O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

773

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

ticaram uma acção honrada, e sei tambem que o partido reformista, desde então até hoje, acções honradas tem praticado sempre (apoiados). Sei tambem que a paz octaviana que tem reinado n'este augusto recinto houve por causa, e não como pretexto, a resolução sincera e convicta em que todos estamos de concorrer para a resolução da nossa crise financeira.

Disse um grande poeta:

Malheur á qui sonda les abîmes de l'âme e eu posso dizer que estou persuadido, no mais intimo da minha alma, que o pensamento que presidiu ao procedimento dos partidos n'esta camara foi o mais leal e verdadeiro.

Eu quero abstrahir, para me consolar, de toda a idéa de especulação; quero acreditar isto, porque se o não acreditasse, eu, humilde como sou, teria o folego sufficiente para vir aqui levantar a accusação, e arrojar com ella ás faces d'esse partido, fosse elle qual fosse (apoiados).

O governo disse que não havia a menor discrepancia entre o seu programma e aquelle que tinha sido apresentado, em eras que não vão longe; que o ministerio não era senão a continuação do que havia pouco tempo existira, que tinha por timbre as economias, que queria cercear os orçamentos, que queria cortar n'essa arvore annosa, e pretendia fazer por iniciativa propria, note bem v. ex.ª e a camara, pelo menos 500:000$000 réis de economias (apoiados).

Isto disse o sr. ministro da fazenda, foi repetido pelo sr. marquez d'Avila e de Bolama e por todos os membros do gabinete: 500:000$000 réis de economias por iniciativa propria do governo! E isto porque o governo queria viver por brilho proprio, e não por brilho emprestado (apoiados).

E agora pergunto eu. Onde estão esses 500:000$000 réis de economias? Onde é que o governo exercitou a sua iniciativa rasgada, potente e enorme, para chegar a esse resultado?! Onde?! Responde o silencio, e os echos d'esta casa, tantas vezes invocados pelo sr. presidente do conselho, são mudos. Nada respondem. Dizia o governo:

«Nós não podemos lançar novos tributos, sem que pelo menos hajamos feito 500:000$000 réis de economias», e no outro dia o governo vinha apresentar as suas propostas de fazenda, não para cortar as despezas, mas para augmentar os impostos! Cruel disillusão!

E agora pergunto eu, se o programma do governo não está retalhado pela sua ausencia de fé, e pela sua falta de iniciativa?!

Apresentaram-se as propostas de fazenda.

Perante a primeira sacrificou se em holocausto o nosso honrado collega e meu amigo o sr. Barros Gomes; mas felizmente a commissão, antes de ver o seu honrado collega sacrificado, quiz sacrificar e retalhar a monstruosa proposta de fazenda.

Estas, sr. presidente, estas é que são propostas rachiticas. Porque o rachitismo é tambem agora inculcado como escudo e egide pelo governo. O governo, sr. presidente, já se escuda atrás do rachitismo.

Sim. Estas propostas são anti-economicas, são illogicas, são absurdas, são verdadeiramente monstruosas.

Quaes foram os relatores para as outras duas propostas? Para uma d'ellas foi escolhido o sr. Santos e Silva, para a outra o sr. Arrobas. Mas o governo, sabendo que estes dois relatores haviam de transformar completamente as suas propostas, chamou a attenção publica para a discussão do orçamento.

Ao mesmo tempo curou de evitar responsabilidade, lançando-a toda e completa sobre a commissão de fazenda. A discussão do orçamento não foi senão um desvio da attenção publica. Não foi outra cousa.

No meio de tudo isto pergunto ao illustre deputado, o sr. Barros e Cunha, (procura e acharás, diz o Evangelho) onde estão os dobles e os bifrontes que hão figurado em toda esta tragi-comedia.

Não é difficil a investigação.

