute propriamente o projecto, e quem, a proposito d'elle, procura pretexto para apreciações politicas e partidarias, sem nada dizer, ou dizer muito pouco do projecto, que está na tela do debate. (Apoiados.)
Pois este projecto foi tão mal estudado, e os illustres deputados para o atacarem carecem de attribuir-lhe intuitos que não tem, e extensão que as suas claras previsões e preceitos repelle? (Apoiados.)
Mas que fundamento se invocam, que rasões ponderosas e invenciveis se desenvolvem para dizer que, por causa d'este projecto, temos assistido a uma profunda decadencia parlamentar?
Sabe v. exa., sr. presidente, e sabe a camara a rasão d'esta grande decadencia parlamentar?
O que pude apurar é, que essa decadencia provém da divergencia de fundamentos em que os deputados da maioria se apoiam para defender o projecto em discussão!
É notavel e é curioso tudo isto.
Os deputados d'este lado da camara, que têem defendido
O projecto, declaram que elle é digno da approvação da camara, que satisfaz a uma imperiosa e urgente necessidade social, mas têem o ousio de divergir de algumas rasões, apresentadas pelo sr. ministro da justiça, e por mim na qualidade de relator, era defeza do projecto!
Todos nos esforçâmos na defeza do projecto, todos chegamos á conclusão de que elle é bom e digno de sancção parlamentar; mas se os fundamentos que determinam a convicção são diversos, significa isso decadencia parlamentar!
Sempre estive convencido, que as minhas responsabilidades, e as responsabilidades de todos, se vinculam á approvação ou rejeição de qualquer projecto de lei; do mesmo modo, que as minhas responsabilidades quando assigno qualquer parecer, se vinculam ás conclusões d'esse parecer, podendo divergir profundamente dos fundamentos invocados pelo relator. (Apoiados.)
As rasões, que determinam a convicção do cada um, embora diversas e até oppostas, não elevam nem deprimem o parlamento (Apoiados.)
Continuo a permanecer n'esta crença. (Apoiados.)
Tendo, porém, o sr. Julio de Vilhena filiado a decadencia parlamentar, a que alludiu, n'essa divergencia de fundamentos, não devo deixar de responder-lhe em primeiro logar, e seguidamente terei a honra de responder ao meu
illustre amigo, o sr. Arouca.
Parece que um dos fundamentos da decadencia parlamentar, revelado pela discussão d'este projecto, consiste em ter eu dito e o sr. ministro da justiça confirmado, que as cadeias districtaes haviam sido extinctas pelo actual codigo administrativo, e haver deputados da maioria, designadamente o distincto parlamentar, o sr. Baptista de Sousa, que têem opinião differente.
Não merece a pena discutir esta divergencia, nem renovar o debate sobre este ponto mais de uma vez discutido. Tenho dito tantas vezes os motivos da minha opinião, que seria impertinente reproduzil-os agora. O que é preciso di-
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zer e repetir é que o artigo 1.º do projecto não se apoia n'essa unica rasão; o que é preciso dizer e repetir é que o projecto, artigo 1.°, reduz a um typo unico as cadeias, em que deve cumprir-se a prisão correccional; o que cumpre dizer e repetir é que, extinctas ou não já pelo actual codigo administrativo as cadeias districtaes, por deixar de ser obrigatoria as despezas para a sua construcção, o artigo 1.º do projecto resolve todas as duvidas. (Apoiados.)
O que é preciso dizer e repetir é que o artigo 1.° do projecto mantém completo o regimen da prisão correccional, as disposições da lei de l de julho de 1867, fazendo desapparecer as duvidas suscitadas pela ultima reforma penal, especialmente pelo artigo 64.° § unico (Apoiados.)
scuso dizer a v. exa., sr. presidente, e á camara, que não é meu proposito justificar agora a disposição do artigo 1.° do projecto, porque já me occupei largamente d'este assumpto; o que pretendo significar á camara é que a diversidade de rasões para a defender, nunca póde considerar-se symptoma de decadencia parlamentar. (Apoiados.)
Outro motivo de decadencia parlamentar. São necessarias 1:400 cellas para completar o regimen penitenciario entre nós? São necessárias 1:700? São necessarias mais, ou menos?
Não ha accordo de opiniões, e portanto o projecto foi mal estudado.
É preciso não confundir os factos e reflectir nas proprias disposições do projecto, que se criticam. Em primeiro logar, não é licito recorrer senão a estatisticas com caracter official, e todos sabem quanto ellas são imperfeitas entre nós.
Mas das estatisticas officiaes, e não officiaes, e de toda a discussão resulta que o regimen penitenciario não póde completar-se sem que se augmente o numero de cellas, ou cadeias geraes penitenciarias, previstas pelo artigo 28.° da lei de 1867, isto é, são necessarias mais de 1:700 cellas. E como o projecto em discussão fixa apenas o maximo do numero de cellas, e como preceitua que só poderão construir-se cadeias penitenciarias á proporção que as necessidades de repressão criminal o exigirem, é claro que não é motivo para sobresaltos, nem para ser seriamente impugnado o projecto n'esta parte. (Apoiados.)
Na primeira vez, que fallei a favor do projecto, já previ a impugnação de que agora me occupo. Não é necessario, para justificar o projecto, que se apurasse ao certo o numero de cellas, segundo as necessidades de repressão criminal, accusadas pelas estatisticas. Nos congressos penitenciarios e segundo as melhores opiniões, devem sempre construir-se cellas em numero superior aos presos condemnados o sujeitos ao regimen penitenciario.
São absolutamente necessarias algumas cellas dispensaveis, aliás, por variados incidentes, o regimen penitenciario teria de soffrer solução de continuidade em relação a alguns presos, o que seria gravissimo transtorno. (Apoiados. ) E por isso pôde o illustre deputado tranquillisar-se, porque a divergencia, quanto ao numero de cellas, desde que se demonstra sem possivel contestação, que são necessarias mais de 1:200; não prejudica o pensamento primordial do projecto, nem prejudica os interesses do thesouro, porque o parlamento tem precisamente de auctorisar a despeza de construcção e limital-a. (Apoiados.)
Mais motivos de decadencia parlamentar ou provas de que o projecto foi mal estudado. Foi o codigo actual administrativo que revogou a lei de l de julho de 1868, foi o actual codigo penal, pergunta o sr. deputado Julio de Vilhena?
