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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

SESSÃO DE 10 DE JUNHO DE 1868

PRESIDENCIA DO SR. JOSÉ MARIA DA COSTA E SILVA

Secretarios — os srs.

José Tiberio de Roboredo Sampaio.

José Faria de Pinho Vasconcellos Soares de (Albergaria.

Chamada—78 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs.: Fevereiro, A. de Ornellas, A. E. de Seabra, Annibal, Rocha París, Alves Carneiro, Antonio de Azevedo, A. Bernardino de Menezes, Sá Nogueira, Castilho Falcão de Mendonça, Silva e Cunha, A. J. Teixeira, Seabra Junior, Falcão e Povoas, Magalhães Aguiar, Faria Barbosa, Costa e Almeida, Lopes Branco, Falcão da Fonseca, Montenegro, Cunha Vianna, B. F. da Costa, Carvalhal Esmeraldo, Carlos Bento, C. Testa, Vieira da Motta, Conde de Thomar (Antonio), Custodio Freire, Pereira Brandão, Faustino da Gama, Silva Mendes, Coelho do Amaral, F. L. Gomes, Silveira Vianna, Van-Zeller, Xavier de Moraes, Rolla, Freitas e Oliveira, Judice, Santos e Silva, Matos e Camara, Assis Pereira de Mello, Ayres de Campos, João de Deus, Gaivão, Cortez, Pinto de Vasconcellos, Albuquerque Caldeira, Calça e Pina, Fradesso da Silveira, Ribeiro da Silva, J. T. Lobo d'Avila, Maia, Bandeira de Mello, Klerk, Mardel, Correia de Oliveira, Faria Pinho, Freire Falcão, Teixeira Marques, J. I. Pereira de Carvalho, Lemos e Napoles, Vieira de Sá, Costa e Silva, Achioli de Barros, Frazão, J. M. Lobo d'Avila, Toste, Mesquita da Rosa, José de Moraes, José Paulino, Batalhoz, José Tiberio, Levy, L. de Carvalho, Leite de Vasconcellos, Aralla e Costa, Pereira Dias, Bruges.

Entraram durante a sessão — os srs.: A. de Azevedo, A. Braamcamp, Costa Simões, Ferreira de Mello, Ferreira Pontes, Barros e Sá, Azevedo Lima, A. Guerreiro, A. J. da Rocha, A. J. de Seixas, Arrobas, Araujo Queiroz, Augusto de Faria, Saraiva de Carvalho, Barão da Trovisqueira, Belchior Garcez, E. Cabral, Eduardo Tavares, Fernando de Mello, Dias Lima, Gavicho, Bicudo Correia, F. M. da Rocha Peixoto, Gaspar Pereira, Guilhermino de Barros, I. J. de Sousa, Meirelles Guerra, Silveira da Motta, Almeida Araujo, J. A. Vianna, Mártens Ferrão, João M. de Magalhães, Aragão, Joaquim Pinto de Magalhães, Faria Guimarães, Gusmão, Xavier Pinto, Costa Lemos, Sette, Dias Ferreira, Sousa Monteiro, José M. de Magalhães, Rodrigues de Carvalho, J. Rodrigues Coelho do Amaral, Mendes Leal, Pinto Basto, Camara Leme, Ferreira Junior, M. B. da Rocha Peixoto, Penha Fortuna, Lavado de Brito, Limpo de Lacerda, Mathias de Carvalho, Paulino Teixeira, Raymundo Rodrigues, Ricardo de Mello, Gouveia Sebastião do Canto, Venancio Deslandes, Visconde dos Olivaes.

Não compareceram — os srs.: Villaça, Gomes Brandão, A. Pinto de Magalhães, Pequito, Torres e Silva, B. F. Abranches, F. F. de Mello, F. de Albuquerque Couto, Pinto Bessa, Henrique Cabral, Faria Blanc, Baima de Bastos, J. M. da Cunha, Galvão, Ferraz de Albergaria, Silveira e Sousa, Motta Veiga, M. J. Guerra, P. A. Franco, P. 31. Gonçalves de Freitas, Sabino Galrão, Thomás Lobo.

Abertura — Ao meio dia e meia hora.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Officios

1.° Do ministerio do reino, remettendo 170 exemplares das contas d'aquelle ministerio, relativas ao anno economico de 1864-1865 e ao exercicio de 1863-1864.

Mandaram-se distribuir.

2.° Do ministerio da fazenda, remettendo dois autographos dos decretos das côrtes geraes, em virtude dos quaes se passaram as respectivas cartas de lei.

A secretaria para archivar.

Requerimentos

1.º Requeremos que, pelo ministerio da fazenda, seja remettida a esta camara, com urgencia, uma nota dos devedores de contribuições pertencentes ao districto de Lisboa, de quota superior a 10$000 réis. = Os deputados, Antonio José de Seixas = José de Moraes Pinto de Almeida.

2.° Requeiro que me seja remettida, com urgencia, pelo ministerio do reino, uma relação das camaras municipaes do districto de Santarem, que estão em divida para com o cofre central, e bem assim das que lhe são credoras, designando-se a quantia das suas dividas e creditos.

Requeiro mais ser informado dos motivos pelos quaes se não têem obrigado os municipios devedores a satisfazer as suas respectivas quotas. = O deputado pelo circulo da Certa, Baima de Bastos.

Foram remettidos ao governo.

O sr. J. T. Lobo d'Avila: — Mando para a mesa varios requerimentos pedindo esclarecimentos ao governo.

Por esta occasião renovo um requerimento que fiz ha muito tempo, pedindo diversos esclarecimentos relativos á questão de fazenda, e que são urgentes, principalmente para quando se tratar da discussão da lei de meios. Para se apreciar a questão de fazenda, como deve ser, é necessario que o governo satisfaça os pedidos de esclarecimentos.

O sr. Calça e Pina: — Talvez V. ex.ª e a camara se admirem de eu pedir a palavra por parte da segunda commissão do verificação de poderes, que já foi dissolvida; no entanto o negocio de que vou occupar-me tem uma relação tão intima com as funcções que essa commissão exerceu, que eu entendo estar no meu direito pedindo a palavra por parte da commissão, porque é na qualidade de seu membro que me cumpre fallar.

Quando se apresentou o parecer com respeito á eleição do circulo de Celorico tive a honra de ser o relator d'esse parecer, e por um equivoco que se achava no protesto, eu, na exposição que fiz, disse, referindo-me a esse protesto, que o delegado do procurador regio da comarca de Ceia tinha feito certas tropelias no intuito de fazer triumphar a eleição em certo sentido.

Hontem recebi um officio, na qualidade de relator daquelle parecer, do delegado do procurador regio de Ceia, dizendo-me que tinha estranhado muito que apparecesse o seu nome como tendo intervindo na eleição do circulo de Celorico, tendo elle estado sempre tranquillo na sua comarca, d'onde não tinha saído.

Effectivamente foi assim; houve um engano. O protesto devia referir-se ao delegado do procurador regio da comarca de Gouveia; e não ao que d'elle consta, talvez por algum equivoco. O erro não foi meu, mas estou informado do que se queria dizer, e era o delegado de Gouveia e não o de Ceia. Por consequencia julgo da minha obrigação, em satisfação a este digno funccionario, restituir a verdade dos factos como se passaram.

O sr. Testa: — Por parte da commissão de marinha mando para a mesa um requerimento (leu).

Se v. ex.ª me permitte, simultaneamente mando para a mesa um requerimento de iniciativa particular, pedindo esclarecimentos ao governo, e uma declaração de voto em referencia ao parecer n.° 6.

O sr. Cortez: — Desejava pedir alguns esclarecimentos ao sr. ministro da fazenda, e como s. ex.ª se acha presente, V. ex.ª me dirá se me permitte que eu faça uso da palavra agora.

O sr. Presidente: — Póde fallar.

O sr. Cortez: — Pedi a palavra a y. ex.ª para dirigir uma pergunta muito simples e muito modesta ao sr. ministro da fazenda, e a que creio que s. ex.ª facilmente poderá responder.

Pergunto ao nobre ministro da fazenda se s. ex.ª esta resolvido a trazer a esta camara, ainda a tempo de poder ser discutida em ambas as casas do parlamento, uma proposta de lei para que sejam reduzidos os ordenados de todos os funccionarios do estado, desde certa jerarchia para cima, ou de uma maneira absoluta, restringindo definitivamente os seus ordenados, ou restringindo-os por meio da decima ou contribuição annual.

Faço esta pergunta, e se a resposta for affirmativa, como

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espero, terei summo prazer em a ouvir, porque me parece! que satisfará, não só os desejos do paiz, que claramente se tem pronunciado por todas as reducções na despeza publica, mas tambem os desejos da camara, que igualmente se tem manifestado n'este sentido.

Por outro lado desejo a resposta de s. ex.ª, porque me parece que será um meio simples de perfazer, terminar ou completar as propostas que s. ex.ª ultimamente apresentou, que evidentemente estão incompletas; e eu, como amigo de ha muito tempo de s. ex.ª, desejo que a sua obra seja a mais completa possivel, mesmo para que seja um dos maiores florões da corôa civica, que desejo ver um dia collocada na sua cabeça de ministro.

Além d'isso tenho necessidade da resposta de s. ex.ª, para tirar certas illações, com respeito á proposta de lei n.° 6, de que me hei de servir se por acaso tiver a felicidade de poder usar da palavra na discussão da especialidade d'essa proposta.

Devo ainda dizer que não peço estas explicações ao sr. ministro da fazenda, nem para levantar attritos á governação, nem para fazer patinhar ou emperrar as rodas do carro de s. ex.ª, é uma pergunta muito simples, como se vê, e como tal s. ex.ª a deve tomar, e aguardo a sua resposta.

O sr. Ministro da Fazenda (Dias Ferreira): — O illustre deputado, meu amigo e collega, por mais de um titulo deseja tirar illações das declarações que eu fizer a respeito de algumas indicações que s. ex.ª teve a bondade de fazer, e ácerca das quaes pretende saber a minha opinião, opinião que hei de dizer tão clara e completa como seja possivel n'esta occasião.

O governo não tem a pretensão, e já o confessou francamente, de que as propostas submettidas ao juizo esclarecido dos representantes do paiz, representem o complemento ou a ultima palavra do seu pensamento, tanto pelo que respeita a economias, como pelo que respeita a outros melhoramentos para o nosso systema financeiro.

Uma parte d'essas propostas apresentou-se n'esta sessão legislativa, e outra apresentar-se-ha mais tarde, porque o governo empenha-se na collaboração de novas propostas para concluir o seu pensamento, algumas das quaes poderão vir talvez n'esta sessão, e outras terão de vir mais tarde.

Ao que n'este momento não posso comprometter-me para com o illustre deputado é a declarar prefixamente a epocha e dia em que o governo poderá trazer mais algumas propostas; mas assevero a s. ex.ª de uma maneira cabal, o que julgo satisfará aos desejos do illustre deputado, é que trabalho incessantemente, e que logo que estejam concluidas algumas propostas as apresentarei á téla parlamentar.

O sr. José de Moraes: — Mando para a mesa um projecto de lei, pelo qual são obrigados todos os navios nacionaes e estrangeiros, que entram no porto da Figueira, e que andam por quatrocentos, pouco mais ou menos, a pagar a quantia de 600 réis por cada um, em vez de 480 réis que até agora pagavam, com a condição de que a misericordia da Figueira mandará curar gratuitamente todos os doentes das tripulações dos mesmos navios, como ella tem cumprido.

O rendimento d'aquella misericordia foi no ultimo anno economico de 457,5080 réis e a sua despeza foi de 2:044,5620 réis, e é por consequencia á caridade publica que aquelle estabelecimento deve grande parte dos meios com que tem acudido aos doentes que solicitam os seus soccorros, sendo o seu movimento no anno economico de 1866—1867 de 91 doentes, segundo o mappa annexo, e de 64 curados no banco do hospital.

Por esta occasião julgo do meu dever elogiar, não só o actual provedor e mais mesarios d'aquelle estabelecimento, mas os seus antecessores, pelo zêlo e cuidado com que tem melhorado as condições de tão util quanto benefica instituição.

Peço a v. ex.ª a bondade de mandar o projecto á commissão de fazenda, a fim de dar sobre elle o seu parecer.

O sr. Freitas e Oliveira: — Mando para a mesa uma nota de interpellação.

O sr. Lopes Branco: — Mando para a mesa differentes propostas.

O sr. Falcão da Fonseca: — Mando para a mesa um requerimento.

O sr. Teixeira Marques: — Mando para a mesa um projecto de lei sobre deducções nos ordenados dos funccionarios e mais individuos que recebem do estado. Não o apresentei hontem, porque ao chegar á camara achei-a em tumulto, e hoje, pela estreiteza do tempo, limito-me unicamente a mandar o projecto para a mesa, sem o acompanhar das considerações que desejava fazer.

N'outra occasião tratarei d'esta questão, que figura como parte muito pequena no plano de organisação de fazenda, que tenho concebido, e que apresentarei á camara logo que tenha completado outros trabalhos.

O sr. Presidente: — Os srs. Cortez e José Maria Lobo d'Avila requereram que se consultasse a camara sobre se lhes concedia a palavra, e vou consultar a camara a este respeito.

Consultada a camara, resolveu affirmativamente.

