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SESSÃO DE 29 DE MARÇO DE 1878

Presidencia do exmo. sr. Joaquim Gonçalves Mamede

Secretarios - os srs.

Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos

Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto

SUMMARIO

Apresentação de requerimentos, representações e projectos de lei e notas de interpellação. — Apresenta o sr. ministro dos negocios estrangeiros uma proposta de lei, approvando, para ser ratificada pelo poder executivo, a convenção celebrada entre Portugal e a Italia para a reciproca extradição de criminosos e renova a iniciativa da proposta de lei que apresentára em 8 de março de 1873 ácerca do tratado de commercio celebrado entre Portugal e a Hespanha em 20 de dezembro de 1872. — Apresenta o sr. ministro do reino uma proposta de lei, approvando o contrato para a construcção de um mercado em Belem, celebrado pela respectiva camara com o cidadão Jacinto Augusto de Freitas e Oliveira. — Na ordem do dia continua a discussão do projecto n.º 97 de 1876 (caminho de ferro do Algarve) e é por fim approvado com a proposta do sr. Osorio e Vasconcellos, offerecida ao mesmo projecto. — É tambem approvado o projecto de lei n.º 39, fixando em 260$000 réis mensaes o subsidio que deverá vencer o presidente da camara dos senhores deputados durante ao sessões das côrtes geraes; e em 100$000 réis mensaes o subsidio que deverá vencer cada deputado. — Entra em discussão o projecto de lei n.º 32, auctorisando o governo a despender até á somma de 680:000$000 réis, destinada á compra de armamentos e material de guerra para o exercito. Falla o sr. Luciano de Castro, que fica ainda com a palavra reservada.

Presentes á chamada 41 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs.: Adriano de Sampaio, Rocha Peixoto (Alfredo), Cardoso Avelino, A. J. Teixeira, Arrobas, Carrilho, Neves Carneiro, Zeferino Rodrigues, Barão de Ferreira dos Santos, Vieira da Mota, Conde da Graciosa, Custodio José Vieira, Vieira das Neves, Cardoso de Albuquerque, Pinheiro Osorio, Mouta e Vasconcellos, Van-Zeller, Guilherme de Abreu, Illidio do Valle, Jeronymo Pimentel, J.M. de Magalhães, Vasco Leão, Gonçalves Mamede, J. J. Alves, Dias Ferreira, Pereira da Costa, Figueiredo de Faria, Namorado, Ferreira Freire, Luiz de Lencastre, Luiz de Campos, Camara Leme, Bivar, Faria e Mello, Alves Passos, Mello e Simas, Cunha Monteiro, Miguel Coutinho (D.), Pedro Jacome, Placido de Abreu, Visconde de Guedes Teixeira, Visconde de Sieuve de Menezes.

Entraram durante a sessão — Os srs.: Osorio de Vasconcellos, Braamcamp, Pereira de Miranda, Teixeira de Vasconcellos, Antunes Guerreiro, A. J. d'Avila, A. J. de Seixas, Cunha Belem, Ferreira de Mesquita, Augusto Godinho, Sousa Lobo, Mello Gouveia, Conde da Foz, Forjaz de Sampaio, Filippe de Carvalho, Francisco Costa, Paula Medeiros, Jayme Moniz, Ferreira Braga, Matos Correia, Correia de Oliveira, Guilherme Pacheco, José Luciano, Pereira Rodrigues, José de Mello Gouveia, Mexia Salema, Julio de Vilhena, Sampaio e Mello, Freitas Branco, Manuel d'Assumpção, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Pedro Franco, Pedro Roberto, Visconde da Arriaga, Visconde da Azarujinha, Visconde de Moreira de Rey.

Não compareceram á sessão — Os srs.: Agostinho da Rocha, Alberto Garrido, A. J. Boavida, Telles de Vasconcellos, Carlos Testa, Conde de Bertiandos, Eduardo Tavares, Francisco Mendes, Pinto Bessa, Palma, J. Perdigão, Barros e Cunha, Ribeiro dos Santos, Cardoso Klerck, Moraes Rego, J. M. dos Santos, Nogueira, Pinto Basto, Pires de Lima, Rocha Peixoto (Manuel), Mariano de Carvalho, Pedro Correia, Julio Ferraz, Ricardo de Mello, Visconde de Carregoso, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Abertura — ás duas horas e meia da tarde.

Acta — approvada.

EXPEDIENTE

Officios

1.° Do ministerio do reino, acompanhando copia do officio do administrador do concelho de Ponte de Lima, ácerca das informações requeridas pelo sr. Alfredo Peixoto, sobre as reclamações em materia de recrutamento.

Envidado para a secretaria.

2.° Do ministerio das obras publicas, acompanhando diversos documentos relativos ao fornecimento de madeiras para o porto de abrigo da cidade da Horta.

Enviado para a secretaria.

3.° Da associação commercial do Porto, acompanhando cem exemplares do relatorio dos trabalhos da respectiva direcção no decurso do anno findo.

Mandaram-se distribuir.

SEGUNDAS LEITURAS

Projecto de lei

Senhores. — Sendo antiquissima, construida ha mais de trezentos annos, a casa da residencia do parocho da freguezia da Ribeira Brava, no concelho da Ponta do Sol, do districto administrativo do Funchal, ameaçando ruina, apesar dos reparos que de annos a annos n'ella se têem feito inutilmente, devendo esperar-se que chegue um tempo em que não tenha concerto, ficando o parocho sem residencia; e havendo quem pretenda adquirir o referido predio, para aproveitar o local para outra edificação, convem que seja auctorisado o referido parocho para permutar a mencionada casa com vantagem da residencia parochial e com as necessarias seguranças;

Para este fim tenho a honra de submetter á vossa approvação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° São dispensadas as disposições das leis de 4 de abril de 1861, 22 de junho de 1866 e 28 de agosto de 1869, para que, precedendo auctorisação do governo, o parocho da freguezia de S. Bento da Ribeira Brava, do concelho da Ponta do Sol, no districto do Funchal, possa permutar a casa da residencia que possue da parochia por outra casa de igual ou maior valor, e bem situada, observando-se no contrato todas as solemnidades legaes.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da camara dos deputados, em 27 de março de 1878. = Antonio José Teixeira.

Enviado á commissão ecclesiastica, ouvida a de fazenda.

O sr. Presidente: — A associação commercial do Porto enviou-me uma representação contra o pedido que a camara municipal de Villa Nova de Gaia fez para poder cobrar um imposto de 80 réis em cada pipa de vinho, aguardente e azeite que embarcar ou desembarcar nos caes ou der entrada nas barreiras d'aquella villa, etc.

Esta representação vem acompanhada de uns documentos.

A camara quererá por certo que esta representação seja publicada no Diario do governo.

Consultada a camara, resolveu-se que a representação fosse publicada.

O sr. Presidente: — Esta representação vae á commissão de fazenda, e será publicada no Diario do governo.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Andrade Corvo): — Mando para a mesa uma proposta de lei.

(Leu.)

É a seguinte

Proposta de lei

Senhores. — Na conformidade do disposto no artigo 10.° do acto addicional á carta constitucional da monarchia, venho hoje submetter ao vosso exame a convenção entre Portugal e a Italia para a reciproca extradição de crimi-

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nosos, assignada em Roma pelos respectivos plenipotenciarios, em 18 do corrente mez.

N’esta convenção acham-se consignadas, com pequenas alterações, as clausulas estipuladas, em outras convenções que sobre o assumpto têem sido celebradas entre Portugal e algumas nações, e com especialidade a Belgica; e sendo portanto de notoria e reciproca vantagem que se leve a effeito este accordo internacional, tenho a honra de submetter à vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É approvada, para ser ratificada pelo poder executivo, a convenção entre Portugal e a Italia para a reciproca extradição de criminosos, assignada em Roma pelos respectivos plenipotenciarios, em 18 de março de 1878.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 20 de março de 1878. = João de Andrade Corvo.

Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves e Sua Magestade o Rei de Italia, animados do desejo de concluir, de commum accordo, uma convenção para regular a reciproca extradição de criminosos, nomearam para esse effeito seus plenipotenciarios; a saber:

Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves, s. ex.ª o sr. Mathias de Carvalho e Vasconcellos, do conselho de Sua Magestade, ministro d'estado honorario, commendador da ordem de Christo e da ordem de S. Thiago do merito scientifico, litterario e artistico, grã-cruz de varias ordens estrangeiras, etc., etc., seu enviado extraordinario e ministro plenipotenciario junto de Sua Magestade o Rei de Italia.

Sua Magestade o Rei de Italia, s. ex.ª o sr. Agostinho Depretis, cavalleiro da ordem suprema da Santissima Annunciada, grã-cruz da ordem de S. Mauricio e S. Lazaro e da corôa de Italia, grã-cruz da ordem da Conceição de Portugal e de outras ordens estrangeiras, etc., etc., deputado ao parlamento, seu presidente do conselho e ministro dos negocios estrangeiros.

Os quaes, depois de haverem reciprocamente communicado os seus plenos poderes, achados em boa e devida fórma, convieram nos artigos seguintes:

Artigo 1.°

O governo portuguez e o governo italiano obrigam-se pela presente convenção á reciproca entrega de quaesquer individuos, com excepção dos proprios subditos por nascimento ou por naturalisação, refugiados de Portugal, das suas ilhas adjacentes ou provincias ultramarinas na Italia, ou refugiados da Italia em Portugal, nas suas ilhas adjacentes ou provincias ultramarinas, indiciados, accusados ou condemnados como auctores ou cumplices de algum dos crimes ou delictos enumerados no artigo 3.° da presente convenção, commettidos no territorio de um dos estados contratantes.

Se, todavia, o crime ou delicto, que servir de fundamento ao pedido da extradição tiver sido commettido fóra do territorio da parte reclamante, poder-se-ha attender á instancia, comtanto que a legislação do estado, a quem for dirigida auctorise o processo criminal pelo facto em que se fundar, posto que perpetrado fóra do seu territorio, e que o individuo seja subdito do governo reclamante.

Artigo 2.°

A extradição será pedida por via diplomatica mediante a apresentação no original, ou por traslado authentico, da sentença condemnatoria do despacho de pronuncia, de mandado de prisão ou de acto equivalente do processo criminal emanado da auctoridade judicial estrangeira competente, que sujeite o culpado á jurisdicção repressiva, uma vez que, em qualquer dos documentos mencionados se contenha a indicação exacta do facto por virtude do qual for passado. Acompanhará tambem qualquer dos exigidos documentos a copia do texto da lei applicavel ao facto constitutivo do crime ou delito, e, sempre que for possivel, a nota dos signaes pessoaes do individuo, cuja extradição se pedir.

Nos casos urgentes, e sendo para receiar a evasão, o indiciado accusado ou condemnado por algum dos crimes ou delictos, que dão logar á extradição nos termos d'esta convenção, poderá ser preso provisoriamente, mediante aviso transmittido pelo telegrapho ou qualquer outro meio que affirme a existencia de sentença condemnatoria, despacho de pronuncia, mandado de prisão ou de acto equivalente do processo criminal emanado da auctoridade judicial competente, comtanto que esta communicação seja feita por via diplomatica. O preso será, porém, posto em liberdade no fim de um mez, a contar do acto da prisão (a não haver antes reclamação fundada por parte do governo de quem for subdito), se lhe não for feita communicação de algum dos documentos acima exigidos para auctorisar a extradição.

