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Creio que a camara não estranhará que eu falle de certo modo, dizendo-lhe assim a verdade. Quando o professor deputado volta a reger a sua cadeira encontra serias difficuldades.
Não é de certo no meio das effervescencias da politica que o espirito do professor encontra a tranquillidade indispensavel para se entregar ao estudo. A sciencia progride e passa, e quando o professor recolhe á corporação a que pertence, vê a sciencia muito adiante de si e não póde alcança-la rapidamente como era mister.
Desejára que os professores fossem só professores (apoiados), os magistrados só magistrados (apoiados); mas que retribuíssem uns e outros condignamente, e que essa retribuição fosse incentivo para que permanecessem nos seus respectivos logares (apoiados).
Nobre ministro da fazenda, não prefira os encantos e os attractivos da capital ao socego e tranquillidade pratica da nossa formosa lusa Athenas (apoiados).
Vozes: — Muito bem.
(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados da direita e esquerda da camara.) Leu-se na mesa a seguinte
Proposta
Proponho que ao artigo 1.° d'este projecto se addicione o seguinte §:
§ unico. Aos professores de instrucção primaria não será applicada a disposição do artigo antecedente. = Pereira Dias.
Admittida.
O sr. Pinto Basto: —Mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda ácerca da contribuição industrial das fabricas de distillação de aguardente.
O sr. Freitas e Oliveira: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre so me concede a palavra antes de se encerrar a sessão, para eu dar breves explicações com relação ao que em tres sessões successivas alguns illustres deputados têem dito com referencia á minha pessoa e ás observações que fiz em uma das sessões passadas.
Vozes: — Falle, falle.
O sr. Costa e Almeida: — Então tambem eu peço a palavra para um requerimento.
O sr. Freitas e Oliveira: — Eu não tive idéa de tirar a palavra a nenhum sr. deputado; desejava que se me consentisse dar algumas explicações antes de se fechar a sessão; vejo que a camara permitte que eu falle, e sinto muito que esta resolução da camara magoe o illustre deputado.
Consultada a camara sobre o requerimento do sr. Freitas e Oliveira, decidiu affirmativamente.
O sr. Freitas e Oliveira: — Começarei por agradecer á camara a benevolencia que teve para commigo, benevolencia e cortezia a que eu corresponderei com a brevidade das minhas reflexões.
Antes de mais nada cumpre-me fazer uma declaração para que as expressões com que terminei as reflexões que fiz n'uma das sessões passadas, a respeito do sr. ministro da fazenda, sejam interpretadas no sentido que ellas rasoavelmente podem ter.
Eu disse na primeira vez em que tive a honra de fallar n'esta casa, que tomava e queria para mim só a responsabilidade inteira e indivisível de todas as palavras que pronunciasse n'esta casa, tomando essa responsabilidade, não só aqui, mas em toda a parte.
Portanto as explicações cathegoricas e clarissimas do sr. ministro da fazenda, com relação ao que eu disse a respeito de s. ex.ª, eram sem duvida muito necessarias para todos os cavalheros que me não conhecem, mas de certo muito dispensaveis para todos aquelles que já me conhecem ha algum tempo.
Creio que toda a gente, que me conhece, me faz a justiça de acreditar que eu não venho dizer aqui cousa alguma, que me seja insinuada por qualquer pessoa; eu manifesto n'esta casa simplesmente a minha opinião individual (apoiados).
Nas reflexões que fiz e em que alludi ao sr. ministro da fazenda, eu não me servi de nenhuma outra indicação, que não fosse a que tirei dos boatos, que corriam, e da minha propria observação; não me servi de nenhuma conversação particular, que tivesse tido com s. ex.ª sobre nenhum outro objecto, que não fosse daquelles que são do dominio completo do publico.
Se me enganei n'aquella especie de prognostico, que fiz, melhor para a situação a que s. ex.ª faz tão nobres e tão distinctos serviços.