O sr. Cortez: — Agradeço as explicações que deu o sr. ministro da fazenda, mas noto a s. ex.ª que, tomando-se as suas palavras na accepção rigorosa e verdadeira, só se deduz uma cousa, e é que o governo tem grandes desejos, mas esta a empenhar-se e a empenhar-nos.

Ora realmente creio que, tomada a palavra na sua accepção verdadeira, ss. ex.ªs não devem querer continuar a empenhar-nos cada vez mais.

Creio que empenham os seus grandes desejos, e era por isto que eu desejava uma resposta categorica de s. ex.ª Não veiu!

Dadas estas explicações, nada mais tenho a dizer, e as outras apreciações falas-hei em occasião opportuna.

O sr. J. M. Lobo d'Avila: — Agradeço a benevolencia da camara por me conceder a palavra, que o sr. presidente, com o rigor do regimento, me havia negado por ser hora de entrar na ordem do dia.

Tenho sido honrado com o diploma de representante dos habitantes da ilha do Principe, em differentes legislaturas, e tenho tido o pezar de não poder corresponder a tão distincta missão, prestando-lhes qualquer serviço de seu interesse especial; creio porém que se me depara uma occasião favoravel na presente conjunctura. O sr. ministro da marinha, em cumprimento do artigo 138.° da carta constitucional, e 13.° do acto addicional, de certo não fará esperar a camara muito tempo pela apresentação do orçamento das provincias ultramarinas, e será occasião propria para nos occuparmos das questões de fazenda do ultramar.

S. ex.ª não esta presente, não sei mesmo se virá, mas pelo Diario terá conhecimento do pouco que vou dizer, justificando os motivos que tenho para fazer, o requerimento que vou mandar para a mesa, e que tem por fim o pedir copia da consulta do conselho ultramarino, de 5 de novembro de 1867, em virtude da qual, e do acto addicional, por lei de 22 de outubro de 1867, se estabeleceu o imposto do sêllo, assim como se ordenou, em 25 de novembro e 12 de dezembro do referido anno, a cobrança das decimas industrial e urbana.

Os povos da provincia de S. Thomé e Principe, no pleno uso do seu direito, representam contra a applicação d'estas leis áquella provincia. Não quero agora sustentar, porque não é occasião opportuna, se têem ou não justiça nas rasões com que fundamentam o seu pedido; o que é verdade é que aquella provincia não carecia de ser onerada com aquelle imposto, porque não só tem os meios de receita necessarios para occorrer ás suas despezas," mas apresenta todos os annos remanescente. Mando pois para a mesa o seguinte requerimento (leu).

Por esta occasião desejava, se estivesse presente o sr. ministro da marinha, pedir a s. ex.ª me informasse em que termos se acha a execução da carta do lei de 29 de maio de 1866, que mandou estabelecer na India a contribuição predial pelo systema de repartição, acabando com as contribuições que ali existiam dos dizimos e imposto de palmeiras lavradas á sura.

Devendo a lei vigorar dentro em dois annos, tendo-se feito as matrizes, posteriormente arremataram-se, segundo me consta, por mais tres annos, os antigos impostos, que deviam ser substituidos pelo systema de decima de repartição. Não sei se s. ex.ª tem tenção de trazer á camara alguma proposta, em virtude da qual amplie o praso marcado para a execução d'esta lei, ou que auctorise que se suspenda a sua execução. Por não estar presente o sr. ministro, termino aqui as minhas observações sobre o assumpto.

ORDEM DO DIA

CONTINUAÇÃO DA DISCUSSÃO, NA ESPECIALIDADE, DO PROJECTO N.° 6

O sr. Pereira Dias: — Devo rectificar um equivoco que hontem proferi.

Disse que os antigos estatutos da universidade permittiam a jubilação aos vinte annos. Foi equivoco; era aos trinta, e sem terço. Cumpre-me porém declarar á camara, que se os professores da universidade preferissem os seus individuaes interesses aos da civilisação e progresso do seu paiz, de certo aceitariam de bom grado os proventos que antigamente tinham; porque embora os ordenados fixos então fossem mais diminutos que hoje são, a verdade é que n'esse tempo não só as subsistencias eram mais baratas, mas alem dos ordenados tinham immunidades, privilegios, regalias e pitanças que hoje não têem, e que não querem.

Devo tambem declarar, para que o meu pensamento fique bem claro e expresso, que, votando o projecto, reconheço a injustiça absoluta e relativa das suas disposições, de que resulta uma violenta expoliação do parte dos minguados vencimentos do professorado. Poderá dizer-se porque não votas então contra o projecto? O doloroso estado em que o paiz politicamente se encontra, e para o qual nós mais ou menos havemos concorrido, sobresaindo a todos o actual ministro da fazenda, que por um programma economico, que agora não cumpre, fortaleceu e radicou no espirito publico exageradas idéas de economias impossiveis, e sobretudo a minha peculiar posição de professor da universidade, obrigam-me a preferir á coragem de votar contra uma injustiça, a coragem de resignadamente a soffrer. Entendo que assim cumpro o dever que as susceptibilidades da minha singular posição me impõem. Cumpra cada um o seu.

Pedi uma excepção para os professores de instrucção primaria. E n'este pedido não contrario as minhas idéas, hontem expendidas, propugnando pela generalisação do sacrificio a todos os servidores do estado; era proposito meu, como ainda é, exceptuar do sacrificio os ordenados que em verdade mal chegam para uma parca e modesta subsistencia; e n'este caso estão, segundo creio, os dos professores de instrucção primaria. E perdi as esperanças de que o sacrificio se estendesse e generalisasse aos avultados vencimentos de alguns servidores do estado, ouvindo a cabal e explicita declaração que nos acaba de fazer o sr. ministro da fazenda! O silencio fallado de que s. ex.ª usou (riso), é uma prova evidente de que na sua mente não existe a idéa de que o sacrificio, que n'este projecto se impõe a tres classes de funccionarios publicos, se applique a outros servidores do estado! Não me era necessaria tal declaração peremptoria, cabal e satisfactoria do sr. ministro da fazenda, porque eu tinha nos projectos que s. ex.ª apresentou á camara, nas suas economicas reformas, a resposta antecipada á pergunta que lhe fez o meu collega o sr. Cortez. E ainda bem que s. ex.ª se conserva firme no proposito de não cercear os ordenados de muitos funccionarios publicos. Mas a logica, a justiça e o bom senso até exigiam que s. ex.ª fosse igualmente benevolo para com os outros. Eu queria que s. ex.ª fizesse, e podia faze-lo, como logo demonstrarei, economicas reformas que, sem prejudicar o serviço e interesses legitimamente adquiridos, podessem satisfazer ás aspirações geraes do paiz, e a esse glorioso programma da gloriosa revolução de 2 de janeiro (apoiados, riso).

Volto agora ao assumpto especial do projecto. Ha injustiça absoluta. O ordenado de um substituto extraordinario é de 300$000 réis; o de um substituto ordinario é de réis 500$000; o de um professor cathedratico é de 800$000 réis; e o do professor jubilado, continuando com o terço, e de 1:066$000 réis.

Haverá quem sustente que sejam absolutamente exagerados taes vencimentos? Dirá alguem que as habilitações e os serviços, que estes funccionarios publicos prestam á sociedade, não merecem tão modesta remuneração? A decencia da sua posição social poderá manter-se com menores ordenados?

Responda-me a camara e o paiz inteiro; a resposta ha de ser favoravel aos intuitos da minha argumentação (apoiados).

Então para que cercea-los de modo tão violento, e tão barbaramente injusto?

Suspeito que o sr. ministro da fazenda grave injuria recebeu dos seus collegas no professorado!

Que sanha, sr. presidente, tão cruel contra tão minguados vencimentos!

Tão minguados, sim; e s. ex.ª, o nobre ministro, sabe muito bem quanto elles valem e para quanto chegam, vivendo em Coimbra; em Lisboa, pouco ou nada valem, e s. ex.ª melhor o sabe ainda. Se aqui não houver outros recursos, mal, pessimamente viverá o professor!

Entretanto, sr. presidente, não quero, não querem os meus collegas esquivar-se a qualquer sacrificio, uma vez que elle seja equitativo e geral para todas as classes dos servidores do estado. Devemo-lo ao paiz que soffre, é forçoso soffre-lo tambem, para assim garantirmos o bem estar futuro de todos nós!

Ha injustiça relativa. Para provar esta proposição tenho necessidade de confrontar os ordenados dos professores com os de muitos funccionarios publicos. Fa-lo-hei sem animosidade pessoal.

Confrontando-os, eu vejo que o substituto extraordinario com 300$000 réis fica equiparado ao continuo de uma secretaria! O substituto ordinario com 500$000 réis ao porteiro de secretaria! O lente cathedratico com 800$000 réis ao contador do tribunal de contas! O professor jubilado, continuando no magisterio com 1:066$000 réis, inferior, e muito inferior, ao chefe de repartição!

O commentario, triste commentario d'este confronto, não deve por mim ser feito. Faça-o a camara e o paiz.

Não digo, note-se bem, que os ordenados que nas leis estão taxados para estes empregados sejam de mais. Comprehendo até que haja empregados do estado com um ordenado superior ao de um lente de instrucção superior, não tendo elle as mesmas habilitações, não sendo o seu serviço de igual cathegoria; comprehendo isto perfeitamente. Mas o que eu não posso comprehender é que se rebaixem tanto os serviços e elevada missão social do professorado ao ponto de que tenha ordenados inferiores aos dos continuos e porteiros das secretarias! (Apoiaãos.) E devo lembrar á camara que os ordenados dos funccionarios, a que eu me referi, são victimas já dos ultimos acontecimentos economicos, são taxados pelo sr. ministro da fazenda na reforma da sua secretaria.

Mas quer ver a camara como a injustiça é maior ainda? S. ex.ª entendeu que devia extorquir aos professores os terços que estavam garantidos por lei, deixando aos empregados da sua secretaria, sobre os seus avultados ordenados, todas as gratificações que tinham e possuiam! Que rasão teria s. ex.ª para ser tão benevolo para com os seus empregados e tão rigoroso e injusto para com os professores?

Pois respeita n'uns o direito adquirido a gratificações, e tira aos outros os terços, garantidos por lei, que os deu em compensação dos diminutos ordenados, que o professorado tinha, e tem ainda hoje!

Lamento, sr. presidente, este inqualificavel procedimento do nobre ministro da fazenda; causam dó tanta cegueira e injustiça, associados a um tão brilhante engenho!

Ouça a camara, que vou ler diversas disposições da reforma organica da secretaria da fazenda, apresentada aqui pelo nobre ministro.

Lerei primeiro a tabella, onde são fixados os ordenados de alguns dos funccionarios a que se referem as disposições da reforma.

E a seguinte:

Official maior, secretario geral do ministerio... 1:300$000

Director geral........................... 1:200$000

1:100$000

Chefes de repartição...................... 800$000

400$000

Amanuenses de 1.ª e 2.ª classe............. 240000

200$000

Thesoureiro pagador...................... 1:200$000

Fieis, cada um......................... 300$000

«São mantidas as gratificações auctorisadas por leis ao official maior, secretario geral do ministerio da fazenda, aos directores geraes do thesouro, e aos chefes de repartição, tanto da secretaria d'estado como do thesouro.»

Tudo fica garantido! E os terços? Foram-se, victimas da gloriosa revolução de 2 de janeiro!

Ainda mais:

«São igualmente mantidos os supplementos do ordenado...»

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Não entendo isto (riso).

«...determinados por lei de 16 de abril de 1867 e nos termos da mesma lei.»

Até os supplementos garantidos! E os terços? Eram uma excrescencia!

Continúo:

«As gratificações para falhas ao thesoureiro pagador do ministerio da fazenda e aos seus fieis, ajudantes, são do mesmo modo mantidas.»

As falhas garantidas! Aqui ha falha... (riso).

Mais:

«Os bachareis formados em direito, que actualmente pertencem aos quadros da secretaria d'estado dos negocios da fazenda e das direcções do thesouro, continuarão a vencer a gratificação estabelecida no artigo 18.° do decreto de 3 de novembro de 1860. Os que de futuro forem nomeados se-são equiparados em vencimentos aos outros empregados das respectivas classes.»

À estes empregados garantem-se as gratificações que actualmente têem, respeitando-se os direitos adquiridos, creados pela lei de 3 de novembro de 1860!

Mas note a camara, que a garantia é só para os bachareis actualmente empregados, pois que cessa para os que de futuro forem despachados. E para os empregados superiores da secretaria? Fica tudo garantido para os presentes e futuros!

Decididamente, o sr. ministro da fazenda esta furiosamente animado de sentimentos bellicosos contra os homens letrados (riso). No projecto que se discute, na reforma da sua secretaria, percebe-se uma tal ou qual indisposição contra os bachareis e doutores (riso). A gloriosa revolução adora os que não sabem ler nem escrever (riso).

E como é que s. ex.ª o sr. ministro da fazenda, esquecendo-se quasi completamente do seu programma economico, destacou d'elle sómente as jubilações, reformas e aposentações? Creio que s. ex.ª, para mostrar que desejava cumprir o seu desditoso programma, nos apresentou este projecto, como amostra inequivoca dos seus desejos. Cumprindo-o n'esta parte, colhia a vantagem, como professor, de se apresentar victima corajosa do seu evangelho economico (riso). Descanse, nobre ministro da fazenda, que a historia ha de fazer-lhe justiça. Se o presente não admira e louva tanta coragem, o futuro ha de bem dizer do arrojado e intrepido financeiro!

