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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

as explicitas palavras dos srs. ministros que ja fallaram, os quaea justificaram plenamente a necessidade d'aquella pergunta muito logica, muito racional e muito previdente, seja dito sem offender a propria modestia.

O sr. marquez d'Avila e de Bolama a proposito de uma questão alevantada pelo illustre deputado, e meu amigo, o sr. Francisco Mendes, disse que era uma necessidade ganhar tempo; que ganhar tempo era muitas vezes uma força, uma alavanca, um remedio para grandes males.

Eu perguntei ingenua, innocente e francamente, com o coração nas mãos, como sempre, o que era que s. ex.ª queria diser por esta phrase «ganhar tempo»; e acrescentei que se porventura s. ex.ª imaginava que ganhar tempo era não discutir o orçamento, cruzar os braços o governo, e entregar todos os problemas da governação publica á iniciativa da camara, e collocar-se á sombra d'ella para tudo, eu rebeliava-me contra isso, porque queria que o governo fizesse uso da sua iniciativa; mas que se aquella phrase fosse unicamente uma figura de rhetorica, que nenhum Quintiliano aliás recommendava, então eu passava por cima d'ella a esponja do meu esquecimento.

O sr. presidente do conselho levantou-se iracundo e facundo, e com uns gestos, que de certo Demosthenes invejára, rasgou na terra um abysmo, em cujos seios sombrios metteu a minha humillima pessoa. S. ex.ª epilogou com esta phrase — recommendo ao illustre deputado que isto não se diz —,cujo sabor magistral todos podem conhecer.

Eu, apesar de ficar vergando debaixo do peso enorme da apostrophe de s. ex.ª, e da sua reputação laureada, ganha em tantos combates, como aquelles que s. ex.ª tem travado corpo a corpo, braço a braço com os maiores athletas da tribuna e da palavra; apesar de tambem ficar muito receioso de que a minha reputação, que datava de hontem, mas que era immaculada, podesse soffrer alguma quebra, sendo accusado de falta de coragem em responder como devia ás palavras de s. ex.ª; apesar d'isso, calei-me.

Sr. presidente, eu não quiz que á inhabilidade de s. ex.ª correspondesse a minha inhabilidade.

Eu não quiz que s. ex.ª, levantando logo o estandarte da questão politica, dissesse machiavelicamente que era eu que o tinha levantado e inscripto n'elle a palavra guerra.

Eu não quiz que se dissesse que essa questão politica, que então pairava sobre o horisonte, e, na phrase da s. ex.ª, obscurecia o sol da patria, a tinha eu levantado nas dobras da minha vaidade; e que eu ascendia aos céus, ao firmamento, ao alto, Prometheu de nova especie, a buscar as nuvens, para com ellas condensar e asphixiar a iniciativa profunda dos srs. ministros.

N'essa occasião o sr. presidente do conselho disse com um verbo inspirado (e confronte a camara esta affirmativa com o que eu vou contar em breves palavras, do que se passava na commissão de fazenda): «a iniciativa do governo serve para tudo, abrange todos os serviços, abarca todos os problemas, é a causa unica e poderosa de todas as reformações, de todas as economias, e de todas as reducções de despeza, de todas as eliminações do orçamento.»

Foi isto o que disse o sr. marquez d'Avila e Bolama. E eu appello para a camara, que ouviu o sr. presidente do conselho, para que diga se isto é ou não verdade.

O sr. Latino Coelho: — Apoiado.

O Orador - S. ex.ª disse mais: «A iniciativa de todas estas reducções é privativamente do governo.»

Eu então, n'aquelle momento, indignado de tanta audacia, e aceitando a phrase a que s. ex.ª, com a sua enorme e incontestavel auctoridade, deu ha muito tempo fóros parlamentares, poderia dizer, posto que humildemente e baixinho: «é falso».

Não o disse então, nem o digo agora, porque apesar da muita competencia de s. ex.ª, n'este ponto não quero segui-lo.

O que se passava entretanto na commissão de fazenda?