Já fica respondida esta interrogação do illustre deputado. Da eliminação das despezas obrigatorias para a construcção de cadeias, pelas juntas geraes, como já expuz, podia deduzir-se que ficaram extinctas as cadeias districtaes, e da disposição do artigo 64.º § unico do codigo penal podia deduzir-se que os artigos 53.° e seguintes da lei de l de julho de 1867 tinham sido modificados; mas estes duvidas desapparecem em frente do projecto de lei em discussão. É esse um dos seus merecimentos. (Apoiados.)
Repetidamente tem perguntado o sr. deputado Julio de Vilhena como é que o governo ha de obter os meios necessarios para satisfazer aos encargos resultantes da acquisição das cadeias districtaes de Coimbra e Santarem; repetidamente pergunta se o governo vae contrahir algum emprestimo. Interrompeu-me algumas vezes, na ultima vez que fallei sobre este projecto, interrompeu hontem o sr. ministro da justiça, e nunca fica satisfeito com as respostas que lhe são dadas. Eleva a voz, parece que n'isto ha algum mysterio e que não é por isso possivel responder-lhe com precisão e de um modo categorico.
Sinceramente o digo, não comprehendo esta insistencia. (Apoiados.) A resposta ao illustre deputado está no artigo 2.° § 7.° do projecto. Nada mais e nada menos. (Apoiados.)
Suppondo que este projecto é lei do paiz, o governo fica auctorisado a adquirir as cadeias districtaes de Coimbra e Santarem, e a adaptal-as ao regimen penitenciario, comtanto que os encargos annuaes com tudo isso não excedam a quantia de 33:000$000 réis. Se quizera responder com subtilezas ás subtilezas academicas, com que o projecto tem sido n'esta parte atacado, diria que, desde o momento que a lei auctorisa certo e determinado serviço e fixa a verba de despeza necessaria para o realisar, explicita e implicitamente reconhece os meios necessarios para o exercicio d'esse direito. (Apoiados.)
Qual a formula pratica mais consentanea aos interesses do paiz, como que o governo adquire e como realisa quaesquer contratos, dependo tudo da occasião e condições do contrato. (Apoiados.) O que é indispensavel, o que o governo não póde fazer, é sair dos limites traçados no § 3.° do artigo 2.° do projecto. (Apoiados.)
Nada ha mais claro. (Apoiados.) E todavia insiste-se n'este ponto, pretendo-se encontrar contradições e obscuridades nas respostas dadas!
Esta insistencia obriga-me a formular algumas hypotheses que se podem dar em assumptos aliás tão claros, para ver se desvaneço as duvidas dos illustres deputados. Por certo não logro convencel-os; é tarefa superior ás minhas forças, e desde o momento que esta questão tomou caracter politico e partidario, bem difficil seria a tarefa de quem procurasse determinar a convicção dos illustres deputados; quasi seria uma loucura tental-o. (Apoiados.)
Dizia eu que, auctorisado o governo nos termos do artigo 2.°, § 3.°, só as circumstancias podem determinar a fórma ou uso d'essa auctorisação. O governo julga mais conveniente aos interesses do paiz contratar com a junta geral de Coimbra e de Santarem, ou com qualquer d'ellas, de modo que torne sobre si o encargo annual de lhe pagar directamente as annuidades que as juntas geraes depois pagam á companhia geral de credito predial portuguez? N'este caso, descreve annualmente no respectivo orçamento do ministerio da justiça as importancias necessarias, como despeza obrigatoria, para satisfazer as annuidades, e para tanto o auctorisa o § 3.° do artigo 2.° do projecto. (Apoiados.) O governo, por causa da barateza do juro e outras circumstancias, julga mais conveniente pagar integralmente e de prompto ás juntas geraes, com quem contrata? N'este caso, realisa qualquer operação de credito, levanta capitães por emprestimo, paga directamente ás juntas geraes, as quaes se exonerara dos seus compromissos para com a companhia mutuante, na fórma dos seus contratos. (Apoiados.)
D'onde se conclue, que o governo póde contrahir emprestimo, ou deixar de o contrahir, segundo as circumstancias. (Apoiados.) Ora, se isto é tão claro, para que a insistencia dos illustres deputados n'esta parte? (Apoiados.)
Como queriam os illustres deputados, que o governo declarasse desde já, se tencionava, ou não levantar capitães
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por emprestimo? Como podia o governo fazer similhante declaração, se o governo não sabe ainda como é que contratará? (Apoiados.) Tudo isto, a que os illustres deputados quizeram dar tanto vulto, é secundario desde o momento, que não ha a maior duvida do que o governo, nos termos do artigo 2.° § 3.° do projecto, fica nas circumstancias de pagar directamente ás juntas geraes as importancias annualmente necessarias para a acquisição das cadeias, descrevendo essas importancias no orçamento como despeza obrigatoria, ou póde levantar capitães por emprestimo para pagar de uma só vez, se isso for mais conveniente. (Apoiados.)
(Aparte do sr. Arouca.)
Digo agora o que tenho já repetido, e não póde ser contestado. O governo não póde contratar directamente com a companhia do credito predial, mas póde contratar com as juntas geraes, as quaes pagam depois directamente ás companhias as respectivas annuidades, ou integralmente segundo as condicções de contrato, como já mais de uma vez tive a honra de explicar. O governo não póde contratar directamente com a companhia ou banco hypothecario, porque a isso se oppõe terminantemente a lei, e para o fazer seria mister que outra lei a revogasse, ou então que n'este projecto houvesse disposição d'onde se podesse deduzir tal auctorisação. (Apoiados.)
É evidente que n'este projecto não ha tal disposição, antes o contrario é bem patente, e portanto não comprehendo as duvidas que a este respeito só levantaram. (Apoiados.) Para que estas duvidas se levantem, e para n'ellas insistir, é necessario desconhecer a noção exacta das cousas, no assumpto em discussão. (Apoiados.)
Parece-me, pois, que o sr. Julio de Vilhena, de uma reputação parlamentar tão aureolada, não precisava para si mesmo decretar as honras do triumpho, chegar a conclusões, que estão fóra dos principios do projecto que se discute, e até me parece que s. exa. abusou um pouco da victoria, porque foi necessario atacar o projecto, attribuindo-lhe um alcance que não comporta. (Apoiados.) E á affirmativa tantas vezes repetida por esse lado da camara, de que o projecto não foi bem estudado, posso eu replicar que tem elle sido mal comprehendido, pois que para o atacar é preciso attribuir-lhe intuitos e alcance que estão longe das suas claras previsões e preceitos. (Apoiados.)
Sr. presidente, não posso deixar de me referir á ultima parte do discurso do sr. deputado Julio de Vilhena; e como o escuto sempre com religiosa attenção, pareceu-me que s. exa. dissera que este projecto importa um gravame para o contribuinte superior a 8.000:000$000 réis!