Li, não ha muito tempo, n'um naturalista (e não ha uma historia que possa applicar-se mais admiravelmente do que esta ao que se tem passado), li n'um naturalista que tendo analysado uma certa qualidade de aranhas observou que as femeas, depois de fecundadas, devoravam os machos. Pois o governo queria ser a aranha femea. Fecundado, tendo dado á luz as economias, devorava a camara. O parlamento era como os filhos de Saturno, que foram devorados pelo proprio pae (riso e apoiados).

Sr. presidente, dizia-se que, na resposta ao meu dilecto e presado mestre e amigo o sr. Latino Coelho, o sr. marquez d'Avila e de Bolama havia de vir qual outro Isocrates.

Mas o discurso da paz foi o discurso da guerra. Triste verdade esta, mas que é forçoso confessar.

O sr. Saraiva de Carvalho: — Apoiado.

O Orador: — O discurso da guerra foi proferido pelo sr. presidente do conselho.

A questão politica está levantada, já ninguem a póde sustar. É uma hydra que nenhum Hercules póde asphyxiar, nem estrangular. E quem proclamou a guerra foi o sr. presidente do conselho, que ainda d'esta vez foi imprudente e irritavel Digo isto com franqueza, sr. presidente. Porque quer Deus que a arrogancia dos sabios e dos fortes seja castigada muitas vezes pelos humildes e ignorantes.

Em primeiro logar disse o sr. presidente do conselho que o partido reformista desejava ardentemente (parece-me que foi este o adverbio empregado por s. ex.ª) que o illustre e experimentado estadista, o sr. marquez d'Avila e de Bolama, viesse presidir aos seus destinos.

O sr. Coelho do Amaral: — Menos eu.

O sr. Latino Coelho: — Nem eu tão pouco.

Vozes: — Nem eu tambem.

O Orador (com vehemencia): — Pois se os illustres oradores nunca poderam nem quizeram reconhecer como chefe ao sr. marquez d'Avila e de Bolama, eu jamais commetti esse peccado. E do sr. Latino Coelho posso affirmar que politicamente nunca teve confiança no illustre estadista. O facto, pois, a que o sr. marquez d'Avila e de Bolama se referiu não é pois tão verdadeiro como s. ex.ª julga.

Não desejo de modo algum tirar ao sr. Latino Coelho o ensejo de pulverisar, de reduzir a zero...

O sr. Latino Coelho: — Pulverisar, não, mas contar simplesmente a verdade.

O Orador (voltando-se para o sr. Latino Coelho): — V. ex.ª, expondo singelamente os factos como se passaram, pulverisa a affirmativa.

(Continuando.) Dizia eu, sr. presidente, que não pretendo tirar ao meu antigo mestre e amigo o ensejo de reduzir a zero aquella affirmativa assás insolita do sr. presidente do conselho; mas a verdade, e affirmo isto, porque se passou diante de mim, é que o sr. Latino o mais que aceitava era a entrada do sr. marquez d'Avila e de Bolama para ministro, creio, dos negocios estrangeiros, sem comtudo morrer de amores pelo governo assim organisado.

O sr. Latino Coelho: — Exactamente.

O Orador: — N'uma pasta relativamente insignificante, qual é a pasta dos negocios estrangeiros, ainda o sr. Latino Coelho aceitava o sr. marquez d'Avila e de Bolama. Esta é que é a verdade.

O sr. Latino Coelho: — Apoiado.

O Orador: — O sr. marquez d'Avila e de Bolama definiu depois no seu discurso o que é ser reformista, e disse: «Eu tambem sou reformista, eu não falto a parte alguma, eu levanto-me muito cedo e deito-me muito tarde...»

O sr. Latino Coelho: — É o contrario do rei de Yveto.

O Orador: — Exactamente. Mas esse bom rei, que Béranger cantou, não ía, como o sr. presidente do conselho, ao banco hypothecario, á companhia das lezirias. «Eu vou ao ministerio do reino, proseguia o sr. marquez d'Avila e de Bolama; eu vou ao ministerio dos negocios estrangeiros; e não sei a que mais sitios».