Permitta-me agora a camara que eu lhe falle, em poucos momentos, dos amaldiçoados terços.

O terço, garantido pela lei de 17 de agosto de 1853, não foi votado para incentivo das sciencias e das letras patrias. O legislador quiz pelo terço remunerar devidamente os serviços do professorado, que então, como hoje, tinha, como tem, diminutos ordenados. Na discussão, que precedeu a approvação da lei de 17 de agosto de 1853, eu encontro oradores, dizendo que = adoptavam e queriam as vantagens do terço para os professores, porquanto os seus ordenados eram mui pequenos absoluta e relativamente considerados. = Lá vejo inscriptos os srs. Alves Martins, actual bispo de Vizeu; Custodio Manuel Gomes; e outros deputados, expondo clara e determinadamente estas idéas.

E se a universidade não veiu só e isoladamente pedir os terços, o que pediam então foi que fosse equiparada ás escólas que já os tinham, que iguaes vantagens lhe fossem tambem concedidas (apoiados).

Na mente pois do legislador os terços eram unica e simplesmente uma compensação do diminuto ordenado que o professor tinha. E sendo assim, como é, devem considerar-se os terços como parte integrante dos ordenados, e nunca como gratificação, privilegio ou cousa ainda mais feia. Tira-los pois, importa uma verdadeira diminuição dos ordenados, faltando o estado á fé dos contratos e illudindo e expoliando aquelles que n'essa fé buscaram a vida do magisterio. Devo porém dizer que me não conformo com o systema dos terços para remunerar o professorado.

Considerados sob o aspecto economico, constituem os terços um systema de remuneração de serviços muito barato, porque o professor, continuando com o terço, faz por 266$000 réis annuaes o serviço que o estado teria de pagar com 800$000 réis, como hontem aqui demonstrei.

Póde pois tambem dizer-se que a lei de 17 de agosto de 1853 não só quiz remunerar melhor o professorado mas, remunerando-o por meio dos terços, teve em vista conseguir para o thesouro uma avultada economia.

Mas, como já disse, entendendo que o governo não devia destruir direitos legitimamente adquiridos, não podia eu todavia deixar de expor os inconvenientes d'este systema considerado sob o ponto de vista de utilidade scientifica.

E permitta-me a camara que n'este momento eu levante as phrases do sr. relator da commissão, que = de dez jubilados que continuavam com o terço talvez não houvesse um que o merecesse! =

Em nome da corporação a que pertenço, a que ambos nós pertencemos, protesto contra similhante asserção (apoiados).

Seguindo a ordem das minhas idéas, direi que o professor, quando chega á idade que lhe permitte a jubilação, com vinte annos de serviço, nem sempre, é verdade, esta no caso de continuar a reger, com proveito para a sciencia, a cadeira que na juventude illustrou pelo estudo e talento da sua intelligencia. E n'esta hypothese o systema dos terços é funesto, porque convida, com prejuizo da sciencia, embora com vantagem do thesouro, a velhice a occupar o logar da juventude.

Que fazer pois?

Na actualidade garantia os terços aos professores existentes, sujeitando os seus vencimentos a uma deducção equitativa; abolia porém este systema de remuneração, substituindo-o por outro, em que se fixassem maiores ordenados para o professor, que póde e deve trabalhar durante o vigor da idade, estabelecendo a sua jubilação definitiva depois de vinte e cinco annos de effectivo serviço. Hoje, pelo systema de concursos, que actualmente vigora, entra o doutor ainda moço para o magisterio, e por isso o praso de tempo, que fixei para a jubilação, não será exagerado.

E uma vez que os ordenados do professorado fossem, como deviam ser, rasoavelmente elevados, poderia a jubilação ser feita com metade d'esses ordenados.

O praso da jubilação, por mim indicado, poderia ser modificado no tocante á instrucção secundaria e primaria, onde a velhice muitas vezes, mais que a juventude, ministra garantias efficazes e proveitosas para a instrucção.

Eis-aqui o que eu penso com relação aos terços, e o que faria supprimindo-os como systema de remunerar os serviços do professorado.

Disse-nos o sr. Carlos Bento que =as aposentações em França regulavam por um terço, metade ou dois terços dos ordenados =. É verdade; mas devo notar que os ordenados lá são maiores, muito maiores, e que, havendo o chamado direito á pensão, passa esta em certa proporção para a viuva e filhas até certa idade.

Um professor da faculdade de medicina de París tem de ordenado fixo, e do que lá se chama de inscripção da matricula, 10:000 francos; os professores de outras faculdades, que até aqui tinham o ordenado de 4:000 a 6:000 francos, ultimamente foi-lhes elevado a 12:500 francos. Quer dizer, a metade ou os dois terços da sua jubilação são superiores, e muito superiores, aos maiores ordenados do nosso professorado em activo serviço.

Ia-me esquecendo de responder a alguns argumentos apresentados aqui pelo sr. Freitas e Oliveira.

Disse s. ex.ª que o professor, se não tinha tantas vantagens pecuniarias como os empregados de secretaria, tinha pelo menos vantagens de independencia que estes funccionarios não tinham.

E verdade; n'esta parte tem s. ex.ª rasão. Mas o que não creio é que os empregados de secretaria vivam no meio daquellas torturas, pintadas aqui tanto ao vivo pela imaginação do meu nobre amigo; não creio que, depois dos longos e aturados trabalhos de secretaria, se recolham a casa sem appetite de comer; parece-me, perdôe-me s. ex.ª, que deverá succeder o contrario.

A independencia do professorado é garantida pelas leis, como condição indispensavel para o progresso e desenvolvimento das sciencias; se o legislador decretasse o principio da amovibilidade para o professorado, que funestíssimos resultados não proviriam d'ahi para as sciencias e letras patrias?

Seria grave erro sujeitar o professor aos vaivéns da politica intolerante.

O illustre deputado é porém um documento vivo da independencia do empregado de secretaria.

Quantas vezes não tem s. ex.ª, usando da penna de escriptor, hostilisado gravemente os ministros que dirigem ministerios onde é empregado? Não o censuro por isso, louvo-o. E porventura houve já ministro que, abusando das suas attribuições, demittisse ou tentasse demittir o sr. Freitas e Oliveira? Não, por certo.

Não nos disse aqui s. ex.ª que fôra um dos apostolos da gloriosa revolução de 2 de janeiro? Pois n'essa occasião não era, como actualmente é, empregado da secretaria das obras publicas? Não convivia todos os dias com o sr. Corvo, seu ministro? E que soffreu a sua independencia? Nada, absolutamente nada.

Não só hostilisou a situação politica, de que fazia parte o seu dignissimo ministro, mas até teve o prazer de ver triumphante o immortal movimento de 2 de janeiro, obra prima do illustre deputado e dos seus nobres camaradas!

Entre os meios de hostilidade politica, de que s. ex.ª tem usado contra os ministros, ha um que em verdade é engraçadissimo.

Todos sabem que um gabinete é sempre rodeado de amigos intimos, e que muitas vezes ha familias privilegiadas que o cercam, fazendo dos beneficios ministeriaes um verdadeiro monopolio.

Pois s. ex.ª reconhecendo esta doutrina n'uma epocha, que eu não sei se é muito ou pouco afastada de nós, e, cansado de fazer requerimentos para obter aquillo de que era merecedor, entendeu que deveria alcançar uma habilitação, que não tinha, requerendo as honras de parente de certa familia, favorecida frequentemente com as graças ministeriaes.

Todos estes factos provam evidentemente que a independencia dos empregados de secretaria não esta á mercê dos influxos politicos. Eu não sei de facto em contrario desde 1851 para cá. Até ahi refere a historia que se attentára tambem contra a independencia do professorado.

Fallarei agora do alcance economico do projecto.

Julga porventura o sr. ministro da fazenda que d'este projecto hão de resultar avultadas economias para o thesouro? Engana-se, se tal pensa. O projecto vae estimular e desenvolver o contrabando das jubilações. O professor, até agora, concluindo os vinte annos de serviço, e vendo diante de si o terço, continuava na regencia da cadeira, fazendo, como disse, uma valiosa economia para o thesouro; mas de hoje em diante, approvado este projecto, qual o incentivo, qual a rasão que o obrigue a continuar? A lei e só a lei. Pois bem, da lei se livrará elle, se quizer, jubilando-se, ou recolhendo a casa por motivo de molestia, que vale quasi o mesmo para o thesouro.

Ahi vae um exemplo confirmativo das minhas idéas.

Supponha a camara que sou eu que me quero jubilar. Accuso uma dor de cabeça, para provar a existencia da qual nem sempre ha symptoma objectivo e concludente. Eu como medico posso enganar mais facilmente qualquer junta de saude. Accusando a dôr de cabeça, exponho perturbação da vista, o enfraquecimento da memoria e de todas as faculdades intellectuaes, de modo que não posso cumprir as obrigações do professorado, e para provar tudo isto, do alto da minha cadeira, alem dos desacertos involuntarios, deixo caír dos labios os disparates voluntarios! (Riso.)

O projecto não previne, nem póde prevenir, e muito menos remediar os inconvenientes praticos d'esta ordem.

Mas dir-se-ha que o professor em taes circumstancias, não poderá, pelo projecto, exercer outra qualquer commissão. Muito bem, mas o que elle quer é a jubilação e só a jubilação. Creia s. ex.ª que as jubilações, reformas e aposentações continuam do mesmo modo, e que a economia que o nobre ministro pretende conseguir d'este projecto se transformará em grande augmento de despeza, soffrendo ao mesmo tempo a instrucção publica, pois não ha de haver que a queira professa-la.

Voltando-me agora para o nobre ministro da guerra, desejo que s. ex.ª responda aos reparos que vou expor.

Ainda ha pouco decretou s. ex.ª exames para majores. Imagine s. ex.ª a hypothese provavel de que um capitão vae fazer exame e fica reprovado. Este capitão volta para o serviço da fileira? Reformado não póde ser. Ha de continuar, por força da lei, a servir no exercito, emquanto não estiver impossibilitado physica ou moralmente. E a força moral da auctoridade do capitão reprovado? E a disciplina militar? Por Deus, srs. reformadores, attentem no que reformam! Ou o projecto nada ha de valer, ou nada valem os exames, ou, valendo tudo, o exercito ficará valendo nada (apoiados). Que dirá a isto a esclarecida previdencia do sr. ministro da guerra?

Creio que este projecto é de um alcance muito mais funesto para o exercito, do que para qualquer outra classe de funccionarios publicos (apoiados).

Quero se façam economias no exercito, se porventura ellas podem fazer; mas o que não quero é que se sacrifique o exercito a economias que na realidade nada valem' (apoiados).

Emquanto tivermos exercito, devemos empenhar-nos na conservação do seu brilho e esplendor.

O sr. Ministro da Guerra: — E o que eu faço.

O Orador: — Assim o entendia eu, assim o desejava crer, mas desgraçadamente diz o contrario o projecto que se discute! Constou-me que s. ex.ª, nas suas allocuções dirigidas ao exercito, declarava que nunca havia de consentir que se tocasse nos seus legitimos interesses.

Folgo que s. ex.ª mudasse de idéas, porque, se em verdade podem fazer-se economias no exercito, venham ellas. Bem vindas sejam.

E serão estas as economias que racionalmente devem fazer-se na distincta classe militar?,

Creio que o sr. ministro da guerra não poderá fazer córtes economicos nos minguados soldos do militar de fileira. Suba, suba s. ex.ª Faça obsequio de subir á sua secretaria (apoiados).

Acabem as sinecuras (apoiados). Acabem, porque estou convencido que a parte activa do exercito ha de folgar, e desejar mesmo que ellas acabem.

Acabem as sinecuras, que servem só para sustentar individuos, cujos serviços não correspondem aos elevados vencimentos que recebem.

Pergunte o sr. ministro da guerra ao seu collega da fazenda quaes são as sinecuras do exercito que devem acabar.

Aqui nos apresentou s. ex.ª um programma economico, em que propoz grandes e profundos córtes nas despezas militares. E creio que s. ex.ª havia estudado seria e gravemente o assumpto, pois que, se bem me lembro, até se promptificou a apresentar um projecto de reforma do exercito.

E disse-nos s. ex.ª: «O governo fez quanto podia fazer no curto espaço de tres mezes, e fez tanto como nunca ministerio algum fizera em tão pouco tempo».

Não aceito a declaração de s. ex.ª, o governo podia e devia fazer mais. Se os collegas do nobre ministro da fazenda não tiveram tempo para fazer prodigios economicos, porque lhes não ministrou s. ex.ª os seus trabalhos já feitos e acabados? No celebre programma do nobre ministro havia obra para todos os ministerios.

Mas deixando trabalhos feitos, que pertencem á historia da vida [politica do sr. Dias Ferreira, pergunto — teve ou não s. ex.ª tempo para estudar e propor quinze projectos de lei?

Pois então não tiveram o mesmo tempo os collegas do nobre ministro? Tiveram, sim; e nada ou quasi nada apresentaram!

Sr. ministro da guerra, esta V. ex.ª ou não compenetrado da necessidade de fazer economias? Creio que não, porque V. ex.ª ainda ultimamente nos propoz o augmento da força do exercito. A sua proposta fixa a força do exercito em 30:000 homens, e em logar de dispensar 12:000 como era costume, dispensa só 10:000. São mais 2:000 homens. Mais uma economia!

Uma voz: — É porque são necessarios.