Nos primeiros momentos, pareceu-me esta affirmação um producto do phantasia, uma lenda, um mytho; mas observo que s. exa. mantem a affirmativa, e sei que d'elle a imprensa se faz echo, por signal que reproduz os seus calculos em letra muito grauda para assim chamar a attenção dos leitores. (Apoiados.)
Vejamos, pois, o que isso é. Como o illustre deputado calculou?
Se não traduzo o pensamento e ordem do argumentação de s. exa., far-me-ha distincta mercê, corrigindo-me, porque não tenho prazer algum em argumentar sobre bases que s. exa. não acceite.
Disse o illustre deputado, que por este projecto ficam extinctas as cadeias districtaes, o que torna indispensavel o augmento de cellas nas cadeias comarcãs: dividiu o numero de delinquentes condemnados a prisão correccional, e achou que a cadeia comarca não póde ter numero de cellas inferior a 40; calculou o custo de cada cella em 1:000$000 réis, multiplicou por 160 comarcas e chegou assim a certa cifra.
Não sei se traduzo a argumentarão de s. exa.
(Interrupção do sr. deputado Judio de Vilhena.)
O illustre deputado diz que sim, Comprazo-me com a sua resposta, porque assim mostro que o ouvi com attenção.
E pois que assim é lamento que parlamentar tão distincto e sabedor argumentasse d'esta maneira.
Para chegar a este resultado, o illustre deputado começou por supprimir, para os seus calculos, a lei de l de julho de 1867. (Apoiados.)
Supponho que não era necessario demonstrar que, segundo a lei de l de julho de 1867, os municipios são obrigados a construir cadeias comarcãs, ou adaptar as existentes ao regimen previsto n'esta lei, sem que o projecto era discussão innove cousa alguma a este respeito. (Apoiados.)
O sr. Julio de Vilhena: - S. exa. não sustentou que essa lei estava derogada?
O Orador: - Eu disse que as cadeias districtaes se podiam considerar extinctas pela ultima reforma administrativa, e escuso de repetir agora os argumentos e fundamento da minha opinião.
O sr. Julio de Vilhena: - Mas s. exa. não sustentou que a lei de l de julho de 1867 tinha sido revogada pela reforma penal do sr. Lopo Vaz?
O Orador: - Ha equivoco da parte do sr. deputado; o que disse e sustento é que a reforma penal do sr. Lopo Vaz auctorisava a opinião, de que o regimen da prisão correcção tinha sido modificado, ou, mais propriamente, que o artigo 33.° e seguintes d'esta lei tinham sido modificados pelo artigo 64.°, § unico do codigo penal em vigor, mas isto nada tem com as cadeias comarcãs. (Apoiados.)
Eu sempre sustento, que as cadeias comarcas ficam nas mesmas condições da lei de l de julho do 1867; e nem era preciso sustental-o, porque o artigo 1.° do projecto em discussão não auctorisa a menor duvida. (Apoiados.)
(Interrupção do sr. Julio de Vilhena.)
Tenha o illustre deputado a paciencia de ouvir; edificou um edificio sobre areia movediça, e não são necessarios grandes esforços para o derribar; esboroa por si mesmo. (Apoiados.)
Digo e repito, que o illustre deputado não podia argumentar de similhante maneira, porque não podia supprimir a lei de l de julho de 1867. (Apoiados.) E a que intuitos obedeceu o illustre deputado para supprimir a lei de l de julho de 1867? Direi a rasão d'isso.
A lei de l de julho impõe aos municipios a obrigação de construir cadeias comarcãs, ou adaptar as existentes ao systema de prisão individual e de separação entre os pregos. Esta obrigação permanece a mesma: o projecto não altera a disposição da lei de 1887. (Apoiados.)
O numero de cellas d'estas cadeias tinha de fixar-se segundo a media das condemnações nos ultimos tres annos, dos presos condemnados á pena de prisão correccional até tres mezes. Peço ao illustre deputado, que reflicta n'este ponto. Fica assim evidente que para a argumentação do illustre deputado ser procedente, e completamente alheia de suspeitas partidarias, tinha de ponderar o numero de cellas das cadeias comarcãs, segundo as condemnações até tres mezes, e demonstrar quantas cellas a mais agora é necessario construir pela extincção das cadeias districtaes. (Apoiados.)
Suppondo que as cadeias comarcãs deviam ter 30 cellas, termo medio, e declarando s. exa. que são agora necessarias 40 cellas, é manifesto que para o seu calculo só podia entrar o numero de 10 cellas para cada cadeia. (Apoiados.) O que não é licito é argumentar como se o projecto obrigasse agora a construir as cadeias comarcãs.
Ha ainda outras inexactidões. Admittindo que seja necessario maior numero de cellas, a lealdade de discussão exige se pondere, que tal augmento provém da extincção das cadeias districtaes, e como essa extincção importa, pelo menos, e sem attender á despeza com o pessoal, chamado o estado maior do quadro, na phrase do sr. Dias Ferreira, a economia de muitos centenares de contos de réis devia confrontar se essa enormissima economia com o
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augmento de despeza com a construcção de cellas a mais, por que só assim podia affirmar se ha saldo a favor ou contra: se ha verdadeiro augmento de despeza, ou verdadeira economia. (Apoiados.) Proceda o illustre deputado a esta operação, e encontrará sem esforço uma grande differença a favor dos municipios; encontrará que elles são alliviados por esta reforma de grandes sacrificios. (Apoiados.)
Mas não é ao isto. Esqueceu o illustre deputado, e não podia esquecel-o, que os municipios, obrigados a construir as cadeias comarcãs, eram tambem obrigados a contribuir para a construcção das cadeias districtaes; (Apoiados.) e portanto se agora são compellidos a construir um pequeno numero de cellas a mais, isso tem larga compensação pelo que deixam de contribuir para a construcção de cadeias districtaes. (Apoiados.)
Outra inexactidão. O illustre deputado calculou que o custo de cada cella n'uma cadeia comarcã é de 1.000$000 réis. Não podia fazer similhante calculo.
O sr. Julio de Vilhena: - Quanto custa?
O Orador: - Eu vou dizer-lh'o, pouco mais ou menos; o não devia ser eu qué o dissesse, mas cumpria ao illustre deputado ensinal-o pela sua alta competencia.
O sr. Julio de Vilhena: - Não sou o relator.
O Orador: - Mas o illustre deputado referiu se ao custo de cada cella das cadeias comarcãs, assumpto que propriamente não estava em discussão, e para que os seus calculos financeiros não parecessem exagerados, talvez devesse demonstrar, que propunha uma base acceitavel. (Apoiados.)
