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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

SESSÃO EM 18 DE MARÇO DE 1864

PRESIDENCIA DO EX.MO SR. CESARIO AUGUSTO DE AZEVEDO PEREIRA

Secretarios os srs.

Miguel Osorio Cabral

José de Menezes Toste

Chamada — Presentes 60 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs. Affonso Botelho, Annibal, Braamcamp, Soares de Moraes, Ayres de Gouveia, Quaresma, Eleutherio Dias, Gouveia Osorio, Ferreira Pontes, A. Pinto de Magalhães, Mazzioti, Mello Breyner, Magalhães Aguiar, Pinheiro Osorio, Barão da Torre, Barão do Vallado, Abranches, Almeida e Azevedo, Bispo Eleito de Macau, Carlos Bento, Cesario, Cypriano da Costa, Poças Falcão, Bivar, Coelho do Amaral, Borges Fernandes, F. L. Gomes, F. M. da Costa, F. M. da Cunha, Guilhermino de Barros, Medeiros, Sant'Anna e Vasconcellos, Mendes de Carvalho, J. J. de Azevedo, Nepomuceno de Macedo, Aragão Mascarenhas, Sepulveda Teixeira, Torres e Almeida, Matos Correia, Rodrigues Camara, Neutel, Infante Pessanha, José Guedes, Alves Chaves, Figueiredo Faria, D. José de Alarcão, José de Moraes, Gonçalves Correia, Affonseca, Alves do Rio, Manuel Firmino, Pereira Dias, Pinto de Araujo, Miguel Osorio, Modesto Borges, Placido de Abreu, R. Lobo d'Avila, Simão de Almeida e Visconde de Pindella.

Entraram durante a sessão — Os srs. Adriano Pequito, Garcia de Lima, Antonino, Vidal, Abilio, A. Cabral de Sá Nogueira, Correia Caldeira, Brandão, Gonçalves de Freitas, Seixas, Lemos e Napoles, Antonio Pequito, Pereira da Cunha, Pinto de Albuquerque, Lopes Branco, Antonio de Serpa, A. F. Peixoto, Palmeirim, Zeferino Rodrigues, Barão das Lages, Barão de Santos, Barão do Rio Zezere, Garcez, Freitas Soares, Albuquerque e Amaral, Beirão, Ferreri, Cyrillo Machado, Pinto Coelho, Almeida Pessanha, Claudio Nunes, Conde da Torre, Domingos de Barros, Fernando de Magalhães, Barroso, Fernandes Costa, Izidoro Vianna, Gaspar Pereira, Henrique de Castro, Blanc, Gomes de Castro, J. da Costa Xavier, Fonseca Coutinho, J. Coelho de Carvalho, Mello e Mendonça, Faria Guimarães, Lobo d'Avila, Ferreira da Veiga, José da Gama, Sette, Fernandes Vaz, Luciano de Castro, J. M. de Abreu, Casal Ribeiro, Costa e Silva, Frasão, Alvares da Guerra, Menezes Toste, Oliveira Baptista, Mendes Leal, Julio do Carvalhal, Camara Falcão, Levy M. Jordão, Camara Leme, Freitas Branco, Rocha Peixoto, Mendes Leal, Murta, Vaz Preto, Monteiro Castello Branco, Ricardo Guimarães, Moraes Soares, Fernandes Thomás e Teixeira Pinto.

Não compareceram — Os srs. A. B. Ferreira, Carlos da Maia, Arrobas, Fontes, David, Oliveira e Castro, Conde da Azambuja, Drago, Fortunato de Mello, Abranches Homem, Diogo de Sá, Ignacio Lopes, Gavicho, Bicudo, Pulido, Chamiço, Cadabal, Gaspar Teixeira, Pereira de Carvalho e Abreu, Silveira da Mota, J. Antonio de Sousa, Mártens Ferrão, João Chrysostomo, Albuquerque Caldeira, Calça e Pina, Joaquim Cabral, F. de Mello, Simas, J. Pinto de Magalhães, Galvão, Latino Coelho, Silveira e Menezes, Batalhós, Moura, Alves Guerra, Sousa Junior, Marianno de Sousa, Charters, Thomás Ribeiro e Vicente de Seiça.

Abertura — Ao meio dia e tres quartos.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

1.º Uma declaração do sr. Pinto de Araujo, de que o sr. Thomás Ribeiro não póde comparecer hoje por motivo justificado. — Inteirada.

2.º Do sr. Freitas Soares, de que o sr. Silveira de Menezes faltou á sessão de hontem e faltará a mais algumas por incommodo de saude. — Inteirada.

3.º Um officio do ministerio da marinha, acompanhando 150 exemplares dos relatorios d'este ministerio, apresentados á camara n'esta sessão. — Mandaram-se distribuir.

O sr. Torres e Almeida: — Inscrevi-me no meado de fevereiro para fallar quando estivesse presente o sr. ministro das obras publicas.

Sei que v. ex.ª me concedeu ha dias a palavra, mas tive a infelicidade de não estar presente. Como não vejo na camara o nobre ministro, peço a v. ex.ª que me mantenha a inscripção, porque desejo fazer algumas observações, e não convem nem as devo fazer na ausencia de s. ex.ª

Mando por esta occasião para a mesa um requerimento pedindo varios documentos ao governo (leu).

Rogo a v. ex.ª que mande dar prompto andamento a este requerimento, porque careço muito dos documentos que n'elle requisito, e é provavel que, depois do exame d'elles, tenha de interpellar o sr. ministro das obras publicas ácerca dos motivos que o levaram a não consentir definitivamente na abertura do caminho de ferro do norte na parte comprehendida entre Taveiro e Estarreja, do que resultou que a companhia não poz essa parte do caminho á circulação, frustrando assim a impaciencia do publico, e adiando para mais tarde as vantagens e beneficios que naturalmente hão de provir da viação accelerada ao Porto e a Coimbra, e ás mais povoações que ficam em contacto immediato com o caminho de ferro.

Peço tambem a v. ex.ª que se sirva pôr quanto antes em discussão o projecto de lei n.° 146, que já está dado para ordem do dia.

Esse projecto é da iniciativa de um dos membros mais distinctos d'esta casa o sr. Sá Nogueira, e tem por fim auctorisar o governo a contratar o caminho de ferro do Porto a Braga. A simples indicação do assumpto denuncia a sua importancia.

Eu não sei se ha caminhos de ferro inuteis, alguns economistas sustentam que os ha, o que é certo é que ha caminhos de ferro immediatamente uteis, e outros que só o podem ser em uma epocha mais remota, o que é certo é que ha caminhos de ferro que aproveitam desde logo á geração actual, e outros que só podem trazer vantagens para as gerações futuras. Neste caso estão talvez alguns dos caminhos de ferro já construidos entre nós. Ha caminhos que atravessam provincias, onde a população é escassíssima e onde a maior parte dos terrenos estão incultos, caminhos cuja construcção ainda assim eu applaudo, porque hão de preparar para essas provincias um grande futuro de prosperidade. No entretanto creio que é um erro sacrificar o presente ao futuro, e que devem construir-se de preferencia caminhos de ferro que possam desde logo ser uteis, e n'este caso estão sem duvida todos os caminhos de ferro do Minho (apoiados).

Em parte alguma do reino a população é tão densa, activa e laboriosa, como na provincia do Minho, em parte alguma a industria agricola, a primeira do paiz, se tem desenvolvido em mais larga escala, em parte alguma é maior o movimento de passageiros e de productos, e portanto ali, de preferencia a outra qualquer provincia, devem abrir-se vias faceis e rapidas de circulação.

Com certeza não ha de succeder lá o que succede em algumas linhas já construidas, a respeito das quaes se póde calcular em dois ou tres, termo medio, o numero de passageiros que diariamente as percorrem, havendo dias em que vem os comboios completamente vasios, segundo me informam.

Se ha caminhos de ferro no paiz, que possam dar vantagens a quem os explorar, hão de ser seguramente os caminhos de ferro do Minho (apoiados). Eu creio que não faltará quem queira construir os caminhos de ferro n'aquella provincia unicamente com a garantia de juro de 6 por cento, mas ainda que fosse maior o encargo que resultasse para o estado, o governo não devia recuar diante d'esse encargo, e creio que não recuará.

Um paiz não é feliz ou desgraçado pelo pouco ou muito que gasta, mas pelo bom ou mau uso que faz do seu dinheiro. Melhorar as barras, abrir canaes, construir caminhos de ferro, é comprar um capital grandemente productivo.

Estou persuadido de que todos os sacrificios que se fizerem neste sentido, hão de ser amplamente remunerados, e assim não terei duvida em votar o caminho de ferro de Beja ao Algarve e o do Porto á Regua. Não tenho duvida em votar estas despezas, porque ellas hão de contribuir para restabelecer o equilibrio das nossas finanças, e sigo n'este ponto a opinião de um homem eminente, e um dos primeiros estadistas da Europa o conde de Cavour. As economias são excellentes, mas com simples economias não se restabelece o equilibrio das finanças. Para o conseguir é necessario crear novas forças productivas e desenvolver as existentes, e para isto é necessario que se façam grandes despezas com applicação a melhoramentos de certa ordem, entre os quaes tem o primeiro logar os caminhos de ferro.

Eu sei que o governo não póde e não deve mesmo contratar a construcção de caminhos de ferro sem estarem feitos os estudos, mas o nobre ministro das obras publicas prometteu mandar proceder a estes estudos com relação ao caminho de ferro do Porto a Braga, e então é conveniente que se não encerre a presente sessão legislativa sem que o governo fique armado d'esta auctorisação.

Peço pois a v. ex.ª, supplico-lhe mesmo, que logo que possa dê para discussão o projecto de lei n.° 146. Quando elle vier á discussão terei ensejo favoravel para refutar, quanto as minhas debeis forças o permittam, as reflexões que em uma das sessões passadas fez aqui o illustre deputado por Vianna, com aquelle explendor de phrase que é proprio d'elle, e n'aquella linguagem sempre elegante, harmoniosa e litteraria que o distingue, e que faz com que seja escutado pela camara com verdadeiro prazer. Parece-me que s. ex.ª fez ponderações que não são de todo o ponto exactas.

Eu não quero levantar ou entreter uma discussão antes da ordem do dia, julgo que isso é inconveniente e sobretudo improfícuo e esteril, pois agora não ha nada sobre que votar, e de mais a mais a camara em geral presta pouca attenção a estas palestras antes da ordem do dia, a que de ordinario preside familiarmente o espirito de campanario, o que não quer dizer que esta questão seja simplesmente uma questão de campanario. Não é; é uma questão economica mais lata e mais importante.

Repito. Não quero entreter discussão antes da ordem do dia, no entretanto não posso deixar de dizer desde já que s. ex.ª ligou ao projecto do sr. Sá Nogueira uma importancia que elle não tem, e deu-lhe proporções que o seu auctor e nós deputados do districto de Braga de certo não lhe queremos dar.

No projecto auctorisa-se o governo a contratar o caminho de ferro do Porto a Braga, e não se diz n'elle nem no relatorio que esse caminho de ferro é o que pelo norte nos ha de communicar com a provincia de Hespanha. Por consequencia a approvação do projecto não prejudica de modo nenhum a questão que ha de vir depois, que consiste em saber qual é o traçado mais conveniente para pelo norte nos communicar com a Hespanha e consequentemente com a Europa (apoiados). Se o traçado por Braga, se o traçado por Vianna, que s. ex.ª advogou. Uma cousa pois não implica com a outra. Póde desde já approvar-se o projecto, porque o caminho de ferro do Porto a Braga ha de necessariamente fazer-se mais tarde ou mais cedo, sem que fique por isso prejudicada a idéa do nobre deputado, tanto mais quanto é certo que este caminho de ferro até Espozende póde ser o tronco commum das duas linhas, ou da linha que siga de Braga para a fronteira, ou da que siga para a fronteira por Vianna, Caminha e Valença.

Portanto não ha inconveniente nenhum em que se approve o projecto do sr. Sá Nogueira, como creio que se ha de approvar. Faço justiça á illustração da camara.

Se se adoptar o traçado por Vianna, e eu não quero emittir opinião a tal respeito, não sendo competente para tratar d'essa questão, que ha de ser resolvida pelos homens technicos, depois de estudos serios e conscienciosos; mas se se adoptar o traçado de Vianna, o caminho para Braga ficará depois sendo um ramal. Agora acho extemporaneo vir levantar questões de directrizes e pleitear preferencias entre traçados, e acho tambem inconveniente excitar rivalidades entre duas terras amigas como Vianna e Braga (muitos apoiados). Sei que s. ex.ª não teve tal intenção, conheço e avalio devidamente o seu caracter para lhe attribuir similhante proposito, mas o resultado é ou póde ser esse.

Ainda não é chegada a questão que s. ex.ª considera de vida ou morte para Vianna, palavras que eu ouvi com verdadeira surpreza.

A morte de Vianna? Quando Vianna tem, alem de communicações terrestres, a communicação fluvial pelo Lima, a communicação maritima pelo oceano, communicação que deve melhorar consideravelmente depois de concluidas as obras a que se está procedendo na barra? Sr. presidente, que direi eu então de Braga, que é terra sertaneja, e não tem senão communicações terrestres?

S. ex.ª, o sr. deputado a quem me refiro, tambem disse (appellando para o sentimentalismo): «Pois nós havemos de votar ao ostracismo parte da provincia do Minho? Que rasão occulta ha para se proceder assim? Que culpa têem milhares de habitantes para serem desherdados do beneficio da viação acelerada?»

Eu posso fazer minhas as interrogações do illustre deputado, talvez em prejuizo do traçado que elle defende. Porque se ha de votar o districto de Braga ao ostracismo? Que culpa têem milhares de habitantes para ficarem privados das vantagens de um caminho de ferro? Que rasão, que motivo occulto ha para os poderes publicos procederem d'esta fórma?

S. ex.ª admirou-se da estatistica de movimento entre Caminha e Valença; mas eu posso e hei de provar opportunamente que não ha em todo o reino estrada nenhuma mais frequentada, em que o movimento tanto de passageiros como de mercadorias seja maior do que nas de Braga para o Porto (muitos apoiados).

(Interrupção que se não percebeu.)

O Minho se tem estradas deve-o á sua briosa iniciativa (apoiados); deve-o á circumstancia de ter confiado capitães ao governo, o que nenhuma outra provincia se atreveu a fazer.