O Orador: — Estou disposto a crer que sejam necessarios; entretanto, é uma resposta desgraçada ao programma de economias proposto pelo sr. ministro da fazenda (apoiados).

E se elles são necessarios, qual é a rasão por que s. ex.ª ainda ha pouco nos disse que uma columna de 150 homens podia atravessar impunemente o paiz, porque não havia guerrilhas que se lhe oppozessem? Eu não conhecia o respeitavel ministro da guerra; sympathiso com s. ex.ª, mas permitta-me que faça alguns reparos aos dizeres do nobre ministro.

Admiro os sacrificios e as torturas que s. ex.ª soffre sentado n'essa cadeira; por mais de uma vez nos tem dito,

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com apparencias de quem soffre, que esta ahi unicamente pelo preceito de obediencia.

Ora no systema constitucional, que nos rege, não ha, creio eu, regulamento ou disciplina que obrigue s. ex.ª a estar por obediencia ahi sentado (apoiados). Por obediencia a quem?...

O sr. Sá Nogueira: — A sua consciencia.

O Orador: — Se é por obediencia á sua consciencia, muito bem, esteja; mas devo notar que os dictames da consciencia não constituem codigos de disciplina militar.

Esteja pois s. ex.ª emquanto não perder a confiança da corôa e do parlamento; sairá quando o abandonarem estes elementos constitucionaes, embora tenha a confiança do exercito (apoiados).

Esta é a doutrina. No codigo fundamental da nossa constituição politica não encontro o exercito como poder do estado.

Compenetrem-se os nobres ministros da impreterivel e improrogavel necessidade de reduzir as despezas publicas.

As exigencias da opinião publica, o imperio das circumstancias, obrigaram o ministerio, dizem ss. ex.ª, a destruir tudo ou quasi tudo que a situação passada fez.

Muito bem. Pois o mesmo imperio, direi eu, as mesmas exigencias da opinião publica requeriam que edificassem e construissem tambem (apoiados).

Não quizemos, disseram ss. ex.ªs, usar da dictadura, e cheios de escrupulos liberaes exclamaram «vinde, eleitos do povo, vinde a nós, depressa, mais cedo ainda do que devíeis vir; a salvação da patria esta prompta e acabada».

Vieram os eleitos do povo correndo a salvar a patria infeliz. Esperae mez e meio, disse o governo, e os eleitos do povo esperaram.

Appareceram emfim as medidas salvadoras, e os eleitos resmungaram (riso). Resmungaes?! Pois bem. Ahi vae a suprema salvação da patria — a lei de meios! O epilogo corresponde ao exordio.

A gloriosa revolução de 2 de janeiro pereceu abafada por estridente gargalhada.

Que é feito, sr. ministro da fazenda, do seu pomposo programma de economias? Onde esta elle, que lhe fez V. ex.ª? Não o aceitaram os collegas de v. ex.ª?

Pois V. ex".a quando entrou no poder não devia, antes de entrar, dizer aos seus collegas o seu programma economico? (Apoiaãos.)

E verdade que o formador do ministerio foi o sr. conde d'Avila, que esta acostumado a entrar para conversar depois (riso).

A camara conhece o programma de economias apresentado aqui pelo sr. ministro da fazenda. Não me farei cargo de o ler, mas desejo que a camara tenha conhecimento de alguns trechos do discurso que precedeu a apresentação do programma; são elles tão edificantes, que não devem ficar na obscuridade dos archivos.

Ouçam:

«São tão graves as circumstancias do paiz e as difficuldades do thesouro, que eu tomo a liberdade de apresentar á camara uma relação de economias ou uma indicação de suppressão de despezas, como lhe quizerem chamar, que, se merecessem a benevolencia da assembléa e o assentimento do gabinete, deviam attenuar consideravelmente, ou talvez mesmo extinguir, o saldo desfavoravel do nosso orçamento, restabelecendo o equilibrio entre a receita e a despeza do estado. Mas creia V. ex.ª que me sinto um pouco acanhado para apresentar estas indicações á assembléa, depois de ouvir hoje ao nobre ministro da fazenda, que estimaria que os membros d'esta casa apresentassem todas as lembranças de suppressão de despeza, reservando-se todos os direitos e liberdade de as apreciar; mas considerando desde logo suspeitas de menos convenientes todas as que não partissem de espiritos esclarecidos e praticos.»

Foi d'aqui que o nobre ministro tirou a resposta que deu aos eximios patriotas do Porto (riso). Aceitam-se todas as lembranças, mas é necessario que ellas partam de espiritos esclarecidos e praticos.

É a linguagem de todos os ministros da fazenda; hontem era s. ex.ª espirito pouco esclarecido; hoje, como é ministro, encontra já as trevas no espirito dos outros! E todos são assim! E os que vem depois, ou fazem o mesmo ou peior (riso).

Dizer unicamente ao paiz que o deficit é consideravel, que importa em milhares de contos de réis, e não dizer immediatamente a maneira como este desequilibrio, que é uma molestia fatal das nossas finanças, se ha de remover em uma epocha mais ou menos demorada, é systema com que não posso conformar-me» (riso).

Pois conformou-se! (Apoiaãos.)

«Emquanto a economias, creio que o governo apresentou as que podia apresentar, e, se tenho bem presente um discurso que fez n'esta casa um dos ornamentos do gabinete, o sr. ministro dos negocios estrangeiros, quando se discutiu a reforma diplomatica, o governo aceita as economias como principio de governação, mas não póde fazer economias consideraveis, não póde fazer economias como meio importante, como meio que avulte, e que seja efficaz para a organisação da fazenda publica.

«O mais notavel é que a illustre commissão de fazenda pondera, e com justa rasão, que qualquer adiamento da questão de fazenda é um novo encargo para o thesouro. Completamente de accordo, sr. presidente.

«Pois nós, que queremos livrar-nos, não de vantagens que desejaramos ver augmentadas, mas de encargos, vamos ao menos livrar-nos d'estes encargos até onde for possivel; e portanto tratemos de resolver e não de adiar a resolução do problema financeiro.

«Se a commissão de fazenda pareceu negar-nos a iniciativa no assumpto da organisação da fazenda, seja feita justiça ao sr. ministro da fazenda, que, pondo em pratica todos os meios para explicar plausivelmente aquelle periodo do relatorio da illustre commissão, ao menos não nos negou essa competencia, nem no-la podia negar. Se pois o governo não tem coragem para entrar francamente na questão, tome a camara o seu logar.»

É pena ver no procedimento actual do nobre ministro o contrario, exactamente o contrario, do que fôra como simples José Dias Ferreira!

Como são verdadeiras aquellas memorandas palavras de s. ex.ª quando aqui nos disse que o paiz estava cansado de ver as opposições pregarem certas doutrinas, e depois, quando poder, ou não as aceitavam, ou faziam o contrario!

Lamento, sr. presidente, que o talentoso ministro se esquecesse do seu programma e das suas doutrinas, não se lembrando de que a sua boa reputação dependia do cumprimento mais ou menos rigoroso das promessas que havia feito ao paiz!

Estas contradicções dos homens que se sentam ali (apontando para as cadeiras ministeriaes) produzem um grande mal — a descrença geral do paiz (apoiados).

Não ha partidos, porque não ha crenças nem convicções. A mocidade apparece corrompida como a velhice. Vale tanto o ministro velho como o ministro joven.

Vou apresentar tambem um programma (riso); mas não o escrevo. Se elle agradar, como agradam sempre todos os programmas, talvez que venha publicado no Diario; se não, faço-lhe os córtes indispensaveis (riso).

Eu não tenho aspirações a sentar-me nas cadeiras ministeriaes, mas não estou livre, nem ninguem o esta, de ser agarrado um dia por uma gloriosa revolução de 2 de janeiro (riso), e contra vontade apparecer ministro; declaro porém desde já que, se me acontecer a desgraça que succedeu ao sr. Dias Ferreira, me não comprometto a sustentar o meu programma (risadas).

O projecto do nobre ministro da fazenda devia ser substituido por uma reforma de instrucção superior (apoiados).

Temos tres faculdades de medicina em Lisboa, Porto e Coimbra (apoiados). E para que? Para habilitarem, termo medio, 25 a 30 alumnos annualmente! É despeza estupenda! Se as tres faculdades se fundissem em uma só, organisada esta sobre mais largas bases, não só as sciencias medicas aproveitariam, e muito, mas de certo o thesouro lucraria tambem. Para mim é questão secundaria se a faculdade de medicina, assim organisada, deve collocar-se aqui ou acolá. Mas sei que desgraçadamente no nosso paiz isto é ponto grave. Todos' concordam n'estas idéas, porque são rasoaveis e justas; mas em se tratando de as realisar surgem as difficuldades, gritam todos pela sua localidade (apoiados); a verdade é que se torna indispensavel ceder ao imperio das circumstancias (apoiados).

Temos tres faculdades de mathematica e tres de philosophia. É demasiado luxo de sciencia (apoiados). E para que? Quando precisâmos habilitar alguem praticamente, exportámos, com largos subsidios, os nossos alumnos para recebermos de paizes estranhos a instrucção pratica (apoiados).

Em traços largos e rapidamente exponho a reforma da instrucção superior. Não quero entrar em detalhes.

Temos o instituto agricola com a sua quinta modelo (riso), que ultimamente deu provas de que serve para alguma cousa (riso).Á quinta modelo (e eu desgraçadamente a votei) serve para o nosso lavrador ir lá aprender o que não deve fazer em cousa sua (riso).

A faculdade de theologia póde ser supprimida; eu não sei que haja carreira especial na vida publica para que ella habilite. Os seminarios podem muito bem fazer que se dispense a faculdade de theologia.

O sr. Bernardino de Menezes: — Nego, não é exacto; não se póde fazer essa comparação.

O Orador: — Na faculdade serão mais é mais desenvolvidos os assumptos theologicos, mas organisem se melhor. Assim temos muitos estabelecimentos de instrucção, e não temos um completo.

O sr. Bernardino de Menezes: — Os seminarios são pagos caritativamente pelos fieis, e não devem nada ao governo.

O Orador: — Perdôe-me o meu illustre collega; os seminarios não pertencem só aos fieis.

O sr. Bernardino de Menezes: — Pela bulla.

O Orador: — Pertencem aos fieis catholicos de Portugal e têem propriedades de que são apenas usufructuarios, podendo nós dar-lhes qualquer outra fórma ou modo de ser que julgarmos conveniente.

Mas a verdade é que, se em logar do dinheiro que despendemos com tantas faculdades, o despendêssemos com as sufficientes, não só alcançaríamos valiosas economias para o thesouro, mas até as sciencias se desenvolveriam.

É necessario acabar com tanto luxo de sciencia e romper com os preconceitos, privilegios...

O sr. Bernardino de Menezes: — Então a universidade é um privilegio?

O Orador: — Quem propõe aqui a extincção da universidade?

O sr. Bernardino de Menezes: — Segue-se do seu discurso.

O Orador: — Pois do meu discurso segue-se a extincção da universidade?

O que eu desejo é que a universidade, quer esteja em Coimbra, quer em Lisboa, resplandeça a par das universidades da Europa; desejo dar-lhe mais vida, e de certo a não alcançará emquanto se não fizerem as reformas que indico, porque é acanhado tudo quanto existe.

Não venho aqui clamar contra a mãe, de que sou filho. O meu desejo era elevar ainda mais aquelle emporio das sciencias, era illustrado, se eu podesse concorrer para isso. Os meus desejos eram e são que a universidade fique aonde

esta, porquê em parte alguma ficará melhor; mas declaro que essa questão é para mim muito secundaria (apoiados); e se as conveniencias do ensino pedissem que a universidade, em logar de estar em Coimbra, fosse para o Porto ou Lisboa, não me opporia eu á realisação de tal conveniencia (apoiados).

Fallarei tambem da reforma das secretarias d'estado.

Occupar-me-hei da secretaria do reino, e tudo quanto disser a respeito d'ella póde e deve applicar-se a todas as outras.

A camara vae ver como podem fazer-se avultadas economias, sem ferir injustamente os interesses adquiridos dos diversos funccionarios publicos.

Na secretaria do reino ha tres direcções geraes; a direcção politica, a civil e a de instrucção publica. Ha tambem a repartição de contabilidade.

De todas estas direcções a que esta organisada mais economicamente, em relação ao numero de empregados, é a de instrucção publica.

V. ex.ª (dirigindo-se ao sr. ministro da fazenda) fez a reforma da secretaria da fazenda, mas conservou quasi tudo no mesmo estado; quasi o mesmo numero de empregados, as mesmas categorias, etc... (apoiados).

O primeiro trabalho deveria ser simplificar o serviço, e depois de simplificado fazer então a reforma (apoiados); de outro modo é impossivel fazer reformas economicas. V. ex.ª póde reduzir os quadros, supprimindo os logares de dois ou quatro amanuenses, de tres ou quatro officiaes, etc...; mas isso é nada, absolutamente nada (apoiados).

Acabe-se com o reinado da papelada (apoiados), e depois reduzam-se os quadros.

Ahi vae um exemplo do que é e vale a papelada. E da direcção geral de instrucção publica.

Ha n'esta direcção quatro repartições: repartição de instrucção primaria, de instrucção, secundaria, de instrucção superior e dos theatros, conservatorio, etc... Ha 1 director geral, 3 chefes de repartição, 3 segundos officiaes e 6 amanuenses. O director geral tem 1:480$000 réis, os chefes de repartição 1:380$000 réis, os segundos officiaes 500$000 réis, e os amanuenses 240$000 réis.