Reinava a paz em Sião? Reinava o mais completo accordo, a confraternidade, a amisade, a sympathia e a communidade de sentir e querer entre todos os membros que compunham e compõem aquella commissão!?

Não, sr. presidente. Havia a luta e a guerra.

Esse tão decantado e maravilhoso accordo era analogo áquelle que Homero nos conta no seu immortal poema. Era um accordo analogo áquelle em que estavam os heroes gregos, que sitiavam Troia. Apresentava cada um a sua opinião, e queria impo-la aos outros. Achilles empunhava o gladio, Ajax brandia o ferro, Ulysses punha se em guarda, e Nestor levantava-se e dizia, que havia o mais completo accordo; mas, por distracção, sabiam todos abespinhados uns com os outros, cheios de colera cega, e quantas vezes, em campina rasa, punham a lança em riste, e digladiavam-se mutuamente!

Ás vezes succedia que os deuses do Olympo se associavam áquellas pugnas, e sempre em nome do accordo, tomavam para si as paixões humanas, e acabavam tambem á pancada, seja-me licita a phrase.

O sr. Barros e Cunha: — Apoiado.

O Orador: — É a imagem do que se passava na commissão de fazenda.

Os heroes de Homero (e para mim não quero a classificação) n'este caso são representados pelos membros da commissão de fazenda. Tinha cada um a sua opinião, filha da sua iniciativa, do seu estudo e do seu pensar, e mui naturalmente pretendia impo-la aos outros pelo raciocinio. Felizmente nunca se empregaram os meios violentos que Homero nos relata (riso — apoiados).

Depois desciam os deuses do Olympo: eram os srs. ministros, com o sr. presidente do conselho na vanguarda, que vinham prégar o accordo, e empregando todos os esforço pretendiam mostrar a necessidade de que elle se realisasse! Mas os srs. ministros tambem não se entendiam uns com os outros; e longe de applacar o incendio, pelo e contrario o ateavam! Alem d'isso, entre o sr. relator e o sr. ministro da marinha havia pugna travada em nome de concordia. Este accordo, em que todos fallavam e que ninguem via; este accordo, que estava sempre a ser violado pelo proprio sr. ministro da marinha, assumiu a final a fórma do mais completo desaccordo (riso — apoiados).

E, se não sou indiscreto, peço licença ao meu illustre collega o sr. Sampaio para lembrar um sorites aphoretico que s. ex.ª proferiu n'uma das occasiões em que se dizia que a paz reinava na igreja ministerial, quando era exactamente n'essa occasião que a guerra civil conturbava os animos da commissão de fazenda e principalmente do ministerio! Depois do sr. marquez d'Avila e de Bolama dizer: «É necessario que nos convençamos que entre todos os membros da commissão reina o mais perfeito e cabal accordo», replicou o sr. Sampaio: «Ah! Reina accordo, logo temos gravissima discussão!!» (Riso.)

Mas, sr. presidente, quando o sr. marquez d'Avila e de Bolama disse que = a iniciativa era privativamente do governo! = o que está provado não ser verdade pelas declarações do proprio governo, não lhe respondi, não só porque são quiz que me imputassem o ter eu levantado a tão celebre e decantada questão politica, mas ainda porque estava preso pela minha palavra de honra, de que não desvendaria os mysterios do que se passava na commissão de fazenda!

O sr marquez d'Avila e de Bolama, na noite anterior áquelle dia em que se passou o facto a que me referi, tinha pedido instantemente aos differentes membros da commissão de fazenda, para que guardassem o mais profundo silencio e não revelassem aquillo que se passava no seio da mesma commissão; porém o sr. marquez d'Avila e de Bolama julgou-se superior a esse pacto sagrado, e veiu aqui, não desvendar os mysterios, mas narrar os factos ao seu sabor!!

Todavia, sr. presidente, eu ainda não fallaria n'esses mysterios se s. ex.ª me não tivesse collocado em posição falsa, e se eu não tivesse a, certeza de que as cousas se