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com apparencias de quem soffre, que esta ahi unicamente pelo preceito de obediencia.

Ora no systema constitucional, que nos rege, não ha, creio eu, regulamento ou disciplina que obrigue s. ex.ª a estar por obediencia ahi sentado (apoiados). Por obediencia a quem?...

O sr. Sá Nogueira: — A sua consciencia.

O Orador: — Se é por obediencia á sua consciencia, muito bem, esteja; mas devo notar que os dictames da consciencia não constituem codigos de disciplina militar.

Esteja pois s. ex.ª emquanto não perder a confiança da corôa e do parlamento; sairá quando o abandonarem estes elementos constitucionaes, embora tenha a confiança do exercito (apoiados).

Esta é a doutrina. No codigo fundamental da nossa constituição politica não encontro o exercito como poder do estado.

Compenetrem-se os nobres ministros da impreterivel e improrogavel necessidade de reduzir as despezas publicas.

As exigencias da opinião publica, o imperio das circumstancias, obrigaram o ministerio, dizem ss. ex.ª, a destruir tudo ou quasi tudo que a situação passada fez.

Muito bem. Pois o mesmo imperio, direi eu, as mesmas exigencias da opinião publica requeriam que edificassem e construissem tambem (apoiados).

Não quizemos, disseram ss. ex.ªs, usar da dictadura, e cheios de escrupulos liberaes exclamaram «vinde, eleitos do povo, vinde a nós, depressa, mais cedo ainda do que devíeis vir; a salvação da patria esta prompta e acabada».

Vieram os eleitos do povo correndo a salvar a patria infeliz. Esperae mez e meio, disse o governo, e os eleitos do povo esperaram.

Appareceram emfim as medidas salvadoras, e os eleitos resmungaram (riso). Resmungaes?! Pois bem. Ahi vae a suprema salvação da patria — a lei de meios! O epilogo corresponde ao exordio.

A gloriosa revolução de 2 de janeiro pereceu abafada por estridente gargalhada.

Que é feito, sr. ministro da fazenda, do seu pomposo programma de economias? Onde esta elle, que lhe fez V. ex.ª? Não o aceitaram os collegas de v. ex.ª?

Pois V. ex".a quando entrou no poder não devia, antes de entrar, dizer aos seus collegas o seu programma economico? (Apoiaãos.)

E verdade que o formador do ministerio foi o sr. conde d'Avila, que esta acostumado a entrar para conversar depois (riso).

A camara conhece o programma de economias apresentado aqui pelo sr. ministro da fazenda. Não me farei cargo de o ler, mas desejo que a camara tenha conhecimento de alguns trechos do discurso que precedeu a apresentação do programma; são elles tão edificantes, que não devem ficar na obscuridade dos archivos.

Ouçam:

«São tão graves as circumstancias do paiz e as difficuldades do thesouro, que eu tomo a liberdade de apresentar á camara uma relação de economias ou uma indicação de suppressão de despezas, como lhe quizerem chamar, que, se merecessem a benevolencia da assembléa e o assentimento do gabinete, deviam attenuar consideravelmente, ou talvez mesmo extinguir, o saldo desfavoravel do nosso orçamento, restabelecendo o equilibrio entre a receita e a despeza do estado. Mas creia V. ex.ª que me sinto um pouco acanhado para apresentar estas indicações á assembléa, depois de ouvir hoje ao nobre ministro da fazenda, que estimaria que os membros d'esta casa apresentassem todas as lembranças de suppressão de despeza, reservando-se todos os direitos e liberdade de as apreciar; mas considerando desde logo suspeitas de menos convenientes todas as que não partissem de espiritos esclarecidos e praticos.»

Foi d'aqui que o nobre ministro tirou a resposta que deu aos eximios patriotas do Porto (riso). Aceitam-se todas as lembranças, mas é necessario que ellas partam de espiritos esclarecidos e praticos.

É a linguagem de todos os ministros da fazenda; hontem era s. ex.ª espirito pouco esclarecido; hoje, como é ministro, encontra já as trevas no espirito dos outros! E todos são assim! E os que vem depois, ou fazem o mesmo ou peior (riso).