Acresce que o Minho está pagando, afóra o imposto commum para a viação, um imposto especial, muito desigual (apoiados) e altamente vexatorio, como é o imposto de portagens; e de passagem devo dizer que é forçoso tomar uma resolução a este respeito. Ou se extingam as portagens no Minho, que é a unica provincia onde estão estabelecidas, ou então generalisem-se a todo o paiz, como exigem os principios fundamentaes do systema que nos rege, e reclamam os principios que presidem á distribuição do imposto. Mas quando se generalisem é necessario uniformisar as tabellas de fórma que não haja desigualdade de provincia para provincia e até mesmo de portagem para portagem, como actualmente succede no Minho.

O sr. Visconde de Pindella: — Apoiado.

O Orador: — Mais uma vez declaro que não quero entreter a camara com esta discussão antes da ordem do dia, nem trato agora de avaliar as vantagens d'esta ou aquella directriz; porque essa questão tem de ser estudada primeiro pelos homens technicos (apoiados). Depois d'elles terem emittido a sua opinião então haverá occasião de ser apreciada pelas camaras e pelos poderes publicos.

Entretanto posso dizer desde já que, quando se discutir a questão da directriz, não me será difficil, e aos meus collegas do Minho, provar que é muito controversa a superioridade do traçado, aconselhado e sustentado por s. ex.ª, a despeito das considerações estrategicas e economicas com que pretendeu abona-lo.

S. ex.ª declarou que era anti-iberico, e eu declaro que tambem o sou do coração, e creio que não ha nenhum deputado que o não seja (vivissimos apoiados). Digo mais, não ha hoje no paiz quem o não seja. Passou a epocha em que a idéa de uma união ou federação iberica conseguiu preoccupar alguns espiritos. Ninguem se lembra actualmente em Portugal de sacrificar a nossa autonomia a sonhos chimericos e enganosos de futura grandeza. Mas Deus nos livre de que a nossa independencia tivesse por salva guarda a praça de Valença (riso), ou qualquer das praças que guarnecem a nossa fronteira quer terrestre, quer maritima, que é muito extensa e ninguem sabe nem póde calcular por onde seria invadida. Temo sido por differentes pontos, tanto pelos hespanhoes como pelos francezes, e se se der o caso de nova invasão, o que Deus afaste, é provavel que tenha logar por pontos onde está completamente desguarnecida a raia. Ácerca da defeza do paiz a camara conhece os alvitres dos homens competentes, entre os quaes o nobre marquez de Sá da Bandeira, que é de opinião que para prevenirmos a eventualidade de uma invasão rapida e inopinada o melhor meio será fortificarmos Lisboa e Porto, a fim de concentrar ahi as tropas e sustentar com vantagem a defeza, até que o paiz se levante em massa e os alliados nos mandem soccorros; e eu entendo tambem, apesar da minha ignorancia absoluta de cousas militares, que este é um dos meios de nos prevenirmos para qualquer eventualidade.

Entendo igualmente que o meio de garantirmos a nossa

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independencia, alem d'este, será disciplinar a força de primeira linha, será crear um corpo de reserva, que não existe, e será sobretudo darmos testemunhos inequívocos á Europa de que nos sabemos governar (muitos apoiados), e de que somos dignos e capazes de gosar da independencia e liberdade que tanto sangue generoso e tão heroicos feitos nos, custou.

É verdade que os caminhos de ferro têem prestado grandes serviços pelo transporte rapido de tropas e materiaes de guerra; mas o nobre deputado sabe igualmente, que não ha nada mais facil do que inutilisar um caminho de ferro e impedir a circulação por elle.

Sob o ponto de vista economico basta ponderar á camara que o traçado, que s. ex.ª aconselha, seria, na sua total ou quasi total extincção, paralytico; porque teria a um dos lados o oceano, d'onde não receberia alimentação, emquanto que por Braga cortaria o coração da provincia na sua parte mais povoada, atravessaria terrenos todos cultivados e de uma grande feracidade, aproveitaria directamente a povoações tão importantes como Barcellos e Villa Nova de Famalicão, e indirectamente a Guimarães, e até á maior parte da provincia de Trás os Montes, e sobretudo ao norte d'essa provincia, que os poderes publicos têem tratado, pelo que diz respeito a viação, não como filha, mas como entiada. Torno a repetir que não discuto agora o projecto, o mais e muito mais que tenho a dizer reservo-o para quando elle vier á discussão. Portanto termino aqui as minhas observações.

O Sr. José de Moraes: — Peço a v. ex.ª que me inscreva para quando estiver presente o sr. ministro das obras publicas, e peço igualmente a v. ex.ª que me inscreva para quando estiver presente o sr. ministro da marinha, porque quero chamar a attenção de s. ex.ª sobre uma correspondencia que vem publicada no Jornal do Commercio de hoje ácerca de um insulto praticado em Angola, pela tripulação da corveta ingleza Archer.

Este facto, se é verdadeiro, é altamente escandaloso, e pouco honroso para a nossa nação, e portanto desejo que o sr. ministro da marinha dê algumas explicações sobre este assumpto.

O sr. Ayres de Gouveia: — Ha mais de um mez mandei para a mesa um requerimento pedindo que fosse remettida a esta camara a consulta do conselho geral de instrucção publica do dia 6 de maio do anno passado, sobre o programma dos estudos da academia polyteehnica do Porto. Creio que a mesa expediu o competente aviso, e provavelmente são embaraços da secretaria que obstam a que tenha vindo a consulta que eu desejo. Mando pois para a mesa uma nota instando pela mesma consulta.

Aproveito esta occasião para enviar para a mesa uma representação da camara municipal de Rezende, em que pede a esta camara que, longe de se limitarem, se ampliem os estudos dos estabelecimentos litterarios do Porto.

Peço a v. ex.ª que lhe dê o competente destino.

O sr. Annibal: — Mando para a mesa um parecer da commissão ecclesiastica.

O sr. Guilhermino de Barros: — Pedi a palavra para mandar para a mesa uma nota de interpellação ao sr. ministro das obras publicas, relativa ao caminho de ferro do Porto á Regua.

V. ex.ª e a camara têem observado a insistencia que ha muito tempo varios srs. deputados têem feito pela construcção de alguns caminhos de ferro, que devem concluir a rede que ha de operar grandes melhoramentos em differentes provincias; e como eu não saiba qual é o pensamento do governo relativamente ao caminho de ferro do Porto á Regua, mando por isso a minha nota de interpellação, a fim de que o Sr. ministro das obras publicas possa manifestar o seu pensamento a este respeito, e conforme forem as suas explicações, eu apresentarei ou deixarei de apresentar um projecto de lei.

Permitta-me a camara que eu por esta occasião diga que concordo plenamente com as rasões apresentadas pelo meu amigo, o sr. Torres e Almeida, relativamente á conveniencia de se construir o caminho de ferro do Porto para Braga; e igualmente concordo com as ponderações feitas por varios Srs. deputadas do Algarve sobre a necessidade do prolongamento do caminho de ferro de Beja até ao Algarve.

Se de todos os caminhos de ferro resultam conveniencias para o paiz, as do caminho de ferro do Porto á Regua primam entre todas as outras, dando garantias muito mais seguras.

Ha uma companhia que se encarregou da sua construcção, e as condições com que se apresenta são as menos onerosas que emprezas d'esta ordem têem apresentado.

Todos conhecem as conveniencias economicas d'aquelle caminho; e tambem é certo que elle ha de dar maiores vantagens do que todos os outros caminhos de ferro do paiz; porque as suas condições economicas são mais vantajosas, porque para este caminho ha já uma receita creada, que é a do commercio vinicolo.

Todos os annos descem pelo rio Douro 60:000 pipas de vinho: ora, grande parte d'este vinho deixará de vir embarcado pelo Douro, porque tanto de verão como de inverno, ou pela abundancia ou pela falta de agua, o rio torna-se muitas vezes innavegavel. Por consequencia esse producto ha de affluir ao caminho de ferro com preferencia, porque a passagem é mais rapida e mais barata; e portanto a empreza d'esse caminho ha de tirar por força um rendimento muito importante do commercio dos vinhos.

Alem d'isso ha de tambem tirar grande rendimento do commercio do sal, e outros generos que conduzir do Porto para a Regua, assim como dos cereaes hespanhoes, que vieram exportar-se pelo Porto.

Este caminho está portanto incontestavelmente em melhores condições economicas do que qualquer outro. Portanto estou persuadido de que o governo ha de attender a este assumpto; e em vista da insistencia que têem feito muitos srs. deputados que se têem occupado d'este objecto, parece-me que o governo não póde deixar de trazer á camara um projecto de lei em que peça auctorisação para a construcção dos tres caminhos de ferro — do Porto a Braga, do Porto á Regua e de Beja ao Algarve.

A minha nota de interpellação refere-se tambem a outro assumpto, que é a ponte sobre o Douro em frente da Regua.

O sr. duque de Loulé quando era ministro das obras publicas já tinha mandado fazer o projecto d'essa ponte, e os engenheiros respectivos encarregaram-se com a melhor vontade do projecto definitivo; e portanto uma vez que aquella ponte é de summa conveniencia, creio que o governo não deve pôr de parte este importante assumpto; e estou persuadido tambem de que se esse projecto vier á discussão, aquella ponte será de certo construida. No caso porém de que o governo não apresente esse projecto, eu então tratarei de o apresentar.

Peço pois a v. ex.ª que dê para a primeira parte da ordem do dia de alguma sessão seguinte a minha interpellação, porque desejo ouvir ò governo sobre este assumpto.

O sr. Presidente: — Vae passar-se á ordem do dia; mas, antes d'isso, se alguns srs. deputados tem a mandar para a mesa algumas representações ou requerimentos, podem envia-los.

O sr. Infante Pessanha: — Mando para a mesa uma representação dos aspirantes de 2.ª classe da repartição de fazenda do districto de Beja, pedindo que o seu ordenado se eleve de 160$000 a 200$000 réis.

Não ha pedido mais justo, nem mais modesto; quem pede apenas o augmento de 40$000 réis, revela que tem necessidade, mas igualmente deixa patente que não pretende passar para a abundancia.

Não haverá quem duvide, e eu appello para a consciencia dos que me ouvem, que a escassa quantia de 438 réis diarios que aquelles empregados percebem não é possivel poder satisfazer ás necessidades mais imperiosas da vida. Como é que o empregado póde, com tão exiguo vencimento, trajar decentemente, pagar renda de casas, e sustentar sua familia? Como ha de elle occorrer a uma desgraçada eventualidade, a uma doença que possa acommette-lo e absorver-lhe um terço ou metade do ordenado de que elle precisa para todo o anno?

Não falta quem diga, e eu admiro e sinto te-lo ouvido a pessoas de elevada posição, que a prova dos empregos publicos serem bem retribuidos está na grande procura que ha d'elles, porque vaga um logar, e logo ha muitos pretendentes. O raciocinio pecca na fórma; dá-se o facto é verdade, mas não é filho da causa que lhe assignam; os empregos publicos são muito procurados, não porque sejam bem retribuidos, mas porque, diga-se a verdade, n'este paiz não ha, onde se ganhe o pão de cada dia, e aquelle que não tem meios de que possa subsistir, procura obter uma escassa fatia do orçamento do estado, não para viver bem, mas para não morrer de fome. O facto porém é um symptoma de miseria em vez de prosperidade publica.

O assumpto é grave, e não póde deixar de merecer a attenção dos poderes publicos.

Cora respeito aos empregados de que particularmente tratei, confio na solicitude do nobre ministro da fazenda, e espero que s. ex.ª ha de prover de remedio.

Sinto não ver presente o illustre ministro das obras publicas, a quem queria dirigir-me sobre o objecto de uma representação, que ha dias mandei para a mesa, da camara municipal da Vidigueira, pedindo a construcção da estrada d'aquella villa a ligar com a estação do caminho de ferro da Cuba. O nobre ministro já me disse que mandava fazer os necessarios estudos e exame d'aquelle traçado pelo habil e zeloso director das obras publicas no districto de Beja, o sr. Fidié.

Prescindirei por agora, visto tambem o sr. ministro não estar presente, das considerações que tinha a fazer, e que deixo para occasião opportuna.

Desejava tambem responder aos repetidos appellos que o illustre deputado e meu amigo, o sr. Bivar, tem feito aos deputados pelo districto de Beja, com respeito ao prolongamento da linha ferrea para o Algarve; hei de faze-lo, porém n'outra occasião em que a camara se mostre menos impaciente de passar á ordem do dia, e espero que hei de manifestar a minha opinião por fórma que satisfará ao meu nobre amigo, que foi um leal e poderoso auxiliar que tive sempre a meu lado quando nesta camara eu apresentei o projecto para a construcção da linha ferrea de Beja, e que felizmente deu o resultado de que já hoje este districto está gosando de tão importante melhoramento.

O sr. A. J. de Seixas: — Mando para a mesa um requerimento, pedindo esclarecimentos ao governo; e uma nota de interpellação ao sr. ministro da marinha ácerca de um desacato commettido em Angola pela tripulação de um navio inglez, a qual desejo verificar com a brevidade possivel.

O sr. Pinto de Magalhães (Antonio): — Eu peço ser inscripto para tomar parte n'esta interpellação.

O sr. B. F. de Abranches: — Mando para a mesa um requerimento, pedindo esclarecimentos ao governo; e mando igualmente para a mesa uma representação dos antigos amanuenses do thesouro publico, pedindo que seja auctorisado o governo a alterar a tabella n.° 2, artigo 2.° do decreto de 3 de novembro de 1860, fixando o numero dos primeiros amanuenses e segundos officiaes do mesmo thesouro, a fim de indemnisar os supplicantes, dizem elles sem augmentar a actual despeza.

E mando tambem outra representação dos officiaes de diligencias das seis varas da comarca de Lisboa, pedindo que sé lhes estabeleça um ordenado,

O sr. Affonso Botelho: — Mando para a mesa a representação de uma commissão dos egressos residentes nas provincias do norte, pedindo que se lhes paguem integralmente as suas prestações.

Sinto não ser agora occasião de fazer algumas considerações a favor d'estes representantes; mas aproveitarei ensejo opportuno para advogar a sua causa, que é a da justiça.

