O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

783

Parece-me que as apprehensões do illustre deputado não têem o fundamento que s. ex.ª imagina, e se s. ex.ª se lembrar, como estou persuadido de que se lembrará, de ver o parecer da commissão sobre o orçamento do estado que ha pouco foi distribuido n'esta casa, onde vem calculada á receita publica do futuro anno economico comparada com a do anno economico actual, parece-me longe de ter que as apprehensões que manifestou pelo nosso estado financeiro, deverá pelo contrario alimentar a lisonjeira esperança de que elle todos os dias vá melhorando, e que é de certo opportuna a occasião de tentar a adopção de uma medida de tanto alcance e vantagens, como aquella que o governo apresentou ao parlamento e que estamos discutindo.

Vê-se d'esse documento, a que me referi, comparado com o do anno economico anterior, que, emquanto a receita do anno de 1863-1864 era de perto de 15.000:000$000 réis, no orçamento para o anno economico de 1864-1865 apparece calculada em 17.000:000$000 réis.

É certo que a despeza tem tambem augmentado, e que se no anno economico de 1863-1864 era de 17.000:000$000 réis, apparece hoje no orçamento de 1864-1865 elevada a perto de 20.000:000$000 réis, reunindo a despeza ordinaria e extraordinaria. Mas este augmento provém dos meios que temos empregado na viação publica e outros melhoramentos importantes.

Já se vê pois que ha já um augmento de receita de perto de 2.000:000$000 réis, e que por consequencia o illustre deputado não póde, em relação a este objecto, continuar a nutrir as apprehensões que mostrou, e reconhecerá que chegou a occasião opportuna de tentar uma reforma tão importante como a de que se trata.

Diz o illustre deputado que esta questão é uma questão de imposto e não uma questão de industria.

Parece-me que a considerou de uma maneira bem mesquinha. Eu entendo, pelo contrario, que se esta questão é de imposto pelas circumstancias extraordinarias que a revestem, é primeiro que tudo uma questão de industria.

Pois se a cultura do tabaco é tão vantajosa e de tanta conveniencia, se o uso d'elle se vae adoptando a ponto de permittir o imposto quadruplicado, parece que se não póde dizer com fundamento, que um assumpto donde se podem tirar tão grandes vantagens, seja uma questão de imposto e não de industria. O que se póde dizer é que as duas questões se ligam e reunem ao mesmo tempo.

O illustre deputado citou-nos um nome illustre a respeito d'esta questão; eu tambem, como o illustre deputado, fui examinar e folhear os annaes parlamentares; e entendo mesmo que os homens novos, aquelles que principiam a ensaiar os primeiros passos na vida publica, devem ir procurar nos annaes parlamentares quando tratam de emittir um voto, de dar uma opinião sobre uma materia grave, a opinião dos homens eminentes para lhes servir de guia, a fim de que, firmes e seguros com a sua auctoridade, possam livre e desassombradamente adoptar um principio e assentar uma opinião.

Eu fui pois examinar os annaes parlamentares relativos a esta questão, e achei nas sessões que tiveram logar n'esta casa em 1857 e em 1860 auctoridades insuspeitas e respeitaveis, que mais me levaram a adoptar e sustentar o principio da liberdade de commercio e fabrico do tabaco.

Escuso de dizer que não foi com intuito de fazer reconvenções, nem de retaliar que fui estudar os annaes parlamentares, porque eu entendo que as retaliações são pessimos argumentos e uma maneira falsa de argumentar, e entendo mesmo que á intelligencia do homem é dado mudar de opinião.

Se nós todos os dias estamos a querer, a pedir, a exigir o progresso para todas as cousas, não ha rasão nenhuma para que queiramos a immobilidade para o espirito, para que imaginemos que elle deve estar cercado de ferros, agrilhoado, peiado, sem poder ter um pensamento por certos motivos n'uma dada occasião, e outro pensamento por outros motivos n'outra occasião que se der (apoiados).

Não foi portanto, digo, com intuito de fazer retaliações que fui estudar os annaes parlamentares, foi para estudar a questão e achar auctoridades.