Não é grande o numero dos empregados, pois nem metade d'elles seria necessario se a papelada acabasse.

O concurso para uma cadeira de instrucção primaria requer a seguinte papelada:

Edital e programma publicados no Diario; dois editaes com um officio para o commissario dos estudos; dois editaes com um officio para o administrador do concelho. Só para annunciar o concurso de uma cadeira de instrucção primaria são necessarios dois officios e cinco editaes, dos quaes um com o programma se publica no Diario!

Feito o concurso, vem o processo para a repartição da instrucção primaria, cujo chefe o instrue, examinando se foram cumpridas as prescripções legaes, e propondo o provimento temporario ou vitalicio. Supponhamos que propõe o provimento temporario. Vae a proposta para o director geral, do director geral vae para o ministro, que dá despacho, que volta á repartição.

Passa-se o diploma, que volta ao ministro para o assignar, e depois de assignado vem á repartição, onde se regista, passando-se guia para a repartição • central, onde se passa guia tambem, que é entregue ao interessado (riso), o qual vae pagar á recebedoria, voltando á repartição com o conhecimento.

A repartição de instrucção primaria recebe o conhecimento e passa ao lado do diploma o recibo de que pagou; e depois, finalmente, entrega-se o diploma ao despachado! A contradança não termina ainda aqui.

No fim de cada mez o chefe da repartição manda todos os conhecimentos para a secretaria da fazenda, onde devem ser confrontados com os talões, enviados pela recebedoria, e da repartição central sáe a relação das guias pagas, que é publicada no Diario de Lisboa.

Se o provimento é vitalicio, mais papelada ha, e que a camara permittirá que eu não exponha para a não cansar, e para me não cansar tambem.

Ora, é isto possivel? Que vantagem ha n'esta papelada? E perder o tempo, que vale dinheiro (apoiados), é perder papel que custa dinheiro (apoiados), é de mais a mais occupar n'este trabalho empregados que podiam dispensar-se simplificando-se o serviço (apoiados).

Ahi fica exposto o meu programma, as minhas indicações economicas, que podem e devem ser aproveitadas por quem queira economisar, sem ferir á torto e a direito interesses que deveriam ser respeitados. Muito mais podéra eu dizer, levando a mesma analyse a todas as repartições do estado; é obra que reservo para a discussão do orçamento.

Vou terminar, declarando ao nobre ministro da fazenda que não tive intento de proferir phrases que fôssem desagradaveis a s. ex.ª A nossa diversa posição politica, e o estado grave em que o paiz se acha, impunham-me o dever de dizer o que disse.

Sou o primeiro a reconhecer o talento de s. ex.ª, e sentirei que o nobre caudilho da gloriosa revolução de 2 de janeiro continue vivendo na capital, abandonando a nossa universidade, onde s. ex.ª faz tão grande falta! Que eu me ausente d'aquelle venerando estabelecimento, que eu lá não volte, pouco ou nada perderá elle e as sciencias que lá se cultivam.

A universidade de Coimbra tem perdido, e continuará a perder, com a ausencia dos seus mais dignos ornamentos; mas a culpa é dos governos. Declaro que são um grande inconveniente para a sciencia as commissões que entretém na capital, ou em qualquer outra parte, os professores daquella corporação (apoiados). Digo-o com franqueza, e direi que o professor que é deputado perde muito tambem (apoiados).

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Creio que a camara não estranhará que eu falle de certo modo, dizendo-lhe assim a verdade. Quando o professor deputado volta a reger a sua cadeira encontra serias difficuldades.

Não é de certo no meio das effervescencias da politica que o espirito do professor encontra a tranquillidade indispensavel para se entregar ao estudo. A sciencia progride e passa, e quando o professor recolhe á corporação a que pertence, vê a sciencia muito adiante de si e não póde alcança-la rapidamente como era mister.

Desejára que os professores fossem só professores (apoiados), os magistrados só magistrados (apoiados); mas que retribuíssem uns e outros condignamente, e que essa retribuição fosse incentivo para que permanecessem nos seus respectivos logares (apoiados).

Nobre ministro da fazenda, não prefira os encantos e os attractivos da capital ao socego e tranquillidade pratica da nossa formosa lusa Athenas (apoiados).

Vozes: — Muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados da direita e esquerda da camara.) Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que ao artigo 1.° d'este projecto se addicione o seguinte §:

§ unico. Aos professores de instrucção primaria não será applicada a disposição do artigo antecedente. = Pereira Dias.

Admittida.

O sr. Pinto Basto: —Mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda ácerca da contribuição industrial das fabricas de distillação de aguardente.

O sr. Freitas e Oliveira: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre so me concede a palavra antes de se encerrar a sessão, para eu dar breves explicações com relação ao que em tres sessões successivas alguns illustres deputados têem dito com referencia á minha pessoa e ás observações que fiz em uma das sessões passadas.

Vozes: — Falle, falle.

O sr. Costa e Almeida: — Então tambem eu peço a palavra para um requerimento.

O sr. Freitas e Oliveira: — Eu não tive idéa de tirar a palavra a nenhum sr. deputado; desejava que se me consentisse dar algumas explicações antes de se fechar a sessão; vejo que a camara permitte que eu falle, e sinto muito que esta resolução da camara magoe o illustre deputado.

Consultada a camara sobre o requerimento do sr. Freitas e Oliveira, decidiu affirmativamente.

O sr. Freitas e Oliveira: — Começarei por agradecer á camara a benevolencia que teve para commigo, benevolencia e cortezia a que eu corresponderei com a brevidade das minhas reflexões.

Antes de mais nada cumpre-me fazer uma declaração para que as expressões com que terminei as reflexões que fiz n'uma das sessões passadas, a respeito do sr. ministro da fazenda, sejam interpretadas no sentido que ellas rasoavelmente podem ter.

Eu disse na primeira vez em que tive a honra de fallar n'esta casa, que tomava e queria para mim só a responsabilidade inteira e indivisível de todas as palavras que pronunciasse n'esta casa, tomando essa responsabilidade, não só aqui, mas em toda a parte.

Portanto as explicações cathegoricas e clarissimas do sr. ministro da fazenda, com relação ao que eu disse a respeito de s. ex.ª, eram sem duvida muito necessarias para todos os cavalheros que me não conhecem, mas de certo muito dispensaveis para todos aquelles que já me conhecem ha algum tempo.

Creio que toda a gente, que me conhece, me faz a justiça de acreditar que eu não venho dizer aqui cousa alguma, que me seja insinuada por qualquer pessoa; eu manifesto n'esta casa simplesmente a minha opinião individual (apoiados).

Nas reflexões que fiz e em que alludi ao sr. ministro da fazenda, eu não me servi de nenhuma outra indicação, que não fosse a que tirei dos boatos, que corriam, e da minha propria observação; não me servi de nenhuma conversação particular, que tivesse tido com s. ex.ª sobre nenhum outro objecto, que não fosse daquelles que são do dominio completo do publico.

Se me enganei n'aquella especie de prognostico, que fiz, melhor para a situação a que s. ex.ª faz tão nobres e tão distinctos serviços.

Passando d'este assumpto, preciso tambem dirigir-me ao illustre deputado pelo Porto, o sr. Costa e Almeida, pessoa que eu muito estimo e considero, para levantar uma insinuação feita por s. ex.ª contra mim, dizendo que no meu discurso eu fizera insinuações ás suas intenções e ao seu caracter. O, illustre deputado queixou-se de que eu dissera que os srs. deputados, que tinham assignado a proposta do sr. Costa Simões, não queriam que se votasse o projecto, e que eu estranhava muito isso, porque sendo este o primeiro projecto de economias, que o governo apresentava á discussão parlamentar, mal podia pensar que o illustre deputado o rejeitasse sendo um dos mais decididos campeões das economias.

O illustre deputado levantou-se e protestou energicamente contra as minhas palavras, que não eram exactamente a expressão da verdade, segundo disse s. ex.ª

Eu insisti n'ellas, porque suppunha que eram exactamente a expressão da verdade, e a votação de hontem assim o veiu demonstrar. O cavalheiro, a quem me refiro, rejeitou o projecto, que era exactamente o que eu tinha dito; e note-se que o rejeitou, tendo dito na discussão que o approvava, que elle só o que queria era a igualdade, e que por isso é que assignára a emenda.

S. ex.ª tambem estranhou que, tendo eu achado um pouco acanhado, não as ultimas propostas que elle mandou para a mesa, mas o projectinho de emenda ou de additamento que tinha sido apresentado na vespera pelo sr. Costa Simões, assignado tambem pelo illustre deputado e por mais vinte e seis dos nossos collegas; estranhou, digo, que tendo eu achado esse projecto de pequeno alcance, não apresentasse as minhas reformas.

Obedecendo ao desafio do illustre deputado, direi que, muito antes de eu ter tido o prazer de ver o nome de v. ex.ª associado ás cousas publicas, muito antes de estar inaugurada no Porto uma associação que tanto respeito, como é a associação patriotica do Corpo da Guarda, já eu n'esta cidade, quando pela primeira vez me apresentei candidato a deputado em opposição a um dos mais nobres caracteres que tem logar n'esta casa, o sr. Braamcamp, tinha apresentado um programma que, se v. ex.ª me dá licença, direi, que se elle não compete com as aspirações tão largas do programma do Corpo da Guarda e sobretudo com o ultimo programma apresentado pelo nobre deputado, contém alguma cousa aproveitavel, alguma cousa mesmo que já se fez, porque eu n'essa epocha, 7 de abril de 1861, propunha o seguinte:

A restituição á camara municipal de Lisboa de todos os seus. rendimentos, que hoje entram na receita geral do estado;

Um projecto de lei de responsabilidade de ministros;

Um projecto de lei de recrutamento combinado por fórma tal que evitasse, quanto possivel, as emigrações para a America, e tornasse procurada pelo povo a instrucção primaria;

Um projecto de lei de colonisação do Alemtejo;

Um projecto de lei geral de habilitações para todos os funccionarios publicos;

Um projecto de lei em que se diminuia a despeza que se faz com o exercito, augmentando-se todavia os prets aos soldados e os soldos aos officiaes desde alferes até capitão inclusivè;

O acabamento immediato de todas as pensões superiores a 400000 réis, e de todas que não tivessem sido dadas por serviços relevantissimos, fazendo ao mesmo tempo que estas fossem pagas pontualmente como os vencimentos de todos os funccionarios publicos;

Projectos de lei para a reforma organica de toda a administração das nossas colonias, sendo um d'elles para acabar com o exercito do ultramar;

A dissolução de todos os tribunaes e repartições inuteis, e a suppressão de todos os empregos que não forem absolutamente indispensaveis;

A reforma do pessoal e material da nossa marinha, segundo as bases que offerecem as organisações das marinhas ingleza, franceza e americana;

A rescisão de todos os contratos, cujas condições não tivessem sido restrictamente cumpridas pelos concessionarios;

A abolição de todos os privilegios dados a industrias, que em cinco annos não tivessem apresentado sensivel adiantamento e prosperidade;

A livro importação de todas as materias primas das industrias especiaes do paiz;

A reforma da educação popular, especialmente do clero e do sexo feminino, tornando-a o mais liberal e o mais christã possivel;

A extincção dó todas as ordens religiosas de qualquer especie, sujeitas por qualquer fórma, quer interna quer externamente, a auctoridades ou a prelados estrangeiros;

A reforma dos tribunaes superiores de justiça e a dos codigos civil e penal, de fórma que nenhum cidadão, de qualquer condição ou jerarchia, podesse fugir á acção immediata da lei;

Um systema que, sem alterar o orçamento do estado, dividisse os tributos por um modo mais proporcional aos haveres do contribuinte, e diminuisse e simplificasse os processos complicadíssimos a que o devedor da fazenda publica tem de sujeitar-se para pagar;

Um projecto de lei abolindo completamente os morgados.

Estes meus projectos, como se vê, não eram todos de bota abaixo; pelo contrario, se augmentavam com alguns d'elles os soldos e os ordenados a quem tinha pouco.

Já vê pois o meu illustre amigo que eu já em 1861 tinha idéas de reformas e aspirações, que, se não tiveram a felicidade que coube ás de s. ex.ª e ás do Corpo da Guarda, as quaes poderam ser manifestadas n'esta camara, nem me parecem menos rasoaveis.

Este programma, tal qual esta, foi tres vezes vencido perante a uma; e eu entendi que esta triplice derrota era bastante para desistir d'elle. Hoje não faço alardo de tal programma, e limito-me a desempenhar os meus deveres de deputado como sei e como posso.

Entendendo que da minha iniciativa pouco póde provir á causa publica, assevero ao illustre deputado que o hei de acompanhar em todas as aspirações de liberdade e reforma que não forem, permitta-me s. ex.ª que lhe diga sem a mais levo offensa, puramente utopias. N'aquillo que a este respeito eu vir que póde realisar-se conte s. ex.ª com a minha cooperação.

Desde já posso declarar tambem a s. ex.ª que, com relação á instrucção superior, o meu illustre collega e amigo, o sr. Teixeira Marques, e eu, estamos preparando um projecto de reforma que, se não merecer a plena approvação do illustre deputado, poderá ao menos merecer a sua attenção.

Direi agora duas palavras com relação ao ameníssimo e refrescado discurso que acabâmos de ouvir ao sr. Pereira Dias.