Direi, muito em resumo, as rasões em que me apoio para affirmar á camara, que o custo d'uma cella de cadeia comarcã, segundo o fim a que estas cadeias estão destinadas pela nossa legislação, forçosamente ha de ser muito inferior ao custo de uma cella de cadeia penitenciaria.
Quando estudei este projecto, e para determinar a minha convicção pelo que respeita á compra possivel das cadeias districtaes de Coimbra e Santarem, carecia de saber o custo total da cada, uma d'ellas, e o numero de cellas que ambos podiam comportar. Apurou-se que o custo de cada cella era, cifra redonda, de 1:000$000 réis. Carecia, pois, de consultar os especialistas, os technicos, e os exemplos das nações, onde o regimen penitenciario está estabelecido. Naturalmente occorre a Belgica, por muitas rasões, e porque é este o unico paiz talvez que tem um completo systema de prisões, não devendo esquecer que a nossa unica penitenciaria seguiu o modelo da penitenciaria de Louvain.
Não devo occultar á camara, que o exemplo da Belgica, isoladamente apreciado, não era de molde a fortalecer a convicção a favor do projecto.
A Belgica tem 21 cadeias cellulares, e o custo de cada cella de 19 d'essas prisões foi de 3:672 francos, ou seja 660$000 réis, cifra redonda, e a de Louvain custou, cada cella, 2:980 francos, ou seja, cifra redonda, 537$000 réis.
No congresso de Londres de 1882, onde só tratou d'este assumpto, apurou-se que em Inglaterra o custo medio de cada cella era de, cifra redonda, 585$000 réis.
N'outras penitenciarias, porém, como a Pilotzensée, o custo medio de cada cella foi de 6:385 francos, a de Madlonnettes de 6:000 francos, e a de Philadelphia de 5:930 francos, o que dá a media superior a l:000$000 réis por cada cella.
Attendendo, porém, a que n'estas construcções o ferro, é por assim dizer, a materia prima e principal, e portanto o maior ou menor custo de uma penitenciaria depende essencialmente do preço maior, ou menor que essa materia prima tiver em determinado paiz; attendendo a que a pratica de taes edificações e a escolha de architectos com competencia especial n'este genero de edificações entra em muito nos calculos das despezas, parece-me não se póde considerar exagerado o custo de 1:000$000 réis por cada, cella na construcção de qualquer cadeia geral penitenciaria, que entre nós se construir.
E tendo a junta geral de Coimbra e Santarem construido cadeias districtaes, que são antes verdadeiras cadeias penitenciarias, e não custando a acquisição d'esses edificios e a sua adaptação ao regimen penitenciario mais do que 1:000$000 réis por cada cella, convenci-me profundamente que, mesmo sob o ponto de vista economico e financeiro, a compra e adaptação dos alludidos edificios era de uma vantagem incontestavel. (Apoiados.)
Note v. exa., sr. presidente e a camara, que n'este momento não aprecio, o que já fiz, a acquisição e adaptação d'estas cadeias ao regimen penitenciario sob o ponto de vista das conveniencias de repressão criminal e social. (Apoiados.)
É, porém, evidente que o custo de cada cella de uma cadeia comarcã, para satisfazer aos intuitos da lei de l de julho de 1867, não póde attingir aquella cifra. As rasões technicas e scientificas são obvias.
É preciso partir de um principio que, n'estas discussões é capitalissimo: o custo medio de cada cella comprehende todas as dependencias de cada penitenciaria. Ora n'uma cadeia penitenciaria todos os compartimentos, capella, casa para escripturação, archivo, botica, banho e provisões; terreno para hospital e terrenos adjacentes para passeios e exercicios dos presos; tudo isto carece de ser feito e construido em proporções muito superiores á construcção de uma cadeia comarca (Apoiados) É obvio e é elementar. (Apoiados.)
N'uma cadeia penitenciaria são indispensaveis cellas disponiveis para que o regimen penitenciario não soffra interrupção; são indispensaveis muitos aposentos para montar variadissimas officinas. (Apoiados.)
Nas cadeias comarcãs, para satisfazer aos intuitos do nosso legislador, e onde o trabalho não é em regra obrigatorio, não só se dispensa grande parte dos aposentos o compartimentos das cadeias penitenciarias, mas tudo o que se fizer é, e não póde deixar de ser, em proporção muito modesta, e sem possivel comparação com as cadeias penitenciarias. (Apoiados.) E como os differentes compartimentos de uma cadeia, que não são propriamente cellas, importam em quantiosas sommas, é tambem incontestavel que ellas vão influir no custo medio de cada cella (Apoiados.)
Não podia, pois, o illustre deputado tomar para base do seu calculo, quanto ao custo de cada cella de cadeia comarcã, a quantia de 1:000$000 réis, porque esse é o custo medio da cella de uma cadeia penitenciaria: é o custo medio de cada cella das cadeias de Coimbra e Santarem, com a acquisição e despeza de adaptação ao regimen penitenciario. Se o illustre deputado calculasse por metade, creio que ainda seria exagerado. (Apoiados.)
É por isso que já disse que o illustre deputado não construiu esse edificio, que carece de ser destruido; elle esboroa por si mesmo. Supponho que o illustre deputado o sr. Julio de Vilhena pretendeu imputar a este projecto, só com a construcção de 160 cadeias comarcãs, o augmento de despezas superior a 6.000:000$000 réis.
Supprimindo a lei de l de julho de 1867, e com as outras inexactidões que já notei, podia o illustre deputado ir alem d'essa cifra. (Apoiados.)
Partidariamente, folgo com estas accusações. Faça o illustre deputado e façam os seus collegas da opposição calculos d'estes, imputem ao projecto em discussão dispendios que estão fóra das suas claras prescripções, e depois esperem e confiem que a consciencia publica se manifeste contra o governo. (Apoiados.)
Procurem, por este modo e com esta justiça, malquistar o governo, e confiem quem a opinião publica se exalte, que o paiz se revolte contra elle. (Apoiados.) Accusações d'estas quasi não carecem de resposta; no proprio exagero está a refutação. (Apoiados.) Se alguem perde com estas accusações, não é o governo. O maior perigo d'ellas é para,
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quem as faz, porque póde bem acontecer que não sejam acreditados quando se formulam accusações fundamentadas e exactas. (Apoiados.)
Não me parece que sejam necessarias mais largas considerações para demonstrar que este projecto tem sido atacado, principalmente, exactamente por aquillo que está fóra das suas previsões. Vou agora referir-me ao artigo 3.° que está em discussão.