Passando d'este assumpto, preciso tambem dirigir-me ao illustre deputado pelo Porto, o sr. Costa e Almeida, pessoa que eu muito estimo e considero, para levantar uma insinuação feita por s. ex.ª contra mim, dizendo que no meu discurso eu fizera insinuações ás suas intenções e ao seu caracter. O, illustre deputado queixou-se de que eu dissera que os srs. deputados, que tinham assignado a proposta do sr. Costa Simões, não queriam que se votasse o projecto, e que eu estranhava muito isso, porque sendo este o primeiro projecto de economias, que o governo apresentava á discussão parlamentar, mal podia pensar que o illustre deputado o rejeitasse sendo um dos mais decididos campeões das economias.
O illustre deputado levantou-se e protestou energicamente contra as minhas palavras, que não eram exactamente a expressão da verdade, segundo disse s. ex.ª
Eu insisti n'ellas, porque suppunha que eram exactamente a expressão da verdade, e a votação de hontem assim o veiu demonstrar. O cavalheiro, a quem me refiro, rejeitou o projecto, que era exactamente o que eu tinha dito; e note-se que o rejeitou, tendo dito na discussão que o approvava, que elle só o que queria era a igualdade, e que por isso é que assignára a emenda.
S. ex.ª tambem estranhou que, tendo eu achado um pouco acanhado, não as ultimas propostas que elle mandou para a mesa, mas o projectinho de emenda ou de additamento que tinha sido apresentado na vespera pelo sr. Costa Simões, assignado tambem pelo illustre deputado e por mais vinte e seis dos nossos collegas; estranhou, digo, que tendo eu achado esse projecto de pequeno alcance, não apresentasse as minhas reformas.
Obedecendo ao desafio do illustre deputado, direi que, muito antes de eu ter tido o prazer de ver o nome de v. ex.ª associado ás cousas publicas, muito antes de estar inaugurada no Porto uma associação que tanto respeito, como é a associação patriotica do Corpo da Guarda, já eu n'esta cidade, quando pela primeira vez me apresentei candidato a deputado em opposição a um dos mais nobres caracteres que tem logar n'esta casa, o sr. Braamcamp, tinha apresentado um programma que, se v. ex.ª me dá licença, direi, que se elle não compete com as aspirações tão largas do programma do Corpo da Guarda e sobretudo com o ultimo programma apresentado pelo nobre deputado, contém alguma cousa aproveitavel, alguma cousa mesmo que já se fez, porque eu n'essa epocha, 7 de abril de 1861, propunha o seguinte:
A restituição á camara municipal de Lisboa de todos os seus. rendimentos, que hoje entram na receita geral do estado;
Um projecto de lei de responsabilidade de ministros;
Um projecto de lei de recrutamento combinado por fórma tal que evitasse, quanto possivel, as emigrações para a America, e tornasse procurada pelo povo a instrucção primaria;
Um projecto de lei de colonisação do Alemtejo;
Um projecto de lei geral de habilitações para todos os funccionarios publicos;
Um projecto de lei em que se diminuia a despeza que se faz com o exercito, augmentando-se todavia os prets aos soldados e os soldos aos officiaes desde alferes até capitão inclusivè;
O acabamento immediato de todas as pensões superiores a 400000 réis, e de todas que não tivessem sido dadas por serviços relevantissimos, fazendo ao mesmo tempo que estas fossem pagas pontualmente como os vencimentos de todos os funccionarios publicos;
Projectos de lei para a reforma organica de toda a administração das nossas colonias, sendo um d'elles para acabar com o exercito do ultramar;
A dissolução de todos os tribunaes e repartições inuteis, e a suppressão de todos os empregos que não forem absolutamente indispensaveis;
A reforma do pessoal e material da nossa marinha, segundo as bases que offerecem as organisações das marinhas ingleza, franceza e americana;
A rescisão de todos os contratos, cujas condições não tivessem sido restrictamente cumpridas pelos concessionarios;
A abolição de todos os privilegios dados a industrias, que em cinco annos não tivessem apresentado sensivel adiantamento e prosperidade;
A livro importação de todas as materias primas das industrias especiaes do paiz;
A reforma da educação popular, especialmente do clero e do sexo feminino, tornando-a o mais liberal e o mais christã possivel;
A extincção dó todas as ordens religiosas de qualquer especie, sujeitas por qualquer fórma, quer interna quer externamente, a auctoridades ou a prelados estrangeiros;
A reforma dos tribunaes superiores de justiça e a dos codigos civil e penal, de fórma que nenhum cidadão, de qualquer condição ou jerarchia, podesse fugir á acção immediata da lei;
Um systema que, sem alterar o orçamento do estado, dividisse os tributos por um modo mais proporcional aos haveres do contribuinte, e diminuisse e simplificasse os processos complicadíssimos a que o devedor da fazenda publica tem de sujeitar-se para pagar;
Um projecto de lei abolindo completamente os morgados.