S. ex.ª foi tão diffuso, que realmente não me é dado responder a todas as considerações que se referiram á minha humilde pessoa; todavia lembro-me de ouvir dizer a s. ex.ª que votava o projecto porque é innocente, porque descobre n'elle uma tal ou qual porta aberta, por onde se podia fazer contrabando de aposentações e jubilações, e que o sr. ministro da fazenda tinha sido pouco previdente não prevenindo este abuso.

Eu não sei a epocha em que o sr. ministro da fazenda elaborou o seu projecto, mas calculo que o escreveria provavelmente por occasião de se discutir n'esta casa a eleição de Resende, e s. ex.ª por essa occasião devia ficar edificado com a moral e actos de probidade praticados naquella eleição por certas auctoridades, por certos funccionarios publicos, e por alguns medicos sobretudo, e de certo foi por esse motivo que não julgou necessario previnir o abuso que o illustre deputado receia. E impossivel que um medico se atreva a passar uma certidão que não seja completamente verdadeira.

Portanto entendo que o illustre deputado não fez bem, votando o projecto pela sua innocencia. Mas s. ex.ª não fez só isto, votou o projecto, que o acha injusto, por uma certa cautela, porque as lições da historia eram crueis...

O sr. Pereira Dias: — V. ex.ª não conhece de certo a minha obscura vida parlamentar, se a conhecesse não me fazia essa amavel insinuação. Tenho tido sempre a coragem de votar conforme entendo, obedecendo unicamente aos dictames da minha consciencia; e se porventura tivesse de alterar este procedimento, só o faria por um grande interesse, qual é o bem geral do paiz.

O Orador: — Não duvidei um momento só da independencia e consciencia do illustre deputado; sou o primeiro a fazer justiça ao seu nobre caracter e qualidades, e por isso mesmo estranhei, que achando s. ex.ª injusto um projecto, simplesmente por suppor que elle podia agradar ao paiz, o approvasse.

A idéa dominante hoje é cortar desapiedadamente nos mesquinhos ordenados dos servidores do estado; sei que esta idéa agrada a muita gente, e eu não tive duvida em me oppor a ella, não por conveniencia propria, porque o meu ordenado, por sua insignificancia, esta infelizmente ao abrigo d'esses córtes; oppuz-me, porque entendo em minha consciencia que me devo oppor, e isso basta. Mas votei este projecto, porque o acho rasoavel, e rejeitei a emenda dos illustres deputados, porque entendo que não tem rasão de ser, e porque não é esta a occasião de tratar d'ella.

S. ex.ª tambem se referiu á minha independencia, dizendo que os empregados não eram tão dependentes, como eu dizia, porque, tendo eu feito opposição a alguns ministerios, e opposição' um pouco violenta, todavia não tinha sido ainda demittido.

Era preciso que se quizesse fazer commigo uma excepção unica para ser demittido por politica. Ainda não houve desde 1851 até hoje ministro algum que demittisse funccionarios inamoviveis por politica, e se se fizesse uma excepção commigo era fazer uma victima aonde não havia merecimento para tanto. Ora, sempre direi ao illustre deputado que a independencia vem mais do carater dos individuos do que do logar que elles occupam (apoiados).

Eu tenho exercido differentes empregos sempre com a maior independencia, mas essa independencia tem-me saído muito cara (apoiados). Se eu quizesse entreter a camara com cousas que estão muito abaixo da sua attenção, e lhe contasse alguma cousa da minha vida publica, eu mostraria ao illustre deputado quanto me tem saído caras as provas de independencia, e todavia não estou arrependido de as ter dado, e hei de continuar a dá-las (apoiados).

Effectivamente é verdadeira a anedocta contada pelo meu illustre e particular amigo, o sr. Pereira Dias. Eu estive por muito tempo pedindo uma cousa que era de alta justiça— que se me contasse como tempo de serviço na vida militar aquelle em que tinha estudado com aproveitamento na universidade. Isto nunca se tinha negado a nenhum militar; todavia indeferiram-se-me constantemente sete requerimentos que fiz sobre este assumpto. N'essa occasião havia uma familia que tinha obtido no mesmo mez quatro ou cinco despachos para os seus membros. Entendi que a injustiça praticada para commigo era devida ao pouco valimento do meu nome, e por isso pedi a Sua Magestade que houvesse por bem considerar-me, para o futuro, parente ou adherente daquella familia (riso). Esta é a verdade.

Disse ainda o sr. Pereira Dias, dirigindo-se ao sr. ministro da fazenda que = s. ex.ª podia receber de mim lições de moralidade =. Creio que foram estas as suas palavras.

O nobre ministro da fazenda não precisa receber lições de moralidade de pessoa alguma (muitos apoiados). E se as palavras do illustre deputado significam alguma allusão irónica a mim...

O sr. Pereira Dias: — Não, senhor.

O Orador: — Dir-lhe-hei, com a cabeça muito levantada, que em actos de moralidade não preciso tambem de receber lições, nem receio nenhuma insinuação com relação á minha pessoa (apoiados); mas se me dirigirem alguma hei de receber essa insinuação sem o menor sobresalto, porque tenho a consciencia perfeitamente descansada (apoiados).

Tambem disse o meu illustre amigo que, quando eu me dirigia ao nobre deputado, o sr. Costa Simões, me esquecia que tinha diante mim um dos mais distinctos professores da universidade. E completamente inexacto. Lembrei-me sempre d'isso, e por umas poucas de vezes o repeti, porque respeito muitissimo aquelle cavalheiro como homem particular e como professor. Dei d'isso testemunho n'esta casa em differentes logares do meu discurso; e não é só esse professor que eu respeito, respeito todos os outros que têem assento n'esta casa, porque todos elles são distinctos ornamentos dos estabelecimentos scientificos a que pertencem. O que eu não respeito são alguns lentes que, tendo logar n'esta casa, e palavra para responderem aos argumentos que se apresentam aqui, contrarios ás suas opiniões, vão

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pedir emprestadas a pessoa alheia algumas injurias com que pretendem responder aos seus collegas em uma tribuna onde elles agora não tem voz. A esses lentes declaro sinceramente que não respeito nem o seu talento nem a sua lealdade.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O sr. Fradesso: — Mando para a mesa um parecer da commissão de obras publicas.

O sr. Gavicho (para um requerimento): — Requeiro a v. ex.ª que, antes de encerrar a sessão, tenha a bondade de me dar a palavra para fazer uma proposta sobre objecto alheio á discussão que nos occupa.

O sr. Eduardo Tavares: — Sr. presidente, obedecendo ás indicações do regimento, tenho o dever de enviar para a mesa, depois de a ler aqui, a moção de ordem que me auctorisa agora a usar da palavra. E a seguinte:

«Proponho que ás palavras = absoluta impossibilidade de continuar no serviço = se acrescente =impossibilidade legalmente comprovada =.

Sr. presidente, V. ex.ª sabe que fui eu o primeiro a inscrever-me a favor do projecto de que nos occupâmos, quando se discutia a sua generalidade. A providencia porém quiz punir a minha temeridade, e nos seus insondaveis designios houve por bem arrojar-me para o logar que logica e rasoavelmente me podia caber, o ultimo da inscripção. Muitos dos meus illustres collegas pediram a palavra sobre a ordem, o que lhes deu direito á preferencia, e eu, tendo sido o primeiro a inscrever-me sobre a materia, fiquei inhibido de tomar parte na discussão d'ella. Com isso ganhou a camara e o debate; a camara, porque teve occasião de escutar, em vez da minha voz pouco auctorisada, a palavra eloquente de muitos dos meus collegas; o debate, porque eu não poderia imprimir-lhe, como ss. ex.ªs, na phrase conceituosa de um dos mais distinctos ornamentos d'esta casa, o lustre e nervo (riso) que dão sempre interesse e brilho ás discussões parlamentares.

Pedindo a palavra sobre a especialidade, tive menos em vista discutir largamente um assumpto que a camara esta cansada de ouvir tratar, do que explicar o meu voto politico e parlamentar a favor do projecto, e responder a uma referencia, pouco agradavel, que ouvi fazer á classe do funccionalismo, a que me honro de pertencer. Essa referencia desde já o declaro, sr. presidente, foi feita sem intenção offensiva. Seria indigno de mim se o contrario dissesse, ou se pretendesse armar ao effeito, attribuindo insolitamente a qualquer dos illustres deputados intuitos que não teve, intenções que o não dominaram quando aqui pronunciou uma opinião (que acato) no uso pleno do seu direito de deputado. E uma vez que estou com a palavra, V. ex.ª e a camara permittir-me-hão que use um pouco mais largamente d'ella para adduzir algumas considerações a proposito da questão que mais preoccupa o paiz, que quasi o preoccupa exclusivamente na grave conjunctura em que nos achâmos; questão que prende com o projecto que se discute; questão importantissima, momentosa, que avassalla todas as attenções e obriga a serias apprehensões todos os homens sensatos do paiz. Refiro-me, sr. presidente, á nossa questão financeira (apoiados).

Antes porém de dizer uma unica palavra ácerca do projecto, e de aventurar as minhas opiniões sobre o estado da fazenda publica, permitta-me v. ex.ª que muito solemnemente declare que, no que vou dizer, não tenho o menor intuito de dirigir uma insinuação, uma censura, uma increpação mais ou menos encapotada a nenhum dos meus estimados collegas que impugnaram este projecto. Respeito as suas idéas, os seus escrupulos, os seus alvitres e as suas indicações, por menos que ellas se coadunem com a minha opinião; mas respeito, antes de tudo, as suas honradas intenções (muitos apoiados).

Sr. presidente, honremo-nos e respeitemo-nos reciprocamente (apoiados). Eu não acredito que haja n'esta casa um deputado que seja capaz de se aproveitar das vantagens que lhe proporciona o mandato popular com que o honrou o suffragio dos seus concidadãos, para vir aqui pleitear a favor dos seus interesses particulares, ou dos interesses de uma determinada classe, em deferimento da communidade e do thesouro (apoiados). Não ha. Digamo-lo bem alto, para que lá fóra se preste justamente a homenagem devida ao poder do estado que nós todos representâmos. (Vozes: — Muito bem.)

Permitta-me pois V. ex.ª que entre agora no assumpto. Começarei, como disse, por explicar o meu voto politico; logo justificarei o meu voto parlamentar.

Sr. presidente, não ha muitos dias que o illustre ministro dos negocios da fazenda apresentou n'esta casa quatorze projectos de lei, precedidos de itm luminoso relatorio que, na opinião de amigos e de adversarios, muita honra faz á intelligencia e aos conhecimentos economicos do nobre ministro. A camara anciava pela leitura de todos esses importantes documentos. Havia sofreguidão em conhece-los, para apreciar a indole do governo e o alcance do seu programma. Francamente o confesso, sr. presidente, se eu lesse esses projectos sem considerar devidamente tudo quanto, a respeito das difficuldades praticas, de resolver subitamente a questão financeira, nos diz o brilhante relatorio do illustrado ministro, eu não teria duvida em vir aqui, dominado por uma dolorosa impressão, declarar alto e bom som que o governo tinha trahido a confiança publica; que não tinha côr respondido ás esperanças do paiz; que tinha ficado muito áquem do que havia a esperar da intelligencia dos srs. ministros; e que finalmente não sabia devidamente comprehender as justas e as rasoaveis exigencias da opinião illustrada (apoiados); mas, sr. presidente, li e apreciei como pude e soube as ponderações importantissimas d'esse relatorio, e em presença dellas digo francamente a v. ex.ª e á camara que não assombro a minha consciencia retrahindo um pouco a minha soffreguidão pelas reformas, aliás tão necessarias; açaimando uma severidade que, em presença da exposição franca do governo, seria injustificavel; e moderando rasoavelmente exigencias que, n'estas circumstancias, não poderiam ter uma significação séria (apoiados).

Sr. presidente, n'esse relatorio destacam-se principalmente dois excerptos, que muito convem notar; um traduz-se n'uma desculpa franca, o outro n'uma promessa importantissima. A desculpa consiste na confissão do governo, quando expõe que, no curto periodo de tres mezes, não podia formular um vasto plano de reformas e economias em todos os variados serviços, e nas diversas repartições do estado e suas numerosas dependencias.

Será aceitavel uma tal desculpa, sr. presidente? E, principalmente para quem conhece o serviço intrincado e moroso de muitas das nossas repartições publicas, graças a um systema anachronico e impossivel que eu não tenho cessado de reprovar. Se nos lembrarmos, sr. presidente, de que uma parte importante d'esse periodo teve o governo de a applicar a restaurar o que havia sido destruido, e a restabelecer a ordem publica em alguns pontos do paiz sob diversos pretextos alterada, toda a severidade se deve transformar em benevolencia, se não em reconhecimento, porque a ordem publica é a primeira das questões e a mais vital dos governos e das nações.

O sr. Santos e Silva: — Apoiado.

Sem ordem, sr. presidente, não ha nem governo, nem liberdade, nem economias, nem finanças (muitos apoiados).

Aceito pois sem nenhuma hesitação a desculpa rasoavel do ministerio. Apreciemos agora a promessa, mas com imparcialidade e sem a menor obcecação partidaria. Sr. presidente, o mais importante triumpho que a experiencia tem alcançado sobre o meu temperamento politico consiste em ter podido dominar a minha paixão partidaria ao ponto de me facultar poder usar aqui, com o maior sangue frio e a mais completa serenidade de animo, da minha palavra, embora pouco auctorisada, e da minha rasão, embora pouco esclarecida.