Artigo 3.°

A extradição conceder-se-ha pelos factos seguintes:

1.° Homicídio voluntario, parricidio, infanticidio, envenenamento;

2.° Espancamento ou ferimento feito voluntariamente e com premeditação, e de que tenha resultado a morte, posto que feito sem a intenção de matar, ou doença physica ou moral que pareça incuravel, ou mutilação grave, isto é, cortamento ou privação de algum membro, a perda ou inhabilitação de algum orgão para as suas funcções, ou a incapacidade permanente de trabalhar;

3.° Violação, attentado contra o pudor com violencia, rapto de menores, attentado contra o pudor sem violencia para com menores na idade especialmente determinada na lei penal dos dois estados;

4.° Aborto;

5.° Bigamia;

6.° Parto supposto, occultação ou subtração de menores, abandono e exposição de infantes nos casos previstos na legislação dos dois estados;

7.° Roubo, furto, abuso de confiança, concussão, peculato, corrupção de empregados publicos, simulação e burlas, receptação de objectos obtidos por meio de crime ou delicto, que dê logar á extradição;

8.° Associação de malfeitores;

9.° Violencia contra a liberdade individual ou contra a inviolabilidade do domicilio commettida por particulares;

10.° Ameaças de attentado contra as pessoas ou propriedades punido pelas leis;

11.° Fogo posto;

12.° Fabrico de moeda falsa ou adulteração de moeda legal, emissão ou introducção na circulação de moeda falsa adulterada ou cerceada, falsificação de notas de banco ou de papel que tenha curso legal como moeda, de inscripções ou de quaesquer titulos de divida publica; emissão ou introducção na circulação de taes notas, titulos ou papeis falsos ou falsificados; fabrico ou uso de instrumentos destinados a fazer moeda falsa ou falsas notas de banco, ou quaesquer outros documentos officiaes, titulos de divida publica ou papeis que circulem como moeda, com conhecimento do que taes instrumentos deviam ser empregados para esse fim; falsificação de sellos, cunhos ou marcas de alguma auctoridade ou repartição publica; uso de sellos, cunhos ou marcas de alguma auctoridade ou repartição publica falsificados; falsificação de documentos officiaes, particulares ou de commercio; uso de documentos falsos;

13.° Quebra fraudulenta;

14.° Falso testemunho, falsas declarações feitas sob juramento de peritos ou interpretes; suborno de testemunhas, de peritos ou interpretes;

15.° Crimes e delictos maritimos, previstos pela legislação respectiva dos dois estados;

16.° Destruição ou damnificação da propriedade movel ou immovel nos casos em que, segundo a legislação dos

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dois estados e nos termos da presente convenção, deva a extradição ser concedida;

17.º Destruição ou damno, com intenção malefica, em caminhos de ferro ou em communicações telegraphicas;

A extradição poderá tambem conceder-se pela tentativa dos crimes ou delictos ennumerados, quando for punida pela legislação dos dois estados.

Nos casos punidos correccionalmente terá logar:

1.° Quanto aos condemnados, quando a pena imposta for, pelo menos, de um anno de prisão;

2.º Quanto aos pronunciados, quando o maximum da pena applicavel ao facto criminoso pela lei violada, for, pelo menos, de dois annos de prisão.

Artigo 4.°

Se n'algum dos casos mencionados no artigo precedente a extradição do individuo reclamado parecer contraria, quanto ás suas consequencias, aos principios de equidade ou de humanidade, admittidos na legislação penal de qualquer dos dois estados, cada um dos governos contratantes se reserva o direito de não consentir em tal extradição, dando ao governo que a pedir o motivo da recusa.

Artigo 5.°

Não será concedida a extradição por crimes ou delictos politicos, nem por factos que tenham com taes crimes immediata connexão.

Artigo 6.°

Os individuos cuja extradição se tiver concedido, não poderão ser julgados nem punidos por crimes ou delictos politicos, anteriores á extradição, nem por factos connexos com elles, nem por outro qualquer crime ou delicto anterior differente do que tiver servido de fundamento á extradição.

Artigo 7.°

Não será concedida a extradição quando, na conformidade da lei do estado onde o indiciado ou condemnado tiver procurado refugio, a acção criminal ou a pena estiver extincta pela prescripção.

Artigo 8.°

As obrigações contrahidas para com particulares pelo individuo, cuja extradição se pedir, não suspendem a concessão d'esta, ficando salvo aos interessados fazer valor perante a auctoridade judicial competente os direitos que tiverem.

Artigo 9.°

Se o individuo reclamado não for portuguez nem italiano, o governo a quem a extradição se pedir poderá dar conhecimento da instancia ao da nacionalidade do criminoso, e se este governo o reclamar poderá aquelle que receber a instancia entregar a seu arbitrio o criminoso a um dos dois estados.

Artigo 10.°

Se o indiciado, accusado ou condemnado, cuja extradição se pedir, na conformidade da presente convenção por uma das altas partes contratantes, for igualmente reclamado por outro ou por outros governos em virtude das convenções existentes, será entregue, salvo o caso previsto pelo artigo antecedente, áquelle governo que tiver a prioridade na apresentação da instancia, e, quando a apresentação tenha sido feita na mesma data, aquella cuja instancia tiver a prioridade na expedição.

Artigo 11.°

Se dentro do praso de tres mezes contados desde o dia em que o indiciado, accusado ou condemnado tiver sido posto á disposição do agente diplomatico reclamante, este o não tiver feito partir para o paiz, onde deve ser julgado, o culpado será posto em liberdade e não poderá ser novamente preso pelo mesmo motivo.

N'estes casos as despezas serão por conta do governo que tiver pedido a extradição.

Artigo 12.°

Os individuos cuja extradição se pedir, se estiverem processados ou já condemnados em consequencia de crimes ou delictos commettios no territorio onde se refugiaram, só poderão ser entregues depois do seu julgamento definitivo e depois de cumprida a pena se tiverem sido condemnados.

Artigo 33.°

Os objectos roubados ou furtados ou apprehendidos em poder do culpado, os instrumentos ou utensilios de que se tiver servido para a perpetração do crime ou delicto, assim como qualquer documento que sirva de prova, serão entregues ao governo reclamante, se a auctoridade competente do paiz do refugio assim o ordenar, quer a extradição se effectue, quer não por causa da morte ou da fuga do culpado. Ficam todavia salvos os direitos de terceiro sobre os mencionados objectos, os quaes em tal caso serão devolvidos e restituidos, sem despeza alguma, nos interessados depois de terminado o processo.

Artigo 14.º

As despezas feitas com a apprehensão, prisão, sustento e transporte até á fronteira dos individuos cuja extradição for concedida, assim como as que se fizerem com a remessa dos objectos mencionados no artigo antecedente serão por conta do estado em cujo territorio o culpado tiver procurado refugio. As despezas, porém, com o sustento e transporte por mar ou alem da fronteira, ficarão por conta do estado que tiver pedido a extradição.

Art. 15.° Quando no seguimento de uma causa crime, não politica, em um dos dois estados se tornar necessario o depoimento de testemunhas residentes no outro, enviar-se-ha uma carta rogatoria de inquirição por via diplomatica, a qual será executada, observando-se as leis do estado onde as testemunhas o forem inquiridas.

Os dois governos renunciam a toda a reclamação concernente á restituição das despezas provenientes da execução das cartas rogatorias.

Art. 16.° A extradição por via de transito no territorio portuguez ou italiano, ou por meio de navios ou serviços maritimos dos dois estados, de um individuo que não pertencer ao paiz de transito e tiver sido entregue por outro governo, será auctorisada mediante simples pedido por via diplomatica, apoiado com os documentos necessarios para provar que se não trata de um delicto politico ou puramente militar. O transporte effectuar-se-ha pelo meio mais rapido, sendo o individuo escoltado por agentes do paiz de transito e a expensas do governo reclamante.

Art. 17.° Os dois governos promettem communicar-se reciprocamente as sentenças sobre crimes ou delictos de qualquer natureza proferidas pelos tribunaes de um dos estados contra os subditos do outro.

Verificar-se-ha a communicação remettendo-se por via diplomatica ao governo de quem o réu for subdito uma certidão da sentença definitiva.

Art. 18.° A presente convenção não será posta em execução senão dez dias depois de publicada, segundo as formalidades estabelecidas na legislação dos dois estados.

Durará por cinco annos a contar do dia da troca das ratificações, e continuará em vigor emquanto um dos dois governos não declarar com a antecipação de seis mezes, que renuncia ás suas disposições.

Será ratificada e as ratificações trocadas em Roma no mais curto praso possivel.

Em testemunho de que os respectivos plenipotenciarios a assignaram e lhe pozeram o sêllo das suas armas.

Feita em duplicado em Roma, aos 18 dias do mez de março de 1878.

(L. S.) Mathias de Carvalho e Vasconcellos.

(L. S.) Depretis.

Está conforme. — Secretaria d'estado dos negocios es-

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trangeiros, 28 de março de 1878. = Emilio Achilles Monteverde.

Foi enviada á commissão diplomatica.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Mando tambem para a mesa uma renovação de iniciativa.

(Leu.)

É a seguinte:

Proposta de lei

Renovo a iniciativa da proposta de lei que tive a honra de submetter á approvação da camara em sessão de 8 de março de 1873, sobre o tratado de commercio celebrado entre Portugal e Hespanha em 20 de dezembro de 1872.

Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 27 de março de 1878. = João de Andrade Corvo.

Foi enviada, com o projecto a que dizia respeito, á commissão diplomatica.

O sr. Ministro do Reino (Rodrigues Sampaio): — Mando para a mesa uma proposta de lei.

É a seguinte:

Proposta de lei

Senhores. — A camara municipal de Belem deliberou a construcção de um mercado para a venda de generos alimenticios, melhoramento de que muito carece o seu concelho.

Em vez de fazer a obra por conta e administração da camara, achou a vereação preferivel contratar a construcção com uma empreza que para esse fim lhe fez uma proposta mediante certas concessões, que pareceram acceitaveis á camara e ao conselho de districto.

Reduziu-se o contrato a escriptura em data de 18 de março corrente, e a camara solicita a sua approvação pelo corpo legislativo.

O contrato, para poder ter execução, carece com effeito da approvação das côrtes, não só para satisfação do disposto no artigo 126.° do codigo administrativo, mas tambem porque contém clausulas, cuja approvação excede os poderes ordinarios da administração, como são a adopção do juizo arbitral para decidir as questões que se suscitarem entre a camara e a empreza, e a admissão livre de direitos do material preciso para a construcção do mercado.

O governo, achando justo coadjuvar a camara no empenho que manifesta de levar a effeito um importante melhoramento para o concelho, e não vendo inconveniente em se fazerem as concessões estipuladas e promettidas no contrato, entende que este está no caso de merecer a vossa approvação, e por isso a solicita pela seguinte

PROPOSTA DE LEI

Artigo 1.° É approvado, para que possa ter execução, o contrato que, para a construcção de um mercado em Belem, a camara municipal d'este concelho celebrou com o conselheiro Jacinto Augusto de Freitas e Oliveira, por escriptura de 18 de março de 1878.