O sr. Pinto de Magalhães (Antonio): — Mando para a mesa uma representação de Antonio Maria Campello, primeiro official da secretaria da marinha, pedindo ser isento de pagar direitos de mercê pela commissão que exerce de secretario do gabinete do ministro.

O sr. Pinto de Araujo: — Mando para a mesa uma nota de interpellação.

O sr. Julio do Carvalhal: — Mando para a mesa uma proposta, renovando a iniciativa de um projecto de lei.

O sr. Faria Guimarães: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Sinfães, pedindo que, longe de se restringirem, se ampliem os estudos dos estabelecimentos litterarios da cidade do Porto.

O sr. Barão da Torre: — Mando para a mesa os requerimentos de dois capitães de infanteria n.° 7, pedindo que se lhes conte o tempo da graduação deste posto, pára serem declarados capitães de 1.ª classe.

O sr. Veiga: — Mando para a mesa duas representações: uma, da camara municipal do concelho do Sabugal, pedindo que sejam d'elle desannexadas as freguezias que compunham os antigos concelhos de Villar Maior e Castello Mendo, para formarem um só com a sede onde se julgar mais conveniente; e outra, de varios habitantes do mesmo concelho, em que se oppõem aquelle pedido, propondo e motivando outra reforma de divisão territorial.

ORDEM DO DIA

CONTINUAÇÃO DA DISCUSSÃO, NA GENERALIDADE, DO PROJECTO DE LEI N.° 19

O sr. F. L. Gomes: — Não devia ser eu quem devia abrir este debate; nem a minha pouca experiencia parlamentar nem as minhas limitadas forças intellectuaes me podem dar este direito. Confio porém que esta tyrannia da inscripção e do acaso encontrará correctivo na indulgencia da camara.

Este projecto é grave, e direi mesmo é gravissimo (apoiados). Opposição e governo têem n'elle deveres sagrados a cumprir, opposição e governo estão n'elle face a face, não com trinta mil peticionarios, mas com mais de tres milhões de habitantes, que repetem todos os dias = estamos pagando muito, não nos peçam mais = (apoiados). Opposição e governo têem de desprender-se de todas as obstinações, de todos os caprichos, e de todas as susceptibilidades para entrarem só com a pureza das suas consciencias e com a sinceridade do seu patriotismo na apreciação d'esta questão grave e séria.

Para mim não direi que a tarefa é facil, mas debaixo d'este ponto de vista é menos difficil.

Entrei neste casa sem nenhumas paixões partidarias, não as tenho ainda creado fortes. Diante do incendio que ellas causam, que eu tenho visto tantas vezes acceso nesta casa, que tenho lamentado outras tantas, eu posso repetir o que dizia a Beatriz de Dante diante das portas do inferno: Ne fiama d'esto incendio non m'astalle.

Não receio que se faça d'este projecto questão ministerial. As questões ministeriaes acabaram; as questões ministeriaes passaram de moda, as questões ministeriaes são caducas, são anachronicas. Hoje estão em moda as questões dos ministros, e receio que se faça deste projecto questão do ministro.

Não devem fazer, não podem fazer, e peço a todos que não façam.

Esta questão é principalmente financeira. Trata-se de um imposto. A questão da industria é accessoria, secundaria e limitada pela questão do imposto. Insisto neste ponto, porque dizia um homem celebre: «Pôr uma questão é resolve-la metade». Se se entender que, para se não aggravar de um modo consideravel o thesouro, é necessario sacrificar a industria do tabaco, todos estão de accordo em que se sacrifique; se para se não aggravar o thesouro consideravelmente, entender-se que é necessario adjudicar a industria do tabaco a uma industria particular, adjudique-se se se entender que é possivel dar pequena liberdade á cultura do tabaco, sem gravame do thesouro, todos estão de accordo em que essa liberdade se dê. Não é portanto a questão franca da industria, porque se o fosse, este projecto passava sem discussão (apoiados).

Qual é o membro d'esta casa, quer elle se sente deste lado da camara quer do outro, que não quer mais uma industria no paiz, que não quer as vantagens dos consumidores?

Qual é o membro d'esta casa que quer os octrois, as barreiras, essa rede de impecilhos que o fisco oppõe á livre circulação dos capitães, e ao natural desenvolvimento das forças do homem? Mas a questão não é essa. O sr. José de Moraes, que pugna pelo monopolio, não deixa de ser por isso ministerial, o que elle quer é sacrificar a industria do tabaco ás outras industrias que, na opinião d'elle, são mais importantes, porque parte do principio que, a haver um desfalque no rendimento do thesouro, ha de este ser supprido á custa da agricultura (apoiados).

O governo entende que póde dar uma pequena liberdade á industria do tabaco Bem gravame para o thesouro; aspiração nobilissima, mas que eu sinto não poder chamar aspiração felicissima, porque ella é irrealisavel pelo modo por que o governo pretende.

O governo com a liberdade na bôca e com os mais elevados sentimentos no coração, vae por esta lei restabelecer os morgados, que nós ha pouco tempo extinguimos nesta casa (apoiados). Esta lei é uma lei de morgados. Os mor

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gados morreram tia industria agricola, mas vão agora renascer na industria fabril e na industria commercial, que tambem n'estas industrias os ha. Eu sou contra todos e a todos voto igual odio — morgados provisorios, e morgados perpetuos!

Os morgados provisorios são os actuaes caixas, que vão ser collocados por esta lei em especialissimas circumstancias (apoiados). Os morgados perpetuos são os fabricantes de Lisboa e Porto, que por este projecto vão ser investidos de um privilegio. Os filhos segundos são os fabricantes das outras partes do reino, que querem fabricar e não podem; os filhos segundos são os consumidores, que querem consumir barato, e que por esta lei hão de ser obrigados a consumir caro; os filhos segundos são a fazenda publica, que por este projecto vae soffrer um desfalque certo e inevitavel; os filhos segundos somos nós todos.

Esqueciam-me as ilhas. Estas não terão morgados, mas terão capellas, oneradas com legados pios tão exorbitantes que eu estou bem convencido que ellas hão de rejeitar uma graça pela qual tem de pagar direitos de mercê tão absurdos.

Trata-se do imposto, disse eu; a primeira idéa que occorre é a materia sobre que recáe o imposto. Quanto a mim todos os generos podem dividir-se em tres classes: generos que conservam e desenvolvem as forças productivas do homem, generos que contrariam a conservação e o desenvolvimento das forças productivas do homem, o generos que não contrariam nem desenvolvem as forças productivas do homem. O tabaco, se não póde ser collocado na segunda classe, é-o sem duvida na terceira. Quer elle esteja na segunda ou terceira classe é igualmente preferivel para ser tributado.

Não insisto n'este ponto, porque ninguem contesta, porque não póde ser contestado.

Quanto ao modo de lançar o imposto ha tres systemas, como todos sabem: ha o monopolio particular, ha a régie, monopolio do estado, e ha a liberdade propriamente dita. Digo a liberdade propriamente dita, para a distinguir da liberdade do projecto.

Estes são os tres systemas principaes. Ha alem d'estes os systemas intermedios, e estes podem ser muitos. Direi rapidamente as vantagens e as desvantagens de cada um d'esses systemas, e depois descerei á analyse do projecto e do relatorio que o precede.

O monopolio tem a vantagem de assegurar ao estado uma renda certa, segura e infallivel, exonerando o mesmo estado de todos os encargos da fiscalisação e administração. Ora no quantum d'esta venda não póde deixar de influir alguma cousa a superior fiscalisação que tem logar no monopolio particular. De todos os tres systemas o monopolio particular é aquelle em que o contrabando é menor. A rasão é obvia. Ao interesse particular que faz o contrabando oppõe-se o interesse particular que o quer evitar. E não ha força no homem mais energica, mais sagaz, mais incansavel e vigilante que o interesse. É a mola principal.

Os inconvenientes do monopolio são, em primeiro logar, o vexame da fiscalisação, que é tanto maior quanto o interesse particular é cego; em segundo logar, os vexames do consumidor, que fica obrigado a consumir o genero pelo preço e da qualidade que o monopolista lh'o quer vender; em terceiro logar, é o estado ficar obrigado a alhear alguns direitos magestaticos, que só a elle pertencem, e que não podem ser vendidos sem o desdouro do systema que nos rege, e do cidadão que a elles tem de sujeitar-se. O monopolio resente-se do seu berço, traz o sêllo do feudalismo, e destoa dos habitos constitucionaes.

Na régie o contrabando é maior do que no monopolio particular. A rasão é clara. A vigilancia do interesse é substituida pela vigilancia do dever, e o dever póde ser nobre e sublime, mas é menos vigilante do que o interesse geralmente fallando. Os vexames da fiscalisação são menores, porque o dever é mais propenso ás concessões; os vexames do consumidor são tambem menores, porque o dever é menos intolerante do que o interesse particular, de maneira que se póde considerar a régie como um meio termo entre os grandes vexames proprios do monopolio e as vantagens inherentes á liberdade propriamente dita, entre o grande contrabando proprio da liberdade, e o pouco contrabando proprio do monopolio particular.

Resta agora saber se o desfalque que ha de haver na régie, como consequencia de maior contrabando, póde ser compensado pelo exclusivo da industria de que ha de gosar o estado, porque na régie o estado não só aufere os impostos que, por exemplo, entre nós pagava o monopolio, mas alem d'isso aufere os lucros que tirava o monopolio. Resta saber se este lucro é maior do que o contrabando, consequencia da peior fiscalisação.

Quanto a mim, e quanto a muitos que têem estudado esta questão melhor do que eu, este lucro é muito maior do que o desfalque.

Agora vamos á liberdade. Na liberdade o contrabando é maior do que na régie, porque militam as mesmas rasões e accrescem outras muito fortes, taes como a liberdade do fabrico e a liberdade da venda. A valvula por onde entra o contrabando torna-se maior, os meios de que elle se serve duplicam-se. A valvula só póde ser estreitada pela diminuição do quantum dos direitos de importação, esperando que o desfalque que d'ahi possa resultar seja supprido pelo augmento do consumo. Liberdade com grandes direitos só se vê no projecto do governo. Note-se que a diminuição dos direitos deve ser calculada com toda a madureza, porque quanto mais se diminuem os direitos tanto mais não augmenta o consumo. Não estão na mesma rasão. A rasão é muito clara, porque um individuo que fumava quatro charutos póde fumar quando o tabaco for barato dez, mas não fuma vinte, nem começa a fumar, porque o tabaco é barato, aquelle que nunca fumou.

Em que proporção devem ser diminuídos os direitos? Póde esta diminuição ser supprida pelo augmento do consumo? São estas questões as mais delicadas na liberdade. Quanto é o consumo? Quanto é o rendimento do monopolista? Estes e outros dados só se podem obter com segurança na régie. Parece-me que em todo o caso convem que a liberdade seja precedida da régie por algum tempo.

Quanto tenho dito sobre o contrabando posso auctorisar com exemplos. O contrabando em Portugal é menor que na Hespanha, tomando em conta alguns contras com que luta a régie hespanhola; o contrabando na Hespanha é menor que na Inglaterra; e note se que a Inglaterra é uma ilha, e tem uma fiscalisação tão rigorosa, que disse um membro do parlamento francez que = a nação franceza nem em dois dias era capaz de supportar o rigor da fiscalisação ingleza =.

Vê-se portanto que esta questão não é uma questão absoluta, é necessario avaliar os prós e os contras, é necessario confrontar as circumstancias, apreciar a opportunidade, para optarmos por um systema que não comprometta os rendimentos do thesouro.

O governo não quer o monopolio nem a régie, mas na alternativa prefere o monopolio, porque diz elle no seu relatorio: «De todos os systemas a régie é a menos admissivel entre nós», e n'isto está em desaccordo com o parecer da commissão, porque o parecer condemna o monopolio, e diz que =a régia lhe é preferivel =. Mas o nobre ministro da fazenda, e vejo-me obrigado a dirigir-me a s. ex.ª porque é o seu relatorio que discuto, e a illustre commissão deu um parecer muito litterario, muito laconico; o sr. ministro pinta a régie com côres tão negras, desfigura-a por tal fórma, que em logar de a tornar assustadora, como desejava, a torna caricata.

São os effeitos das exagerações. Sei para que são as iras contra a régie, e porque o monopolio merece melhor agasalho. A régie tem o defeito do merecer a sympathia de alguns cavalheiros que se sentam d'este lado. Em primeiro logar não posso aceitar o modo por que s. ex.ª avalia os inconvenientes da régie. S. ex.ª discute os inconvenientes da régie do um modo absoluto; ora fallando absolutamente — quem é que não reconhece que a régie é um monopolio? Quem é que póde deixar de reconhecer os inconvenientes do monopolio? Quem é que não reconhece o inconveniente do estado administrar uma industria? Mas a questão não é esta, a questão é se vale a pena soffrer os inconvenientes da régie que são menores que os do monopolio, para não comprometter seriamente os rendimentos do thesouro, ou por outra para, não gravar as outras industrias com um imposto novo. É uma questão de preferencia, de opção.

Resta tambem saber se muitos dos inconvenientes que s. ex.ª nota ao systema da régie se não encontram do mesmo modo no systema de liberdade como se apresenta no projecto. No caso affirmativo elles devem deixar de figurar na apreciação, porque quando se trata da preferencia entre duas cousas, não se consideram as qualidades que são communs a ambas.

Um dos inconvenientes da régie diz o nobre ministro que é o vexame da fiscalisação. Estes vexames de certo não podem ser peiores do que aquelles que estabeleça no projecto para a liberdade. O projecto conserva todo esse apparato medonho, assustador e privilegiado de penas como se conservam na régie. Parece-me até que os vexames na régie seriam menores do que os que se hão de dar se este projecto for convertido em lei, porque na régie haveria vexames unicamente na importação, emquanto que na supposta liberdade ha-os na importação, no fabrico, na cultura e na venda; quer dizer, dá-se uma liberdade, mas á custa de vexames. Antes não se dê nenhuma, do que dá la com tantas restricções, com tantas desigualdades, com tantas injustiças e com tanto prejuizo da fazenda.

A despeza da administração, diz s. ex.ª, é outro inconveniente da régie. E na liberdade não ha despezas de administração? E provavel que ellas diminuam, mas não podem desapparecer; e, não se extinguindo, indifferente é ao consumidor paga las ao estado ou ao vendedor. Se as despezas da administração na régie são mais, ha outras que diminuem. Ha uma compensação. A régie gasta menos nos transportes, e muitas vezes compra a materia prima mais barata.