Vamos porém á promessa. O sr. ministro da fazenda prometteu-nos que na proxima sessão apresentaria a parte complementar do seu programma financeiro. Disse s. ex.ª que = as suas medidas de agora tendiam quasi exclusivamente a extinguir a divida fluctuante, a melhorar o credito e a organisar a administração da fazenda, mas que as medidas a apresentar na proxima sessão legislativa teriam por fim livrar-nos dos graves embaraços financeiros com que lutâmos extinguindo o deficit e collocando a situação da fazenda em estado mais prospero =.

Se dependesse de mim, da minha vontade ou dos meus esforços collocar o sr. ministro da fazenda naquellas cadeiras (apontando para as do ministerio) até ao cumprimento religioso e fiel d'essa promessa solemne, eu empregaria todos os meios para isso, pois que a reputo convenientíssima para o nosso futuro financeiro (apoiados). Aqui, sr. presidente, levanta-se a questão da confiança politica: sei-o perfeitamente. Quem não tem confiança no governo não aceita tal promessa. Mas eu que a tenho no ministerio, e nos dotes intellectuaes e conhecimentos praticos do sr. ministro da fazenda, aceito-a, e até muito gostosamente (apoiados). E aceito-a mesmo por uma rasão, como que de força maior. Não quero contribuir (e digo isto sem querer dar a menor importancia nem á minha individualidade politica, nem ao meu voto) para, por fórma alguma, ter a responsabilidade do uma crise ministerial na presente conjunctura (apoiados). Não quero contribuir para que um cavalheiro, com as faculdades e com o prestimo do sr. ministro da fazenda, seja retirado d'aquelle logar (apontando o do ministerio) antes de se lhe ter dado o indispensavel tempo de mostrar se é capaz, e o que é capaz de fazer em proveito do seu paiz (apoiados).

Aceito por consequencia a promessa de s. ex.ª, promessa cujo cumprimento será gloria immorredoura, e cujo esquecimento será responsabilidade tremenda. E faço esta declaração, porque tambem tenho uns certos compromissos com o paiz e com os meus eleitores. Tinha-me compromettido anteriormente a essa promessa, a não votar tributos antes de feitas as indispensaveis reducções nas despezas do estado, mas não me comprometti a exigir do governo o impossivel e o miraculoso; estou intimamente convencido de que os illustres deputados que fallaram sobre o assumpto em discussão, vieram dos seus circulos com o mesmo compromisso (apoiados).

Tributos! Poderiamos nós votar tributos n'esta conjunctura, quando o augmento (e refiro-me agora exclusivamente á contribuição predial) iria recaír sobre aquelles que já pagam ha muitos annos? Poderiamos nós votar augmento de contribuição predial antes de reformarmos e aperfeiçoarmos seriamente as matrizes? (Apoiados). Ahi é que esta a questão (apoiados). Se nós fossemos votar agora qualquer somma de contribuição predial, ella iria recaír sobre aquelles que já pagam as suas collectas para o estado, e salvaríamos assim aquelles que ha muito fazem escapar as suas propriedades ao devido arrolamento (apoiados). Eu não posso votar, declaro-o com toda a consciencia da minha opinião, não posso votar de contribuição predial nem um ceitil, sem ter a consciencia de se haver procurado melhorar os defeitos das nossas actuaes matrizes (apoiados). Lançar tributos é facil, distribui-los com igualdade nas actuaes circumstancias das matrizes é difficillimo; cobra-los em taes condições seria inteiramente impossivel (apoiados).

t Mas ha mais. Votar tributos quando nós estamos todos a clamar que se façam córtes importantes na despeza do estado, não o faço eu. Ha ainda uma outra rasão. Não são só os córtes na despeza do estado que dão augmento de receita; tambem o dá a melhor administração financeira, e a melhor organisação dos meios fiscaes, em ordem a obter maior cobrança.

Não o sabemos todos, não o disse o sr. ministro da fazenda, que havia uma somma importante, calculada em quasi 6.000:000$000 réis de receita do estado que os contribuintes ainda não pagaram? E sobre esta somma, ainda que se não realisasse toda, não seria possivel fazer-se uma operação, em virtude da qual se recebesse um terço ao menos? Pois o governo não poderia fazer uma operação, uma arrematação em praça, emfim uma qualquer transacção, da qual resultasse a possibilidade de receber de prompto ao menos uma parte de somma tão consideravel? Ainda que se liquidasse apenas 2.500:000$000 réis, não seria essa somma um importante auxiliar para o orçamento, embora se perdessem 3.500:000$000 réis? Aqui tem pois a camara um alvitre de que poderia advir ao estado uma somma relativamente importante. Outros expedientes ha para augmentar os meios de receita, figurando entre aquelles o de se garantir aos empregados, encarregados pelo thesouro de entenderem em todo o processo tributario, a sua posição, pondo-os assim a coberto das vinganças, da pressão, e das exigencias dos grandes influentes eleitoraes (apoiados).

Ha pouco tempo fiz eu um requerimento para que, pelo ministerio da fazenda (e talvez o devesse ter requerido pelo do reino), fosse remettida a esta camara uma relação dos donatarios dos bens da corôa e fazenda encartados posteriormente á lei de 21 de abril de 1866, e outra dos bens ou direitos dominicaes que, em virtude da parte penal d'essa mesma lei, tivessem sido encorporados nos proprios nacionaes por se não terem os actuaes possuidores aproveitado, dentro do referido praso, do beneficio que essa lei lhes concedeu. Ainda não veiu resposta a esse requerimento; mas posso afiançar a v. ex.ª e á camara que pessoas competentes, e cujo voto auctorisado ninguem póde contestar em objectos de finanças, me asseveram que reputam de um grande valor os bens que por esta fórma andam alienados á posse do estado.

A lei de 22 de junho de 1846 estabeleceu o praso de dois annos para os encartes de todos aquelles que, estando de posse d'esses bens, se não tinham até então encartado. Passaram-se os dois annos, e muitos dos donatarios não vieram fazer o respectivo encarte. Em 1861 fez-se uma nova lei, que é a de 21 de abril, em virtude da qual se concedeu mais seis mezes para esses donatarios virem encartar-se, sob pena de serem taes bens, ipso jure, encorporados na fazenda, em harmonia -com a lei anterior, ou de se proceder contra aquelles pelo valor dos sobreditos bens, no caso de já os terem alienado.

Pergunto, vieram encartar-se? Quantos? Que somma de bens têem sido encorporados nos proprios nacionaes por se não terem feito os respectivos encartes? Não o sei. Perguntei isto ao governo, e até agora ainda não veiu resposta. Se tivesse vindo poderia alongar as minhas considerações sobre um assumpto, para o qual chamo a especial attenção do sr. ministro da fazenda.

Mas seja-me permittido fallar a respeito de reformas. Não queria cansar a attenção da camara, porque sei perfeitamente que não tenho, nem a competencia necessaria, nem a voz auctorisada de alguns membros d'esta assembléa.

(Vozes: — Falle, falle.)

Permitta-me porém a camara que eu, usando do meu direito como deputado, apresente algumas considerações a respeito de um assumpto de tão grande interesse e reconhecida importancia.

Não voto desde já augmento de contribuição predial, e não o voto pelas considerações que apresentei, porque tenho grandes duvidas sobre a conveniencia da continuação do actual systema de tal contribuição, attentas as desigualdades a que se presta, e ainda por outras considerações que vou expor á camara.

V. ex.ª sabe de certo que, não só é mau o nosso estado financeiro, mas tambem que não é demasiadamente prospero o estado do paiz, o que se póde facilmente avaliar pelo grau de prosperidade das finanças, do commercio, da industria e da agricultura.

Tenho aqui documentos, com os quaes hei de provar que se não tem apresentado a verdade quando se tem dito que o paiz esta nadando em prosperidades.

O esboço do nosso estado financeiro póde rapidamente fazer se; são para isso precisas bem poucas palavras, como a camara vae notar.

Da receita do estado, calculada em 16.107:698$500 réis, a parte cobrada annualmente oscila entre 14.000:000$000 e 14.500:000$000 réis; a despeza é de 23.156:269$146 réis, e por consequencia ha entre a receita e a despeza annual a differença real de 8:656:269$146 réis. A nossa divida consolidada é approximadamente de 270.000:000$000 réis. A divida fluctuante é de 12.000:000$000 réis. Os encargos da divida consolidada sobem a 8.073:485$544 réis; os encargos da divida fluctuante são, tomando a media que o illustre ministro da fazenda estabelece no seu relatorio, de 8 1/2 por cento, ou 1.020:000$000 réis. Sommam pois estas duas addições 9.093:485$544 réis. Deduzindo pois esta somma da totalidade de 14.500:000$000 réis, receita annualmente cobrada, ficam 5.406:515$000 réis, que é toda a receita disponivel para todas as despezas do estado.

Mas, sr. presidente, d'esta somma gasta nos o ministerio da guerra annualmente 3.700:922$006 réis, o excedente é de 1.705:592$994 réis.

Eis-aqui, sr. presidente, toda a receita, da cobrada annualmente, com que o governo tem de pagar todas as despezas ordinarias e extraordinarias do estado!

E a proposito vem dizer, e com grande sentimento, que não posso aceitar a declaração do honrado ministro da guerra, quando manifestou ha dias n'esta casa a sua intenção de não reduzir a verba destinada á despeza do ministerio

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A seu cargo, mas de, sem a augmentar, augmentar a força do exercito. Não me parece que seja isso o que o paiz deseja attentas as circumstancias financeiras, pouco satisfactorias, em que nos achâmos (apoiados). O que elle reclama é que se reduza a despeza aonde se póde reduzir, e todos os homens que estão costumados a manusear o orçamento geral do estado são unanimes em asseverar que o ministerio da guerra é um dos grandes mananciaes das tão reclamadas economias.

Permittam-me os illustres deputados, que são ornamentos distinctos do nosso exercito, que eu, sem pretensões a emmaranhar-me na questão militar, que é importante, mas apenas no correr da discussão, deduza das suas sinceras e francas declarações n'esta casa, a demonstração amais concludente da quasi superfluidade de tão enorme despendio com o exercito, ao qual, no dizer de ss. ex.ª, faltam as principaes condições materiaes para poder corresponder á sua missão honrosa.

Pois poderá qualquer espirito esclarecido aceitar como razoavel o despendio de verba tão consideravel, por parte de uma nação em más circumstancias financeiras, como a nossa, com um exercito que, repito, pelas declarações solemnes de alguns dos seus mais distinctos membros, feitas aqui na nossa presença, não tem nem armamento, nem equipagem, nem petrechos, nada emfim do que precisa ter para a missão honrosa que a sociedade lhe confia?

O sr. Sá Carneiro: — Apoiado.

Sr. presidente, as grandes nações, as que podem ter pretensões guerreiras, as que estão no caso de sacrificar aos constantes aperfeiçoamentos das sciencias militares muitos, milhões sem comprometterem por isso, antes solidificando, a sua autonomia, essas tem de determinar-se pelo aphorismo si vis pracem, para bellum; mas as nações pequenas que estão no nosso caso, devem ter em vista um outro mui diverso: se querem independencia, prosperidade, paz e liberdade, procurem principalmente equilibrar as suas finanças (apoiados).

' Dizia eu que o nosso estado financeiro é grave e pouco regular. Esqueceu-me ha pouco apresentar o triste corollario, a deducção logica do que disse a tal respeito. A deducção é esta—o governo vê-se obrigado a ir á praça concorrer com o commercio e a industria, a fim de buscar mensalmente 500:000$000 ou 600:000$000 réis para fazer face ás despezas publicas!

E este estado de cousas deve obrigar os homens publicos a ser um pouco menos severos com o governo. Vejo censurar, e noto que se não apresentam alvitres praticos que tenham por fim desfazer estes inconvenientes que todos citam e deploram.

Para se provar o estado pouco prospero do commercio do nosso paiz, são precisas poucas palavras. Esta phrase «prosperidade publica» tem-se ultimamente empregado com um certo lyrismo exagerado.

V. ex.ª sabe que em todos os paizes, onde não estão admittidos os principios de liberdade de commercio ou da livre troca, são realmente os rendimentos das alfandegas um dos meios por onde se póde mais naturalmente aferir a verdadeira importancia do commercio. Pois eu vou dizer a v. ex.ª e á camara qual \ foi o rendimento das alfandegas de Lisboa e Porto nos annos de 1864-1865, 1865-1866 e 1866-1867.

Comecemos pelo da alfandega de Lisboa:

1864-1865......................... 2.747:524$350

1865-1866......................... 2.540:409$917

1866-1867......................... 2.507:663$482

Vê-se pois que de 1864-1865 para 1865-1866 o rendimento diminuiu 207:114$443 réis, e que de 1865-1866 para 1866-1867 diminuiu ainda 32:746$435 réis.

Fallemos agora dá alfandega do Porto:

1864-1865......................... 2:468:058$590

1865-1866......................... 2.209:879$329

1866-1867......................... 1.802:015$735

Vê-se pois que de 1864-1865 para 1865-1866 o rendimento diminuiu 258:179$261 réis, e de 1865-1866 para 1866-1867 diminuiu ainda 407:863$594 réis.