Art. 2.° É auctorisada a importação, livre de direitos, dos materiaes precisos para a construcção do mercado.

§ unico. O governo tomará as disposições necessarias para fiscalisar o uso d'esta concessão.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Ministerio do reino, em 29 de março de 1878. = Antonio Rodrigues Sampaio.

Escriptura do contrato celebrado entre a camara municipal de Belem e o conselheiro Jacinto Augusto de Freitas e Oliveira, para a construcção de um mercado de generos alimenticios em Belem.

Saibam quantos este publico instrumento de contrato bilateral virem, que no anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1878, aos 18 dias do mez de março, n'este concelho de Belem e sala das vereações da camara municipal do dito concelho, aonde eu vim Henrique Ernesto Haas, official da secretaria da referida camara municipal, servindo de escrivão da camara, no impedimento do respectivo escrivão, e de seu tabellião privativo por decreto de 9 de janeiro de 1832, ahi se achavam presentes, de uma parte os exmos vice-presidente servindo de presidente da sobredita camara municipal, Francisco Antonio Silvestre, e vereadores Pedro Maria Posser, José Carlos Xavier e Antonio Manuel Augusto Mendes, e da outra parte o conselheiro Jacinto Augusto de Freitas e Oliveira, casado, contador geral do tribunal de contas, morador na rua da Quintinha n.º 120, na cidade de Lisboa, uns e outros pessoas que conheço pelos proprios, do que dou fé, e logo na minha presença e das testemunhas adiante nomeadas e assignadas foi dito pelos exmos. vereadores, primeiros outorgantes, que tendo a camara municipal, de que fazem parte, deliberado em 28 de dezembro de 1877 contratar com o segundo outorgante, o conselheiro Jacinto Augusto de Freitas e Oliveira a construcção de um mercado de generos alimenticios em Belem, com as condições que fazem parte da referida deliberação camararia de 28 de dezembro de 1877, foi esta deliberação e suas condições approvada pelo conselho de districto de Lisboa, por accordão de 13 do corrente mez, exarada na referida deliberação, pelo que vem hoje os primeiros e o segundo outorgantes celebrar o contrato da construcção do mercado, nos termos da mencionada deliberação e respectivas condições, que são as que se seguem:

1.ª O novo mercado será construido conforme o projecto adoptado pela camara, e que devidamente authenticado será entregue ao concessionario.

2.ª A concessão é pelo tempo de sessenta annos, findos os quaes o concessionario entregará á camara o mercado em bom estado de conservação com todos os seus pertences e utensilios.

3.ª Durante o praso de tempo da condição antecedente a camara não fará concessão a qualquer individuo ou companhia para estabelecer outro mercado dentro da area das freguezias de Belem e de Ajuda.

4.ª O concessionario dará começo á construcção do mercado dentro de noventa dias, contados da presente data, tendo-o concluido dois annos depois, salvo caso de força maior que a isso obste.

5.ª Para entender de qualquer caso de força maior ou para resolver quaesquer duvidas que possam levantar-se de futuro entre a camara e o concessionario, nomear-se-hão arbitros, um por parte da camara, outro pelo concessionario, e no caso de empate decidirá a questão o juiz de direito respectivo.

6.ª A camara entrega gratuitamente ao concessionario o actual mercado de peixe com todos os pertences no estado em que se acham e tambem o pateo e edificio que serviu de cadeia com todos os materiaes que ali existem na presente data.

7.ª A camara fará de utilidade publica as expropriações necessarias para a construcção do mercado e conforme o respectivo projecto, ficando o concessionario obrigado a pagar o valor das expropriações, ou seja em resultado de accordo amigavel ou por virtude de liquidação judicial. As despezas litigiosas serão feitas á custa do concessionario.

8.ª A agua necessaria para as fontes do mercado será tirada do actual chafariz de Belem, fazendo o concessionario o encanamento á sua custa desde o chafariz até ao mercado.

9.ª A camara obriga-se a coadjuvar o concessionario para este obter do governo ou das côrtes a entrada dos materiaes para a construcção do mercado livre dos direitos da alfandega, e o concessionario não poderá exigir da camara qualquer indemnisação pelo facto de isto se não conseguir.

10.ª Todos os materiaes para a construção do mercado serão da melhor qualidade e antes de empregados serão approvados pela repartição technica da camara.

11.ª O concessionario durante o periodo da concessão

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poderá sublocal-a no todo ou em parte a qualquer individuo ou companhia, ficando porém esta ou aquelle obrigados ao cumprimento de todas as condições estipuladas n'este contrato. A sublocação será feita por escriptura nas notas da camara e gratuitamente.

12.ª O concessionario cederá no edificio do mercado duas casas que forem absolutamente indispensaveis para o alojamento da guarda da policia, até ao numero de sete praças, para o empregado fiscal da camara e para a fiscalização da alfandega.

13.ª O concessionario fica obrigado a pagar annualmente á camara, na sua thesouraria, a importancia de 6000$000 réis annuaes, aos semestres, nos dias 1 de janeiro e 1 de julho de cada anno, e quando estes forem santificados o pagamento terá logar no primeiro dia util que se lhes seguir.

14.ª O vencimento do primeiro pagamento contar-se-ha da data da abertura do mercado, por dias, na proporção do preço estipulado na condição antecedente, até ao vencimento da seguinte prestação semestral.

15.ª A venda no mercado será livre para todos os que quizerem negociar nos artigos de commercio a que é destinado, e para este fim estará sempre aberto todos os dias.

16.ª O concessionario só poderá elevar o aluguer dos logares no terreno do mercado a quantia superior a 200 réis por dia e por cada logar, do chão de 4 metros quadrados, com approvação da camara, mediante proposta fundamentada.

17.ª O concessionario perderá todo o direito á concessão e a todos os materiaes que tiver no local do mercado se faltar a qualquer das condições que ficam exaradas.

18.ª Nenhuma modificação ou alteração de condições d'este contraio podem ser feitas sem annuencia e completo accordo de ambas as partes contratantes.

19.ª A camara reserva-se o direito de perceber as taxas de licença estabelecidas nas posturas em vigor ou n'outras posturas que de futuro forem promulgadas em materia de licenças da competencia da camara, pela venda permanente dos diversos generos que for feita nas casas ou lojas que houver no mercado.

20.ª O concessionario fará o regulamento interno para a sua fiscalisação e policia do mercado, submettendo este regulamento á approvação da camara, bem como todas as modificações que n'elle entender conveniente fazer, ficando porém entendido que as disposições d'esse regulamento nunca poderão ir de encontro a qualquer das condições e clausulas geraes d’este contrato, ás quaes ficarão sempre subordinadas.

Transitoria. O concessionario antes de dar começo aos trabalhos de demolição do actual mercado do peixe, terá construido á sua custa e no local proximo do mesmo mercado, que lhe for indicado, um telheiro de abrigo aonde possa exercer-se provisoriamente, até á abertura do novo mercado, a venda de peixe que costuma fazer-se no actual mercado, pondo ahi todos os utensilios destinados á venda e estes no estado em que estiverem só passarão á posse do concessionario aberto que seja o novo mercado.

Assim o disseram, acceitaram e outorgaram, se obrigaram a fielmente cumprir cada um pela parte que lhe toca, pelo modo que fica exarado e na melhor fórma de direito, sendo testemunhas presentes a todo este acto, Antonio José Libano de Andrade, aferidor de pesos e medidas n'este concelho, viuvo, maior, residente na calçada da Boa Hora, n.º 16, e Joaquim Antonio da Costa, administrador da limpeza n'este concelho, casado, maior, residente na dita calçada da Boa Hora, n.º 103, freguezia de Nossa Senhora da Ajuda, que conheço pelos proprios, do que dou minha fé, e os quaes assignam com os outorgantes, depois de lida esta escriptura a todos elles por mim, Henrique Ernesto Haas, official da secretaria da camara municipal d'este concelho, servindo de escrivão e tabellião

privativo da mesma camara, no impedimento do respectivo escrivão, que a escrevi, subscrevi e assigno. D'esta 1$500 réis. = Francisco Antonio Silvestre = Pedro Maria Posser = José Carlos Xavier = Antonio Manuel Augusto Mendes = Jacinto Augusto de Freitas e Oliveira = Antonio José Libano de Andrade = Joaquim Antonio da Costa = O official servindo de escrivão e de tabellião da camara, Henrique Ernesto Haas.

Logar de uma estampilha do imposto do sêllo da taxa de 500 réis, devidamente inutilisada.

Eu, Henrique Ernesto Haas, official da secretaria da camara municipal de Belem, servindo de escrivão da mesma camara por impedimento d'este, esta escriptura fiz fielmente trasladar do liv. 4.° das notas da camara a que me reporto, e a numerei, rubriquei, subscrevi e assigno e firmei com o sêllo das armas d'este municipio, em Belem aos 22 de março de 1878. = O official, servindo de escrivão e de tabellião da camara, Henrique Ernesto Haas.

Foi enviada á commissão de administração publica, ouvida a de fazenda.

O sr. Mello e Simas: — Peço a v. ex.ª se digne consultar a camara sobre se permitte que o officio e os documentos, que foram enviados para a mesa pelo ministerio das obras publicas, e que acabam de ser lidos, sejam publicados no Diario do governo.

E eu digo o officio e os documentos, porque no officio é que se faz a declaração de que o sr. Barros e Cunha, ministro das obras publicas da situação passada, não ouviu os fiscaes da corôa para mandar fazer o pagamento a que me referi na ultima sessão.

Nada digo com relação a este assumpto, porque não vejo presente o sr. Barros e Cunha; mas declaro a v. ex.ª, á camara e ao paiz, que não largo mão d'este negocio emquanto s. ex.ª não vier ao parlamento explicar os motivos por que dispoz illegalissimamente, segundo o meu parecer, da quantia de 7 contos e tanto, sem ter ouvido os fiscaes da corôa, e contra a informação do director das obras do porto artificial da Horta.

O sr. Bivar: — Mando para a mesa uma declaração de que pretendo tomar parte na interpellação annunciada pelo sr. Jeronymo Pimentel ao sr. ministro do reino ácerca dos decretos de 28 de março e 23 de abril do anno passado.

Mando tambem uma nota de que pretendo interpellar o sr. ministro das obras publicas ácerca, da crise do Algarve, e mando um requerimento pedindo que pelo ministerio das obras publicas sejam enviados com a maior urgencia a esta camara todas e quaesquer representações e informações do governo civil, direcção das obras publicas e conselho de agricultura de Faro ácerca da crise do Algarve.

Tenho incommodado pouco os secretarios com pedidos d'esta natureza, mas preciso d'estes documentos por dois motivos, em primeiro logar, porque desejo basear n'elles a conversação amigavel que pretendo ter com o sr. ministro das obras publicas a respeito da crise do Algarve; e em segundo logar porque, quando pela primeira vez n'esta casa, e já n'esta sessão, chamei a attenção do governo sobre a crise do Algarve, não exagerei as informações que eu tinha sobre este assumpto de pessoas fidedignas e de toda a respeitabilidade, de differentes pontos do Algarve.