A primeira opinião que eu achei ácerca deste assumpto refere-se a um illustre deputado, que sinto não ver n'esta casa, a cuja illustração de espirito e a cuja generosidade de animo sou o primeiro a tributar respeito, cujas elevadas qualidades sou o primeiro a reconhecer, ainda que, seja dito de passagem, tenha mais de uma vez encontrado et se illustre deputado diante da minha carreira politica como um obstaculo, como uma barreira; não sei por que motivo ou por que fatalidade, mas é certo que assim o tenho encontrado; e admiro me d'isso, porque me conheço a mim proprio pequeno e humilde, e o vejo a elle gigante, opulento de idéas, de posição e de tudo o mais que póde desejar-se na sociedade.

Mas dizia eu — esse illustre deputado, que foi o primeiro cuja opinião achei, esse illustre deputado que já apresentára um projecto em anno anterior a 1857 para o estabelecimento da liberdade do fabrico e venda do tabaco, esse illustre deputado, fallando a respeito da liberdade relativamente ao tabaco, nessa celebre discussão de 1857, dizia que = o principio da liberdade era um santo e generoso principio =.

Um outro cavalheiro, a que se referiu ha pouco o illustre deputado que me precedeu, cavalheiro do qual não posso fallar sem certa commoção, cavalheiro do qual se póde dizer que se era homem hontem é hoje estatua: refiro-me a Passos (Manuel); esse mesmo manifestando as suas opiniões a respeito deste objecto, não viu a liberdade pela maneira por que o illustre deputado a viu. Elle queria a liberdade, queria-a muito sinceramente, todas as suas aspirações eram pela liberdade do fabrico e venda do tabaco; mas n'aquella occasião, em 1857, adoptava um outro principio, declarando ao mesmo tempo que o adoptava como expediente e não como doutrina.

Portanto não deduzamos argumentos da opinião d'aquelle illustre caracter: a sua opinião, todas as suas aspirações eram pelo principio da liberdade.

E o parecer que esse illustre cavalheiro assignava por essa occasião era ao mesmo tempo subscripto por um outro illustre deputado, que eu estou persuadido de que, posto milite em campo diverso do meu, ha de comtudo prestar a esta lei o apoio da sua voz e a auctoridade do seu voto.

Alem d'estes, ainda mais alguns illustres caracteres adoptavam, queriam, mostravam desejar o principio da liberdade.

Um illustre publicista, que eu sinto não ver dentro d'esta camara, mas cuja pena incisiva e gloriosa nós todos conhecemos, e sempre gloriosa ainda mesmo quando influenciado pelas paixões partidarias a molha de fel, esse illustre publicista interrompido durante essa discussão memoravel de 1857, respondia tambem que todos os seus desejos eram pelo principio da liberdade.

Já se vê que, quando eu fui buscar lições, experiencias e auctoridades aos annaes parlamentares, achei muitas boas e insuspeitas, e por consequencia livre e desassombradamente adoptei a opinião em que o meu illustre amigo, o sr. deputado que acabou de fallar, achou tantos inconvenientes.

D'aquella discussão de 1857 resultou ainda uma outra consequencia, e por isso senti muito que o meu nobre amigo o sr. José de Moraes apresentasse o projecto que submetteu á approvação da camara, d'aquella discussão resultou que o contrato do tabaco, o monopolio do tabaco por conta de particulares ficou ferido de morte; não achou uma unica voz que o defendesse, e entendeu-se que ficava sepultado com todas as honras funerarias, admittindo-o mesmo aquelles que o votavam, apenas como expediente.

Cuidou-se que tinha morrido, vejo porém que não aconteceu assim. E a sorte que têem de ordinario os grandes absurdos economicos. Quando parece que elles têem desapparecido da scena da vida, quando se julga que elles estão mortos e sepultados, ei-los que surgem. Cobram, permitta-me a camara que diga assim, as mortalhas de ouropeis, tomam uma denominação nova e apresentam-se; mas não é difficil, olhando-os bem, considerando-os attentamente, descobrir debaixo d'essas apparencias enganosas o que elles são. É o que acontece com o monopolio do tabaco quando esse se apresenta com a denominação de régie; principio que sustentou o illustre deputado que acaba de fallar.

Effectivamente se confrontarmos o monopolio denominado régie com o monopolio denominado contrato do tabaco, havemos de ver que no fundo existe n'um aquillo que realmente existe no outro; acontecendo, como diz a commissão no seu relatorio, que = não faz mais do que passar o monopolio do escriptorio dos arrematantes para as mesas das secretarias =.