Estes meus projectos, como se vê, não eram todos de bota abaixo; pelo contrario, se augmentavam com alguns d'elles os soldos e os ordenados a quem tinha pouco.
Já vê pois o meu illustre amigo que eu já em 1861 tinha idéas de reformas e aspirações, que, se não tiveram a felicidade que coube ás de s. ex.ª e ás do Corpo da Guarda, as quaes poderam ser manifestadas n'esta camara, nem me parecem menos rasoaveis.
Este programma, tal qual esta, foi tres vezes vencido perante a uma; e eu entendi que esta triplice derrota era bastante para desistir d'elle. Hoje não faço alardo de tal programma, e limito-me a desempenhar os meus deveres de deputado como sei e como posso.
Entendendo que da minha iniciativa pouco póde provir á causa publica, assevero ao illustre deputado que o hei de acompanhar em todas as aspirações de liberdade e reforma que não forem, permitta-me s. ex.ª que lhe diga sem a mais levo offensa, puramente utopias. N'aquillo que a este respeito eu vir que póde realisar-se conte s. ex.ª com a minha cooperação.
Desde já posso declarar tambem a s. ex.ª que, com relação á instrucção superior, o meu illustre collega e amigo, o sr. Teixeira Marques, e eu, estamos preparando um projecto de reforma que, se não merecer a plena approvação do illustre deputado, poderá ao menos merecer a sua attenção.
Direi agora duas palavras com relação ao ameníssimo e refrescado discurso que acabâmos de ouvir ao sr. Pereira Dias.
S. ex.ª foi tão diffuso, que realmente não me é dado responder a todas as considerações que se referiram á minha humilde pessoa; todavia lembro-me de ouvir dizer a s. ex.ª que votava o projecto porque é innocente, porque descobre n'elle uma tal ou qual porta aberta, por onde se podia fazer contrabando de aposentações e jubilações, e que o sr. ministro da fazenda tinha sido pouco previdente não prevenindo este abuso.
Eu não sei a epocha em que o sr. ministro da fazenda elaborou o seu projecto, mas calculo que o escreveria provavelmente por occasião de se discutir n'esta casa a eleição de Resende, e s. ex.ª por essa occasião devia ficar edificado com a moral e actos de probidade praticados naquella eleição por certas auctoridades, por certos funccionarios publicos, e por alguns medicos sobretudo, e de certo foi por esse motivo que não julgou necessario previnir o abuso que o illustre deputado receia. E impossivel que um medico se atreva a passar uma certidão que não seja completamente verdadeira.
Portanto entendo que o illustre deputado não fez bem, votando o projecto pela sua innocencia. Mas s. ex.ª não fez só isto, votou o projecto, que o acha injusto, por uma certa cautela, porque as lições da historia eram crueis...
O sr. Pereira Dias: — V. ex.ª não conhece de certo a minha obscura vida parlamentar, se a conhecesse não me fazia essa amavel insinuação. Tenho tido sempre a coragem de votar conforme entendo, obedecendo unicamente aos dictames da minha consciencia; e se porventura tivesse de alterar este procedimento, só o faria por um grande interesse, qual é o bem geral do paiz.
O Orador: — Não duvidei um momento só da independencia e consciencia do illustre deputado; sou o primeiro a fazer justiça ao seu nobre caracter e qualidades, e por isso mesmo estranhei, que achando s. ex.ª injusto um projecto, simplesmente por suppor que elle podia agradar ao paiz, o approvasse.
