O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

772

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

curar os nossos males financeiros) a uma accusação vibrante, a uma accusação verdadeira, a uma accusação santa, disse: o que admira que n'um dado momento haja uma contradicção flagrante entre os diversos membros do gabinete, se hoje se póde dizer que não ha um homem que não tenha contradicções comsigo mesmo?

O sr. Latino Coelho: — Apoiado.

O Orador: — Eu respondo por mim, não tenho uma contradicção na minha vida, talvez porque ainda sou bastante novo (apoiados).

(Com vehemencia.) Sr. presidente, eu não tenho contradicções na minha vida, e é por isso que não posso soffre-las aos outros e muito menos no seio do gabinete.

Sr. presidente, podia eu desculpar ao governo os seus peccados, se n'elle resumbrasse alguma energia e alguma iniciativa, se elle tivesse dado exemplos de moralidade, de querer o bem sinceramente, se n'elle existisse a solidariedade e a communidade de sentir e de pensar. O governo então poderia viver á sombra da camara.

Mas, como eu já disse, o governo apenas disse á commissão de fazenda fazei; e trabalhado de lutas intimas ainda exclamou pourvu que le bien se fasse, qu'importent les moyens? E eu que reagi sempre contra esta maxima relaxista e verdadeiramente immoral, eu que quero conseguir os fins só por meios airosos, dignos, licitos e decorosos, eu que via que o governo não tinha iniciativa, como elle proprio confessou aqui, protestei in mente e protesto agora. E como o governo, pela propria confissão, de nada serve, comecemos por elle as economias. É melhor eliminar o governo, e seja a commissão de fazenda a junta de salvação publica.

Pois se o governo nada faz, e não só nada faz, mas impede que os outros façam alguma cousa, então importa lançar sobre elle a responsabilidade da sua inercia e da sua indolencia. Façamos como os sacerdotes do Egypto que arranjaram uns idolos para á sombra d'elles exercitarem o poder. Arranjemos um Anubis, que era um deus com cabeça de cão, e uma esphinge, que era um deus com cabeça de gato, colloquemos estes deuses nas banquetas dos ministros e governe a commissão de fazenda.

Isto, sr. presidente, é a inversão de todos os principios e o menospreso do codigo fundamental.

O sr. Saraiva de Carvalho: — Apoiado.

O Orador: — Se o governo tivesse a iniciativa que nós desejâmos, a iniciativa com que tanto se pavoneou o sr. presidente do conselho, marquez d'Avila e de Bolama (e é mister insistir n'este ponto); se tivesse tido essa iniciativa, o parecer da commissão de fazenda, apesar da nossa boa vontade, apesar da nossa energia, apesar do nosso grande e constante labor, não appareceria anharmonico e chaotico, como na verdade está.

Se nós tivessemos as informações necessarias; se o sr. ministro da marinha estivesse em concordancia completa com os seus collegas e o sr. relator da commissão; se o governo nos podesse fornecer documentos officiaes, technicos, e que nos merecessem fé; não aconteceria, por exemplo, que o sr. ministro da marinha viesse dizer no parlamento que tencionava praticar uma das maiores e mais atrozes arbitrariedades, qual é a de transferir do orçamento da fazenda para o orçamento da marinha a verba respectiva á esquadrilha, a fim de aproveitar os marinheiros.

Não se diria tambem que os navios, pelo facto de estarem desarmados, não careciam de praças a seu bordo, ou podiam ser guarnecidos por gente do arsenal, a qual não existe.

Não se diria que se podem extinguir quatro vagaturas de primeiros sargentos, quando taes vagaturas não existem.

Não se diria que a escuna Napier podia vir de Angola, quando por informações extraofficiaes eu sei que só com grave perigo é que póde vir d'ali para Lisboa.

Não se diria que na cordoaria nacional se gastam réis 27:000$00, quando se gastam 17:000$000 réis.

Não se diria que a escola naval podia existir a bordo de um navio fóra do Tejo, quando o que se queria dizer é que tal escola podia funccionar a bordo de um navio ancorado, como succede em França, cuja escola naval é a bordo da nau Borda, em Brest, comquanto, por exemplo, nos Estados Unidos haja a escola de Anopolis.

Não se diria tão sómente que o observatorio podia ser supprimido, sem se regular o assumpto, bem como que as funcções do commando geral da armada passavam sem inconveniente para a secretaria, etc. etc.

E o culpado d'estas e muitas outras incongruencias não é o sr. relator nem a commissão.

O culpado, sr. presidente, é o governo e mais ninguem.

Os membros da commissão de fazenda não são nem podem ser encyclopedicos; precisam de um governo que seja capaz de os dirigir e de traçar a senda, o trilho, pelo qual a sua actividade ha de transitar.

De certo que eu não offendi a sciencia e a vasta capacidade dos meus collegas, dizendo que não eram encyclopedicos, que ignoravam muita cousa, e que sem o consenso do governo pouco, muito pouco podiam fazer.

E a falta de iniciativa do governo motiva até certo ponto as accusações que se fizeram á commissão de fazenda de querer destruir a marinha nacional.

Eu sei que não foi essa a intenção nem do governo, nem do sr. relator da commissão, nem da commissão.

E eu que, ainda não ha muito, atravessei gravissimos perigos n'um navio de guerra portuguez, que esteve a pique de soçobrar; eu, que pude avaliar a audacia, o merito e a valentia dos officiaes da armada portugueza (apoiados); eu, que vi praticar actos heroicos e briosos, e sei que esses officiaes são dignos descendentes dos que abriram as portas do reino da aurora (apoiados), seria o primeiro que havia de insurgir-me constantemente contra tudo o que fosse destruir a armada nacional (apoiados).

Mas a verdade é que a falta de iniciativa do governo póde dar armas e fundamento para estas accusações.

O sr. Pereira Bastos: — Apoiado.

O Orador: — Onde não ha iniciativa, onde tudo é cabos e trevas, póde dizer-se que ahi, mais do que em outra parte, lavra o germen da podridão e da desorganisação.

O governo, cruzando os braços, julga ter resolvido o problema.

Mas eu peço ao governo que se lembre de que não ha machinismo sem compensador. Para que o movimento seja regular e uniforme é necessario que haja alguma cousa que compense; e no systema constitucional, alem de outras prerogativas do poder executivo, uma das essenciaes, que tende a resolver o problema social, é de certo o papel de compensador que o governo é obrigado a representar.

Pois, se o governo tivesse iniciativa, o que podia ter feito com esta camara!

Eu não fallo de mim, que sou um minimo, e não me conto para nada; mas no seio do parlamento ha grandissimas intelligencias, elevadas capacidades, muito estudo e muita dedicação; e se o governo soubesse aproveitar estes elementos, no meio da paz octaviana que tem reinado, podia ter feito tudo em beneficio do paiz. E não tem feito nada! Triste cousa!

O sr. Luiz de Campos: — Apoiado.

O Orador: — Direi duas palavras ainda sobre a minha posição politica.

Custa-me muito a fallar da minha pessoa; necessario é porém que o faça para que este discurso tenha um fim philosophico e logico.

Parece-me que já transcorreram tres mezes desde que a situação se modificou, se transformou, pela saída do illustre prelado viziense, chefe do partido reformista, e do sr. Saraiva de Carvalho, um dos membros mais conspicuos d'esse partido.

Não quero agora examinar as causas da saída d'estes illustres cavalheiros do seio do gabinete; sei que elles pra-