Dizer unicamente ao paiz que o deficit é consideravel, que importa em milhares de contos de réis, e não dizer immediatamente a maneira como este desequilibrio, que é uma molestia fatal das nossas finanças, se ha de remover em uma epocha mais ou menos demorada, é systema com que não posso conformar-me» (riso).

Pois conformou-se! (Apoiaãos.)

«Emquanto a economias, creio que o governo apresentou as que podia apresentar, e, se tenho bem presente um discurso que fez n'esta casa um dos ornamentos do gabinete, o sr. ministro dos negocios estrangeiros, quando se discutiu a reforma diplomatica, o governo aceita as economias como principio de governação, mas não póde fazer economias consideraveis, não póde fazer economias como meio importante, como meio que avulte, e que seja efficaz para a organisação da fazenda publica.

«O mais notavel é que a illustre commissão de fazenda pondera, e com justa rasão, que qualquer adiamento da questão de fazenda é um novo encargo para o thesouro. Completamente de accordo, sr. presidente.

«Pois nós, que queremos livrar-nos, não de vantagens que desejaramos ver augmentadas, mas de encargos, vamos ao menos livrar-nos d'estes encargos até onde for possivel; e portanto tratemos de resolver e não de adiar a resolução do problema financeiro.

«Se a commissão de fazenda pareceu negar-nos a iniciativa no assumpto da organisação da fazenda, seja feita justiça ao sr. ministro da fazenda, que, pondo em pratica todos os meios para explicar plausivelmente aquelle periodo do relatorio da illustre commissão, ao menos não nos negou essa competencia, nem no-la podia negar. Se pois o governo não tem coragem para entrar francamente na questão, tome a camara o seu logar.»

É pena ver no procedimento actual do nobre ministro o contrario, exactamente o contrario, do que fôra como simples José Dias Ferreira!

Como são verdadeiras aquellas memorandas palavras de s. ex.ª quando aqui nos disse que o paiz estava cansado de ver as opposições pregarem certas doutrinas, e depois, quando poder, ou não as aceitavam, ou faziam o contrario!

Lamento, sr. presidente, que o talentoso ministro se esquecesse do seu programma e das suas doutrinas, não se lembrando de que a sua boa reputação dependia do cumprimento mais ou menos rigoroso das promessas que havia feito ao paiz!

Estas contradicções dos homens que se sentam ali (apontando para as cadeiras ministeriaes) produzem um grande mal — a descrença geral do paiz (apoiados).

Não ha partidos, porque não ha crenças nem convicções. A mocidade apparece corrompida como a velhice. Vale tanto o ministro velho como o ministro joven.

Vou apresentar tambem um programma (riso); mas não o escrevo. Se elle agradar, como agradam sempre todos os programmas, talvez que venha publicado no Diario; se não, faço-lhe os córtes indispensaveis (riso).

Eu não tenho aspirações a sentar-me nas cadeiras ministeriaes, mas não estou livre, nem ninguem o esta, de ser agarrado um dia por uma gloriosa revolução de 2 de janeiro (riso), e contra vontade apparecer ministro; declaro porém desde já que, se me acontecer a desgraça que succedeu ao sr. Dias Ferreira, me não comprometto a sustentar o meu programma (risadas).

O projecto do nobre ministro da fazenda devia ser substituido por uma reforma de instrucção superior (apoiados).

Temos tres faculdades de medicina em Lisboa, Porto e Coimbra (apoiados). E para que? Para habilitarem, termo medio, 25 a 30 alumnos annualmente! É despeza estupenda! Se as tres faculdades se fundissem em uma só, organisada esta sobre mais largas bases, não só as sciencias medicas aproveitariam, e muito, mas de certo o thesouro lucraria tambem. Para mim é questão secundaria se a faculdade de medicina, assim organisada, deve collocar-se aqui ou acolá. Mas sei que desgraçadamente no nosso paiz isto é ponto grave. Todos' concordam n'estas idéas, porque são rasoaveis e justas; mas em se tratando de as realisar surgem as difficuldades, gritam todos pela sua localidade (apoiados); a verdade é que se torna indispensavel ceder ao imperio das circumstancias (apoiados).

