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Passo agora á liberdade do fabrico. Onde está ella? Só a encontro em Lisboa e Porto (apoiados). Nem ao menos esta liberdade para sympathisarmos com o projecto do governo, e para fecharmos os olhos ao desfalque do thesouro! Eu desejava que acontecesse aqui o mesmo que no Brazil e em Havana. Ali os lavradores nos ocios do seu trabalho habitual, as mulheres nos momentos que podem furtar aos cuidados domesticos, fazem os cigarros e charutos. É uma industria caseira, e eu sympathiso com as industrias caseiras (apoiados).

Não sou socialista; não admitto o direito do trabalho contra o direito da propriedade, não quero o socialismo anarchico de Rollin, sigo e adopto o socialismo salutar e ordenado de Thiers.

Não quero que ninguem tenha direito a exigir o trabalho, quero que o estudo procure dar lh'o como uma conveniencia social, como um elemento de prosperidade publica; não quero que o estado seja surdo quando um honrado chefe de familia lhe diz: «Foi um Deus que inscreveu na minha fronte = trabalha e vive =. Procuro o trabalho, e o trabalho me foge, abro as mãos ellas encontram o nada, quero viver e não posso. Ou é necessario descrer da Providencia, ou fostes vós, barbara sociedade, que me apagaste da fronte esta doce palavra = esperança =, como Dante das portas do inferno, sois vós h causa da fome que me devora. A sociedade não póde ser surda a esta voz.» A sociedade fatal no seu progresso, inexoravel na sua marcha não póde fechar os olhos e dizer = ávante =, quando do todos os lados lhe gritam = soccorro = (Vozes: — Muito bem.) A necessidade do trabalho não se sentiu ainda muito em Portugal. Ella ha de vir quando os trabalhos publicos diminuirem, e a criminalidade ha de augmentar, porque a vacuidade do estomago trás a asphyxia do sentimento e a paralysia da intelligencia.

Eu já vejo tendencias para este augmento. Ha poucos dias eu ouvi a um portuguez que = fôra assaltado n'uma calçada d'esta cidade =. Dois dias depois um estrangeiro disse-me que = fôra barbaramente roubado n'uma das ruas mais centraes da capital =.

Ouvi estes factos com profunda magua, porque acredite a camara, acreditem quantos me ouvem n'esta casa, que eu amo sinceramente esta terra. Não sou feliz n'ella talvez, mas sou livre tanto quanto desejava sê-lo. Se não fôra isso, podia teme-la, mas amar nunca. Não queria, não devia, não podia ama-la sem faltar á minha dignidade de homem (apoiados). Repito, não sou socialista, mas venero os socialistas. Não os acho justos, acho-os sublimes, augustos e christãos nas suas aspirações. Vamos ao segundo ponto, que é a vantagem do thesouro. Já provei que o tabaco havia de ser caro, e quanto mais caro menor consumo; quanto menos consumo, menor importação; e quanto menor importação, menos direito e menos rendimento para o thesouro. Mas não é só isto, O contrabando ha de augmentar, e ha de augmentar por duas rasões. A primeira, porque o genero torna-se mais caro; e a segunda, porque a fiscalisação na liberdade é muito peior que n'outro qualquer systema (apoiados). A carestia do preço só por si era bastante para augmentar o contrabando;

Agora, em relação ao manifesto do tabaco que tem a fazer os actuaes caixas, eu confesso ao nobre ministro que elles hão de manifestar todo o tabaco que tiverem quando queiram ser leaes, aliás não. Como o nobre ministro póde evitar, que se dê como consumada uma qualidade no tabaco não o sendo ainda? Pelos livros? Ha de encontrar-los muito bem escriptos. Pelos calculos? Se forem como os do relatorio, não podem merecer grande confiança. Eu não faço a menor offensa aos caixas. Elles são muito honrados e cavalheiros, mas trata-se de uma lei de fiscalisação, e as leis de fiscalisação não distinguem pessoas, e são todas de desconfiança.

A fraude no manifesto póde have-la não só na quantidade, mas na qualidade fazendo passar os 10:000 charutos estrangeiros por nacionaes (apoiados). Não tenho pois confiança em similhantes meios. Serão muito bons se os caixas forem sinceros, aliás não (apoiados).