A idéa dominante hoje é cortar desapiedadamente nos mesquinhos ordenados dos servidores do estado; sei que esta idéa agrada a muita gente, e eu não tive duvida em me oppor a ella, não por conveniencia propria, porque o meu ordenado, por sua insignificancia, esta infelizmente ao abrigo d'esses córtes; oppuz-me, porque entendo em minha consciencia que me devo oppor, e isso basta. Mas votei este projecto, porque o acho rasoavel, e rejeitei a emenda dos illustres deputados, porque entendo que não tem rasão de ser, e porque não é esta a occasião de tratar d'ella.
S. ex.ª tambem se referiu á minha independencia, dizendo que os empregados não eram tão dependentes, como eu dizia, porque, tendo eu feito opposição a alguns ministerios, e opposição' um pouco violenta, todavia não tinha sido ainda demittido.
Era preciso que se quizesse fazer commigo uma excepção unica para ser demittido por politica. Ainda não houve desde 1851 até hoje ministro algum que demittisse funccionarios inamoviveis por politica, e se se fizesse uma excepção commigo era fazer uma victima aonde não havia merecimento para tanto. Ora, sempre direi ao illustre deputado que a independencia vem mais do carater dos individuos do que do logar que elles occupam (apoiados).
Eu tenho exercido differentes empregos sempre com a maior independencia, mas essa independencia tem-me saído muito cara (apoiados). Se eu quizesse entreter a camara com cousas que estão muito abaixo da sua attenção, e lhe contasse alguma cousa da minha vida publica, eu mostraria ao illustre deputado quanto me tem saído caras as provas de independencia, e todavia não estou arrependido de as ter dado, e hei de continuar a dá-las (apoiados).
Effectivamente é verdadeira a anedocta contada pelo meu illustre e particular amigo, o sr. Pereira Dias. Eu estive por muito tempo pedindo uma cousa que era de alta justiça— que se me contasse como tempo de serviço na vida militar aquelle em que tinha estudado com aproveitamento na universidade. Isto nunca se tinha negado a nenhum militar; todavia indeferiram-se-me constantemente sete requerimentos que fiz sobre este assumpto. N'essa occasião havia uma familia que tinha obtido no mesmo mez quatro ou cinco despachos para os seus membros. Entendi que a injustiça praticada para commigo era devida ao pouco valimento do meu nome, e por isso pedi a Sua Magestade que houvesse por bem considerar-me, para o futuro, parente ou adherente daquella familia (riso). Esta é a verdade.
Disse ainda o sr. Pereira Dias, dirigindo-se ao sr. ministro da fazenda que = s. ex.ª podia receber de mim lições de moralidade =. Creio que foram estas as suas palavras.
O nobre ministro da fazenda não precisa receber lições de moralidade de pessoa alguma (muitos apoiados). E se as palavras do illustre deputado significam alguma allusão irónica a mim...
O sr. Pereira Dias: — Não, senhor.
O Orador: — Dir-lhe-hei, com a cabeça muito levantada, que em actos de moralidade não preciso tambem de receber lições, nem receio nenhuma insinuação com relação á minha pessoa (apoiados); mas se me dirigirem alguma hei de receber essa insinuação sem o menor sobresalto, porque tenho a consciencia perfeitamente descansada (apoiados).
Tambem disse o meu illustre amigo que, quando eu me dirigia ao nobre deputado, o sr. Costa Simões, me esquecia que tinha diante mim um dos mais distinctos professores da universidade. E completamente inexacto. Lembrei-me sempre d'isso, e por umas poucas de vezes o repeti, porque respeito muitissimo aquelle cavalheiro como homem particular e como professor. Dei d'isso testemunho n'esta casa em differentes logares do meu discurso; e não é só esse professor que eu respeito, respeito todos os outros que têem assento n'esta casa, porque todos elles são distinctos ornamentos dos estabelecimentos scientificos a que pertencem. O que eu não respeito são alguns lentes que, tendo logar n'esta casa, e palavra para responderem aos argumentos que se apresentam aqui, contrarios ás suas opiniões, vão