O que digo das despesas da administração, posso dize-lo tambem das de venda. Paga-as o consumidor, e ellas existem tanto na régie como na liberdade, embora n'esta se chamem lucros da venda, e n'aquellas commissões de venda. Pois aquelles que quizerem vender depois de ser convertido em lei este projecto não hão de auferir um lucro d'esta industria; não têem que pagar o imposto de venda?

Do relatorio do nobre ministro deprehender-se-ia que as despezas de venda só as ha na régie.

Por consequencia todos os inconvenientes que o sr. ministro apresenta para a régie são communs á liberdade.

Vamos ao argumento principal.

Diz o nobre ministro que = é preciso empatar para a compra da materia prima, fabrico, etc. 600:000$000 réis. Note-se bem esta phrase.

Confesso que este argumento me fez alguma impressão, mas animei-me logo que encontrei nos economistas duas palavras consoladoras; e são — a circulação dos capitaes — e o credito commercial. Qual é a industria do mundo que tem de desembolsar logo nos primeiros mezes todo o capital em que póde ser computada a sua industria de um anno? Se assim fosse poucas seriam as que podessem vingar. Não sabem todos que um mesmo capital figura duas e tres vezes na industria de um anno? Não sabem todos que as industrias nascem, crescem e florescem a sombra do credito commercial? Que o vendedor de meias toma adiantadas as meias ao fabricante d'ellas, e o fabricante toma adiantado o algodão ao negociante d'elle, e não é preciso ir tão longe.

Pergunto ao nobre ministro como é que os actuaes caixas succederam aos anteriores? Começaram elles desembolsando logo 600:000$000 réis? Estou que não. Pois o estado não póde fazer o que elles fizeram?

Mas supponha-se por um momento que são necessarios 600:000$000 réis. Pois não ha já um Stern Brothers, um Forster que possa emprestar 600:000$000 réis? (Apoiados.) Onde está então o augmento do credito com que nos quebravam a cabeça no principio da sessão? Onde estão as theorias que nos apresentavam para sustentar que o credito era capital? (Apoiados.)

A nobre commissão receiou que se citasse o exemplo da régie franceza, e para prevenir este argumento diz no seu relatorio que = a régie franceza está n'uma especialidade, porque aquelle paiz tem uma administração muito centralisada que presta grandes auxilios á régie =.

Eu sinto que a illustre commissão não olhasse a questão por todas as suas faces, e que, encarecendo as vantagens problematicas da régie franceza, não tomasse em nenhuma consideração os grandes contras com que ella luta.

A régie franceza é obrigada a permittir a cultura em nove departamentos, e, na opinião do sr. ministro da fazenda, é isto uma impossibilidade, porque diz s. ex.ª = que a liberdade do tabaco é incompativel com a liberdade da cultura sem gravame do thesouro.

Eis-aqui um grande contra com que luta a régie franceza. Mas não pára aqui. A régie franceza vende mais barato ao exercito, á marinha e nas fronteiras (apoiados).

E não supponha a camara que a differença é pequena. Emquanto que em geral vende o kilogramma de tabaco por 7 francos, aos militares vende por 1 franco e 35 centimos. Sinto pois que se encarecessem tanto as vantagens problematicas da régie franceza, e não se mencionassem os contras com que ella luta, o que são sem duvida muito mais consideraveis.

Mas o assumpto de França não serve, o de Inglaterra é que colhe. E diz-se: «O consumo entre nós vae diminuindo porque entre nós existe o monopolio. Na Inglaterra augmenta, porque lá ha liberdade, logo substituamos a liberdade ao monopólio». Falsissimo modo de argumentar! Anti-economico modo de argumentar! (Apoiados.)

Porque um paiz não consome um genero na mesma proporção em que o consome o outro, não se julgue que isto seja devido á diversidade dos systemas. A questão do consumo é uma questão complicadissima. O consumo é a expressão de influencias climatericas, de habitos, de costumes, de uma infinidade de circumstancias.

É tão absurdo suppor que um paiz deve consumir um genero na mesma proporção que outro, como um negociante pegar n'uma porção de chapins e manda-los para o Brazil fazendo o seguinte calculo: Inglaterra que tem vinte milhões de habitantes consome 10:000 chapins; o Brazil que tem pouco mais ou menos metade da população, devo consumir 5:000. Ergo mandem-se 5:000 chapins para o Brazil, ergo haja gelo, ergo o brazileiro comece a patinar (riso),

O chá em Inglaterra paga 40 por cento de direitos, e cada inglez consome 3 kilogrammas de chá por anno, ao mesmo tempo que na America ingleza, onde o chá é livre, cada individuo consome 355 grammas de chá, isto é, nove vezes menos. So nós quizessemos discorrer pelo modo como discorreu o nobre ministro da fazenda, a conclusão que haviamos de tirar era — que em Inglaterra consome-se mais chá porque o chá paga muitos direitos, e nos Estados Unidos consome-se menos chá porque o chá é livre, ergo augmentem-se os direitos para haver maior consumo. Eis-ahi pois como o consumo resiste aos systemas que mais parecem contraria-lo.

O argumento final contra a régie é a historia do imposto, do tabaco entre nós. Permitta me o nobre ministro que observe que a régia mixta entre nós rendeu mais que o monopolio, e a régie pura rendeu menos que a régie mixta só 11:000 cruzados, o que podia ser devido aos transtornos que sempre ha na mudança de um systema para o outro.

Não se supponha que eu quero a régie permanente. A minha aspiração é para a liberdade, mas para a liberdade como deve ser, e não para esta a que não sei como hei de chamar.

O nobre ministro da fazenda combate a régie provisoria, e com rasões que são insustentaveis, e n'esta parte o relatorio de s. ex.ª foi escripto com alguma precipitação.

Digo precipitação, porque da intelligencia e conhecimentos do nobre ministro tenho elevado conceito, e da sinceridade das intenções com que entra nesta questão presto aqui franco, sincero e insuspeito testemunho.

Querem ver as rasões com que s. ex.ª combate a régie provisoria? São estas:

«A idéa de passar do contrato para a liberdade, adoptando por algum tempo a régie como systema de transição, arriscaria o estado a grandes perdas sem vantagem nenhuma para o publico; obrigaria o thesouro, como já tivemos occasião de dizer, a um avultado desembolso de capital para a compra da fabrica e dos tabacos, sujeitando-se depois a vender pelo que lhe dessem o que havia comprado, e a um desfalque de rendimento necessariamente resultante d'estas mudanças o transtornos de administração, ficando depois do mesmo quem arrematasse os tabacos e a fabrica n'uma posição excepcional em referencia aos outros concorrentes, por isso que durante a administração do monopolio por conta do estado este tambem não podia consentir, sem sacrificio do rendimento, que se introduzissem tabacos e se estabelecessem fabricas.»

Ha aqui uma contradicção. Se a fabrica ha de dar lucro, se quem a comprar fica em uma posição excepcional, como é que se póde verificar que o estado ha de ser obrigado a vender a fabrica pelo preço que lhe queiram dar?

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Isto é o mesmo que dizer: A fabrica ha de dar muito lucro, mas ninguem ha de querer compra-la! Contradicção manifesta! Se o nobre ministro da fazenda receia que os individuos que comprarem a fabrica fiquem em condições excepcionaes, e se esta é a rasão que actua no seu espirito para condemnar a régie provisoria, pergunto ao nobre ministro da fazenda — como ficam pelo projecto os caixas actuaes? Ficam nas mesmas condições excepcionaes.

Eis aqui pois como o nobre ministro da fazenda condemna aquillo mesmo que quer sustentar (apoiados) depois com toda a força. Outra contradicção!

E eu aprecio muito mais estas manifestações espontaneas, filhas da successão das idéas, a que a propria intelligencia se curva, mau grado seu, do que essas outras, calculadas para sustentar uma determinada theoria, um determinado projecto (apoiados).

Diz o projecto: «Fica extincto o monopolio em Portugal, ilhas e Macau ». Este monopolio macaense é uma especie de bispo in partibus. Em Macau, depois que foi declarado porto franco, cessou toda a fiscalisação. Se os actuaes caixas mandam algum rapé para Macau, é porque ninguem mais sabe fabricar rapé d'aquella qualidade. E de certo se este monopolio valesse alguma cousa, o sr. ministro da fazenda não deixaria de convidar aos funeraes d'elle o nobre ministro da marinha (riso).

Quatro são as rasões com que se sustenta o projecto: primeira, as vantagens do consumidor; segunda, a liberdade do fabrico; terceira, vantagens da fazenda; quarta, liberdade de cultura nas ilhas.

As vantagens do consumidor são a barateza, e a barateza é filha da concorrencia. A concorrencia é tanto menos efficaz e é tanto menor, quanto ha mais privilegios de facto e de direito.

E effectivamente pelo projecto ha privilegios de facto e privilegios de direito.

Os privilegiados de facto... não sou eu que o digo, é o mesmo nobre ministro da fazenda no trecho que eu acabei de ler, são os actuaes caixas que têem uma fabrica experimentada e em acção; que têem materia prima; que possuem todos os segredos do commercio e todos os segredos do consumo; que têem, para assim dizer, fechado nas mãos, por emquanto, o dominio d'esta industria.

Para se levantarem outros industriaes que possam competir com estes, quanto tempo não é preciso? Quanto tempo não é preciso para fazer estudos, para tomar informações, para mandar vir o tabaco, para todos os trabalhos preparatorios?

Os privilegiados de direito são os fabricantes de Lisboa e Porto, que, por isso mesmo que são fabricantes, são tambem negociantes do tabaco.

As tendencias do projecto são para matar a divisão do trabalho, são para engrossar as industrias, para proteger as grandes, e para afugentar, para desfavorecer as pequenas, que são exactamente aquellas que produzem maior concorrencia.

A concorrencia mede se pelo numero e pelo tempo, e o numero e o tempo são limitados pelo modo instantâneo por que vae estabelecer-se a liberdade e pelos privilegios que se concedem.

As industrias não sáem dos bicos da penna como sáem projectos e regulamentos. As industrias nascem debeis e fracas como uma creança, incertas e vacilantes em seus primeiros passos; tropeçam muitas vezes, e nos tropecimentos aprendem; soffrem não poucas, e nos soffrimentos se instruem até que chegam á virilidade.

Eu não queria que se esperasse até então, mas tambem não queria surprezas nem privilegios.

Não é a primeira vez que eu vejo n'esta casa tratar as industrias como a um correio da secretaria. Levanta-se um e diz: «Industria portugueza, pega nos teus capitães e vae deseccar os pantanos». Levanta-se outro e diz: «Industrias portuguezas, começae a negociar em tabaco desde 1 de maio, que eu governo vos proponho um lucro de 27 por cento, e as côrtes da nação hão de approva-lo». Illusão e phantasia! Illusão e engano suppor que as industrias hão de curvar-se doceis e submissas aos regulamentos que os ministros lhes fazem no silencio dos seus gabinetes, regulamentos que se lançam no papel, do papel não sáem, no papel morrem, no papel hão de jazer para sempre. Para tratar destes regulamentos é que eu julgo as camaras incompetentes (apoiados).

Mas o nobre ministro quiz desculpar-se de ter apresentado este projecto tão tarde, e não foi porque não houvesse n'esta casa quem lh'o lembrasse (apoiados). O sr. Casal Ribeiro foi até importuno. Cansou-se debalde. A camara ha de estar lembrada que o sr. ministro foi aqui repetidas vezes instado para que dissesse qual era a sua opinião sobre a questão do tabaco, e s. ex.ª recusou-se sempre a isso (apoiados). O nobre ministro dava então a resposta que quasi sempre dá aos seus adversarios, e é: «Eu hei de explicar-me, eu me explicarei»; mas quasi nunca se explica (apoiados). E quando se explica é tão tarde, e tão mal, como n'este projecto (apoiados).

S. ex.ª dá como rasão no seu relatorio que = continuando o monopolio ninguem podia mandar vir tabaco nem fabricar =. Não posso aceitar em toda a extensão esta rasão. Desculpe-me s. ex.ª

Se a liberdade fosse decretada com tempo, podiam as industrias ter mandado vir tabacos, deposita los nas alfandegas para os terem á mão no primeiro dia de maio. As fabricas podiam estar montadas, o que ellas não podiam era funccionar (apoiados).

Diz o illustre ministro: «Mas as industrias podem agora mandar vir tabaco da Hollanda, de Inglaterra e de Gibraltar». Sinto que s. ex.ª não soubesse os preços por que o tabaco se vende n'estas praças, e o preço por que se podem obter da America. Tanto isto é assim, que os actuaes caixas não compram tabaco n'estas praças senão quando se vêem apertados por uma urgente falta.

Diz-se tambem que = as industrias podem agora mandar vir tabaco e deposita-lo na alfandega, para no 1.° de maio lançarem mão d'elle =. Qual é o industrial que havia de mandar vir tabaco com a esperança de que o projecto havia de passar nas duas casas do parlamento? E se não passasse, não tinha elle de se ver obrigado a vende-lo pelo preço que lhe offerecessem os caixas ou a régie? (Apoiados). E mal de nós se as industrias ou os particulares tivessem uma tal confiança! Isso seria suppor que as camaras eram uma chancella do governo e nada mais (apoiados). Rejeito um tal conceito pela parte que me toca.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Mas a fabrica mandaram-a vir.

O Orador: — A fabrica podiam-n'a mandar vir da mesma fórma.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Vendiam-n'a depois?

O Orador: — Vendiam se não quizessem ficar com ella; mas esta não é a questão. A questão é que, querendo-se estabelecer a liberdade, deviam decreta-la com antecedencia (apoiados). O sr. ministro da fazenda tomou sobre si uma gravissima responsabilidade. Não é com argumentos futeis que se defenderá d'esta omissão, que póde trazer grandes prejuizos para o thesouro.

Vou agora provar, com a logica dos algarismos, que o tabaco não póde ser depois da liberdade mais barato do que hoje. São tão extraordinarios os direitos! Antes de descer aos calculos devo prevenir que ou eu estou n'elles completamente enganado, ou o nobre ministro da fazenda o está n'aquelles que fez. É mais provavel que seja eu do que o illustre ministro; mas vale bem a pena de examinar os calculos, porque se for eu o enganado, os meus erros expia-los ha o meu amor proprio; se for porém o nobre ministro, os erros de s. ex.ª são mais perigosos, e portanto é necessario que haja com elles muita mais severidade.