Quanto á liberdade da cultura nas ilhas, essa liberdade da maneira como se acha estabelecida no projecto é uma chimera, um impossivel (apoiados). Pois qual é o agricultor nas ilhas que ha de cultivar o tabaco, para ser responsavel, perante o governo, por todo o contrabando que se fizer? Por toda a falta que se der? Quem é que ha de querer ficar responsavel pela differença que possa haver entre a importancia dos direitos que se cobrarem e a somma de 70:000$000 réis em que é calculado o rendimento de tabaco nas mesmas ilhas?

É fazer a maior injustiça ao discernimento dos habitantes das ilhas (apoiados).

Supponham que se cultivam dois hectares de terra de tabaco; e que falta para complemento dos 70:000$000,

20:000$000 réis; os dois hectares de terra hão de pagar 20:000$000 réis. Pois póde isto ser?

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Isso não está na lei.

O Orador: — É o que se segue da lei. Ha de pagar, repito, 20:000$000 réis.

Ora como é possivel que um cultivador tente uma cultura nova, uma cultura cujo resultado não sabe, em uma teria que não sabe se é propria, sujeitando-se desde logo a pagar um imposto que póde arriscar toda a sua fortuna? O nobre ministro da fazenda chama-a isto fazer ensaios debaixo de bons auspícios. Mas eu escuso de citar mais argumentos. Para mim existe a opinião do nobre ministro da fazenda. S. ex.ª diz no seu relatorio que = o imposto sobre a cultura é gravoso, que póde tolher a propria industria, e que é de difficil fiscalisação =. Diz isto no relatorio, e no projecto de lei adoptou esse mesmo imposto, esquecendo se inteiramente dos principios luminosos que sustentára pouco antes. Contradicção entre o projecto e o relatorio!

Diz no relatorio:

«Por este meio, isto é, estabelecendo direitos addicionaes ás contribuições directas, poder-se-ha tentar a experiencia da livre cultura e fabrico do tabaco no archipelago dos Açores e Madeira, debaixo dos melhores auspícios para o seu bom exito, desembaraçando os proprietarios, que se dedicarem a esta nova exploração, do imposto sobre a cultura que sobre ser de muito difficil e vexatoria cobrança, tolheria, por não poder deixar de ser gravoso, o desenvolvimento d'esta industria.»

E pouco depois estabelece no projecto exactamente o contrario d'isto, porque diz:

«Artigo 7.°... a differença será paga pelos cultivadores do tabaco na proporção da area da cultura e producção respectiva.»

O sr. Sant'Anna: — É no projecto da commissão.

O Orador: — Não, senhor. É mesmo no projecto do governo.

O nobre ministro da fazenda é coherente; s. ex.ª, dizendo no teu relatorio que a liberdade do tabaco era incompativel no continente com a liberdade da cultura sem gravame do thesouro, não podia torna-la compativel nas ilhas. Mas s. ex.ª queria acceder ao pedido das ilhas, então lembrou-se de lhes dar essa liberdade pomposa mas impossivel. Ficarão ellas satisfeitas? Se queriam só as honras da liberdade, conseguiram o seu fim.

Eu estou vendo que se todas as provincias do reino pedissem ao nobre ministro da fazenda a liberdade da cultura com as condições com que s. ex.ª a offerece ás ilhas, elle não tinha duvida em lh'a conceder promptamente (apoiados). S. ex.ª dava-lh'a promptamente, porque era o meio de ter a renda do tabaco muito segura (apoiados).

As ilhas são tambem solidarias. Aquella que cultivar o tabaco paga o contrabando que se fizer nas outras (apoiados).

O tabaco das ilhas sobrecarregado com um imposto excessivo sobre a cultura, e sujeito no continente aos mesmos direitos de importação que os tabacos estrangeiros, não póde competir com estes (apoiados). Não póde competir quando mesmo seja na qualidade tão bom como o tabaco estrangeiro, o que para mim é muito duvidoso (apoiados).