Eu não era mesmo capaz de desfigurar os factos para, por esta fórma, obter do governo alguns melhoramentos ou alguns subsidios para obras da minha provincia.

Seria esse procedimento pouco regular e pouco digno; seria uma especulação que os meus precedentes repellem e os meus habitos condemnam.

Tenho um grande amor á minha terra, desejo ardentemente ser-lhe util, tenho obrigação de lhe acudir no estado desgraçado em que se encontra; mas sem quebra do conceito que desejo sempre merecer a todos que de perto me conhecem.

Em auxilio e apoio das observações que já apresentei á camara vieram as representações das camaras municipaes

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do districto, pronunciou-se toda a imprensa da provincia, inclusivè uma folha muito esclarecida e que não é suspeita, por ser adversa ao partido regenerador; comtudo quero mais, preciso dos documentos officiaes com os quaes pretendo justificar-me, e são elles que me hão de fazer inteira justiça.

O sr. Camara Leme: — Mando para a mesa um requerimento do sr. Damião Antonio Pereira Pinto, antigo secretario da junta da fazenda publica da provincia de Angola, e juntamente um projecto de lei a fim de melhorar a aposentação d'este funccionario.

Peço a v. ex.ª que o mande á commissão competente, a fim de dar o seu parecer com a maior brevidade possivel.

O sr. Carrilho (por parte da commissão de fazenda): — Mando para a mesa os seguintes pareceres da mesma commissão.

O primeiro é com relação ao orçamento rectificado do actual exercicio; outro é com relação à proposta do governo para emittir as obrigações relativas á conclusão do caminho de ferro do Douro e Minho; outro para a continuação das obras e melhoramentos nas provincias ultramarinas; outro para a acquisição de novos vasos de guerra; outro sobre um projecto relativo ás sommas necessarias para a conclusão do edificio da escola polytechnica; outro sobre uma proposta para a emissão das obrigações necessarias para occorrer ás despezas extraordinarias no futuro anno economico de 1878-1879, e um parecer sobre uma pensão de D. Gertrudes Barbara Fernandes ácerca de umas sommas que foram distrahidas da junta do deposito publico.

O sr. Presidente: - Mandam-se imprimir.

O sr. Visconde de Guedes Teixeira: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Mondim da Beira, districto administrativo de Vizeu, pedindo ser auctorisada a despender do cofre de viação municipal a quantia de 1.218$538 réis, revogando-se para este effeito as disposições correlativas da carta de lei de 6 de julho de 1864, a fim de proceder a algumas obras que julga de instante necessidade.

Peço v. ex.ª o favor de remetter esta representação á commissão de administração publica a fim de dar o seu parecer com brevidade possivel, para ver se ainda póde ser votada n'esta sessão.

O sr. Pedro Franco: — Mando para a mesa um requerimento do sr. João José dos Santos, em que pede melhoria de reforma.

Este empregado depois de ter prestado valiosos serviços no paiz, e não tendo passado ainda um anno depois que foi nomeado terceiro official da alfandega de consumo, foi surprehendido com a sua reforma, sem a ter pedido, estando aliás no goso da sua perfeita saude.

Não creio que elle fosse reformado para se dar logar a outro, mas a verdade é que o facto se deu e que o empregado teve a sua reforma sem a ter solicitado, ficando bastante prejudicado nos seus interesses.

Tambem desejava chamar a attenção do sr. ministro da fazenda para um objecto analogo, mas como s. ex.ª não está presente, reservo-me para outra occasião, dizendo agora, apenas duas palavras sobre o objecto a que desejo chamar a sua attenção.

Vi hoje publicada nos jornaes uma noticia relativamente á reforma do sub-chefe fiscal da alfandega de Belem.

O empregado a cargo de quem está a fiscalisação n'aquelle sitio é um homem de bem, carregado de familia, e que tem prestado valiosos serviços, já como funccionario publico, já como militar que prestou valiosos serviços á causa de liberdade; e sem pedir a sua reforma, appareceu-lhe de subito dada, quando elle está no vigor da vida! Reforma que não deseja, porque fica privado dos emolumentos e da parte dos seus vencimentos a que tem direito.

Chamo a attenção do governo e especialmente do sr. ministro da fazenda para todos estes factos, estando convencido que s. ex.ª para elles não concorreu, mas o facto deu-se ou está para, se dar, e d'esta fórma, aposentando-se empregados no vigor da vida, e que se acham em exercicio activo, agglomera-se a despeza, augmenta-se o deficit, e não ha dinheiro que chegue. (Apoiados.)

O sr. Ferreira Freire: — Mando para a mesa o seguinte projecto de lei.

(Leu.)

Penso que o illustre ministro da justiça disso, n'uma das ultimas sessões, que na proxima sessão legislativa tenciona apresentar uma proposta de lei de dotação do clero. Como, porém, esta proposta implica accordo com a curia romana, e um dos anagrammas de Roma é mora, talvez que o illustre ministro não possa, com a brevidade que deseja, desempenhar-se tão cedo da sua promessa.

Para remediar as precarias condições em que se encontram alguns parochos é que eu tenho a honra de submetter á consideração da camara o projecto de lei que acabo de ler.

Mando tambem para a mesa um requerimento da guarda real dos archeiros, pedindo augmento de vencimento.

Quem vir a guarda real em dia de grande gala com as suas fardas de côr e lavor exquisito, de certo não pensa que o vencimento dos archeiros é de 100 réis diarios.

Se a Camara entende que a guarda, é indispensavel ao esplendor da realeza, parece me que é de justiça attender a pretensão d'estes empregados.

Aproveito a occasião de ver presente o meu illustre amigo o sr. ministro da marinha para dirigir a s. ex.ª um pedido.

O chefe do departamento do norte determinou que nenhum navio saísse os portos do seu departamento sem levar a bordo seis tripulantes em vez de quatro, com que até então eram tripulados.

Esta resolução aggravou os armadores das provincia do, norte, porque a despeza que actualmente fazem com soldadas e comedorias de mais dois marinheiros, lhes absorve quasi todos os lucros que podiam tirar; alem d'isto é relativamente injusto, visto que não a houve igual nos outros departamentos, onde é permittida a saída de navios com quatro tripulantes.

Consta-me que alguns habitantes da villa da Figueira requereram, pelo ministerio da marinha, que fosse revogada a determinação do chefe do departamento do norte, e eu peço ao illustre ministro a fineza de me dizer se tenciona ou não attender este pedido, que se me afigura justo.

O sr. Ministro da Marinha (Thomás Ribeiro): — Ouvi com muita attenção as considerações do meu illustre amigo, o sr. deputado Ferreira Freire.

Posso desde já dizer a v. ex.ª que tenho conhecimento dos factos a que s. ex.ª se referiu: tenho os necessarios conhecimentos, ao menos, para poder dar uma resposta desde já ao meu illustre amigo.

Effectivamente não o chefe do departamento, mas o capitão do porto da Figueira publicou um edital exigindo que fossem tripulados por seis homens os barcos de cabotagem que até agora eram tripulados ou por seis ou por quatro homens.

As informações que ha no ministerio da marinha a este respeito dizem que a maior parte das vezes se exige para a boa navegação o numero de seis tripulantes, porém que n'isto havia, uma piedosa fraude, e vinha a ser que os armadores e donos de embarcações, para subtrahirem alguns dos seus afilhados ao recrutamento maritimo, costumavam matricular apenas quatro e introduziam mais dois como passageiros, mas que eram effectivamente tripulantes.

Estas são as informações officiaes que existem já no ministerio da marinha.

Por consequencia, na disposições tomadas ou pelo capitão do porto, ou pelo chefe do departamento, tinham por intuito não só evitar que saíssem com falta de tripulantes os

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barcos que deviam ter mais tripulantes do que até agora se determinava, o que emtim é de attender, quando se trata da salvação de vidas e de fazendas, mas alem d'isso evitar a fraude que havia da subtracção ao recrutamento maritimo.

Demais, as fraudes por essa fórma no recrutamento maritimo devem tambem acabar em virtude da nova fórma por que elle passa a ser feito, isto é, conjuntamente com o recrutamento do exercito.

É facto que existe grande differença entre os outros departamentos e aquelle a que s. ex.ª se refere, mas essa parte vae dentro em pouco ser por mim considerada de fórma, ou a alliviar os armadores da Figueira de modo que possam ficar só com quatro tripulantes em cada barco, sendo isso possivel, ou a obrigar os outros departamentos a darem as mesmas garantias que se exigem ao da Figueira.

Creio que estas explicações terão satisfeito o illustre deputado.

O sr. J. J. Alves: — Mando para a mesa um requerimento do sr. Antonio Pereira da Silva, pharmaceutico com a graduação de capitão, que viveu na provincia de S. Thomé e Principe durante o periodo de quatorze annos.

Este empregado, vindo a Lisboa, requereu a sua reforma nos termos da lei de 2 de dezembro de 1869, que concede aos individuos que desempenharem este serviço na Africa occidental, pelo tempo de doze annos, a reforma no posto immediato.

Acontece, porém, que contra o disposto n'esta lei, foi elle reformado no posto em que estava, no que se considera altamente prejudicado.

O requerente adduz argumentos para provar a justiça da sua causa e appella para esta camara, a fim de ser attendido, applicando-se-lhe o decreto de 2 de dezembro de 1869.

Peço a v. ex.ª que se digno mandar este requerimento á commissão respectiva, a fim de o considerar e emittir o seu parecer como for de justiça.

O sr. Jeronymo Pimentel: — Na terça fui forçado a saír d'esta sala no meio da sessão, e não me foi possivel portanto assistir á discussão e votação do projecto de lei n.º 28, porque quando voltei já esse projecto estava votado.

Se estivesse então presente declararia os motivos por que assignei com declarações o respectivo parecer da commissão de administração publica.

Não podendo discutir agora este assumpto e acatando como devo a votação da camara, limito me a mandar para a mesa uma declaração de voto.

Aproveito a occasião para mandar para a mesa um requerimento, para ser enviado á commissão de guerra.

O sr. Visconde de Sieuve de Menezes: — Mando para a mesa um requerimento de João Antonio Sola, que pretende que lhe seja contado para a reforma o tempo durante o qual foi pharmaceutico do hospital de S. José.

Mando tambem para a mesa um projecto de lei, que tem por fim auctorisar o governo a levantar um emprestimo até á quantia de 12:000$000 réis, para proceder ao encanamento de agua potavel para a praça e castello de S. João Baptista, na ilha Terceira.

O sr. Braamcamp: — Ma já bastantes dias chamei, a attenção do governo para um facto que se está dando no concelho de Villa Viçosa.

Tendo-se suscitado duvidas a respeito da illegibilidade de um dos cidadãos eleitos para a camara municipal, interpoz-se recurso para o supremo tribunal administrativo, que accordou em expedir provisão para se suspender a decisão do conselho de districto.

A provisão foi remettida para aquelle concelho ainda no mez de fevereiro, e até hoje ainda não foi cumprida.