Temos tres faculdades de mathematica e tres de philosophia. É demasiado luxo de sciencia (apoiados). E para que? Quando precisâmos habilitar alguem praticamente, exportámos, com largos subsidios, os nossos alumnos para recebermos de paizes estranhos a instrucção pratica (apoiados).

Em traços largos e rapidamente exponho a reforma da instrucção superior. Não quero entrar em detalhes.

Temos o instituto agricola com a sua quinta modelo (riso), que ultimamente deu provas de que serve para alguma cousa (riso).Á quinta modelo (e eu desgraçadamente a votei) serve para o nosso lavrador ir lá aprender o que não deve fazer em cousa sua (riso).

A faculdade de theologia póde ser supprimida; eu não sei que haja carreira especial na vida publica para que ella habilite. Os seminarios podem muito bem fazer que se dispense a faculdade de theologia.

O sr. Bernardino de Menezes: — Nego, não é exacto; não se póde fazer essa comparação.

O Orador: — Na faculdade serão mais é mais desenvolvidos os assumptos theologicos, mas organisem se melhor. Assim temos muitos estabelecimentos de instrucção, e não temos um completo.

O sr. Bernardino de Menezes: — Os seminarios são pagos caritativamente pelos fieis, e não devem nada ao governo.

O Orador: — Perdôe-me o meu illustre collega; os seminarios não pertencem só aos fieis.

O sr. Bernardino de Menezes: — Pela bulla.

O Orador: — Pertencem aos fieis catholicos de Portugal e têem propriedades de que são apenas usufructuarios, podendo nós dar-lhes qualquer outra fórma ou modo de ser que julgarmos conveniente.

Mas a verdade é que, se em logar do dinheiro que despendemos com tantas faculdades, o despendêssemos com as sufficientes, não só alcançaríamos valiosas economias para o thesouro, mas até as sciencias se desenvolveriam.

É necessario acabar com tanto luxo de sciencia e romper com os preconceitos, privilegios...

O sr. Bernardino de Menezes: — Então a universidade é um privilegio?

O Orador: — Quem propõe aqui a extincção da universidade?

O sr. Bernardino de Menezes: — Segue-se do seu discurso.

O Orador: — Pois do meu discurso segue-se a extincção da universidade?

O que eu desejo é que a universidade, quer esteja em Coimbra, quer em Lisboa, resplandeça a par das universidades da Europa; desejo dar-lhe mais vida, e de certo a não alcançará emquanto se não fizerem as reformas que indico, porque é acanhado tudo quanto existe.

Não venho aqui clamar contra a mãe, de que sou filho. O meu desejo era elevar ainda mais aquelle emporio das sciencias, era illustrado, se eu podesse concorrer para isso. Os meus desejos eram e são que a universidade fique aonde

esta, porquê em parte alguma ficará melhor; mas declaro que essa questão é para mim muito secundaria (apoiados); e se as conveniencias do ensino pedissem que a universidade, em logar de estar em Coimbra, fosse para o Porto ou Lisboa, não me opporia eu á realisação de tal conveniencia (apoiados).

Fallarei tambem da reforma das secretarias d'estado.

Occupar-me-hei da secretaria do reino, e tudo quanto disser a respeito d'ella póde e deve applicar-se a todas as outras.

A camara vae ver como podem fazer-se avultadas economias, sem ferir injustamente os interesses adquiridos dos diversos funccionarios publicos.

Na secretaria do reino ha tres direcções geraes; a direcção politica, a civil e a de instrucção publica. Ha tambem a repartição de contabilidade.

De todas estas direcções a que esta organisada mais economicamente, em relação ao numero de empregados, é a de instrucção publica.

V. ex.ª (dirigindo-se ao sr. ministro da fazenda) fez a reforma da secretaria da fazenda, mas conservou quasi tudo no mesmo estado; quasi o mesmo numero de empregados, as mesmas categorias, etc... (apoiados).

O primeiro trabalho deveria ser simplificar o serviço, e depois de simplificado fazer então a reforma (apoiados); de outro modo é impossivel fazer reformas economicas. V. ex.ª póde reduzir os quadros, supprimindo os logares de dois ou quatro amanuenses, de tres ou quatro officiaes, etc...; mas isso é nada, absolutamente nada (apoiados).