Lembra-me agora ter ouvido uma vez ao sr. ministro da marinha que todas as nossas questões eram de diccionario. Eu acho que s. ex.ª disse uma grande verdade. Nós temos adiantado muito o nosso diccionario de synonymos, e promette elle ser muito mais rico do que o que nos legou o sabio fr. Francisco de S. Luiz.

Por exemplo: suspender, seu synonymo — graduar a execução, regular a execução (riso). Liberdade de cultura, synonymo — impossibilidade de cultura. Vantagem do consumidor, synonymo — comprar caro. Liberdade do fabrico, synonimo — fabricar em Lisboa e Porto.

Invoca-se a liberdade, e eu tenho—a procurado em vão n'este projecto (apoiados).

Eu peço licença para ler uma nota do resultado da liberdade em França.

Resultado da liberdade do tabaco em França

Foi estabelecida em 1791 e durou até 1811.

Rendeu nos ultimos tres annos................. 49.163:441 francos

Rendeu com a régie nos seguintes tres annos... 93.355:842 »

O tabaco era mais caro em 1811 que em 1832.

O argumento que se póde trazer é que os tempos em que foi estabelecida a liberdade em França eram anormaes. Mas permitta-me a camara que lhe diga que estes tres anno em que foi estabelecida a régie, e aos quaes se refere a nota, não eram, tambem muito, normaes. Devo notar que a liberdade do tabaco foi estabelecida em França com direitos moderados, porque a liberdade com direitos fortes para mim é uma cousa que não comprehendo (apoiados).

Era Hespanha foi estabelecida a liberdade em 1820, e foi abolida, diz-se que pelo desfalque que produziu nas rendas do estado. Em Portugal tambem houve liberdade, e diz o sr. ministro que produziu mau resultado, porque não foi prohibida a cultura. Ora, devo observar que quando a liberdade foi substituida pelo monopolio tambem havia liberdade de cultura, e comtudo o resultado que se obteve foi melhor para o thesouro.

Eu não trago estas comparações como argumentos fortes, porque para o serem é necessario haver completa paridade de circumstancias. Á falta de outros argumentos em abono do projecto é provavel que se soccorram os seus defensores ao prestigio da liberdade e ás tradições do partido progressista. Já o têem feito mesmo antes de vir este projecto á discussão. Eu revolvi o inventarie de dois grandes partidos d'esta terra, e logo direi á camara o resultado das minhas investigações. Mas antes d'isso direi que não me é muito facil entrar n'este campo, porque para mim todos os partidos são historicos, porque a terra onde elles lutaram; onde ganharam victorias, onde soffreram derrotas, estavam longe, e bem longe d'aquella onde eu nasci e onde fui educado. Se porém o terreno da luta póde ser limitado, o imperio da idéa é vasto. Chega a todos que tiverem uma intelligencia para o comprehender, um coração para a amar.

Sympathisei sempre com o partido progressista, grande nas suas aspirações, elevado nos seus intuitos, generoso na victoria, e forte e resignado na adversidade. Sinto não lhe ter pertencido, como sinto não lhe poder disputar para mim uma parte da gloria que lhe cabe por ter plantado n'esta terra as instituições liberaes; mas este partido, Deus me perdoe esta audacia, tinha um defeito. Era alguma cousa theorico nas suas aspirações. Amava a liberdade como a uma divindade, desprendia-a de todas as mundanidades para a collocar nas vastas e sublimes regiões do ideal. Não transigia, não pactuava, porque para elle a liberdade era uma religião, e onde ha religião não ha transacção. Seguiu-se a este partido o outro, a que sinto tambem não ter pertencido— o partido da regeneração. A regeneração era a liberdade, a pratica, a liberdade accommodada ás circumstancias, a liberdade pactuando com as difficuldades, a liberdade menos sublime talvez, mas mais fecunda. Enganam-se os que suppõem que foi a espada do marechal Saldanha que fez a regeneração. Não ha espadas que possam fazer um partido. Os partidos são uma lei providencial, estão na fatalidade das cousas, nascem como uma necessidade. Os partidos não descera tambem á sepultura escondidos nas dobras das fardas bordadas dos homens d'estado. Têem vida propria. Di-lo a historia. Não foi Napoleão que fez a celebre epocha de 1789 a 1798. Foi esta epocha que fez Napoleão. A liberdade andava solta, delirante e despedaçando-se contra si mesmo como as ondas altivas tocadas de tempestade, indo de embate de rochedo em rochedo, que as assoberbam, lá vem morrer na praia em cachões de espuma. Napoleão foi uma ordem para esta desordem. Voltou-se para a revolução e disse — segue-me. A revolução cruzou os braços e seguiu-o. Mas n'este momento estavam ao lado de Napoleão os homens de todos os partidos da França.