Segundo me consta, a camara municipal entendeu dever consultar o governador civil do districto, e não sei se o governador civil tambem quiz consultar o ministerio do reino; o que é facto, porém, é que ha muito mais de um mez que foi expedida provisão e até hoje não foi executado o que n'elle se ordenava.

Não quero entrar na apreciação das rasões que levaram o supremo tribunal administrativo a tomar aquella decisão. Não vem para aqui tratar d'este assumpto, nem me compete entrar n'esse exame; o que me compete, como deputado, é pedir ao sr. ministro do reino explicações sobre este facto, se effectivamente s. ex.ª tem conhecimento d'elle, ou, se não tem esse conhecimento, recommendar-lhe com a maior instancia que haja de tomar as providencias necessarias para que não continue no concelho de Villa Viçosa este estado de anarchia, esta resistencia inqualificavel ás determinações que deveriam ser cumpridas sem demora.

Se o governador civil, parece que de accordo com a camara municipal, está demorando indefinidamente qualquer resolução a este respeito, eu lembro ao sr. ministro do reino que o governo tem o rigoroso dever de obrigar as suas auctoridades a cumprirem as decisões dos tribunaes superiores.

Aguardo a resposta do sr. ministro do reino, e peço a v. ex.ª que me reserve a palavra para fazer as observações que se me offerecerem em vista das explicações de s. ex.ª

O sr. Ministro do Reino: — Os factos a que o illustre deputado se referiu são passados como elle expoz. Apenas tive conhecimento d'elles expedi uma portaria ao governador civil para que a respectiva auctoridade cumprisse o seu dever, cumprindo o accordão do supremo tribunal administrativo, porque eu não consinto que as auctoridades inferiores desobedeçam ás auctoridades superiores. Creio que ha já oito dias que tomei aquella decisão.

O sr. Braamcamp: — Fico satisfeito com as explicações do sr. ministro do reino, mas declaro a v. ex.ª que ainda na quarta feira não estava cumprido o accordão. Folgarei de não ter novamente de occupar a camara com este incidente, e que as ordens de s. ex.ª sejam mais bem cumpridas e mais bem executadas de que tem sido o accordão do supremo tribunal administrativo.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Eu pedi a palavra na occasião em que o meu illustre collega, o sr. Mello e Simas, dirigia expressões pouco benevolas a um nosso collega que não está presente, o sr. Barros e Cunha. Eu acho este procedimento estranhavel e censuravel (Apoiados.) Não sei o que o illustre deputado tem em vista com estas accusações ao ex-ministro das obras publicas. Não sei se s. ex.ª lhe quer impor a responsabilidade politica, se a responsabilidade criminal. Se s. ex.ª tem em vista fazer recaír sobre o ex-ministro das obras publicas a responsabilidade criminal, use dos meios que tem á sua disposição para tal fim, mas não venha para aqui dirigir-se a um collega que não está presente, a pedir a responsabilidade do ministro a quem já o não é, e a fazer uma accusação meramente pessoal a quem não está presente para poder responder-lhe. (Apoiados.)

O que era mais curial era o illustre deputado dirigir-se ao actual sr. ministro das obras publicas, (Apoiados.) hoje unico responsavel pelo seu ministerio, unico para dar as informações necessarias do que n'elle se passa, e o unico tambem competente para lançar a responsabilidade dos actos do seu ministerio no ministro que os referendou, quando s. ex.ª a não queira assumir. Mas vir para aqui agora accusar o sr. Barros e Cunha, que não está presente, que não é já ministro, porque se assevera, sem se provar, que praticou um acto illegal, parece-me um procedimento, alem de censuravel, que deixa estabelecido um pessimo precedente n'esta casa, que nunca vi e contra o qual eu quero protestar.

Nós não estamos habituados no parlamento a ouvir accusar nem os funccionarios que não têem aqui representação, nem os individuos que tendo aqui assento estão ausentes da camara. A responsabilidade politica do ministro findou

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com a sua saída do poder. É sobretudo pouco generoso accusar por tal fórma o ministro demittido.

Parece-me que o sr. Mello e Simas, pela publicação que pediu dos documentos e por tudo o mais que tem dito, deseja realisar uma interpellação ao ex-ministro das obras publicas ácerca do facto a que alludiu, provavelmente para obter da camara um voto de censura ao ministerio que caiu; sendo assim, apesar da singularidade, desde já peço ser inscripto para tomar parte n'essa interpellação.

Tenho dito.

O sr. Mello e Simas: — Agradeço a advertencia do illustre deputado, mas declaro que não preciso dos conselhos de s. ex.ª (Apoiados.)

Eu não vim aqui hoje fazei accusações ao sr. Barros e Cunha, vim apenas pedir que os documentos que acabam de ser lidos na mesa fossem publicados no Diario do governo; documentos que o mesmo sr. Barros e Cunha foi o primeiro o outro dia a insistir para que fossem remettidos do ministerio das obras publicas á camara e publicados n'esse Diario; eu não fiz hoje mais nada do que pedir que se fizesse essa publicação. (Apoiados.)

Accusei o sr. Barros e Cunha na ultima sessão d'esta camara, quando s. ex.ª estava ao meu lado, quando estava sentado ao pé de mim. (Apoiados. — Vozes: — É verdade.)

Hoje disse apenas que o sr. Barros e Cunha havia disposto illegalissimamente, segundo o meu parecer, da quantia de 7:000$000 réis, e que não abandonaria este negocio sem que elle viesse explicar o seu procedimento á camara e ao paiz. Mas na sessão passada disse-lhe muito mais, estando s. ex.ª presente e face a face commigo.

Que ha de estranhavel no meu procedimento de hoje?!

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — A obrigação do sr. Barros e Cunha é estar aqui na camara.

O Orador: — O sr. Barros e Cunha depois de ter saído dos conselhos da corôa, não apparecendo n'esta casa durante muitos dias, apresentou-se aqui um bello dia a provocar a camara, dizendo que estava prompto a responder por todos os seus actos de ministro.

Que ha de estranhavel, pois, que um deputado qualquer levante a luva e lhe diga: pois responda por este que reputo escandaloso?!

Permitta-me o illustre deputado lhe diga que não acceito a sua doutrina, porque é falsa e absurda e contraria a todos os principios de direito. Não sei em que livro de direito publico constitucional, ou em que universidade aprendeu s. ex.ª a doutrina exotica, que acaba de apresentar com tantas ceremonia!

O illustre deputado, dizendo que o governo que succede deve sentar-se no banco dos réus para responder pelos actos praticados pelo seu antecessor, apresenta um systema contrario aos mais triviaes e rudimentares principios de direito natural, em que ninguem responde pelos actos que não praticou!

Os actos ou os crimes do sr. Barros e Cunha como ministro ainda não prescreveram, (Apoiados.) e declaro a s. ex.ª que hei de usar do meu direito, de accusal-o sempre que o julgar conveniente, porque os direitos do illustre deputado não são melhores do que os meus.

Sou amigo do sr. Francisco de Albuquerque desde muitos annos, desde os bancos da universidade, mas repugna-me que s. ex.ª venha fazer advertencias a quem nunca lhe pediu lições, nem carece, nem nunca precisou dos seus conselhos. (Apoiados.)

O sr. Presidente: — A hora está muito adiantada, mas no emtanto dou a palavra ao sr. Pinheiro Chagas.

O sr. Pinheiro Chagas: — Tomei a palavra em uma occasião de agitação na camara, promovida por um incidente a que sou estranho, mas que me obriga, desde o momento em que se levanta uma questão de principios de direito constitucional, e na qualidade de representante do paiz a dizer ao sr. Mello Simas que, se acaso entende que todo o ministro é responsavel pelos actos que praticou, ao ministro que se lhe segue compete revogar esses actos, ou então sanccional-os.

Se o sr. Barros e Cunha praticou actos irregulares, ao sr. ministro das obras publicas actual compete a obrigação de dizer se essas irregularidades existem e qual o motivo por que s. ex.ª não providenciou ainda para as annullar e restabelecer os principios da sã justiça violados pelo seu antecessor.

O ministro das obras publicas do ministerio transacto, representante da minoria d'esta camara, accusou o governo anterior e pediu-lhe a responsabilidade dos seus actos, para o que pediu uma commissão de inquerito, que foi negada.

Por consequencia, visto que foi o primeiro a protestar contra elles, não tinha a responsabilidade dos abusos que commettêra o seu antecessor.

Se o sr. Barros e Cunha praticou actos irregulares, tenho a certeza de que elle pessoalmente responderá por esses actos; mas o ministro que lhe succedeu tem obrigação, se não os sancciona com a sua benevolencia, de vir á camara declarar os motivos por que não os revogou. Não o fez, e por isso o illustre deputado que accusou o sr. Barros e Cunha accuse tambem o sr. ministro das obras publicas actual, que com o seu silencio parece sanccionar esses actos. (Apoiados.)

Não foi, porém, para isto que pedi a palavra, e apenas quiz emittir a minha opinião em um pleito que se debatia na camara.

O fim para que pedi a palavra foi para fazer constar ao sr. ministro do reino, que ha pouco recebi um telegramma, no qual se me revela que o administrador de Mangualde, por ordem do governador civil de Vizeu, praticou um acto abusivo e attentatorio da liberdade individual, mandando prender um cidadão que não está pronunciado em parte alguma do paiz, e que até este momento ignora o motivo por que foi preso.

Peço ao sr. ministro do reino que me diga se é verdadeiro este facto, e sendo verdadeiro que estes abusos e illegalidades se não repitam.

Mando para a mesa um projecto que tende a revogar o decreto de 21 de dezembro de 1868, com relação aos capellães militares.

Hontem esqueceu-me pedir a v. ex.ª, quando mandei para a mesa o requerimento dos filhos do fallecido conde do Farrobo, que fosse impresso no Diario do governo, o que peço agora.

Consultada a camara resolveu affirmativamente.

O sr. Ministro do Reino: — Devo dizer ao sr. deputado que não tive directamente participação do facto a que se referiu; ouviu-o, comtudo, já n'esta camara, e até me disseram que fóra preso, mas como depositario infiel. Não sei mais nada.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Lourenço de Carvalho): — Não posso ser completamente estranho ao incidente que se levantou n'esta casa. Não posso de modo algum abster-me de dizer algumas palavras á camara desde o momento em que do meu silencio se podesse inferir que eu acceitava a responsabilidade do meu antecessor ou de qualquer acto que tivesse praticado.

Sou completamente ignorante d'esta sciencia de direito. Não conheço nada de direito constitucional, nem de direito publico, porque não possuo as habilitações do curso em que isso se professa, mas parece-me que é de simples bom senso que não póde de maneira alguma o ministro que succede a outro ser responsavel pelos actos que elle praticára. (Apoiados.)

Desde o momento em que se estabelecesse esta doutrina, eu juntaria a todas as repugnancias instinctivas para acceitar este cargo, o receio da responsabilidade do procedimento do meu antecessor. Isso é impossivel. (Apoiados.)

Pois então eu sou responsavel pelas resoluções de todos os governos que me tenham antecedido? (Apoiados.) Se assim fosse teriam os ministros de ir buscar essa responsa-

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bilidade desde a implantação do systema constitucional. (Apoiados.)