A emenda ou additamento que enviei para a mesa e que está em discussão com o artigo é, não só o resultado das promessas que fiz á camara, mas tem, se me não engano, o merecimento de tornar o pensamento do artigo tão claro e tão positivo, que não se póde prestar a interpretações duvidosas. (Apoiados.)
Já n'outra vez disse que o artigo 3.° não atacava as prorogativas do parlamento, porque o governo não ficava com amplo arbitro para fixar os quadros e respectivos vencimentos.
O artigo impõe ao governo de em tudo, e na proporção possivel, seguir o modelo da lei de 29 de maio de 1884. (Apoiados.)
ão se atacando o quadro e vencimentos da lei de 29 de maio, parece-me que mal se póde atacar este projecto, que, para serviços identicos, manda seguir aquelle modelo. (Apoiados.)
Devo, porém, confessar que me causou admiração que fosse o illustre deputado o sr. Julio de Vilhena, que mais notavel se tornasse n'esta accusação.
Parecia verdadeiramente regular e correcto que, ao fixar-se um quadro necessario para desempenhar certo serviço, a lei mande seguir os modelos, que ha no paiz para serviços iguaes. (Apoiados.)
Mas isto é agora um attentado. O que fez, porém, o illustre deputado quando ministro da justiça? É o que eu vou dizer á camara.
Sendo necessario fixar o quadro e respectivos vencimentos, para se installar a cadeia geral penitenciaria de Lisboa (Campolide), o illustrado ministro apresentou ás camaras a proposta de lei n.° 59-B, em 31 de janeiro de 1882.
Peço a attenção da camara para as palavras que vou ler, e que eram um dos fundamentos da referida proposta de lei:
A nossa primeira cadeia penitenciaria, dizia o illustre ministro, modelada, como é, pela de Louvain na construcção e systema, tem de sel-o tambem pelo que respeita ao pessoal. A camara ouviu? (Apoiados.)
Entendia o illustre ex-ministro, que podia e devia seguir o modelo de Louvain quanto ao pessoal, por isso que a nossa prisão tinha seguido aquelle modelo na construcção e no systema. (Apoiados.)
De maneira que seguir o modelo da lei de 1884, para as penitenciarias que se estabelecerem, visto que ha identidade na construcção e no systema, e um facto attentatorio da independencia do parlamento, que é preciso expor á execração do paiz; mas procurar na penitenciaria de um paiz estrangeiro modelo para fixar o pessoal, nos termos em que o illustre ex-ministro o procurava fazer, isso não era offensivo das prerogativas do parlamento; ao contrario se afigurava a s. exa. um argumento de bom quilate, e porventura muito patriotico. (Apoiados.)
Mas quer ainda a camara saber como s. exa. seguia aquelle modelo?
Segundo a proposta de lei do illustrado ex-ministro, o director tinha o vencimento de 1:600$000 réis, sendo o vencimento do director da penitenciaria de Louvain sómente de 1:280$000 réis (cifra redonda).
Fica assim demonstrado como s. exa. seguia aquelle modelo: permittia-se a liberdade apenas de se afastar d'elle elevando entre nós consideravelmente o ordenado para retribuir funcções iguaes. (Apoiados.)
O meu amigo, o sr. Arouca, que sinto não ver presente...
Vozes: - Está presente,
O Orador: - Muito bem. Como ia dizendo, o sr. Arouca, meu illustre adversario e amigo, tambem nos lançou em rosto que nós, os progressistas, ignoravamos a existencia do artigo l5.° § 14.° da carta constitucional; e isso affligia-o e magoava-o muito, não tanto por ignorarmos a doutrina da carta constitucional, mas porque, tal era o seu amor á carta, que muito o penalisava que um partido não soubesse que no § 14.°..
O sr. Arouca: - Peco licença para declarar que eu não disse isso. Comecei por ler o artigo e paragrapho para ser agradavel ao meu amigo o sr. Franco Castello Branco, visto que s. exa. não quiz acceder ao pedido que elle lhe fez para o ler; e a proposito disse que me parecia que d'esse lado não se conhecia o artigo. Mais nada.
O Orador: - A doutrina d'este artigo já foi, mais ou menos, discutida quando se apreciou o projecto na generalidade; mas é certo que a occasião mais propria e opportuna para a discutir, é esta. Não quero renovar o que já tantas vezes tenho dito quanto ao pensamento do governo e do artigo em discussão, mas a emenda e additamento que hoje apresento não auctorisa suspeitas, nem fundamenta arguições derivadas de falta de respeito pelas prerogativas do parlamento. (Apoiados )
O governo fixa os quadros e os respectivos vencimentos; mas a fixação definitiva d'estes pertence ao parlamento. Quer isto dizer, que em assumpto que tantos clamores levantou na discussão d'este projecto, a ultima palavra pestence ao parlamento. (Apoiados.)
Digo agora, o que tantas vezes tenho repetido: podem enthusiasmar-nos constituições politicas, mais ou menos liberaes, que consignem mais ou menos garantias parlamentares; desde o momento que a constituição politica, ou lei fundamental do estado der ao parlamento a iniciativa, a intervenção directa e indispensavel em materia de imposto, póde afoutamente dizer-se que lhe deu todas as garantias para manter a sua preeminencia politica, assegurar a sua independencia, e fazer respeitar todas as suas attribuições. (Apoiados.)
No ponto restricto da questão, o governo alarga os quadros e retribue-os prodigamente? O pagamento, de quem deponde a fixação definitiva dos vencimentos, ou não os approva, ou os restringe em harmonia com as necessidades e exigencias do serviço prestado. (Apoiados.)
E não diga o meu illustre amigo, o sr. Arouca, que esta garantia e illusoria, porque equivale a dizer, que é illusoria a fiscalisação parlamentar. (Apoiados.) Se ha parlamento, que não póde, não sabe, ou não quer usar dos seus direitos, a censura não cabe ao governo, nem com estes argumentos se póde atacar as garantias que o artigo 3.°, com o additamento, consignam. (Apoiados.) É cousa notavel.
O artigo 3.° era um attentado contra o parlamento; a approvação d'este artigo era uma verdadeira addicação; e agora que o artigo fica redigido de modo, que dá ao parlamento uma intervenção directa e decisiva na fixação dos vencimentos, esta garantia é illusoria! (Apoiados.)
Mas só póde ser illusoria, se o parlamento não souber, ou não quizer exercer os seus direitos; e se os parlamentos não sabem, ou não podem exercer os seus direitos, não comprehendo por que é que levantaram tantos clamores em nome das garantias, das immunidades parlamentares. (Apoiados.)