O calculo que fez o nobre ministro da fazenda é este. Ver quanto paga o actual monopolio ao estado, o que importa, entrando os direitos da alfandega, em 1.748:000$000 réis, e ver quanto lucra o monopolio, o que importa, na opinião de s. ex.ª, 102:000$000 réis, sommar ambas as quantias, acrescentar-lhes mais 35:000$000 réis, e dividir tudo como direitos e imposto de fabrico sobre o tabaco importado. Eis-ahi o modo por que s. ex.ª procede nos seus calculos.

Ora sendo isto assim, entrando já os lucros do actual monopolio, acrescentados com 35:000$000 réis nas despezas de producção, é claro que se as outras despezas de producção depois da liberdade não diminuírem, o tabaco não póde ser mais barato. É impossivel que o seja. Pois a concorrencia póde fazer com que um genero seja vendido por um preço que seja inferior ás despezas da producção? Supponhamos um negociante de vinhos que vendia uma garrafa de vinho por 1$000 réis, 200 réis era despeza de producção 600 réis eram de direitos e 200 réis era o lucro. Ora se o governo sobre cada garrafa de vinho impozesse o direito de 850 réis, está claro que se o negociante continuar a vender a garrafa pelo preço antigo perde 50 réis; para tirar o mesmo lucro que tirava ha de vende-la por 1$250 réis.

E para dar prova da minha lealdade e dos desejos de sinceridade com que entro n'esta discussão, não tenho duvida em apresentar os meus calculos á commissão, se ella os quizer ver. Posso estar enganado, mas se erro é na melhor boa fé (apoiados).

Começarei.

O actual monopolio despende em materia prima réis 400:000$000, para fabricação 130:000$000 réis, preço da arrematação 1.521:000$000 réis, direitos das alfandegas 227:147$446 réis, administração, fiscalisação e venda réis 400:000$000. Somma tudo 2.678:147$446 réis. (Todos estes dados são tirados do relatorio.) O rendimento bruto é de 2.830:434$000 réis, o lucro é portanto 152:000$000 réis.

Façamos agora o mesmo calculo em relação ao vendedor livre. É provavel que com a venda haja uma diminuição nas despezas, mas logo direi o alcance d'esta diminuição.

Os vendedores livres devem pagar:

De direitos......................... 1.840:824$000

3 por cento de emolumentos para os empregados da alfandega... 55:224$720

De imposto sobre o fabrico.......... 130:000$000

Pela materia prima.................. 400:000$000

Pela fabricação e venda............. 160:000$000

Administração....................... 280:000$000

Somma...... 2.866:048$720

Se pois elles quizerem vender os generos pelo mesmo preço por que os vende o actual monopolio, isto é, por 2.830:434$000 réis deve perder 35:614$720 réis.

Não empreguei só este systema, dividi os 2.866:048$720 réis, que têem de despender os vendedores livres pelos kilogrammas que annualmente se consomem; e o resultado foi que se quizerem vender pelo mesmo preço por que os vende o actual monopolio, perdem 26 réis por kilogramma. Ora, 26 réis multiplicados pelo numero dos kilogrammas consumidos dá proximamente os mesmos 35:000$000 réis.

Mas o nobre ministro apresentou um calculo que mostra que em cada kilogramma ha o lucro de 374 réis. Permitta-me s. ex.ª que lhe diga que este seu calculo está muito inexacto. É facil prova-lo.

O nobre ministro, querendo encontrar a media do preço actual de um kilogramma, divide o rendimento do actual monopolio pelos kilogrammas manipulados que se vendem, e acha a media do preço de 2$104 réis; e depois, querendo achar a media do custo de um kilogramma depois da liberdade, toma um kilogramma bruto.

Sendo o consumo actual de 1.344:000 kilogrammas, diz s. ex.ª no seu relatorio, e o seu valor pelo preço da venda de 2.830:434$000 réis, o termo medio por kilogramma é 2$104 réis. Ora, pergunto eu que kilogrammas são estes? Manipulados ou brutos? Manipulados de certo como se deprehende do relatorio. Decretada a livre importação, fabrico e venda, continua s. ex.ª, teremos que um kilogramma deve pagar de direitos 1$200 réis. Ora, que kilogramma é este? Bruto ou manipulado? Não póde ser senão o kilogramma bruto, porque é exactamente o kilogramma bruto que paga 1$200 réis.

Isto não é indifferente para o calculo, porque o kilogramma bruto quando passa a manipulado perde 7 por cento, e o direito correspondente a estes 7 por cento deve ser acrescentado á parte que resta. D'onde um kilogramma manipulado paga muito mais direitos do que o kilogramma bruto, e aqui devia figurar o manipulado e não o bruto.

Mas não pára aqui a inexactidão. Chamo a attenção do nobre ministro e da illustre commissão de fazenda para outro equivoco. O nobre ministro em logar de tomar a media do direito, tomou o minimo do direito, porque 1$200 réis era no projecto o minimo do direito. Pois se para tirar a media do custo era necessario que dividisse tambem os diversos direitos dos diversos tabacos pelos kilogrammas importados, não o fez assim, tomou o minimo.

É pois, confundindo o kilogramma manipulado com o bruto, comparando o meio termo de uma serie com o extremo da outra, que s. ex.ª encontrou o resultado de 374 réis de lucro em cada kilogramma, resultado visivelmente contradictorio.

Eu fiz o calculo pelas medias, e encontrei ainda por este modo o prejuizo de 35:000$000 réis.

Importam se 1.448:251 kilogrammas de tabaco manipulado e não manipulado, reduzem-se todos a manipulados 1.344:906, donde um kilogramma de tabaco fabricado e não fabricado reduz-se a 0928,6 fabricado.

Dividindo os 1.840:824$000 réis, que são os direitos de toda a especie de tabacos por 1.448:251 kilogrammas, temos como direito medio de cada kilogramma 1271,06. Junte-se-lhe mais de 3 por cento 38,13, mais de custo medio do imposto de fabrico 89,70, somma tudo 1398,89. Como o kilogramma de tabaco bruto se reduz a 0928,6 de tabaco manipulado, segue se que 1 kilogramma de tabaco manipulado deve pagar em direitos 1506,45. Juntem-se lhe mais de materia prima 394,08, mais de despezas de administração e venda 230, somma tudo 2130,53.

Vendido pelo actual preço, que é 2104,5, deixa uma perda de 26,0.

Tambem fiz o calculo do minimo que póde custar 1 kilogramma manipulado depois da liberdade, com o minimo do preço que custa actualmente, e achei uma perda de 18 réis em cada kilogramma. Esta perda é, por exemplo, nos cigarros, que são consumidos pela classe menos abastada.

Calculo do minimo do custo de 1 kilogramma depois da liberdade

Direitos por 1 kilogramma bruto................ 1$000 réis

Tres por cento................................. $030 »

Imposto de fabrico............................. $100 »

Somma..... 1$130 »

Como 1 kilogramma bruto 86 reduz a 0928,6 temos que 1$130 réis se elevem a... 1$226 »

Materia prima.................................. $150 »

Fabrico........................................ $070 »

Venda.......................................... $022 »

Administração.................................. $150 »

Somma..... 1$618 »

Minimo do preço actual......................... 1$600 »

Perda..... $018 »

O minimo do preço da materia prima foi tirado da seguinte nota:

Preços dos tabacos

[Ver diário original]

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[Ver diário original]

Passo agora á liberdade do fabrico. Onde está ella? Só a encontro em Lisboa e Porto (apoiados). Nem ao menos esta liberdade para sympathisarmos com o projecto do governo, e para fecharmos os olhos ao desfalque do thesouro! Eu desejava que acontecesse aqui o mesmo que no Brazil e em Havana. Ali os lavradores nos ocios do seu trabalho habitual, as mulheres nos momentos que podem furtar aos cuidados domesticos, fazem os cigarros e charutos. É uma industria caseira, e eu sympathiso com as industrias caseiras (apoiados).

Não sou socialista; não admitto o direito do trabalho contra o direito da propriedade, não quero o socialismo anarchico de Rollin, sigo e adopto o socialismo salutar e ordenado de Thiers.

Não quero que ninguem tenha direito a exigir o trabalho, quero que o estudo procure dar lh'o como uma conveniencia social, como um elemento de prosperidade publica; não quero que o estado seja surdo quando um honrado chefe de familia lhe diz: «Foi um Deus que inscreveu na minha fronte = trabalha e vive =. Procuro o trabalho, e o trabalho me foge, abro as mãos ellas encontram o nada, quero viver e não posso. Ou é necessario descrer da Providencia, ou fostes vós, barbara sociedade, que me apagaste da fronte esta doce palavra = esperança =, como Dante das portas do inferno, sois vós h causa da fome que me devora. A sociedade não póde ser surda a esta voz.» A sociedade fatal no seu progresso, inexoravel na sua marcha não póde fechar os olhos e dizer = ávante =, quando do todos os lados lhe gritam = soccorro = (Vozes: — Muito bem.) A necessidade do trabalho não se sentiu ainda muito em Portugal. Ella ha de vir quando os trabalhos publicos diminuirem, e a criminalidade ha de augmentar, porque a vacuidade do estomago trás a asphyxia do sentimento e a paralysia da intelligencia.

Eu já vejo tendencias para este augmento. Ha poucos dias eu ouvi a um portuguez que = fôra assaltado n'uma calçada d'esta cidade =. Dois dias depois um estrangeiro disse-me que = fôra barbaramente roubado n'uma das ruas mais centraes da capital =.

Ouvi estes factos com profunda magua, porque acredite a camara, acreditem quantos me ouvem n'esta casa, que eu amo sinceramente esta terra. Não sou feliz n'ella talvez, mas sou livre tanto quanto desejava sê-lo. Se não fôra isso, podia teme-la, mas amar nunca. Não queria, não devia, não podia ama-la sem faltar á minha dignidade de homem (apoiados). Repito, não sou socialista, mas venero os socialistas. Não os acho justos, acho-os sublimes, augustos e christãos nas suas aspirações. Vamos ao segundo ponto, que é a vantagem do thesouro. Já provei que o tabaco havia de ser caro, e quanto mais caro menor consumo; quanto menos consumo, menor importação; e quanto menor importação, menos direito e menos rendimento para o thesouro. Mas não é só isto, O contrabando ha de augmentar, e ha de augmentar por duas rasões. A primeira, porque o genero torna-se mais caro; e a segunda, porque a fiscalisação na liberdade é muito peior que n'outro qualquer systema (apoiados). A carestia do preço só por si era bastante para augmentar o contrabando;

Agora, em relação ao manifesto do tabaco que tem a fazer os actuaes caixas, eu confesso ao nobre ministro que elles hão de manifestar todo o tabaco que tiverem quando queiram ser leaes, aliás não. Como o nobre ministro póde evitar, que se dê como consumada uma qualidade no tabaco não o sendo ainda? Pelos livros? Ha de encontrar-los muito bem escriptos. Pelos calculos? Se forem como os do relatorio, não podem merecer grande confiança. Eu não faço a menor offensa aos caixas. Elles são muito honrados e cavalheiros, mas trata-se de uma lei de fiscalisação, e as leis de fiscalisação não distinguem pessoas, e são todas de desconfiança.

A fraude no manifesto póde have-la não só na quantidade, mas na qualidade fazendo passar os 10:000 charutos estrangeiros por nacionaes (apoiados). Não tenho pois confiança em similhantes meios. Serão muito bons se os caixas forem sinceros, aliás não (apoiados).

Quanto á liberdade da cultura nas ilhas, essa liberdade da maneira como se acha estabelecida no projecto é uma chimera, um impossivel (apoiados). Pois qual é o agricultor nas ilhas que ha de cultivar o tabaco, para ser responsavel, perante o governo, por todo o contrabando que se fizer? Por toda a falta que se der? Quem é que ha de querer ficar responsavel pela differença que possa haver entre a importancia dos direitos que se cobrarem e a somma de 70:000$000 réis em que é calculado o rendimento de tabaco nas mesmas ilhas?

É fazer a maior injustiça ao discernimento dos habitantes das ilhas (apoiados).

Supponham que se cultivam dois hectares de terra de tabaco; e que falta para complemento dos 70:000$000,

20:000$000 réis; os dois hectares de terra hão de pagar 20:000$000 réis. Pois póde isto ser?

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Isso não está na lei.

O Orador: — É o que se segue da lei. Ha de pagar, repito, 20:000$000 réis.

Ora como é possivel que um cultivador tente uma cultura nova, uma cultura cujo resultado não sabe, em uma teria que não sabe se é propria, sujeitando-se desde logo a pagar um imposto que póde arriscar toda a sua fortuna? O nobre ministro da fazenda chama-a isto fazer ensaios debaixo de bons auspícios. Mas eu escuso de citar mais argumentos. Para mim existe a opinião do nobre ministro da fazenda. S. ex.ª diz no seu relatorio que = o imposto sobre a cultura é gravoso, que póde tolher a propria industria, e que é de difficil fiscalisação =. Diz isto no relatorio, e no projecto de lei adoptou esse mesmo imposto, esquecendo se inteiramente dos principios luminosos que sustentára pouco antes. Contradicção entre o projecto e o relatorio!

Diz no relatorio:

«Por este meio, isto é, estabelecendo direitos addicionaes ás contribuições directas, poder-se-ha tentar a experiencia da livre cultura e fabrico do tabaco no archipelago dos Açores e Madeira, debaixo dos melhores auspícios para o seu bom exito, desembaraçando os proprietarios, que se dedicarem a esta nova exploração, do imposto sobre a cultura que sobre ser de muito difficil e vexatoria cobrança, tolheria, por não poder deixar de ser gravoso, o desenvolvimento d'esta industria.»

E pouco depois estabelece no projecto exactamente o contrario d'isto, porque diz:

«Artigo 7.°... a differença será paga pelos cultivadores do tabaco na proporção da area da cultura e producção respectiva.»

O sr. Sant'Anna: — É no projecto da commissão.

O Orador: — Não, senhor. É mesmo no projecto do governo.

O nobre ministro da fazenda é coherente; s. ex.ª, dizendo no teu relatorio que a liberdade do tabaco era incompativel no continente com a liberdade da cultura sem gravame do thesouro, não podia torna-la compativel nas ilhas. Mas s. ex.ª queria acceder ao pedido das ilhas, então lembrou-se de lhes dar essa liberdade pomposa mas impossivel. Ficarão ellas satisfeitas? Se queriam só as honras da liberdade, conseguiram o seu fim.