Definido isso assim, eu seria pelo menos responsavel por toda a gerencia administrativa desde a creação do ministerio das obras publicas até agora. Ora, se tenho de tomar essa responsabilidade, resigno immediatamente o meu cargo. (Apoiados.)

Não posso, deixar de me pronunciar agora neste incidente de uma maneira mais explicita a respeito de um outro facto.

Ha uns poucos de dias o sr. Barros e Cunha, meu antecessor, formulou aqui uma especie de interpellação ou de uma pergunta, desejando saber qual a maneira de pensar do governo ácerca dos actos praticados por s. ex.ª na questão extremamente celebre da penitenciaria.

Aproveito a occasião para declarar a v. ex.ª que me acho completamente habilitado para responder; não a interpellação, porque me parece que essa questão está pendente do exame de uma commissão e de um inquerito parlamentar, mas para responder, ao que se pergunta.

E aproveito a occasião, embora não esteja presente o sr. Barros e Cunha (que poderá comtudo ler este incidente no registo parlamentar), para dizer a s. ex.ª que a primeira cousa que eu entendi dever fazer quando tomei conta da pasta das obras publicas, foi mandar proceder pelos meios ao meu alcance a um exame, completo quanto podesse ser de tudo quanto dissesse respeito á administração da penitenciaria, e dei as ordens mais terminantes e mais urgentes para que esses trabalhos fossem apresentados com a maior brevidade possivel; e isto não só para que o governo conhecesse perfeitamente quaes as resoluções que lhe incumbia tomar, como tambem para que a opinião publica se formasse de uma vez para sempre sobre um assumpto importante, ácerca do qual não se podia deixar por fórma alguma suspenso o juizo da opinião sensata e justa do paiz.

Portanto, a respeito dos negocios da penitenciaria, eu não tenho resolvido absolutamente mais nada, a não ser o que é de expediente e de cuja omissão resultasse prejuizo para o paiz.

No que respeitava ás funcções de ministro da corôa, eu devia esperar antes de mais nada os resultados da syndicancia parlamentar e administrativa.

E sobre a penitenciaria, eu não digo mais nada. (Vozes: — Muito bem.)

Com relação ao assumpto que deu logar a este incidente, tenho a dizer que eu tomei parte n’esto negocio por um despacho meu que auctorisou o pagamento de madeiras até uma certa quantia, reservando-se uma somma até a resolução posterior, em vista do processo que mandei apresentar sobre este assumpto.

De então para cá não sei mais nada a este respeito.

Dei ordem para que viessem para a camara os documentos, que são muitos.

Se o sr. Mello e Simas, ou o sr. Barros e Cunha, ou qualquer outro illustre deputado, entende que deve vir o processo todo, immediatamente eu dou ordem para que elle seja apresentado á camara.

O que eu desejei principalmente foi accentuar de uma maneira clara e positiva que o meu silencio a respeito de qualquer acto da administração passada não envolvia a minha annuencia, nem impedia as apreciações que sobre esses actos possam ser feitas por quem quer que seja.

Vozes: — Muito bem.

(S. ex.ª não reviu este discurso.)

O sr. Mexia Salema: — Eu entrava n'esta casa quando estava fallando o illustre deputado o sr. Mello e Simas.

Não sei bem o assumpto de que se trata, mas v. ex.ª comprehende que tendo eu tido a honra de fazer parte do ministerio passado, e tendo ouvido censurar actos praticados pelo meu collega n'esse ministerio, o sr. Barros e Cunha, não podia ficar silencioso.

Eu acceito plenamente a theoria apresentada de que um ministerio qualquer não póde responder pelos actos do ministerio anterior; mas se essa doutrina é boa, entendo que tambem é rasoavel doutrina o mesmo attencioso não estar censurando actos de um ministerio que já passou, querendo-se-lhe tomar responsabilidade e sem estar presente aquelle ex-ministro que praticou esses actos e a quem portanto cabo a explicação e mais immediatamente a responsabilidade delles.

O sr. Barros e Cunha não está presente, e portanto não é justo estar censurando em sua ausencia actos sim da responsabilidade solidaria de todo o ministerio transacto e que elle muito bem explicará, e sobretudo actos que estão sujeitos a uma investigação mandada fazer por esta camara por uma commissão especial.

(Ápartes.)

Em todo o caso eu entendi dever dizer estas palavras, e propugnar porque se mantenha esta doutrina ou norma que me parece que é mais conveniente para a boa ordem dos trabalhos d'esta camara.

Tenho dito.

O sr. Presidente: — A hora está muito adiantada. Já disse que eram horas de entrar na ordem do dia.

O sr. Guerreiro: — Eu pedi a palavra.

O sr. Presidente: — Pediu-a ha muito pouco tempo.

O sr. Guerreiro: — V. ex.ª já deu a palavra a outros srs. deputados depois que eu a pedi.

O sr. Presidente: — Foi porque se metteu de permeio o incidente que terminou agora.

O sr. Guerreiro: — Mas v. ex.ª não me dá a palavra?

O sr. Presidente: — Vou consultar primeiro a camara sobre se quer ou não que se entre já na ordem do dia.

Votou-se por 26 votos contra 22 que se entrasse na ordem do dia.

O sr. Presidente: — Por consequencia entra-se na ordem do dia.

Os srs. deputados que tenham alguns requerimentos ou representações para mandar para a mesa, tenham a bondade de os enviar.

O sr. Guerreiro: — Requeiro a v. ex.ª se sirva consultar a camara, se consente que eu falle para mandar um requerimento para a mesa.

O sr. Presidente: — Vou consultar a camara.

Votou-se affirmativamente.

O sr. Guerreiro: — Mando para a mesa a seguinte nota de interpellação.

(Leu.)

O sr. Francisco de Albuquerque: — Mando para a mesa o seguinte requerimento. (Leu.)

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: — Continua em discussão o projecto n.º 97 de 1876. Tem a palavra na generalidade o sr. Marçal Pacheco.

O sr. Marçal Pacheco: — Desisto da palavra.

Posto á votação o projecto na generalidade, foi approvado.

Passando-se á especialidade, entrou em discussão o

Artigo 1.°

O sr. Lencastre (sobre a ordem): — Mando para a mesa dois pareceres da commissão de legislação civil sobre duas proposições de lei que vieram da camara dos dignos pares.

O sr. Presidente: — Mandara-se imprimir.

Como ninguem se inscreve sobre o artigo, ponho-o á votação.

Foi approvado.

Artigo 2.°

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Peço a palavra sobre o artigo 1.°

O sr. Presidente: — Já está approvado.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Sr. presi-

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dente, v. ex.ª diz que tenho a palavra sobre o artigo 2.°, quando eu a pedi sobre o artigo 1.°, o qual v. ex.ª declara que já foi approvado. Eu não posso duvidar por fórma alguma da affirmativa de v. ex.ª

No emtanto julgo do meu dever declarar, que essa approvação se fez sem eu a perceber, apesar de prestar toda a attenção ao que se passava na camara.

Seja o que for, não me parece que o projecto em discussão seja d'aquelles, que podem passar n'esta casa sem se darem explicações bastantes por parte do governo.

Sr. presidente, eu recordo-me de que o caminho de ferro de sueste, construido por uma companhia, trouxe a esta casa debates importantes, aos governos difficuldades consideraveis, e ao paiz prejuizos enormes; sei que tivemos de pagar e que pagámos muito cara a rescisão do contrato; depois d'isso a linha foi adjudicada ao estado, que a explora por conta propria e creio que com vantagem, pois não poucas vezes tenho ouvido dizer que um dos nossos grandes recursos era a posse das linhas de sul e sueste.

Agora parece-me, que com muita facilidade e sem as devidas compensações se vae prescindir d'este recurso, entregando esta linha a qualquer companhia que venha organisar-se, tomando essa companhia apenas o encargo do prolongamento da linha até á fronteira e da construcção do caminho de ferro do Algarve.

Parece-me repito, que com muita facilidade se vae dispor de um recurso que se reputava não só de grande importancia; mas que se considerava dever ser em breve tempo uma fonte de receita publica.

Fazendo estas observações á camara tenho em vista principalmente chamar a attenção do governo para os inconvenientes de entregar a uma companhia uma linha actualmente pertencente ao estado, depois da experiencia triste e dura que n'esta mesma linha nós já tivemos com outra companhia.

Desejava que o governo desse á camara explicações a este respeito que nos possam convencer; declarando desde já que pela minha parte tenho muito receio de companhias que promettem tudo quando pretendem ou solicitam as concessões, mas que em pouco tempo faltam aos seus compromissos ou pedem compensações ou indemnisações, que o paiz tem pago em larga escala, e realmente por fórma que ás vezes, e já isso se deu em relação ao caminho de ferro do sul e sueste, as reclamações de uma simples companhia parecem envolver uma questão internacional, e apparecem perante o governo do paiz protegidos por nações com as quaes Portugal não póde lutar, e por isso tem de ficar vencido por força.

Ouvirei as explicações que se derem sobre o assumpto e tomarei de novo a palavra se o julgar necessario.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Parece-me que o sr. visconde de Moreira de Rey considerou o assumpto debaixo da influencia de apprehensões em relação á companhia que se encarregasse da construcção d'este caminho de ferro. Mas essa circumstancia não se póde dar só com a companhia que construir o caminho de ferro do Algarve, póde verificar-se a respeito de todos os caminhos de ferro que forem construidos por conta de concessionarios.

Effectivamente quando se adoptar esse expediente, ha de se acceitar a eventualidade de todas as circumstancias que d'elle se derivem.

Eu confesso a v. ex.ª que não me assustam nada esses perigos, porque a missão que cumpre ao governo é resolver conforme as condições estipuladas nos contratos e na legislação em vigor, e não digo isto para a accusação, nem para a absolvição de nenhum governo passado.

Sr. presidente, o projecto que se discute não é de modo algum um mero expediente; o projecto que se discute tem por fim assegurar, na eventualidade de um concurso, a construcção e conclusão da rede do caminho de ferro ao sul do Tejo.

E eu declaro a v. ex.ª que se o projecto for convertido em lei, e o resultado corresponder ao seu pensamento, nem o governo, nem o paiz, nem aquella provincia, me parece que terão rasões para ficarem descontentes; porque realmente as condições d'este projecto são perfeitamente acceitaveis, são o mais vantajosas que podem ser.

Diz o sr. visconde de Moreira de Rey, que por esta fórma entrega-se o rendimento d'aquella linha á companhia. Justamente nas bases do projecto é que fica garantida para o estado a receita liquida deste caminho pela media dos tres ultimos annos de exploração.

Se s. ex.ª deseja saber qual tem sido o rendimento liquido d'aquella linha do sul e sueste, isso então é outra cousa; não é impugnação do projecto, é ter sómente o desejo, muito natural e justo, de ser informado sobre o assumpto em discussão.

Eu tenho aqui um mappa, pelo qual se mostra o rendimento bruto do caminho de ferro do sul e sueste nos annos de 1873, 1874, 1875, 1876 e 1877; e o producto liquido nos annos de 1873, 1874, 1875 e 1876; o do anno de 1877 ainda não se póde apurar rigorosamente.