Desejo, sr. presidente, manter a maior serenidade de animo na discussão d'este projecto; mas não posso deixar de invocar os precedentes do partido regenerador. Por tal fórma a paixão partidaria dominou os illustres deputados, que, para atacar este projecto, desconheceram e atacaram as proprias tradições do seu partido. (Apoiados.) E não me digam que retalio. Os procedentes são a historia, as tradições dos partidos.
Não conquistam os partidos o poder sómente pelos talentos e aptidões dos seus homens de combate; tanto como
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isso, ou mais do que isso, valem as tradicções, a historia do partido que representam. (Apoiados.)
Accusaram-nos de não conhecer, ou desrespeitar o artigo 15.° § 14.° da carta constitucional. Ahi fica evidenciado como o partido progressista desrespeita o artigo l5.° § 14.° da lei fundamental do paiz, dando ao parlamento, como já disse, o direito de fixar definitivamente os vencimentos do pessoal nomeado. (Apoiados)
Como procedeu o partido regenerador em casos identicos e analogos no largo periodo de 1875 até 1884, para não remontar a epochas mais remotas? É isso o que vou mostrar á camara. A lei de l de abril de 1875, que auctorisou o governo a reformar o supremo tribunal administrativo, diz no artigo 8.°:
«Artigo 8.° Para auxiliar e substituir os adjudantes do procurador geral da corôa e fazenda, junto ao supremo tribunal administrativo, poderá haver até quatro ouvidores.»
A lei de 10 de fevereiro de 1876, que auctorisou o governo a organisar o serviço da distribuição domiciliaria, a estabelecer direcções de correio, ambulancias, diz:
«Artigo 3.° O quadro da administração central do correio de Lisboa é augmentado com 9 logares de praticantes e é continuos.
«Art. 4.° Se o pessoal, augmentado nos termos do artigo antecedente, não for sufficiente para as necessidades do serviço, segundo esta lei, fica auctorisado o governo:
«2.° A augmentar, nas convenientes administrações centraes, os logares que forem necessarios para o serviço das ambulancias;
«3.° Augmentar o numero dos carteiros, etc.»
Já vêem que estou a reproduzir as tradições do partido regenerador. Bem sei que aos illustres deputados parecerá isto uma bagatella.
Parece-me que os illustres deputados ainda permanecem na crença de que são os senhores feudaes d'este paiz, que no poder seguem as normas de administração que lhes apraz, e que, quando na opposição, se julgam no direito do impor a sua attitude aos adversarios. Talvez vivam illudidos (Apoiados.)
Prosigo na minha tarefa.
A lei de 7 de abril de 1876, que auctorisou o governo a reformar a secretaria do reino, diz:
«Artigo 1.° É o governo auctorisado a reformar a secretaria d'estado dos negocios do reino, podendo:
«1.° Ampliar o quadro do pessoal fixado no decreto de 15 de outubro de l859 (dentro da cifra)»
A lei de 10 de abril de 1876, que creou a caixa geral de depositos, diz o seguinte:
«Artigo 12.° O governo fica auctorisado:
«1.° A reorganisar o quadro do pessoal da contadoria da junta do credito publico.»
A lei de 20 de abril de 1876 diz o seguinte:
«O artigo 1.º auctorisa o governo a proceder á annexação, reducção e nova circumscripção das dioceses do reino.»
«Artigo 2 ° Effectuada a reducção das dioceses, proceder-se-ha á fixação dos quadros capitulares das cathedraes subsistentes.»
A lei de 8 de maio de 1878 legisla do seguinte modo:
«O artigo 1.° auctorisa o governo a reformar a secretaria da marinha e ultramar e a fixar o pessoal destinado a cada serviço.»
É meu intuito, repito, mostrar aos illustres deputados, agora tão enthusiasmado em denunciar ao paiz, que o governo progressistas e a maioria que o apoia, não conhecem o artigo l5.°§ 14.º da carta constitucional, como é que o partido dos illustres deputados o conhecia bem, e o interpretrou e executou em differentes diplomas legislativos. (Apoiados) Podem sorrir se. O paiz confrontará o procedimento de todos nós, o julgará a todos. (Apoiados.)
Prosigo na leitura.
A lei de 28 de maio de 1878 diz:
«Artigo 1.° Auctorisa o governo a crear logares de subdelegados de saude, guarda-mór, e logares de pharmaceuticos, nas ilhas de Santa Maria, do Pico e Graciosa, no archipelago dos Açores.»
A lei de 25 de junho de 1881, que approvou o plano da reforma da contabilidade publica, diz:
«Artigo 58.° É o governo auctorisado:
«3.° A fixar o numero de continuos e serventes necessarios para a direcção geral e repartições de contabilidade.»
Esta lei; como a data indica, tem a assignatura do illustre deputado o sr. Julio de Vilhena.
Peço desculpa de fazer referencia especial ao nome de exa., mas parece-me que o não devia omittir n'esta discussão. (Apoiados.)
Vou terminar este como commentario feito ao artigo 15.° § 14.° da carta constitucional, feito pelo partido regenerador, com a leitura da lei de 6 de março de 1884, que approvou o plano de organisação dos serviços hydrographicos, e que diz:
«Artigo 11.° § unico. A nomeação dos mestres e guardas do Tejo será feita pelo engenheiro director das obras, devendo o seu numero ser fixado pelo governo, etc. = Antonio Augusto de Aguiar.»
Tambem os illustres deputados fallaram muito contra o augmento de despeza creado pelo projecto.
Confrontado o augmento de despeza, de que falla o artigo 2.° § 3.° do projecto, com a economia resultante da extincção das cadeias districtaes, seria mais justo dizer que o projecto representa antes uma verdadeira e effectiva economia. (Apoiados.)
Isoladamente, porém, interpretado, ha um augmento de despeza, é certo. Esquecem, porém, os illustres deputados, que este augmento de despeza é para proseguir na realisação do pensamento do legislador de 1869? Ainda por este lado esquecem, ou rejeitam, as tradições do seu partido. Não sustentaram que despender com implantar entre nós o regimen penitenciario era antes economia? (Apoiados.) E visto que esquecem, ou rejeitam, as tradicções do partido, justo parece que eu lh'as recorde e avive n'este momento.