Acabe-se com o reinado da papelada (apoiados), e depois reduzam-se os quadros.

Ahi vae um exemplo do que é e vale a papelada. E da direcção geral de instrucção publica.

Ha n'esta direcção quatro repartições: repartição de instrucção primaria, de instrucção, secundaria, de instrucção superior e dos theatros, conservatorio, etc... Ha 1 director geral, 3 chefes de repartição, 3 segundos officiaes e 6 amanuenses. O director geral tem 1:480$000 réis, os chefes de repartição 1:380$000 réis, os segundos officiaes 500$000 réis, e os amanuenses 240$000 réis.

Não é grande o numero dos empregados, pois nem metade d'elles seria necessario se a papelada acabasse.

O concurso para uma cadeira de instrucção primaria requer a seguinte papelada:

Edital e programma publicados no Diario; dois editaes com um officio para o commissario dos estudos; dois editaes com um officio para o administrador do concelho. Só para annunciar o concurso de uma cadeira de instrucção primaria são necessarios dois officios e cinco editaes, dos quaes um com o programma se publica no Diario!

Feito o concurso, vem o processo para a repartição da instrucção primaria, cujo chefe o instrue, examinando se foram cumpridas as prescripções legaes, e propondo o provimento temporario ou vitalicio. Supponhamos que propõe o provimento temporario. Vae a proposta para o director geral, do director geral vae para o ministro, que dá despacho, que volta á repartição.

Passa-se o diploma, que volta ao ministro para o assignar, e depois de assignado vem á repartição, onde se regista, passando-se guia para a repartição • central, onde se passa guia tambem, que é entregue ao interessado (riso), o qual vae pagar á recebedoria, voltando á repartição com o conhecimento.

A repartição de instrucção primaria recebe o conhecimento e passa ao lado do diploma o recibo de que pagou; e depois, finalmente, entrega-se o diploma ao despachado! A contradança não termina ainda aqui.

No fim de cada mez o chefe da repartição manda todos os conhecimentos para a secretaria da fazenda, onde devem ser confrontados com os talões, enviados pela recebedoria, e da repartição central sáe a relação das guias pagas, que é publicada no Diario de Lisboa.

Se o provimento é vitalicio, mais papelada ha, e que a camara permittirá que eu não exponha para a não cansar, e para me não cansar tambem.

Ora, é isto possivel? Que vantagem ha n'esta papelada? E perder o tempo, que vale dinheiro (apoiados), é perder papel que custa dinheiro (apoiados), é de mais a mais occupar n'este trabalho empregados que podiam dispensar-se simplificando-se o serviço (apoiados).

Ahi fica exposto o meu programma, as minhas indicações economicas, que podem e devem ser aproveitadas por quem queira economisar, sem ferir á torto e a direito interesses que deveriam ser respeitados. Muito mais podéra eu dizer, levando a mesma analyse a todas as repartições do estado; é obra que reservo para a discussão do orçamento.

Vou terminar, declarando ao nobre ministro da fazenda que não tive intento de proferir phrases que fôssem desagradaveis a s. ex.ª A nossa diversa posição politica, e o estado grave em que o paiz se acha, impunham-me o dever de dizer o que disse.

Sou o primeiro a reconhecer o talento de s. ex.ª, e sentirei que o nobre caudilho da gloriosa revolução de 2 de janeiro continue vivendo na capital, abandonando a nossa universidade, onde s. ex.ª faz tão grande falta! Que eu me ausente d'aquelle venerando estabelecimento, que eu lá não volte, pouco ou nada perderá elle e as sciencias que lá se cultivam.

A universidade de Coimbra tem perdido, e continuará a perder, com a ausencia dos seus mais dignos ornamentos; mas a culpa é dos governos. Declaro que são um grande inconveniente para a sciencia as commissões que entretém na capital, ou em qualquer outra parte, os professores daquella corporação (apoiados). Digo-o com franqueza, e direi que o professor que é deputado perde muito tambem (apoiados).