Vamos agora a Compulsar outro rendimento do estado, cujo augmento proporcional póde tambem servir para o calculo do verdadeiro estado de commercio. Refiro-me ao imposto de transito nos caminhos de ferro. Vejamos qual tem sido a cifra d'este rendimento nos tres ultimos annos economicos:

1864-1865............................ 15:501$666

1865-1866........................... 55:234$032

1866-1867............................ 47:527$509

Vê-se que este imposto, que de 1864-1865 para 1865-1866 augmentará 39:732$366 réis, diminuiu de 1865-1866 para 1866-1867 7:706$523 réis.

Mas, alem de outros, ainda ha um caracteristico para aferirmos o estado d'este ramo importantissimo de riqueza publica. E a nota da cotação official dos papeis de credito dos bancos e companhias. Estabelecimentos bancarios muito acreditados dentro e fóra do paiz, estabelecimentos que não quero citar aqui, porque não tenho o menor desejo ou intuito de produzir uma impressão desagradavel a respeito do seu credito, veem n'este momento as suas acções depreciadas, e não podem realisar na praça o valor real das mesmas.

Eu sei que para o estado actual do commercio tem contribuido causas extraordinarias, sendo a principal a guerra do Brazil com o Paraguay; mas a verdade é que esse ramo de riqueza tem soffrido consideravelmente, como me parece ter demonstrado.

Em relação ás industrias não quero deter-me muito tempo, mas direi que tenho visto fechar fabricas muito importantes, e entre ellas a fabrica de lanificios de Portalegre, fabrica importantissima (apoiados). E a circumstancia de se ter fechado produziu ali funestissimas consequencias para a população pobre (apoiados).

O sr. Achioli: — Em Portalegre fecharam-se tres.

O Orador: — O illustre deputado, que muito dignamente representa aquella localidade, póde dar um testemunho insuspeito do que acabo de dizer.

Tambem ajuntarei, para se avaliar o estado da industria, a cotação das acções de diversas companhias industriaes, e direi a v. ex.ª que, com pequenas excepções, essas acções não têem cotação no mercado, nem essas emprezas têem podido distribuir dividendo desde muitos annos (apoiados).

Com relação á agricultura, os illustres deputados sabem praticamente, cada um a respeito da sua localidade, que, emquanto ao estado de sua prosperidade, se faz uma certa poesia; mas a verdade é que vemos o pequeno agricultor em toda a parte do paiz a lutar com grandes difficuldades (muitos apoiados), e principalmente para obter dinheiro com que pague as suas contribuições. Se é precisa ainda alguma outra prova para mostrar que a prosperidade da agricultura não é tão grande como se diz, vejam qual era a divida dos agricultores na occasião em que o credito predial começou a fazer as suas operações. Creio que foi o sr. duque de Loulé quem mandou fazer essa estatistica; não me lembro agora da cifra exacta, mas a divida importava em muitos mil contos de réis (apoiados).

Todas estas rasões actuaram no meu animo para não negar o meu voto parlamentar á primeira medida financeira que veiu á discussão com indole de economia. E digo a primeira que veiu á discussão, porque esta não é a primeira medida pela ordem numerica por que o sr. ministro da fazenda as apresentou aqui; mas sendo a primeira prova por que a camara tinha a passar para revelar a sua tendencia, não queria de maneira alguma rejeita-la, porque se o fizesse compromettia a minha consciencia, e contrariava, no meu modo de ver, a vontade e a opinião dos meus eleitores que me mandaram aqui para votar os projectos que forem justos e rasoaveis, como entendo que este é sob um certo ponto de vista.

Este projecto importa effectivamente, no meu modo de o apreciar, um ataque a direitos estabelecidos por lei a funccionarios benemeritos, que eu devo respeitar; e declaro a v. ex.ª que o pensamento manifestado pelos illustres deputados, que mais ou menos o combateram ou que o contrariaram, direi melhor, na parte em que desejam que todos os que podem concorrer concorram com a sua quota para as urgencias do estado, não póde deixar de ser aceito por mim, porque esta de accordo com as imperiosas exigencias da opinião publica; e por muito obscuro que seja o homem politico, mal vae quando contraria a torrente d'essa opinião, ainda mesmo quando ella tenha os seus desvarios e os seus erros e prejuizos (apoiados).

Por consequencia voto o projecto por esta rasão e ainda por outra. É porque estas disposições, que agora se estabelecem para as diversas classes a quem vão affectar, já ha muito tempo que são lei do estado para mim, para todos os meus collegas do ministerio da fazenda, e para todos os empregados do tribunal de contas.

Peço licença a v. ex.ª para ler duas palavras da lei que reorganisou a secretaria da fazenda. É o artigo 50.° do decreto de 3 de novembro de 1860; diz assim:

«Podem ser aposentados com o ordenado por inteiro os empregados da secretaria d'estado e das direcções geraes do thesouro publico que, tendo trinta annos ou mais de bom e effectivo serviço, e pelo menos cinco na classe a que pertencerem, se acharem inhabilitados para continuarem a servir por impossibilidade physica ou moral devidamente comprovada.»

E com relação ao tribunal de contas existo a mesma disposição no decreto que o reorganisou, datado de 19 de agosto de 1859.

Por consequencia isto era lei já para nós, no que diz respeito a reformas, e portanto não podia oppor me a uma lei que, pelo menos, no que toca a reformas e aposentações, vem estabelecer uma regra geral e fazer desapparecer as excepções que havia em nosso desfavor.

A proposito cabe-me dizer ao sr. Pereira Dias, que não se hão de dar os inconvenientes praticos que s. ex.ª julga que podem derivar d'este lei.

Desde 1859 que o principio que ella amplia se applica aos empregados do tribunal de contas, o desde 1860 aos do ministerio da fazenda, e ainda se não deram casos de serem ali aposentados individuos que o não devessem ser. ¦ Vou terminar, sr. presidente, respondendo á referencia pouco agradavel que aqui se fez á classe do funccionalismo a que tenho a honra de pertencer.

Disse-se, sr. presidente, que havia uma certa reluctancia por parte dos individuos que tinham essa profissão, em contribuir para as urgencias do estado.

Tal reluctancia não ha, nem a podia haver por parte de uma classe, mais do que nenhuma outra, acostumada ás grandes provações.

Eu, sem ter procuração do funccionalismo para o defender e para advogar os seus interesses, tenho a dizer que ainda não houve n'este paiz contribuintes que concorressem para os cofres do estado na proporção em que por longos annos contribuiram os empregados do estado.

A demonstração é facil. Onde esta a classe de contribuintes que, desde 1834 para cá, pagasse, a não ser a dos empregados publicos, 20, 25 e 30 por cento para o estado? Não ha outra (apoiados).

E sabem vv. ex.ªs ha quantos annos folga? Ha quatro annos apenas, se a memoria me não falha.

E não tem contribuido só com esta percentagem, mas com 200, com 300 e 400 por cento.

Já houve uma epocha em que para se lhes pagar se lhes davam umas cedulas, que iam descontar por uma insignificancia, que mal servia para comprarem o pão negro com que podiam evitar a propria morte por causa da fome, e a das suas desventuradas familias (apoiados).

.Esta classe contribuiu sempre e estará prompta para contribuir de novo quando a voz da patria afflicta, na sua agonia financeira, chame com igualdade todos os portuguezes ao sacrificio indispensavel, mas commum e proporcional. Se forem precisas as lagrimas da pobreza official para obviar ás difficuldades financeiras do paiz, não as ha de regatear quem nunca regateou sacrificios de outra natureza. Podem os illustres deputados estar certos de que da nossa parte se não hão de levantar attritos em sentido contrario, quando chegue o momento imperioso em que o dever obrigue a esquecer tudo pela patria (apoiados). Mais algumas palavras. A classe dos empregados publicos tem contribuido para o estado com dinheiro n'uma proporção superior a todas as outras, com o sacrificio da sua saude, com os seus serviços militares, e até com o holocausto da sua felicidade domestica. Todos sabem que em 1846 muitos empregados andaram de porta em porta pedindo esmola, para não perecerem na miseria extrema que supportavam de correias ás costas.

Vozes: — E verdade.

Pedem-nos o sacrificio? Estaremos promptos. Mas seja elle justo, rasoavel e sobretudo proporcional. Quatorze por cento! Isso não paga de contribuição predial senão o districto de Lisboa e o do Porto!

Os empregados têem todas as desvantagens do consumidor e nenhuma das vantagens do productor. O seu trabalho tem uma taxa fixa, e esta dentro de um circulo de ferro, á roda do qual giram as conveniencias, dos outros productores. Se se eleva a contribuição industrial, lá vae a industria pedir ao empregado que pague mais pelo vestuario. Se á agricultura se pede maior imposto, lá vem os generos de subsistencia obrigar o empregado a pagar; se á contribuição predial, lá vae o senhorio elevar-lhe a renda das casas.

Portanto esta entidade — empregado publico—cujos interesses estão fechados dentro do uma orbita estreitíssima e inalteravel, estará prompta a concorrer quando for indispensavel para o sacrificio commum e proporcional; mas não quando lhe exigem 14 por cento, ao passo que a maior parte dos districtos do reino pagam 5, 6 ou 7 por cento de contribuição predial. Quando o imposto for repartido com igualdade, e os privilegiados pagarem o que deverem pagar não ha de ser necessario atirar para dentro das arcas do thesouro com a migalha do infeliz empregado. V. ex.ª sabe que se consumiram 60.000:000$000 réis com os caminhos de ferro, e uma parte d'esta importancia foi paga pelo meu amigo o sr. Lobo dVAvila, quando ministro da fazenda, estadista cuja administração brilhante, brilhantissima, em toda a parte onde eu tiver voz hei de applaudir e louvar; e não foi de certo a classe dos empregados publicos, digamo-lo com toda a franqueza, a que tirou maior lucro d'estes aliás muito vantajosos melhoramentos (apoiados). A propriedade até 1861 pagou em todo o reino a decima, ou 10 por cento; agora paga, excepto nos districtos de Lisboa e Porto, 5, 6 e 7 por cento, como já disse. Querem então equilibrar o orçamento com 14 por cento sobre a pobreza!

Sejamos rectos e lembremo-nos ainda de uma outra circunstancia, qual é, que, depois de estarem estabelecidos os ordenados, veiu a depreciação da moeda tornar mais rachitica e mais enfesada a retribuição que se dá aos empregados publicos. Quando fallo n'esta classe refiro-me á grande maioria, que é desgraçada, e não aos conegos e prebendados do orçamento. Para combater os vencimentos enormes, tambem eu hei de elevar aqui a voz.

A minha economia politica não me leva a ir buscar o imposto á miseria nem á pobreza; o principal imposto esta nas boas finanças, e as boas finanças vão busca-lo á riqueza, d'onde elle naturalmente deve ser trazido. Faça-se uma boa lei regulamentar no sentido de evitar que haja devedores remissos. Reparta se o imposto com igualdade empregando-se os meios de que o governo póde dispor, principalmente na actualidade, para fazer arrolar nas matrizes toda a propriedade, e todo o rendimento collectavel, que hoje é apenas de 25.000:000$000 réis; tomem-se outras medidas que entendo se podem tomar, alem das economias no sentido de reivindicar para o estado muitos e consideraveis valores que param em mãos alheias; reduzam-se os quadros, acabem-se com as despezas injustificaveis; e se ainda assim o estado do thesouro não for prospero, então a classe a que tenho a honra de pertencer não se ha de recusar a fazer o sacrificio rasoavel que lhe for pedido, nem os seus membros que têem logar n'esta camara hão de empregar meios mais ou menos impeditivos para escapar a elle. Paguem todas as classes, se assim se entender necessario, mas em equitativa proporção com os haveres de cada uma.

Concluo, mandando para a mesa a minha moção de ordem.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados e pelo sr. ministro dos negocios da fazenda.) Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que ás palavras =absoluta impossibilidade de continuar no serviço = se acrescente = impossibilidade legalmente comprovada. — Eduardo Tavares.

Foi admittida.

O sr. Gavicho (para um requerimento): — Mando para a mesa uma proposta, para a qual peço a urgencia. E a seguinte:

Proposta

Proponho que a commissão de inquerito, que a camara resolveu nomear, para estudar as reformas a fazer em todos

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os ramos de administração, simplificação de serviços, reforma de impostos, etc... seja composta de quinze membros. = Gavicho.

Foi admittida.

O sr. Presidente: — Vae ler-se a proposta do sr. Gavicho, para se votar.

Vozes: — Não tem logar agora.

O sr. Gavicho: — Eu requeri a urgencia d'esta proposta; a camara tem a votar sobre a urgencia, e depois de declarada urgente tem de se discutir e votar.

O sr. Presidente: — Consulto a camara se considera a proposta urgente.

Lida na mesa, foi declarada urgente e logo approvada.

Foi tambem approvado o seguinte

Requerimento

Requeiro que a eleição da commissão de inquerito seja dada para ordem do dia de 15 do corrente. = Gavicho.

O sr. Costa e Almeida: — (O sr. deputado não restituiu a tempo de ser publicado n'este logar.)

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

As aposentações, jubilações e reformas não serão concedidas, nos termos da legislação vigente, sem que se verifique a impossibilidade bem averiguada da continuação do serviço. = Costa e Almeida.

Foi admittida.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para a sessão de sexta feira é trabalhos em commissões; e para segunda feira é, na primeira parte, a discussão do parecer n.° 8, e a eleição da commissão de inquerito, composta de quinze membros, conforme a resolução da camara; e, na segunda parte, a continuação da que está dada.

Está levantada a sessão.

Eram pouco mais de quatro horas de tarde.

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