No parecer das commissões de fazenda e legislação penal, de 20 de fevereiro de 1883, lê-se o seguinte:
«É valioso e inconcusso o incremento de moralidade que ha de provir do systema das prisões cellulares. Comprehendeu-o o paiz, quando em 1867 approvou o projecto de lei que o estabelecia; comprehendel-o-hão ainda com mais seguro criterio os actuaes representantes da nação, porque a experiencia de quinze annos demonstra irrefragavelmente que o alto pensamento de civilisação e de justiça, que expungiu da nossa legislação a pena de morte, não tem de modo algum contribuido para augmentar os crimes de summa gravidade.
«E a prisão cellular instrumento poderosíssimo para cohibir attentados; é justa punição dos crimes; é remedio muitas vezes eficaz para a emenda e regeneração dos delinquentes; é emfim grande elemento de civilisação, porque o progresso não se manifesta menos no aperfeiçoamento moral das sociedades, do que nos melhoramentos materiaes, que transformam e robustecem a vida economica das nações.
«Deriva d'este projecto algum acrescimo de despeza, mas essa despesa ficará largamente compensada com a maior segurança das pessoas e da propriedade, da ordem e da tranquilidade publica, com a diminuição no numero dos criminosos, com a menor duração das penas, com os valiosos beneficios que hão de infallivelmente resultar da idonea execução do systema penitenciario.»
Acceitam ou revogam esta doutrina?
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884 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
E se não podem renegal-a, como atacam o projecto em discussão? (Apoiados.)
Este projecto, tão mal estudado, no dizer unisono dos illustres deputados, foi preciso combatel-o, como não é licito duvidal-o, attribuindo lhe intuitos que não tem; e o que mais é, para o combaterem, os illustres deputados combateram as tradições do seu proprio partido. (Apoiados.)
Não quero insistir n'este ponto. Fica evidente, que os illustres deputados, esquecendo as tradições do seu partido, entenderam que deviam invocar os deveres da lealdade politica, e os rigores de disciplina partidaria para combater este projecto. É o nosso triumpho. (Apoiados.)
Mas o que é a final este projecto? Não é elle uma consequencia immediata da nossa legislação penal? (Apoiados.)
E necessario dizer a verdade a todos. Não basta reformar as nossas leis penaes em sentido humanitario para figurarmos perante a legislação comparada dos differentes paizes como um povo civilisado. É necessario, para não comprometter a segurança individual e publica, acceitar as consequencias rigorosas d'essas reformas. (Apoiados.) Abolimos a pena de morte; abolimos as penas perpetuas; reduzimos o maximo das penas maiores. Não censuro as reformas, nem crimino os reformadores; mas digo e sustento, que a sociedade está sem defeza, se desprezarmos as instituições complementares d'essas successivas reformas penaes. (Apoiados.) Para proclamar a excellencia e a oportunidade d'essas reformas, proclamâmos a excellencia e virtudes do regimen penitenciario, (Apoiados.) e quando se tenta realisal-o desenvolvemos todos os artificios de criar obstaculos, e até levantâmos contra elle pregão do descredito! (Apoiados.)
Comprehendo que o capitalista, o commerciante, o proprietario, o artista e o lavrador, na lida, insana do trabalho, e porventura no egoismo do seu interesse, não consideram a reforma das prisões um problema social, e se julguem bem garantidos na sua segurança pessoal e de propriedade, com o antigo regimen das prisões. Mas então sejamos logicos e francos: boas e solidas paredes, grossos ferrolhos, um carcereiro, e de alimentação a sufficiente para que os presos não morram do inedia. (Apoiados.)
Fica assim simplificado este problema. (Apoiados.)
A missão dos legisladores, porém, é outra e bem differente.
Em todo o caso, ou reformar a legislação criminal, ou proseguir nas consequencias d'essa reforma.
Pela intensidade da pena diminuimos a extensão d'esta; se ficam as penas assim reduzidas, sem a compensação, que deriva da intimidação do regimen penitenciario, a segurança individual e social estão em permanente perigo. (Apoiados.)
Não ha que hesitar. (Apoiados.)
Bem sei que atacar um projecto, quando esse augmenta as despezas, escurecendo as vantagens publicas que d'elle derivam, póde merecer os applausos de uma popularidade ephemera; mas perante a historia será um crime nacional, a hesitação em dotar o paiz de um melhoramento, que essencialmente interessa á segurança individual, á segurança social e á ordem publica. (Apoiados.)
Tenho concluido.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi comprimentado.)
O sr. José de Azevedo Castello Branco (sobre a ordem}: - Apresenta uma substituição e sustenta-a com diversas considerações.
(O discurso será publicado na integra, e em appendice a esta sessão, quando s. exa. o devolver.)
Leu-se na mesa a seguinte
Proposta de substituição
Artigo 3.° As funcções de ministro do reino, em todos os actos em que tenha de intervir para a execução d'esta lei, serão desempenhadas por outro ministro que, para as exercer, seja nomeado por decreto real.
Art. 4.° O pessoal das cadeias penitenciarias e os seus vencimentos serão fixados pelas côrtes, e o provimento n'esses logares será feito por concurso, segundo os termos seguidos para o provimento de logares da penitenciaria central de Lisboa. = O deputado, José de Azevedo Castello Branco.
Foi admittida.
O sr. Vieira de Castro: - Requeiro a v. exa. consulto a camara sobre se acha a materia do artigo 3.º sufficientemente discutida.
Assim se resolveu.
O sr. Presidente: - Vae ler-se a substituição ao artigo 3.°, apresentada pelo sr. relator da commissão, e que tem de ser votada em primeiro logar.
Foram lidos e successivamente approvados o artigo da proposta e os seus §§ 1.°, 2.° e 3.°
O sr. Presidente: - A proposta do sr. José de Azevedo Castello Branco ficou prejudicada por esta votação.
O sr. José de Azevedo Castello Branco: - A minha proposta ficou prejudicada? Não o ficou menos o governo.
O sr. Presidente: - Se s. exa. não concorda em que esteja prejudicada a sua proposta ou parte d'ella, eu não tenho duvida em submettel-a á votação.
O sr. José de Azevedo Castello Branco: - Pouco importa, porque o resultado será o mesmo.
Leu-se o seguinte:
«Art. 4 ° Fica assim alterada a carta de lei de l de julho de 1867, e revogada toda a legislação em contrario.»
O sr. Presidente: - Está em discussão.
O sr. João Arroyo: - Faz largas considerações, censurando o procedimento do governo e referindo-se em especial ao sr. presidente do conselho.
(O discurso será publicado na integra, e em appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.)
O sr. Frederico Laranjo: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se julga a materia sufficientemente discutida.