Eu estou vendo que se todas as provincias do reino pedissem ao nobre ministro da fazenda a liberdade da cultura com as condições com que s. ex.ª a offerece ás ilhas, elle não tinha duvida em lh'a conceder promptamente (apoiados). S. ex.ª dava-lh'a promptamente, porque era o meio de ter a renda do tabaco muito segura (apoiados).

As ilhas são tambem solidarias. Aquella que cultivar o tabaco paga o contrabando que se fizer nas outras (apoiados).

O tabaco das ilhas sobrecarregado com um imposto excessivo sobre a cultura, e sujeito no continente aos mesmos direitos de importação que os tabacos estrangeiros, não póde competir com estes (apoiados). Não póde competir quando mesmo seja na qualidade tão bom como o tabaco estrangeiro, o que para mim é muito duvidoso (apoiados).

Lembra-me agora ter ouvido uma vez ao sr. ministro da marinha que todas as nossas questões eram de diccionario. Eu acho que s. ex.ª disse uma grande verdade. Nós temos adiantado muito o nosso diccionario de synonymos, e promette elle ser muito mais rico do que o que nos legou o sabio fr. Francisco de S. Luiz.

Por exemplo: suspender, seu synonymo — graduar a execução, regular a execução (riso). Liberdade de cultura, synonymo — impossibilidade de cultura. Vantagem do consumidor, synonymo — comprar caro. Liberdade do fabrico, synonimo — fabricar em Lisboa e Porto.

Invoca-se a liberdade, e eu tenho—a procurado em vão n'este projecto (apoiados).

Eu peço licença para ler uma nota do resultado da liberdade em França.

Resultado da liberdade do tabaco em França

Foi estabelecida em 1791 e durou até 1811.

Rendeu nos ultimos tres annos................. 49.163:441 francos

Rendeu com a régie nos seguintes tres annos... 93.355:842 »

O tabaco era mais caro em 1811 que em 1832.

O argumento que se póde trazer é que os tempos em que foi estabelecida a liberdade em França eram anormaes. Mas permitta-me a camara que lhe diga que estes tres anno em que foi estabelecida a régie, e aos quaes se refere a nota, não eram, tambem muito, normaes. Devo notar que a liberdade do tabaco foi estabelecida em França com direitos moderados, porque a liberdade com direitos fortes para mim é uma cousa que não comprehendo (apoiados).

Era Hespanha foi estabelecida a liberdade em 1820, e foi abolida, diz-se que pelo desfalque que produziu nas rendas do estado. Em Portugal tambem houve liberdade, e diz o sr. ministro que produziu mau resultado, porque não foi prohibida a cultura. Ora, devo observar que quando a liberdade foi substituida pelo monopolio tambem havia liberdade de cultura, e comtudo o resultado que se obteve foi melhor para o thesouro.

Eu não trago estas comparações como argumentos fortes, porque para o serem é necessario haver completa paridade de circumstancias. Á falta de outros argumentos em abono do projecto é provavel que se soccorram os seus defensores ao prestigio da liberdade e ás tradições do partido progressista. Já o têem feito mesmo antes de vir este projecto á discussão. Eu revolvi o inventarie de dois grandes partidos d'esta terra, e logo direi á camara o resultado das minhas investigações. Mas antes d'isso direi que não me é muito facil entrar n'este campo, porque para mim todos os partidos são historicos, porque a terra onde elles lutaram; onde ganharam victorias, onde soffreram derrotas, estavam longe, e bem longe d'aquella onde eu nasci e onde fui educado. Se porém o terreno da luta póde ser limitado, o imperio da idéa é vasto. Chega a todos que tiverem uma intelligencia para o comprehender, um coração para a amar.

Sympathisei sempre com o partido progressista, grande nas suas aspirações, elevado nos seus intuitos, generoso na victoria, e forte e resignado na adversidade. Sinto não lhe ter pertencido, como sinto não lhe poder disputar para mim uma parte da gloria que lhe cabe por ter plantado n'esta terra as instituições liberaes; mas este partido, Deus me perdoe esta audacia, tinha um defeito. Era alguma cousa theorico nas suas aspirações. Amava a liberdade como a uma divindade, desprendia-a de todas as mundanidades para a collocar nas vastas e sublimes regiões do ideal. Não transigia, não pactuava, porque para elle a liberdade era uma religião, e onde ha religião não ha transacção. Seguiu-se a este partido o outro, a que sinto tambem não ter pertencido— o partido da regeneração. A regeneração era a liberdade, a pratica, a liberdade accommodada ás circumstancias, a liberdade pactuando com as difficuldades, a liberdade menos sublime talvez, mas mais fecunda. Enganam-se os que suppõem que foi a espada do marechal Saldanha que fez a regeneração. Não ha espadas que possam fazer um partido. Os partidos são uma lei providencial, estão na fatalidade das cousas, nascem como uma necessidade. Os partidos não descera tambem á sepultura escondidos nas dobras das fardas bordadas dos homens d'estado. Têem vida propria. Di-lo a historia. Não foi Napoleão que fez a celebre epocha de 1789 a 1798. Foi esta epocha que fez Napoleão. A liberdade andava solta, delirante e despedaçando-se contra si mesmo como as ondas altivas tocadas de tempestade, indo de embate de rochedo em rochedo, que as assoberbam, lá vem morrer na praia em cachões de espuma. Napoleão foi uma ordem para esta desordem. Voltou-se para a revolução e disse — segue-me. A revolução cruzou os braços e seguiu-o. Mas n'este momento estavam ao lado de Napoleão os homens de todos os partidos da França.

(Voltando-se para o sr. Sant'Anna e Vasconcellos.) Comprehendo o aceno do nobre deputado, Napoleão n'esta occasião fez serviços á ordem. Depois d'esta epocha é que a liberdade recebeu d'elle as prescripções e conselhos severos com a resignação de um valetudinario que se salva de uma molestia grave.

Mas voltando á questão do tabaco, da qual me afastei mais talvez do que devia, direi que procurei o tabaco no inventario dos dois partidos. Encontrei o monopolio atravessando incolume dois grandes congressos d'esta terra, e em 1857 foi ainda a voz, não sei se menos eloquente ou mais patriotica de Passos Manuel, que o sustentou n'esta casa. Na regeneração encontrei a liberdade, mas a liberdade que quer consultar, que quer examinar e que se retira quando lhe dizem = é cedo =.

Na mesma regeneração encontro depois a régie sustentada com todo o vigor da mais logica argumentação.

Não invoqueis pois as tradições dos partidos. Em conclusão, este projecto é mau para o consumidor, mau para o fabricante, mau para o thesouro, mau para as ilhas. Se elle passar ha de pedir a Deus para que as minhas previsões falhem e a fazenda não soffra, hei de acompanhar a discussão na especialidade e procurar por todos os meios fazer com que elle se torne o mais util possivel para o paiz. São estes os meus desejos e os meus mais sinceros votos (muitos apoiados).

Vozes — Muito bem.

(O orador foi cumprimentado por muitos srs. deputados.)

O sr. Guilhermino de Barros: — Estando eu assignado no parecer que as duas commissões reunidas, de legislação e fazenda, submetteram á apreciação da camara, julgo do meu dever dizer a minha opinião a este respeito, e dar os motivos por que subscrevi aquelle trabalho.

Já vê a camara que não é minha intenção fazer um discurso, mas simplesmente pronunciar algumas palavras, dizendo as rasões que me levaram a dar o meu voto pela maneira por que está no parecer.

Alem d'esta rasão ainda ha outra. Tratou-se ha pouco tempo n'esta casa uma questão, pequena no meu modo de ver, mas grande pelo alcance que se lhe deu, pela maneira por que a consideraram, pelas circumstancias que a revestiram e por muitas outras rasões.

Ácerca d'essa questão aguardei com toda a impaciencia e com todo o desejo a palavra; mas a camara entendeu na sua sabedoria que tinha chegado o momento opportuno de encerrar o debate, e por consequencia fui obrigado a guardar silencio.

Tiraram se d'ahi illações que eu não posso aceitar por fórma alguma, e por isso resolvi, na primeira occasião que tivesse, vir á tribuna protestar contra a situação em que, fiquei.

Tomei pois para mim o compromisso de nunca mais deixar em assumptos graves de emittir o meu voto e de o fundamentar, para que se não continuem a tirar as illações que se tiraram relativamente a essa questão;

O illustre deputado que acabou de fallar, e a quem não posso certamente acompanhar no vôo que desprendeu; porque chegou a uma esphera que pertence aos homens que, como elle, sabem cingir a corôa do talento e da imaginação, o illustre deputado começou por nos dizer que a materia era grave, que a questão era de imposto e não de industria, e ao mesmo tempo quiz pintar-nos o estado da fazenda publica de fórma tal que creasse no nosso espirito apprehensões de que o desfalque que havia de produzir na receita do estado a adopção deste projecto do lei era immenso, e que se o desfalque na receita publica era sempre um mal, na actualidade, nas circumstancias em que nos achâmos era grave e terrivel.

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Parece-me que as apprehensões do illustre deputado não têem o fundamento que s. ex.ª imagina, e se s. ex.ª se lembrar, como estou persuadido de que se lembrará, de ver o parecer da commissão sobre o orçamento do estado que ha pouco foi distribuido n'esta casa, onde vem calculada á receita publica do futuro anno economico comparada com a do anno economico actual, parece-me longe de ter que as apprehensões que manifestou pelo nosso estado financeiro, deverá pelo contrario alimentar a lisonjeira esperança de que elle todos os dias vá melhorando, e que é de certo opportuna a occasião de tentar a adopção de uma medida de tanto alcance e vantagens, como aquella que o governo apresentou ao parlamento e que estamos discutindo.

Vê-se d'esse documento, a que me referi, comparado com o do anno economico anterior, que, emquanto a receita do anno de 1863-1864 era de perto de 15.000:000$000 réis, no orçamento para o anno economico de 1864-1865 apparece calculada em 17.000:000$000 réis.

É certo que a despeza tem tambem augmentado, e que se no anno economico de 1863-1864 era de 17.000:000$000 réis, apparece hoje no orçamento de 1864-1865 elevada a perto de 20.000:000$000 réis, reunindo a despeza ordinaria e extraordinaria. Mas este augmento provém dos meios que temos empregado na viação publica e outros melhoramentos importantes.

Já se vê pois que ha já um augmento de receita de perto de 2.000:000$000 réis, e que por consequencia o illustre deputado não póde, em relação a este objecto, continuar a nutrir as apprehensões que mostrou, e reconhecerá que chegou a occasião opportuna de tentar uma reforma tão importante como a de que se trata.

Diz o illustre deputado que esta questão é uma questão de imposto e não uma questão de industria.

Parece-me que a considerou de uma maneira bem mesquinha. Eu entendo, pelo contrario, que se esta questão é de imposto pelas circumstancias extraordinarias que a revestem, é primeiro que tudo uma questão de industria.

Pois se a cultura do tabaco é tão vantajosa e de tanta conveniencia, se o uso d'elle se vae adoptando a ponto de permittir o imposto quadruplicado, parece que se não póde dizer com fundamento, que um assumpto donde se podem tirar tão grandes vantagens, seja uma questão de imposto e não de industria. O que se póde dizer é que as duas questões se ligam e reunem ao mesmo tempo.

O illustre deputado citou-nos um nome illustre a respeito d'esta questão; eu tambem, como o illustre deputado, fui examinar e folhear os annaes parlamentares; e entendo mesmo que os homens novos, aquelles que principiam a ensaiar os primeiros passos na vida publica, devem ir procurar nos annaes parlamentares quando tratam de emittir um voto, de dar uma opinião sobre uma materia grave, a opinião dos homens eminentes para lhes servir de guia, a fim de que, firmes e seguros com a sua auctoridade, possam livre e desassombradamente adoptar um principio e assentar uma opinião.

Eu fui pois examinar os annaes parlamentares relativos a esta questão, e achei nas sessões que tiveram logar n'esta casa em 1857 e em 1860 auctoridades insuspeitas e respeitaveis, que mais me levaram a adoptar e sustentar o principio da liberdade de commercio e fabrico do tabaco.

Escuso de dizer que não foi com intuito de fazer reconvenções, nem de retaliar que fui estudar os annaes parlamentares, porque eu entendo que as retaliações são pessimos argumentos e uma maneira falsa de argumentar, e entendo mesmo que á intelligencia do homem é dado mudar de opinião.

Se nós todos os dias estamos a querer, a pedir, a exigir o progresso para todas as cousas, não ha rasão nenhuma para que queiramos a immobilidade para o espirito, para que imaginemos que elle deve estar cercado de ferros, agrilhoado, peiado, sem poder ter um pensamento por certos motivos n'uma dada occasião, e outro pensamento por outros motivos n'outra occasião que se der (apoiados).

Não foi portanto, digo, com intuito de fazer retaliações que fui estudar os annaes parlamentares, foi para estudar a questão e achar auctoridades.

A primeira opinião que eu achei ácerca deste assumpto refere-se a um illustre deputado, que sinto não ver n'esta casa, a cuja illustração de espirito e a cuja generosidade de animo sou o primeiro a tributar respeito, cujas elevadas qualidades sou o primeiro a reconhecer, ainda que, seja dito de passagem, tenha mais de uma vez encontrado et se illustre deputado diante da minha carreira politica como um obstaculo, como uma barreira; não sei por que motivo ou por que fatalidade, mas é certo que assim o tenho encontrado; e admiro me d'isso, porque me conheço a mim proprio pequeno e humilde, e o vejo a elle gigante, opulento de idéas, de posição e de tudo o mais que póde desejar-se na sociedade.

Mas dizia eu — esse illustre deputado, que foi o primeiro cuja opinião achei, esse illustre deputado que já apresentára um projecto em anno anterior a 1857 para o estabelecimento da liberdade do fabrico e venda do tabaco, esse illustre deputado, fallando a respeito da liberdade relativamente ao tabaco, nessa celebre discussão de 1857, dizia que = o principio da liberdade era um santo e generoso principio =.