O monopolio chamado contrato do tabaco mata, como eu provarei depois, as industrias que podem surgir quando se estabelece o principio da liberdade em nome de certos e determinados individuos; o monopolio denominado régie mata essas mesmas industrias, mas em nome da sociedade (apoiados). Um mata, como logo mostrarei, a concurrencia em nome de certos e determinados individuos, o outro mata em nome da sociedade. Um vexa e explora a bolsa do povo em nome de certos e determinados individuos, o outro vexa e explora a bolsa do povo em nome da sociedade. O monopolio chamado contrato do tabaco põe ás ordens de certos individuos uma cohorte numerosa, um numero crescido de individuos; mas esse poder creado assim, tem do outro lado o governo que o contrapese, emquanto que o monopolio denominado régie conserva o poder que o governo já tem, e quando queira fazer mau uso, dá-lhe um outro poder sem que haja nenhum que o contrabalance.

De fórma que se nós considerarmos o monopolio ou em nome dos particulares, ou em nome da sociedade, régie ou contrato do tabaco, no fim de tudo vamos a descobrir que é o mesmo monopolio, que um e outro têem iguaes inconvenientes (apoiados).

Mas se admittirmos o principio do monopolio denominado régie, e o considerarmos, como diz o illustre deputado, um imposto, com o fim de preenchermos parte da nossa receita, parece-me que seria facil conseguir mais largos resultados, lançando mão ou dilatando, alongando mais esse principio.

Temos exemplos de sobejo na legislação de differentes paizes sobre a materia de tributos. Temos a Hespanha que monopolisa o sal. Temos a França que tributa o ar e a luz (o imposto das janellas).

Se nós admittirmos o monopolio denominado régie parece-me que podiamos estender um pouco mais esse absurdo economico, e conseguir altas vantagens com elle; porque ha muitos e differentes objectos que se não podem admittir e considerar como cousas instantemente necessarias á vida. Temos o chá, o café, por exemplo, temos as bijouterias e os artefactos de seda. Se é conveniente para o interesse do estado estabelecer a régie, monopolisar certos generos para d'ahi auferir uma grande renda, é pelo facto de não serem objectos de primeira e instante necessidade. Temos os exemplos d'estas nações a que ha pouco me referi. Podemos levar mais longe o absurdo; podemos monopolisar, já não digo o sal, que é objecto de primeira necessidade, como faz a Hespanha, mas podemos monopolisar o chá, o café, as bijouterias e os artefactos de seda.

Quer dizer, estabelecido o absurdo vem diante d'elle outro, absurdo, porque aconteceu sempre e Tia de acontecer que um abysmo condusa a outro abysmo. E foi de certo este o principio que preponderou no espirito do governo, e que tem preponderado no espirito dos economistas, para o fim de fugirem tanto quanto seja possivel dos absurdos economicos, porque as consequencias são estas, e porque atrás de um absurdo vem logo outro absurdo, como acabei de ponderar.

Não obstante devo dizer que não considero o imposto sobre o tabaco restricta e rigorosamente da maneira por que o consideram quasi todos os economistas. Não quero apresentar uma opinião singular; exponho á camara o meu modo de ver, e exponho o principalmente por conter em si um desejo, o qual espero que n'um futuro mais ou menos largo haja de realisar-se o desejo de que o tabaco seja considerado na lei commum, e venha um dia em que o consumo dê margem a obter-se um receita igual á que actualmente se obtém. Digo que n'essa occasião talvez possamos collocar o tabaco na lei commum, tributando-o não pelo modo como é tributado geralmente em todas as nações, mas de uma maneira mais suave e mais regular.

Dizia eu que não considerava este imposto pela maneira que o considera a maior parte dos economistas. Dizem todos, e escuso de referir os seus nomes, que o tabaco não é uma materia de primeira e instante necessidade. Dizem que se o imposto deve recaír sobre algum artigo de consumo, deve ser sobre este. Tenho uma opinião pouco differente. Observo que a sociedade ao passo que caminha e que se desenvolve, todos os dias cria necessidades, mas necessidades que são e elemento principal, a base essencial d'essa civilisação. Aquillo que n'uma epocha se reputa um assumpto que de fórma nenhuma é necessario á vida, vem neutra epocha a servir como uma necessidade instante e imperiosa.