O rendimento bruto d'este caminho foi o seguinte:

Em 1873, de 374:691$285 réis; em 1874, 392:248$770 réis; em 1875, 403:170$910 réis; em 1876, 394:133$300 réis; e em 1877, 425:322$535 réis.

A receita liquida, comprehendendo o imposto de transito, foi, em 1873, de 167:392$549 réis; em 1874, 163:453$571 réis; em 1875, 159:274$555 réis; e em 1876, 155:137$069 réis.

Disse que a receita liquida comprehendia o imposto de transito, e a importancia d'este foi, em 1873, de 15:265$834 réis; em 1874, 16:241$600 réis; em 1875, 16:572$285 réis; e em 1876, 16:137$690 réis.

Mas seja qual for este rendimento, o que é facto é que o projecto estabelece, como base para a licitação, á companhia a que for adjudicado este caminho, a obrigação de garantir a importancia d'esta cifra.

Dito isto parece-me realmente que o projecto não merece impugnação; e tanto menos impugnação deveria merecer da parte do sr. visconde de Moreira de Rey, quanto é certo que o governo tem a convicção de que poderá adoptar a via estreita n'esta linha, via que eu sei está inteiramente conforme ao modo de ver e á opinião do illustre deputado.

Emquanto ás experiencias caras a que s. ex.ª se referiu, peço licença para antepor á opinião de s. ex.ª outra opinião.

Eu estou convencido que todas essas apregoadas indemnisações em tão larga escala, que todos esses encargos e sacrificios do estado para com as companhias foram um beneficio para o estado, porque este, sem intenção alguma de prejudicar as companhias, fez uma operação excellente.

O governo tinha a pagar uma importancia, não me lembra agora a cifra, mas muito consideravel de subvenções, na hypothese da empreza continuar. Que fez?

Remiu, por uma pequena quantia, relativamente pequena, não chega a 2:000 contos, a posse e usufructo d’esses caminhos, e hoje são do estado.

Era muito mais para desejar que as companhias, tomando conta dos caminhos de ferro, se desempenhassem da obrigação que tinham contrahido levando os seus contratos á execução; mas o resultado foi que o estado remiu, por uma pequena verba, a posse e usufructo d'esses caminhos, e isto nem com o intento de prejudicar as emprezas, nem com o intento de lhes dar indemnisações.

Não sei se o illustre deputado disse mais alguma cousa á qual eu tenha de responder, mas nos meus apontamentos não encontro mais nada.

(S. ex.ª, não reviu o discurso.)

O sr. Pinheiro Chagas: — Eu voto contra este projecto, principalmente porque voto absolutamente contra todas as despezas que se me pedem sem m'as justificarem, ou sem me dizerem a quanto montam precisamente.

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Este projecto está o mais completamente despido de informações que é possivel imaginar.

Eu votando ía votar uma despeza, uma diminuição de receita, sem saber qual.

(Interrupção.)

O Orador: — Não ha diminuição de receita com relação ao anterior, mas é clarissimo que um caminho do ferro que está proximo á sua conclusão, que vae ter junto de si o caminho do Algarve e vae entroncar com os caminhos de Hespanha, ha de augmentar o rendimento.

Este argumento não é meu, é do sr. Lourenço de Carvalho com relação aos caminhos de ferro do Minho e Douro, e eu applico-o agora ao caminho de ferro do Alemtejo e do Algarve.

Note v. ex.ª que este caminho de ferro do Alemtejo puro e simplesmente provincial, quando ligado na fronteira com os caminhos de ferro da Hespanha, vae transformar-se de um caminho de ferro que serve unicamente a provincia do Alemtejo, n'um troço do grande, caminho de ferro que atravessa Portugal todo, do norte a sul.

Diga-me v. ex.ª e diga-me a camara se não é licito esperar um grande augmento de rendimento n'um caminho de ferro n'estas condições.

E exactamente agora vem propor-se que se dê esse rendimento a uma companhia, sem se saber nada das condições d'essa concessão; sem se saber se seria preferivel tomar um encargo certo e determinado para se concluirem as linhas do sul e sueste e para se construir o caminho de ferro do Algarve, que aliás o sr. ministro das obras publicas, como ha pouco acabou de declarar, desejaria que fosse de via reduzida.

Eu desejaria saber em quanto calcula o nobre ministro das obras publicas o custo da construcção do caminho de ferro do Algarve e dos prolongamentos dos caminhos de ferro do sul e norte.

(Aparte do sr. ministro das obras publicas.)

Perdão, o nobre ministro percebe muito bem que não é muito facil estar a colligir na memoria todos os projectos de lei que ha a este respeito, e parece-me que era no relatorio d'este que se deviam mencionar todas as circumstancias relativas a este assumpto.

Eu desejaria saber qual o custo, pelo menos approximado, d'aquelles caminhos de ferro; desejaria saber se o encargo das sommas levantadas para a sua construcção não seria inferior ao minimo do rendimento que se póde calcular para toda a rede com os acrescentamentos e melhoramentos que vae ter.

Desejaria saber isto, porque é esse o unico modo de me habilitar realmente a saber se é preferivel dar as linhas a uma companhia, com o rendimento crescente que devem ter, a tomarmos o encargo por nossa conta.

E ha uma cousa muito curiosa que convem notar.

O que nós estamos a discutir é exactamente um projecto de lei tal como o que se apresentou em 1876.

De 1876 para cá continuaram os trabalhos no caminho de ferro do sul, deu-se-lhes mesmo um certo desenvolvimento, porque me consta que n'este caminho de ferro acaba de se construir uma ponte sobre o Guadiana, ponte que é muito importante, e que leva por esse lado o caminho de ferro quasi á conclusão.

Trabalhou-se muito por parte do estado, e depois do estado trabalhar muito, quer dizer, depois do estado poupar muitas despezas á companhia, vem o sr. Lourenço de Carvalho e traz a mesma lei que se tinha apresentado aqui em 1876, uma lei que impõe ao paiz os mesmos encargos que então se propunham!

Eu pelo meu lado, não podendo oppor-me a que o governo faça votar pela camara esta lei, parece-me preferivel que a votemos este anno, porque, se não a votarmos agora, corremos o risco de votarmos em 1880 ou 1882, já com os caminhos de ferro concluidos, exactamente da mesma maneira que se nos propõe agora.

É esta a consequencia logica que se póde tirar do que tem havido ácerca d'este assumpto.

(Áparte do sr. ministro das obras publicas.)

Bem sei que é absurdo, mas é esta a consequencia logica, levada ao burlesco, do modo por que o governo apresenta esta lei.

(Áparte do sr. ministro das obras publicas.)

S. ex.ª fez-me até favor em me interromper.

Eu explico a s. ex.ª qual é o meu pensamento.

Pela lei de 1876 a companhia tomava conta dos caminhos de ferro em certas condições; tinha de fazer certas despezas, e recebia o rendimento das linhas, tendo de dar ao paiz a media dos tres ultimos annos.

Hoje a companhia recebe os caminhos de ferro muito mais adiantados; por consequencia tem de fazer muito menos despezas com elles, mas continua a entregar ao estado a media dos tres ultimos annos.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Isso depende da licitação.

O Orador: — Isso depende da licitação!

Qual é a garantia que o governo dá á camara de que não será essa a proposta que o governo acceite? Não ha garantia alguma.

É melhor então v. ex.ª dizer: «a maioria tem confiança no governo e approva, e quem não tem essa confiança não vote»; mas se isto não é assim, se se quer que a camara vote com conhecimento de causa, é preciso dar-lhe esclarecimentos.

S. ex.ª o sr. ministro das obras publicas disse que o pensamento do governo era fazer de preferencia o caminho de ferro do Algarve de via reduzida; e tanto isto assim é, que o sr. Lourenço de Carvalho, que então era membro da commissão de obras publicas, assignou com declaração o projecto, por querer que o caminho fosse de via reduzida, porque era mais barato.

Mas onde está estabelecido que a subvenção seja menor no caso de que o caminho de ferro do Algarve seja de via reduzida?

Uma voz: — Não ha subvenção.

O Orador: — Não damos subvenção, mas não recebemos receita, o que é exactamente a mesma cousa.

Pois não será a mesma cousa dar 200 contos ou deixar de receber 200 contos?

Quer o caminho de ferro seja de via larga ou de via estreita, quer seja feita a construcção em vinte ou quarenta annos, para o governo é a mesma cousa.

Em 1876 o governo entregava a uma companhia um caminho de ferro com uma certa extensão, e impunha á companhia um certo encargo: hoje entrega-se um caminho com uma extensão maior; impõem-se certos encargos, e ao mesmo tempo diz-se que o pensamento do governo é estabelecer o caminho de via reduzida. E se é este o pensamento do governo, como é que ficam os mesmos encargos? Se a companhia tiver menos despezas a fazer, hão de tambem ser menores os encargos do governo.

(Interrupção que se não ouviu.)

A prestação, essa fica dependente do governo...

Uma voz: — E da praça.

O Orador: — É claro; mas no projecto não se impõe ao governo a obrigação de não acceitar menos de uma certa quantia; marque-se-lhe uma dada quantia, alem da qual o governo não possa descer. Este é o meu pensamento.

Limito aqui as minhas observações, e, como a camara acaba de ver, o meu desejo é que o governo dê esclarecimentos a respeito das contradicções em que abunda este projecto.

(O orador não reviu este discurso.)

O sr. Braamcamp: — Sr. presidente, não sei o que deva discutir.

Vejo que ha duas discussões que vão correndo uma a par da outra. Não sei se discutimos o projecto n.º 97 ou se discutimos uma hypothese nova apresentada pelo sr. mi-

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nistro das obras publicas, declarando que o caminho de ferro do Algarve deve ser construido de via reduzida? No projecto comtudo não encontro disposição alguma que auctorise esta alteração.

(Ápartes que não se perceberam na mesa dos tachygraphos.)

Como não assisti ao principio da discussão d'este projecto na sessão anterior, não estava ao facto de que s. ex.ª tivesse apresentado alguma moção para esse fim.

Sr. presidente, analysando este assumpto pelo que está consignado no projecto n.º 97, direi ao meu illustre amigo o sr. Pinheiro Chagas, que se s. ex.ª se recusa a votar o projecto por elle ser prejudicial ao thesouro, eu pela minha parte tambem voto contra, porém por uma rasão diversa, e é porque estou inteiramente convencido de que, conservadas as disposições inseridas no projecto, elle é completamente inutil, e que não encontraria companhia alguma séria que acceitasse o contrato em taes condições.

Para o provar bastar-me-ia apontar á camara alguns algarismos tirados do orçamento do anno futuro e do interessante relatorio que foi apresentado pelo ex-ministro das obras publicas; o meu amigo o sr. Barros e Cunha.

Segundo o orçamento vemos que a receita d'este caminho de ferro foi avaliada para 1878-1879 em 450:000$000 réis, a despeza em 254:000$000 réis, e que portanto o rendimento liquido é apenas de 186:000$000 réis. Mas calcula-se no relatorio a que me referi que o capital necessario para concluir a linha é, se não me engano, de réis 3.700:000$000, alem de 580:000$000 réis que já estão gastos.