Um outro cavalheiro, a que se referiu ha pouco o illustre deputado que me precedeu, cavalheiro do qual não posso fallar sem certa commoção, cavalheiro do qual se póde dizer que se era homem hontem é hoje estatua: refiro-me a Passos (Manuel); esse mesmo manifestando as suas opiniões a respeito deste objecto, não viu a liberdade pela maneira por que o illustre deputado a viu. Elle queria a liberdade, queria-a muito sinceramente, todas as suas aspirações eram pela liberdade do fabrico e venda do tabaco; mas n'aquella occasião, em 1857, adoptava um outro principio, declarando ao mesmo tempo que o adoptava como expediente e não como doutrina.

Portanto não deduzamos argumentos da opinião d'aquelle illustre caracter: a sua opinião, todas as suas aspirações eram pelo principio da liberdade.

E o parecer que esse illustre cavalheiro assignava por essa occasião era ao mesmo tempo subscripto por um outro illustre deputado, que eu estou persuadido de que, posto milite em campo diverso do meu, ha de comtudo prestar a esta lei o apoio da sua voz e a auctoridade do seu voto.

Alem d'estes, ainda mais alguns illustres caracteres adoptavam, queriam, mostravam desejar o principio da liberdade.

Um illustre publicista, que eu sinto não ver dentro d'esta camara, mas cuja pena incisiva e gloriosa nós todos conhecemos, e sempre gloriosa ainda mesmo quando influenciado pelas paixões partidarias a molha de fel, esse illustre publicista interrompido durante essa discussão memoravel de 1857, respondia tambem que todos os seus desejos eram pelo principio da liberdade.

Já se vê que, quando eu fui buscar lições, experiencias e auctoridades aos annaes parlamentares, achei muitas boas e insuspeitas, e por consequencia livre e desassombradamente adoptei a opinião em que o meu illustre amigo, o sr. deputado que acabou de fallar, achou tantos inconvenientes.

D'aquella discussão de 1857 resultou ainda uma outra consequencia, e por isso senti muito que o meu nobre amigo o sr. José de Moraes apresentasse o projecto que submetteu á approvação da camara, d'aquella discussão resultou que o contrato do tabaco, o monopolio do tabaco por conta de particulares ficou ferido de morte; não achou uma unica voz que o defendesse, e entendeu-se que ficava sepultado com todas as honras funerarias, admittindo-o mesmo aquelles que o votavam, apenas como expediente.

Cuidou-se que tinha morrido, vejo porém que não aconteceu assim. E a sorte que têem de ordinario os grandes absurdos economicos. Quando parece que elles têem desapparecido da scena da vida, quando se julga que elles estão mortos e sepultados, ei-los que surgem. Cobram, permitta-me a camara que diga assim, as mortalhas de ouropeis, tomam uma denominação nova e apresentam-se; mas não é difficil, olhando-os bem, considerando-os attentamente, descobrir debaixo d'essas apparencias enganosas o que elles são. É o que acontece com o monopolio do tabaco quando esse se apresenta com a denominação de régie; principio que sustentou o illustre deputado que acaba de fallar.

Effectivamente se confrontarmos o monopolio denominado régie com o monopolio denominado contrato do tabaco, havemos de ver que no fundo existe n'um aquillo que realmente existe no outro; acontecendo, como diz a commissão no seu relatorio, que = não faz mais do que passar o monopolio do escriptorio dos arrematantes para as mesas das secretarias =.

O monopolio chamado contrato do tabaco mata, como eu provarei depois, as industrias que podem surgir quando se estabelece o principio da liberdade em nome de certos e determinados individuos; o monopolio denominado régie mata essas mesmas industrias, mas em nome da sociedade (apoiados). Um mata, como logo mostrarei, a concurrencia em nome de certos e determinados individuos, o outro mata em nome da sociedade. Um vexa e explora a bolsa do povo em nome de certos e determinados individuos, o outro vexa e explora a bolsa do povo em nome da sociedade. O monopolio chamado contrato do tabaco põe ás ordens de certos individuos uma cohorte numerosa, um numero crescido de individuos; mas esse poder creado assim, tem do outro lado o governo que o contrapese, emquanto que o monopolio denominado régie conserva o poder que o governo já tem, e quando queira fazer mau uso, dá-lhe um outro poder sem que haja nenhum que o contrabalance.

De fórma que se nós considerarmos o monopolio ou em nome dos particulares, ou em nome da sociedade, régie ou contrato do tabaco, no fim de tudo vamos a descobrir que é o mesmo monopolio, que um e outro têem iguaes inconvenientes (apoiados).

Mas se admittirmos o principio do monopolio denominado régie, e o considerarmos, como diz o illustre deputado, um imposto, com o fim de preenchermos parte da nossa receita, parece-me que seria facil conseguir mais largos resultados, lançando mão ou dilatando, alongando mais esse principio.

Temos exemplos de sobejo na legislação de differentes paizes sobre a materia de tributos. Temos a Hespanha que monopolisa o sal. Temos a França que tributa o ar e a luz (o imposto das janellas).

Se nós admittirmos o monopolio denominado régie parece-me que podiamos estender um pouco mais esse absurdo economico, e conseguir altas vantagens com elle; porque ha muitos e differentes objectos que se não podem admittir e considerar como cousas instantemente necessarias á vida. Temos o chá, o café, por exemplo, temos as bijouterias e os artefactos de seda. Se é conveniente para o interesse do estado estabelecer a régie, monopolisar certos generos para d'ahi auferir uma grande renda, é pelo facto de não serem objectos de primeira e instante necessidade. Temos os exemplos d'estas nações a que ha pouco me referi. Podemos levar mais longe o absurdo; podemos monopolisar, já não digo o sal, que é objecto de primeira necessidade, como faz a Hespanha, mas podemos monopolisar o chá, o café, as bijouterias e os artefactos de seda.

Quer dizer, estabelecido o absurdo vem diante d'elle outro, absurdo, porque aconteceu sempre e Tia de acontecer que um abysmo condusa a outro abysmo. E foi de certo este o principio que preponderou no espirito do governo, e que tem preponderado no espirito dos economistas, para o fim de fugirem tanto quanto seja possivel dos absurdos economicos, porque as consequencias são estas, e porque atrás de um absurdo vem logo outro absurdo, como acabei de ponderar.

Não obstante devo dizer que não considero o imposto sobre o tabaco restricta e rigorosamente da maneira por que o consideram quasi todos os economistas. Não quero apresentar uma opinião singular; exponho á camara o meu modo de ver, e exponho o principalmente por conter em si um desejo, o qual espero que n'um futuro mais ou menos largo haja de realisar-se o desejo de que o tabaco seja considerado na lei commum, e venha um dia em que o consumo dê margem a obter-se um receita igual á que actualmente se obtém. Digo que n'essa occasião talvez possamos collocar o tabaco na lei commum, tributando-o não pelo modo como é tributado geralmente em todas as nações, mas de uma maneira mais suave e mais regular.

Dizia eu que não considerava este imposto pela maneira que o considera a maior parte dos economistas. Dizem todos, e escuso de referir os seus nomes, que o tabaco não é uma materia de primeira e instante necessidade. Dizem que se o imposto deve recaír sobre algum artigo de consumo, deve ser sobre este. Tenho uma opinião pouco differente. Observo que a sociedade ao passo que caminha e que se desenvolve, todos os dias cria necessidades, mas necessidades que são e elemento principal, a base essencial d'essa civilisação. Aquillo que n'uma epocha se reputa um assumpto que de fórma nenhuma é necessario á vida, vem neutra epocha a servir como uma necessidade instante e imperiosa.

Escuso de referir-me a muitos factos que podia contar. Lembrarei por exemplo, que o primeiro rei portuguez que vestiu camisa, e o primeiro monarcha que calçou meias, acharam se admiravelmente vestidos. Nenhuma geração que os antecedeu, usára d'aquelles meios de commodidade; mas todos que os seguiram vestiram-se d'esses artefactos, entrou isso nas suas necessidades, e hoje é uma cousa que satisfaz a uma instante e imperiosa necessidade.

Com o tabaco tem acontecido a mesma cousa. Escuso de referir a historia d'esta planta, sujeita no seu principio a excommunhões, perseguida pelos réis, peles papas e pelos medicos; perseguida por todos, mas augmentando, crescendo sempre no seu valor e cultura, adquirindo todos os dias novos fóros, e sendo admittida hoje na praça publica, ámanhã nos salões, no outro dia no paço dos reis.

Portanto, o tabaco torna-se uma instante necessidade desde certa epocha, necessidade que todos os dias se torna maior.

Creio pois, e n'isto exprimo uma opinião minha, unica e exclusivamente minha, que ainda virá tempo que o consumo d'esta planta ha de dar logar talvez a um novo modo de ser legislativo, que não aquelle que se acha estabelecido em differentes nações da Europa.

A ordem dos argumentos leva-me a considerar agora a questão, comparando as conveniencias que se podem deduzir do monopolio denominado régie, e considerando a régie nas suas vantagens e desvantagens que póde apresentar, por isso que me parece que os illustres deputados que se sentam d'aquelle lado da camara, querem sustentar o estabelecimento desse principio em contraposição aquelle que se acha neste projecto submettido á discussão da camara.

O primeiro inconveniente que vejo no monopolio por conta do governo, monopolio denominado régie, é o parecer-me que é contrario á dignidade do mesmo governo, porque fica muito longe ou é muito estranho á missão que o estado desempenha. Parece-me que não podemos deixar de querer que a missão do governo é collocar-se em certa posição eminente e superior ás industrias, deixando-lhes a mais completa liberdade na sua esphera de trabalho, para que possa applicar-lhes as leis, mas nunca interferir nessa sua maneira de obrar, de fórma que as entorpeça e aniquile. Quando o estado desce d'esta sua posição e vae collocar-se ao lado das industrias, trata de concorrer com ellas, de cercear-lhes os lucros, de as atrophiar e matar, parece-me que desconhece a sua missão, e não cumpre o seu dever.

Não posso deixar de dizer que tenho para mim que o estado se rebaixa quando se encosta ao balcão e vende tabaco, rapé e cigarrilhas. O que me parece em termos simples é que o estabelecimento da régie em que o estado faz commercio, e recebe lúcios d'esse commercio, não é proprio, nem digno de um governo de uma nação.

E n'esta minha idéa não condemno este modo de industria, que é nobre e digna como são todos os trabalhos, porque o trabalho é a base da grandeza e opulencia das nações. O meu intuito é tornar maio sensivel a idéa de que o estado se envillece e rebaixa quando deixa a posição em que está elevado e vae nivelar-se com as industrias, concorrendo com ellas.

Demais, todos os dias nós estamos ambicionando ardentemente que se estabeleçam, que se criem e appareçam industrias novas, que o elemento do trabalho se desenvolva, porque, como já disse, do trabalho vem a opulencia das nações. Nós vemos, por exemplo, o empenho com que a Inglaterra e os homens mais eminentes d'aquelle paiz tratam sempre de conseguir meios e de alimentar o trabalho das populações. É esse o seu pesadello constante, o seu trabalho de todos os dias, e eu vejo pelo projecto que está submettido á apreciação da camara, que o governo trata de crear no nosso paiz industrias que até agora não existiam, e senti muito ouvir ao illustre deputado que me precedeu, a manifestação de opiniões que não me parece que sejam muito aceitaveis em relação a este objecto.

S. ex.ª disse nos que =com o projecto que está submettido á discussão da camara iam estabelecer-se tres especies de morgados: o morgado provisorio para os actuaes contratadores; os morgados perpetuos para os fabricantes de Lisboa e Porto; as capellas para as ilhas =.

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A maneira por que o illustre deputado se exprimiu em relação a este objecto foi de certo felicissima; mas emquanto a mim não tem nenhum fundo de verdade.

E possivel, digo-o com franqueza, que os actuaes contratadores quando termine o contrato e se estabeleça a liberdade tenham certas vantagens, como acontece, como póde acontecer em milhares de outras circumstancias; mas essas vantagens só podem dar-se em relação ao rapé, e nunca em relação aos outros productos que podem ser vendidos, quando se siga este ou aquelle systema, quando haja o monopolio ou a liberdade.

Entretanto, tratando-se de estabelecer um principio de tamanho alcance, não deve fazer impressão no nosso espirito uma idéa mesquinha, bagatelleira como aquella que o illustre deputado referiu (apoiados).

É possivel que os contratadores tirem vantagens; mas que importa isso, o que podem ellas ser em comparação com as que nós nos persuadimos e pretendemos mostrar que o paiz ha de auferir da approvação d'esta lei?

A possibilidade dos lucros com relação ao rapé existe só quando no nosso paiz, por se estar costumado ao rapé fornecido pelo contrato, senão tome gosto pelo rapé estrangeiro; cessa porém logo que o uso do rapé estrangeiro seja adoptado, e d'elle seja fornecido o nosso mercado.

Em relação aos outros productos não acontece o mesmo, porque podendo ser importados promptamente, o gosto dos consumidores não lhes é adverso. Segundo me consta, já na alfandega estão algumas quantidades desses productos esperando que esta lei seja levada a effeito. E a precaução que uns têem d'esta fórma podem outros ter de outra fórma.

A meu ver pois, o illustre deputado não póde levantar receios de que alguem fique com o morgadio. E parece-me que é uma cousa um pouco inferior ao seu elevado espirito apresentar idéas tão mesquinhas, quando se trata de estabelecer um principio d'estes (apoiados).

Emquanto aos morgados perpetuos de Lisboa e Porto, o illustre deputado, se se recordasse do paragrapho que contém o artigo a que n'esta sua apreciação se referiu, teria visto que o governo fica no direito de poder alargar ás outras povoações do reino a faculdade de fabrico do tabaco, e não usaria da expressão perpetuos, porque perpetuo não é aquillo que póde acabar ámanhã.

As rasões que levaram a estabelecer no projecto o exclusivo temporario do fabrico para as duas cidades de Lisboa e Porto, são muitas e são fundadas. Estou eu persuadido de que se o illustre deputado se desse ao trabalho de as apreciar, havia de concordar em que muito bem foi estabelecido no projecto aquelle principio, tornando exclusivo das duas cidades de Lisboa e Porto o fabrico do tabaco.

O illustre deputado foi o primeiro que levantou receios de que, com a sancção da lei submettida á discussão e approvação da camara, se não podesse conseguir a receita de 1.748:000$000 réis, que tanto é quanto dão os actuaes contratadores e o imposto, que tanto é o que actualmente o estado recebe por via da renda de 1.521:000$000 réis e por via do imposto que dá a alfandega de 227:000$000 réis.

