O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

729

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Discurso do sr. ministro da marinha proferido na sessão de 23 do corrente, que devia ler-se a pag. 715, col. 2.º

O sr. Ministro da Marinha (José de Mello Gouveia): — A camara ouviu em uma das sessões passadas que me foi lançado um repto pelo illustre deputado, o sr. Latino Coelho, para eu dizer de facto e de direito sobre certos pontos do notavel documento da commissão de fazenda que se discute.

Este repto veiu acompanhado de um problema politico posto ao governo, que o meu collega e amigo o nobre presidente do conselho se julgou obrigado a desenvolver e demonstrar in continente nos seus resultados fínaes.

Era claro que eu não podia fallar em seguida ao sr. presidente do conselho, porque não é costume que dois ministros vão successivamente occupar a attenção da camara, tolhendo a palavra aos oradores inscriptos, e por isso esperei outra opportunidade.

Na sessão seguinte o meu interpellante não póde comparecer n'esta casa, e agora mesmo tenho o desgosto de não o ver presente, mas não posso deixar por mais tempo de cumprir o dever que tenho de responder a s. ex.ª, e de dar satisfação á camara da intimação que perante ella me foi feita.

Hora e meia de satyras amenas, quatro propostas innocentinhas e este questionário por epilogo (mostra o papel), foram a substancia do discurso do meu amigo o sr. Latino Coelho, que eu e a camara ouvimos com aquelle encanto com que costumámos escutar a palavra correcta e o estylo aprimorado do illustre académico.

Sr. presidente, de todos os desagrados da vida politica, o mais vivo e o mais penoso é sem duvida alguma aquelle que nos resulta de nos vermos collocados na obrigação de contrariar e reconvir as pessoas que estimámos, com quem temos vivido e desejámos viver nas mais prezadas relações de reciproca benevolencia. E esse desagrado sobe de ponto para os homens que como eu não têem o habito, nem o gosto, nem a necessidade de se empenharem n'estas pugnas, fazendo-os abominar a fatalidade de circumstancias de ordem politica que lhes impõe um dever e um papel que lhes repugna.

S. ex.ª, quando principiou o seu discurso, tomou todas as precauções para me, fazer sentir que o que tinha a dizer-me em relação ao exercicio do meu cargo não devia ser tomado nem como hostilidade pessoal, nem como quebra das relações de amisade que cultivámos e eu muito prezo.

Agradeço a s. ex.ª esta declaração, que me allivia da grande preocupação que me opprimia, receiando que o que tenho a dizer, em resposta á intimação solemne que o illustre deputado me fez no uso do seu direito parlamentar, fosse tomado como signal de alteração na estima que lhe consagro, na elevada consideração em que tenho os dotes privilegiados do seu espirito, ou por menospreso da amisade que me protesta e de que muito me honro.

Tranquillisa-me esta declaração, porque me garante a inercia, de todas as susceptibilidades que poderiam ser accordadas pelas palavras que temos de trocar n'este deploravel debate, em que muito e muito a meu pezar nos vemos empenhados.

O illustre deputado e meu amigo epilogou o seu discurso com uma terie de perguntas, a que me intimou para responder, já por mim prevenidas e antecipadamente respondidas n'esta casa, como muito bem fez notar o nobre presidente do conselho, e a que responderei de novo agora com a clareza e decisão que s. ex.ª deseja, e a que eu não tenho interesse nem vontade de faltar, por isso mesmo e precisamente porque s. ex.ª parece procurar nas minhas respostas motivo para um rompimento politico, que eu não quero adiar, quer as consequencias me sejam pessoaes, quer sejam communs ao gabinete, desejando sómente que s. ex.ª tique, como fica, com a responsabilidade do successo.

Antes porém de responder, permitta-me a camara que eu levante duas asserções estabelecidas pelo meu illustre amigo no correr do seu discurso, e que não posso deixar caídas no chão sem faltar ao que devo a mim e ao decoro do meu cargo.

Disse s. ex.ª que lamentava ver a ausencia do governo no parecer da commissão de fazenda, e que sentia não ver ali consignada a opinião do responsavel pelos negocios da marinha; e acrescentou que sabia que eu allegava muitas vezes a minha incompetencia em cousas de marinha, mas que esta allegação não me podia absolver da falta de cumprimento do dever no exercicio de um cargo que me prestava a occupar.

Ha aqui duas censuras graves que eu não posso deixar de repellir, incompetencia e abandono do dever, dois mimos da amabilidade de s. ex.ª, presentes de que tem sempre a dispensa bem provida para brindar amigos e conhecidos.

A camara e o paiz teriam rasão de se assustar se eu me desse por confesso de incompetente na gerencia das cousas do meu cargo. Concluiriam naturalmente que os negocios do meu ministerio estavam nas mãos de algum imbecil, apto para ser instrumento cego de odios e malquerenças, de ambições e de favores injustificaveis, e finalmente de todas as desordens a que póde dar a mão quem não tem imputação.

Tranquillise-se porém a camara e o paiz. O ministro da marinha é o contrario de tudo isso. E a resistencia viva aos interesses illegitimos e ás paixões que se desmandam. Não demora nem procura o conselho de ninguem para despachar o que tem de resolver. Ouve quem deve ouvir por dever do officio, e decide pela sua opinião e sem assessor o que tem de decidir. E até agora não me consta que alguem se tenha queixado do modo por que se lhe administra justiça.

Parece me ouvir já o illustre deputado redarguir — não basta isso, é preciso imitar-me, é preciso ser Colbert ou Pombal, ou pelo menos ter a iniciativa rasgada das reformas da illustre commissão de fazenda.

Confesso humildemente que não tenho essas aspirações. Digo mais, não tenho tempo, nem os meios, nem vontade de exigir esses louros. E digo já porque. Quando o governo está desprendido, por um largo interregno parlamentar, das criticas das assembléas legislativas, quando tem na algibeira uma ampla auctorisação legal para reformar tudo e de todo o modo, com a unica clausula de mostrar alguma diminuição de despeza, verdadeira ou simulada, e digo simulada porque não é outra cousa a transferencia de