Escuso de referir-me a muitos factos que podia contar. Lembrarei por exemplo, que o primeiro rei portuguez que vestiu camisa, e o primeiro monarcha que calçou meias, acharam se admiravelmente vestidos. Nenhuma geração que os antecedeu, usára d'aquelles meios de commodidade; mas todos que os seguiram vestiram-se d'esses artefactos, entrou isso nas suas necessidades, e hoje é uma cousa que satisfaz a uma instante e imperiosa necessidade.

Com o tabaco tem acontecido a mesma cousa. Escuso de referir a historia d'esta planta, sujeita no seu principio a excommunhões, perseguida pelos réis, peles papas e pelos medicos; perseguida por todos, mas augmentando, crescendo sempre no seu valor e cultura, adquirindo todos os dias novos fóros, e sendo admittida hoje na praça publica, ámanhã nos salões, no outro dia no paço dos reis.

Portanto, o tabaco torna-se uma instante necessidade desde certa epocha, necessidade que todos os dias se torna maior.

Creio pois, e n'isto exprimo uma opinião minha, unica e exclusivamente minha, que ainda virá tempo que o consumo d'esta planta ha de dar logar talvez a um novo modo de ser legislativo, que não aquelle que se acha estabelecido em differentes nações da Europa.

A ordem dos argumentos leva-me a considerar agora a questão, comparando as conveniencias que se podem deduzir do monopolio denominado régie, e considerando a régie nas suas vantagens e desvantagens que póde apresentar, por isso que me parece que os illustres deputados que se sentam d'aquelle lado da camara, querem sustentar o estabelecimento desse principio em contraposição aquelle que se acha neste projecto submettido á discussão da camara.

O primeiro inconveniente que vejo no monopolio por conta do governo, monopolio denominado régie, é o parecer-me que é contrario á dignidade do mesmo governo, porque fica muito longe ou é muito estranho á missão que o estado desempenha. Parece-me que não podemos deixar de querer que a missão do governo é collocar-se em certa posição eminente e superior ás industrias, deixando-lhes a mais completa liberdade na sua esphera de trabalho, para que possa applicar-lhes as leis, mas nunca interferir nessa sua maneira de obrar, de fórma que as entorpeça e aniquile. Quando o estado desce d'esta sua posição e vae collocar-se ao lado das industrias, trata de concorrer com ellas, de cercear-lhes os lucros, de as atrophiar e matar, parece-me que desconhece a sua missão, e não cumpre o seu dever.

Não posso deixar de dizer que tenho para mim que o estado se rebaixa quando se encosta ao balcão e vende tabaco, rapé e cigarrilhas. O que me parece em termos simples é que o estabelecimento da régie em que o estado faz commercio, e recebe lúcios d'esse commercio, não é proprio, nem digno de um governo de uma nação.

E n'esta minha idéa não condemno este modo de industria, que é nobre e digna como são todos os trabalhos, porque o trabalho é a base da grandeza e opulencia das nações. O meu intuito é tornar maio sensivel a idéa de que o estado se envillece e rebaixa quando deixa a posição em que está elevado e vae nivelar-se com as industrias, concorrendo com ellas.

Demais, todos os dias nós estamos ambicionando ardentemente que se estabeleçam, que se criem e appareçam industrias novas, que o elemento do trabalho se desenvolva, porque, como já disse, do trabalho vem a opulencia das nações. Nós vemos, por exemplo, o empenho com que a Inglaterra e os homens mais eminentes d'aquelle paiz tratam sempre de conseguir meios e de alimentar o trabalho das populações. É esse o seu pesadello constante, o seu trabalho de todos os dias, e eu vejo pelo projecto que está submettido á apreciação da camara, que o governo trata de crear no nosso paiz industrias que até agora não existiam, e senti muito ouvir ao illustre deputado que me precedeu, a manifestação de opiniões que não me parece que sejam muito aceitaveis em relação a este objecto.

S. ex.ª disse nos que =com o projecto que está submettido á discussão da camara iam estabelecer-se tres especies de morgados: o morgado provisorio para os actuaes contratadores; os morgados perpetuos para os fabricantes de Lisboa e Porto; as capellas para as ilhas =.