Eu direi a s. ex.ª que o que denominou morgados perpetuos foi aconselhado por altas conveniencias. Se em todos os pontos se estabelecesse a permissão do fabrico e da venda, a fiscalisação em tal caso tornava-se difficil, e não se podia conseguir o fim a que nos propunhamos: é mister fazer uma experiencia, e portanto n'esse ponto o governo cautelosa e prudentemente restringiu o fabrico ás duas cidades de Lisboa e Porto. Se a experiencia comprovar que se obtém uma receita muito maior, segundo a faculdade que ao governo fica por aquelle paragrapho a que me referi, póde o governo estender a outros pontos do paiz a liberdade do fabrico do tabaco.

Já se vê por consequencia que não ha aqui morgados, não ha senão um meio preventivo aconselhado pelo bom espirito do governo, e por uma prudencia justa e rasoavel para conseguir o seu fim. De mais a mais nas cidades, como as de Lisboa e Porto, existe sempre uma fiscalisação maior que nos outros pontos do reino (apoiados). Se porventura o governo fosse estabelecer desde já em todas as cidades do paiz o fabrico do tabaco, tinha necessariamente de estabelecer em toda a parte grandes e poderosos meios de fiscalisação, como os que actualmente existem em Lisboa e Porto.

E eis-ahi como nem os receios do nobre deputado, receios muito louvaveis, porque s. ex.ª entende que a fazenda publica póde ser defraudada, não terão logar, porque, como já disse, n'estas duas cidades ha poderosos meios de fiscalisação; pela minha parte não tenho a menor duvida em votar que haja nellas a liberdade do fabrico do tabaco.

Mas ha ainda outras rasões. Lisboa e Porto são cidades muito populosas, aonde abundam os capitães; e é muito mais facil que esta industria tome a amplitude e importancia que deve ter, estando collocada n'estas duas cidades populosas, e aonde ao mesmo tempo os capitaes abundam.

Parece-me portanto que, em relação a este ponto, o nobre deputado não deve ter receios, nem podemos condemnar o projecto submettido á consideração da camara, pela circumstancia de n'elle se estabelecer aquillo que o nobre deputado chamou morgados perpetuos, e que nunca o serão, pois o governo póde entender que as conveniencias publicas o aconselham a levar mais longe a permissão do fabrico do tabaco (apoiados).

Fallou tambem o illustre deputado na administração por conta do estado, e confessou que as despezas seriam maiores, porque a administração por conta do estado de certos ramos, é sempre mais despendiosa e menos efficaz, do que a administração por conta de particulares. Se isto é assim, então não sei o que preponderou no espirito do illustre deputado, para não rejeitar completamente o monopolio denominado régie.

A administração por conta do estado tem contra si outras rasões, e nesta parte acompanho o illustre deputado. Nós temos hoje zelosos empregados, muito habeis e que muito bem satisfazem aos seus deveres e obrigações; e creio que teriamos quem muito bem administrasse a régie; mas o que não queria, o que não desejo é que aceitassemos a administração por conta do estado, aceitando tambem a proverbial incuria e o proverbial abandono que ha (com alguma excepção) nas cousas publicas.

Se eu quizesse contar á camara alguns factos presenciados por mim em relação a este assumpto, podia occupa-la largamente. Lembrarei apenas um, que revela bem o que é muitas vezes a administração por conta do estado.

Entrei n'uma repartição publica e vi uma machina nova. Perguntei para que servia e responderam-me que para satisfazer a certo fim. Ao mesmo tempo perguntei o que fazia um grupo de homens que estavam ao lado dessa machina e responderam-me, que serviam para o mesmo para que servia a machina, que ainda estava guardada, coberta e empapellada! Isto causou alguma impressão no meu espirito e fez com que formasse um juizo pouco favoravel, pelo modo como em algumas repartições publicas se fazia o serviço.

Todos os dias estamos nós vendo que o governo procura entregar ao cuidado de particulares a administração de certos ramos, não tomando sobre si a responsabilidade de os administrar. Assim, em relação ás obras publicas tem-se ensaiado o systema das empreitadas, tem-se tambem ensaiado o systema das tarefas, e de tudo colhido optimos resultados, isto é, os que governam bem, os que administram melhor, tratam de procurar por todos os meios que o interesse particular seja o movel, o aguilhão do serviço, para se conseguir um trabalho melhor e mais barato.

Ora o illustre deputado que acaba de fallar, e que está compenetrado d'este principio, estou certo que compenetrando-se de um outro, qual é que, tendendo a régie a estabelecer uma administração por conta do estado com todos os inconvenientes a que acabo de responder, se deve contar com o seu voto para livrar o paiz de um inconveniente tão grave (apoiados). E a maneira de livrar o paiz de tão grandes inconvenientes é votar-se o projecto que se discute.

Não são só estas as rasões que aconselham, e que indicara quanto seria inconveniente o estabelecimento da régie: ha outras muitas, ponho as de parte, porque quero apenas tratar rapidamente a questão. Escuso de dizer á camara que o meu fim não é senão dar as rasões por que subscrevi o parecer que se discute. Não quero tratar a questão largamente; porque o sr. ministro da fazenda, o nobre relator e outros meus collegas, mais vantajosamente se hão de occupar deste assumpto e trata-lo com a profundeza que merece. Eu por mim limito-me a considera-la superficialmente.

Mas dizia eu, que ponho de parte outras muitas rasões que podiam apresentar-se, e vou apreciar a questão em relação á receita, para ver se eu, como o illustre deputado que acabou de fallar, alimento receios de que adoptado este systema, nós não possamos auferir d'elle a mesma receita que até agora o estado percebia pelo contrato de tabaco e pelos direitos de importação nas alfandegas.

É sabido que o contrato do tabaco pagava 1.521:000$000 réis, e é sabido tambem que pelos direitos das alfandegas recebia o estado 227:000$000 réis, o que montava á cifra de 1.748:000$000 réis.

Uma rasão me parece a mim que póde apresentar-se, e é a esperança de que de um maior consumo se obterá tambem uma maior receita. É uma rasão muito simples e que julgo de algum modo aceitavel. O governo pede 1.748:000$000 réis, quer dizer, aquillo que o contrato pagava. Hoje pede se um pouco mais pelo calculo que se apresenta do augmento do consumo que se espera. Mas supponhamos que o estado pede só esta receita e que se lhe votava só isto. Mas o contrato pagava 1.748:000$000 réis, o alem d'isso fazia as despezas de fabrico, despezas de fiscalisação, despezas de administração, tirava o juro do capital fixo que tinha nas suas machinas e utensilios proprios de uma tão grande labotação, e tirava muitos e avultados lucros, porque é opinião geral, e não sei se é verdadeira se menos exacta, que os contratadores tiravam avultados lucros. Ora, se o governo, se o projecto não pede mais que aquillo que os contratadores davam, e se os contratadores faziam de mais a mais todas as despezas, parece-me que não se póde ter duvida em que o imposto sobre as importações do tabaco venha a produzir uma cifra igual a essa, menos as despezas da fiscalisação e fabrico, menos a despeza da fiscalisação e transporte, menos o juro do capital fixo, menos os lucros avultados que toda a gente diz que tinham os contratadores.

Portanto se o pedido do projecto é tão modesto, tão limitado, se os contratadores satisfaziam a essa somma e a todas estas dispezas a que acabo de alludir, parece-me que por esta rasão não podemos alimentar receios de que a receita venha a faltar, venha a diminuir, e antes pelo contrario podemos esperar que ella ha de produzir o mesmo ou augmentar. Mas o illustre deputado pareceu-me manifestar alguns receios relativamente ao consumo, á verdade com que o consumo foi apresentado, ou, para melhor dizer, á verdade com que a cifra de consumo foi apresentada no relatorio. Parece-me que tenho ouvido manifestar receios n'este caso.

Eu tambem em relação a este objecto, da maneira por que vejo vem calculado o consumo, não tenho a menor duvida. Diria nesta occasião qual era a origem que eu achava de similhante cifra, mas vejo que o illustre deputado aceitou o consumo tal e qual se apresentou, e então nada tenho a acrescentar a esse respeito.

No que o illustre deputado fallou e largamente, foi relativamente aos receios que elle tinha de que o contrabando vindo mallograr todos os meios de fiscalisação, viesse aniquilar completamente a receita.

Disse o illustre deputado que na liberdade o contrabando havia de ser maior, porque havia o fabrico e a venda. Não pude comprehender as rasões em que o illustre deputado fundamentou esta sua asserção.

Quando no paiz se não cultiva o tabaco, quando elle tem de entrar pelas vias maritimas ou portos seccos, póde-se receiar o contrabando, porque a fiscalisação póde ser mais ou menos activa, mas o fabricar-se e vender-se tabaco no paiz, não sei que isso possa alimentar o receio do contrabando. Que importa que se venda ou que se fabrique? A questão é se o tabaco póde entrar a salvo no paiz pelos meios que o commercio illegitimo póde empregar. Essa é que é a questão, e não posso comprehender como do fabrico e da venda se podem deduzir maiores receios em relação ao contrabando.

Disse o illustre deputado, que o contrabando em Portugal era menor do que na Hespanha e nesse paiz menor do que em Inglaterra, querendo dahi concluir, que era menor em Portugal porque havia o contrato do tabaco, que era menor na Hespanha porque lá estava estabelecida a régie, e que em Inglaterra era maior porque lá se achava estabelecida a liberdade, e por consequencia seria maior no nosso paiz se porventura nelle se estabelecesse tambem o principio da liberdade.

As rasões por que o contrabando é menor em Portugal do que na Hespanha, sabe as bem o illustre deputado, e de certo não póde attribuir esse facto achar-se estabelecida a régie, o monopolio ou a liberdade.

O illustre deputado sabe que na Hespanha é permittida a cultura, e sabe que apesar dos meios activos que se empregam para evitar o contrabando nas provincias Vascongadas, onde se acha estabelecida a cultura, esses meios são inuteis.

Sabe que o mesmo acontece em relação á França, onde apesar de se empregarem os meios mais activos e fortes de fiscalisação, não tem sido possivel evitar que o contrabando cresça e se desenvolva todos os dias.

Portanto se na Hespanha o contrabando é maior do que em Portugal, esse resultado deve attribuir se ás circumstancias especiaes d'aquelle paiz e não a achar-se lá estabelecida a régie, porque em qualquer dos casos, isto é, na régie, no monopolio ou na liberdade, a fiscalisação é a mesma.

Emquanto ao maior contrabando em Inglaterra, é muito facil encontrar a causa nos muitos pontos por onde é possivel penetrar em Inglaterra; pelas transacções immensas e extraordinarias que aquelle paiz ostenta com differentes nações e mesmo pela elevação do direito que, como se prova no relatorio, é superior na Inglaterra em relação aquelle que queremos estabelecer. Por consequencia se em Inglaterra não houvesse o systema de liberdade, mas sim a régie ou o contrato, havia de dar-se o contrabando, porque elle ha de dar-se sempre a respeito de qualquer genero, quando esse genero for tributado quatro vezes mais do que o seu valor, offerecendo por isso grandes lucros ao commercio illegitimo.

Se pois em relação ao systema de liberdade nós temos que receiar o contrabando, parece-me que da mesma fórma o devemos receiar em relação á régie, porque as rasões a favor e contra são as mesmas a respeito dos dois systemas.

O que me parece é que devemos estabelecer algumas disposições para cohibir quanto possivel que o contrabando se possa fazer pela mesma raia secca; mas emquanto a Hespanha conservar a régie, parece-me que não podemos alimentar receios de que o contrabando que d'ahi se faça para o nosso paiz, venha aniquilar a receita que queremos tirar deste genero de imposto.

O nobre ministro, no relatorio que apresentou á camara, fallando do assumpto do contrabando hespanhol, que se póde fazer pela raia, tratando do rapé, diz o seguinte:

«No rapé não póde haver receio de contrabando, não só porque o nosso rapé tem um fabrico particular, diverso do dos outros paizes e accommodado ao gosto do publico, mas porque o seu preço é menor, pois se vende a 2$091 réis o kilogramma, ao passo que em Hespanha custa 3$263 réis, e em França 2$160 réis.»

Já se vê por consequencia que a respeito de uma parte deste producto, que traz á nossa receita um valor igual a 700:000$000 réis, não se póde receiar o contrabando, por isso que é um genero que constitue uma especialidade no nosso paiz. Ha um homem que tem uma receita propria, segundo a qual fabrica rapé que o uso e costume do paiz tem aceitado, não permittindo este uso geral uma outra especie. Portanto, por esta parte não póde haver o menor receio de contrabando pela raia de Hespanha.

Diz mais o relatorio do nobre ministro da fazenda:

«No rolo em onças e cigarros tambem se não deve temer o contrabando, nem hoje existe, porque não ha esta especie de tabaco em Hespanha, e em França se vende a 10980 réis o kilogramma, ao passo que entre nós o seu preço é de 10743 réis.»

Todos sabem que neste genero de productos, aquelles que offerecem maior receita ao estado são os que se facilitam mais ao consumo das classes populares; são os cigarros e os charutos de preço baixo, produzindo os charutos de 10 réis uma receita de 600:000$000 réis, e os cigarros uma quantia que não é inferior a 700:000$000 réis.

Só estas duas quantias formam uma das principaes verbas que entram na receita com que o estado conta, e se os preços entre Portugal e Hespanha estão desequilibrados da maneira que acabo de expor, sendo esse desequilibrio a favor de Portugal, parece que não devemos ter o menor receio que o contrabando venha desfalcar essa receita em relação ao rapé, aos cigarros e aos charutos de 10 réis, o que tudo monta a perto de mil e tantos contos de réis.

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Deu a hora, e tendo ainda algumas considerações a apresentar, peço a v. ex.ª me reserve a palavra para a sessão seguinte.

Vozes: — Muito bem.

(O sr. deputado não reviu este discurso.)

O sr. Costa e Silva: — Mando para a mesa um parecer da commissão de legislação.

O Sr. Presidente: — Dou parte á camara de que a mesa nomeou para membros da commissão diplomatica o sr. Braamcamp e o sr. Ayres de Gouveia, e para completar a commissão de guerra o sr. Cunha.

A ordem do dia para segunda feira é a que estava dada, e mais os projectos n.ºs 30 e 31.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

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