(Voltando-se para o sr. Sant'Anna e Vasconcellos.) Comprehendo o aceno do nobre deputado, Napoleão n'esta occasião fez serviços á ordem. Depois d'esta epocha é que a liberdade recebeu d'elle as prescripções e conselhos severos com a resignação de um valetudinario que se salva de uma molestia grave.

Mas voltando á questão do tabaco, da qual me afastei mais talvez do que devia, direi que procurei o tabaco no inventario dos dois partidos. Encontrei o monopolio atravessando incolume dois grandes congressos d'esta terra, e em 1857 foi ainda a voz, não sei se menos eloquente ou mais patriotica de Passos Manuel, que o sustentou n'esta casa. Na regeneração encontrei a liberdade, mas a liberdade que quer consultar, que quer examinar e que se retira quando lhe dizem = é cedo =.

Na mesma regeneração encontro depois a régie sustentada com todo o vigor da mais logica argumentação.

Não invoqueis pois as tradições dos partidos. Em conclusão, este projecto é mau para o consumidor, mau para o fabricante, mau para o thesouro, mau para as ilhas. Se elle passar ha de pedir a Deus para que as minhas previsões falhem e a fazenda não soffra, hei de acompanhar a discussão na especialidade e procurar por todos os meios fazer com que elle se torne o mais util possivel para o paiz. São estes os meus desejos e os meus mais sinceros votos (muitos apoiados).

Vozes — Muito bem.

(O orador foi cumprimentado por muitos srs. deputados.)

O sr. Guilhermino de Barros: — Estando eu assignado no parecer que as duas commissões reunidas, de legislação e fazenda, submetteram á apreciação da camara, julgo do meu dever dizer a minha opinião a este respeito, e dar os motivos por que subscrevi aquelle trabalho.

Já vê a camara que não é minha intenção fazer um discurso, mas simplesmente pronunciar algumas palavras, dizendo as rasões que me levaram a dar o meu voto pela maneira por que está no parecer.

Alem d'esta rasão ainda ha outra. Tratou-se ha pouco tempo n'esta casa uma questão, pequena no meu modo de ver, mas grande pelo alcance que se lhe deu, pela maneira por que a consideraram, pelas circumstancias que a revestiram e por muitas outras rasões.

Ácerca d'essa questão aguardei com toda a impaciencia e com todo o desejo a palavra; mas a camara entendeu na sua sabedoria que tinha chegado o momento opportuno de encerrar o debate, e por consequencia fui obrigado a guardar silencio.

Tiraram se d'ahi illações que eu não posso aceitar por fórma alguma, e por isso resolvi, na primeira occasião que tivesse, vir á tribuna protestar contra a situação em que, fiquei.

Tomei pois para mim o compromisso de nunca mais deixar em assumptos graves de emittir o meu voto e de o fundamentar, para que se não continuem a tirar as illações que se tiraram relativamente a essa questão;

O illustre deputado que acabou de fallar, e a quem não posso certamente acompanhar no vôo que desprendeu; porque chegou a uma esphera que pertence aos homens que, como elle, sabem cingir a corôa do talento e da imaginação, o illustre deputado começou por nos dizer que a materia era grave, que a questão era de imposto e não de industria, e ao mesmo tempo quiz pintar-nos o estado da fazenda publica de fórma tal que creasse no nosso espirito apprehensões de que o desfalque que havia de produzir na receita do estado a adopção deste projecto do lei era immenso, e que se o desfalque na receita publica era sempre um mal, na actualidade, nas circumstancias em que nos achâmos era grave e terrivel.