O sr. José de Azevedo Castello Branco (sobre o modo de propor): - Declara que, em presença do procedimento do governo e da maioria, que não se dignavam fallar sobre a sua proposta, apresentaria uma nota de interpellação sobre a conveniencia ou inconveniencia que tem resultado para o estado da nomeação do sr. presidente do conselho para governador do banco hypothecario.
(O discurso será publicado na integra, e em appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.)
O sr. Lopo Vaz (sobre o modo de propor): - V. exa. tomou ha pouco uma deliberação relativa a uma das propostas apresentadas pelo meu illustre collega o sr. José Castello Branco, que evidentemente é contrariada pela doutrina que n'ella se encerra, quando confrontada com o que a camara tinha votado precedentemente.
A camara votava precipitadamente a proposta do sr. relator, e precipitadamente se declarava tambem prejudicada a proposta do sr. Castello Branco, e por isso eu não quiz intervir n'esse momento; mas, indo votar-se agora o ultimo artigo do projecto de lei, é do meu dever antes que a votação se verifique, chamar a attenção de v. exa. para alguns pontos da mencionada proposta do sr. José Castello Branco, que em verdade não foram prejudicados pela votação que anteriormente a camara tinha feito. (Apoiados.)
A camara votou porventura alguma disposição que determino ou prohiba de uma maneira clara que o primeiro provimento dos logares das novas penitenciarias seja feito por concurso? Não votou; e todavia a proposta d'aquelle illustre deputado dispõe que esse provimento seja feito por concurso, e por consequencia não póde reputar se prejudicada n'esta parte.
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SESSÃO DE 23 DE MARÇO DE 1888 885
Assim como o sr. ministro da justiça diz que trará ao parlamento a dotação definitiva do pessoal para as penitenciarias, póde tambem nomear provisoriamente as pessoas necessarias ao serviço para que não adquiram direitos vitalicios, e mais tarde trazer igualmente ao parlamento a proposta para a fixação definitiva do quadro d'esse pessoal.
Sendo pois clarissimo que as necessidades da administração não reclamam que o governo seja auctorisado a fixar definitivamente o quadro do pessoal, pois que uma fixação meramente provisoria era sufficiente para o caso de se montar o serviço no interregno parlamentar, eu poderia levantar a questão de saber se a camara, votando a proposta do sr. relator, que incumbe ao governo a fixação dos quadros, quiz alienar de si e em proveito do poder executivo uma funcção essencialmente legislativa, ou se quiz unicamente auctorisar uma fixação provisoria para acudir em dados hypotheses ás necessidades do serviço, reservando-se, porém, o regulamento definitivo do assumpto para outra sessão parlamentar. N'este ultimo caso a resolução seria menos inconstitucional, e não deveria considerar-se prejudicada a parte da proposta do sr. Azevedo Castello Branco, em que se attribue ás côrtes a fixação definitiva dos quadros. Não levantarei, porém, esta questão porque já estou ouvindo que a auctorisação contida na proposta do sr. relator abrange, na opinião de v. exa. e da maioria, a fixação definitiva do pessoal, o que aliás era absolutamente desnecessario, como já disse, mas o que a camara com certeza não votou, é uma disposição clara e definida em que o governo ficasse auctorisado a fazer a primeira nomeação, mesmo dos logares da secretaria, independentemente de concurso publico. Demonstra-se que é possivel o primeiro provimento dos lugares de secretaria por meio de concurso com o que se praticou no primeiro provimento de logares identicos da penitenciaria central. O ministro da justiça d'essa epocha encontrou pendente na camara dos dignos pares o projecto do quadro do pessoal d'essa penitenciaria, que continha uma auctorisação latissima para as primeiras nomeações, e com essa auctorisação latitudinaria foi o projecto convertido em lei, declarando todavia o ministro que no uso d'ella faria o primeiro provimento dos logares de secretario por concurso por provas publicas.
E assim se fez, e assim se cumpriu quando isso era difficil, porque era a primeira vez que só fazia entre nós um regulamento para a execução do systema penitenciario, que se montava este ramo de serviço e se creava o pessoal para o seu desempenho. (Apoiados.)
Hoje tudo isso está creado, tudo isso existe, e o concurso por provas publicas para as secretarias das novas penitenciarias não offerece maiores difficuldades de que os concursos similhantes, que a cada passo têem logar para o provimento das vagas nas diversas secretarias d'estado.
Não me proponho n'este momento defender a proposta do sr. Castello Branco, porque a discussão está encerrada, e devo até pedir desculpa de me ter alongado n'estas considerações. Proponho-me apenas chamar a attenção de v. exa. e da camara para o facto que expuz e que vou resumir.
Ha um ponto na proposta do sr. Azevedo Castello Branco que v. exa. não submetteu á deliberação da camara, e que não está prejudicado pela votação da proposta do sr. Eduardo Coelho; é aquelle em que se estabelece que o primeiro provimento dos novos logares seja feito por concurso. Se a camara não quizer que o primeiro provimento seja feito por concurso, v. exa. põe á votação essa parte da proposta e a camara rejeita; mas não se póde considerar prejudicada emquanto isso não se fizer, porque não ha disposição que eu conheça, votada até este momento, que exclua aquella parte da proposta. (Apoiados.)
O sr. Presidente: - Peço licença para ponderar ao illustre deputado que eu considerei a proposta prejudicada; mas depois, notando duvidas, hesitei o perguntei ao sr. Azevedo Castello Branco se insistia em querer que ella fosse votada, e s. exa. respondeu que lhe era indifferente visto que a camara votaria contra.
O Orador: - Não se trata de saber qual é a opinião d'este ou d'aquelle. Quando um deputado não retira a sua proposta, a opinião d'elle, sobre se está ou não prejudicada, não vale absolutamente nada para a deliberação da camara; mas desde que v. exa. tem a amabilidade de me declarar que vae submetter á votação da camara a parte da proposta a que me tenho referido, nada mais tenho a acrescentar.
O sr. Presidente: - Eu interpretei a acquiescencia da camara como demonstração do que o meu procedimento fôra correcto; entretanto, nenhuma duvida tenho em submetter á votação o assim o vou fazer, a parte da proposta a que s. exa. se referiu.
Leu-se o seguinte:
«Artigo 4.° O pessoal das cadeias penitenciarias e os seus vencimentos serão fixados pelas côrtes, e o provimento n'esses logares será feito por concurso, segundo os termos seguidos para o provimento de logares da penitenciaria central de Lisboa. = O deputado, José de Azevedo Castello Branco.»
Foi rejeitada.
O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que vinha para hoje e mais os projectos n.ºs 11 e 21.
Está levantada a sessão.
Eram seis horas e cincoenta minutos da tarde.
Redactor = S. Rego