Sendo 3.700:000$000 réis o capital novamente empregado, ficarão concluidos 526 kilometros de caminho de ferro com rendimento liquido de 301:000$000 réis.

Porém o juro de 3.700:000$000 réis a 7 por cento, que não póde ser calculado em menos, excede a 259:000$000 réis, e sendo o rendimento liquido provavel de 301:000$000 réis, restará apenas para a companhia ou sociedade que tomar o contrato uma differença de 42:000$000 réis para satisfazer ás prestações que têem de ser pagas ao thesouro e aos mais encargos a que a empreza ficará obrigada.

Sei que poderão responder-me que o rendimento do caminho de ferro ha de ir proporcionalmente augmentando, nem de certo serei eu quem deixe de reconhecer a verdade das considerações apresentadas pelo sr. Pinheiro Chagas, mostrando que a ligação d'esta linha ferrea com a do sul de Hespanha deve forçosamente augmentar á importancia e os lucros.

Comtudo cumpre advertir que este augmento ha de ser muito lento, e que, n'um paiz tão pouco povoado como o Alemtejo e toda a serra do Algarve, é necessario que a agricultura, a industria e o commercio tenham um largo desenvolvimento para que possam obter rendimento que compense taes despezas.

O illustre ministro das obras publicas disse, e disse com rasão, que a construcção do caminho de ferro do sul e sueste, apesar das vicissitudes por que tem passado, apesar de todos os sacrificios a que tivemos de sujeitar-nos, não foi de certo um negocio tão prejudicial para o thesouro como muitos acreditaram, e como eu tambem julgára até hoje que o tinha sido. Foi necessario que eu lesse o relatorio publicado pelo ministerio das obras publicas para convencer-me de que, apesar de todas as transacções realisadas, ora comprando, ora vendendo o caminho e sempre em condições desfavoraveis para o thesouro, ainda assim, o custo real de 322 kilometros de caminho de ferro explorados, não excede a 7.357:000$000 réis approximadamente, isto é, que cada kilometro de caminho de ferro ao sul do Tejo está custando ao thesouro pouco mais de 22:800$000 réis!

Oxalá que todos os mais caminhos de ferro que temos construido nos custassem este preço!

Cada kilometro na actualidade, deduzidas todas as despezas, rende 600$000 réis, isto é, 3 por cento liquidos sobre o capital desembolsado; é pouco, mas no emtanto não é para desanimar.

Sr. presidente, considero que este caminho de ferro é d'aquelles que o governo devo conservar para si. (Apoiados.)

Não é, nem póde ser uma empreza industrial e lucrativa; é instrumento de civilisação que deve ter por fim principal o desenvolver os recursos d'aquella provincia tão extensa, porém tão despovoada ainda, e onde a cultura e a industria estão em tanto atrazo pela falta de braços e de communicações! Precisâmos chamar para o Alemtejo o excesso da nossa população do Minho, precisâmos abrir-lhe caminho e facilitar por todos os meios esta emigração, que deverá concorrer poderosamente para augmentar a riqueza tão desaproveitada d'aquella provincia. Para o conseguir é necessario que a exploração seja feita pelo governo.

Sr. presidente, não me parece tão pouco que as tarifas d'aquelle caminho, que está em circumstancias especiaes, devam ser igualadas ás dos outros caminhos de ferro. Entendo que o governo não deve organisal-as com o intento de tirar lucro algum directo, mas sim deve procurar, baixando as tarifas, facilitando os transportes, levar aquella provincia os braços de que ella necessita e aproveitar a riqueza immensa que ella encerra. (Apoiados.)

Este é o verdadeiro fim que devemos ter em vista na exploração d'este caminho, e persuado-me de que só o governo o póde alcançar; e mais ainda, estou convencido de que adoptando tarifas moderadas, poderemos tirar resultados favoraveis, e tenho para mim, que quanto mais moderadas ellas forem, tanto maiores deverão ser os lucros, alem das vantagens que hão de resultar para o paiz. (Apoiados.)

É uma experiencia a tentar, experiencia que tem sido feita na Belgica e com bom resultado, mas experiencia sempre arriscada que tão sómente póde ser realisada pelos governos, porque estes não têem de attender unicamente ao interesse pecuniario e devem dirigir-se por considerações de outra ordem, emquanto que as emprezas particulares têem impreterivel necessidade de obter rendimento immediato com que possam saldar as despezas e repartir dividendos.

Sr. presidente, são estes os principaes motivos por que voto contra este projecto, e limito aqui as minhas considerações, porque o meu unico fim foi deixar consignada a minha opinião sobre este assumpto, em harmonia com o que tenho já expendido n'outras occasiões, e com os principios que sempre tenho sustentado n'esta casa.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Eu tambem confesso, ou posso dizer simples e claramente, que o projecto, tal qual se apresenta, parece á primeira vista conveniente e até seductor.

Realmente a hypothese de que encontrâmos uma companhia, e provavelmente estrangeira, tão animada de puro amor por este paiz, que vem assegurar ao governo portuguez, pelo menos, o mesmo rendimento que elle aufere das linhas de sul e sueste, e alem d'isso o prolongamento até á fronteira e a construcção do caminho de ferro do Algarve, sem encargo de qualidade alguma para o thesouro, é uma hypothese tão agradavel, que, como disse, póde mesmo parecer seductora.

Mas creio que em todos estes projectos de lei é preciso considerar o que se vê e o que se não vê.

Ora o que se não vê no projecto actual vi-o eu na antiga companhia do caminho de ferro do sul e sueste, viu-o o paiz, e depois de o ver, sentiu-o e pagou-o.

Podem dizer-me que o pagou muito barato; que o adquiriu quasi de graça; que vale muito mais do que custou.

Eu digo a v. ex.ª que estudei esta questão do caminho de ferro do sul e sueste, e que a tratei largamente aqui no primeiro anno em que vim a esta casa, tendo-a estudado com o mesmo cuidado e com a mesma reflexão com que estava

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habituado a examinar e a estudar os processos forenses de que me encarregava.

Foi assim que eu vi provado á evidencia, pelos documentos que me foram fornecidos, sendo para notar que eu mais depressa e com maior promptidão obtivesse diversos documentos dos que aqui representavam interesses estrangeiros, do que do governo portuguez, com o qual aliás eu estava n'essa epocha em excellentes relações; foi assim que vi provado á evidencia que tinhamos todo o direito a ficar com o caminho de ferro, sem pagar á companhia cousa absolutamente nenhuma, e, todavia, pagámos uma somma relativamente elevada.

E comquanto eu folgue de ouvir dizer hoje, tanto ao actual sr. ministro das obras publicas, como ao illustre debutado o sr. Braamcamp, que acham barato o que eu então achei muito caro, eu mantenho a minha opinião e continuo ainda a achar carissimo o que nos custou bastante dinheiro, quando pela simples execução do contrato devia ficar-nos de graça.

A quem soffreu esta decepção, a quem tem experimentado estes habitos ou este systema invariavel e sempre prejudicial de todos os governos portuguezes, não é facil alimentar a illusão sufficiente para acreditar na declaração do nobre ministro das obras publicas, que, todavia, eu sei que a faz de boa fé, quando affirma a esta camara que não tem receio algum das companhias estrangeiras, porque o governo é quem dicta as condições, é quem estipula os contratos, e é quem resolve depois sobre o seu cumprimento ou não cumprimento.

Todas essas condições estavam escriptas no contrato a que me refiro; todas essas faculdades tinha o governo, e o governo, por mais que quizesse lutar, teve de ceder ás condições que lhe quizeram impor, que a final se traduziram em obter por um preço elevado aquillo que tinha incontestavel direito de obter de graça.

A repetição d'estes acontecimentos, que lastimo, é que não quero de fórma alguma preparar; e por isso é que eu digo que uma campanhia, quando pretende uma concessão, promette tudo, obriga-se no contrato a assegurar todas as vantagens para o governo portuguez, mas depois não cumpre nada, e o governo, longe de ter força para a obrigar a cumprir, vê-se obrigado a conceder indemnisações, a pagar por bom preço aquillo mesmo que pelo contrato tem direito de receber sem pagar cousa alguma.

Será a repetição d'estas epochas antigas que o actual projecto, apparentemente seductor, vem preparar de novo para o paiz? Será a renovação d'estas scenas? Será a repetição d'estas indemnisações? Será a resurreição das lutas com uma companhia fallida perante todo o direito, mas que encontrou meios sufficientes para fazer com que o governo portuguez não a podesse levar aos tribunaes, nem ousasse fazer-lhe abrir uma fallencia que estava evidentemente reconhecida e que era declarada pela propria companhia?

Será isto?

É isto o que não se vê, e é isto exactamente o que eu pretendo evitar, porque já uma vez o experimentei, porque já uma vez o senti.

Eu creio que, havendo companhia que queira tomar a si a adjudicação de que se trata, o projecto actual vem demonstrar o que nós ainda ignoravamos, ou pelo menos affirmar vantagens de que ainda não gosâmos; isto é, vem demonstrar que os caminhos de ferro do sul e sueste são susceptiveis de um rendimento muito maior do que têem actualmente, e offerecem muito mais vantagens do que o estado tem auferido até hoje.

Só d’esse modo é que se comprehende que uma companhia pretenda concluir até á fronteira os caminhos de ferro existentes, e construir alem d'isso, quer seja de via estreita, quer seja de via larga, sem subvenção nem auxilio, o caminho de ferro do Algarve.

Se este argumento é exacto, se é certo que da exploração d'estes caminhos de ferro, quando ligados na fronteira com os caminhos de ferro hespanhoes, deve resultar uma receita muito maior do que a que actualmente auferimos; eu creio que seria muito mais prudente e muito mais conveniente levantar sobre o valor das linhas actualmente em exploração as sommas indispensaveis para as concluir até á fronteira: e para o encargo que o governo assim tomava já tinha assegurado o pagamento do juro e amortisação pelo rendimento actual, que tem innegavelmente todas as tendencias para augmentar.

É este o melhor recurso que naturalmente se offerece ao governo, quer seja para terminar o caminho de ferro do sul e sueste, quer para aproveitar a receita que d’elle aufere, a fim de concluir qualquer outro caminho de ferro, cuja conclusão pareça mais vantajosa que a ligação na fronteira hespanhola da actual linha de sul e sueste.

Por mais de uma vez tive occasião de declarar n'esta casa, que considero urgente e indispensavel ligar na fronteira hespanhola todas as linhas ferreas que n'essa direcção temos principiadas.

Só assim ellas poderão prestar o serviço a que se destinam, e dar o rendimento que o paiz tem direito a auferir, e que precisa de realisar como compensação dos encargos que tem soffrido e que oneram muito o nosso orçamento.

A ligação do caminho de ferro do sul e sueste na fronteira hespanhola póde fazer-se rapidamente sem encargo para o estado, ou sem outro encargo que não seja o pagamento de juro e amortisação de qualquer, emprestimo, com o excesso de receita que actualmente se aufere da exploração d'esta linha ferrea.

Entregar as linhas ferreas a uma companhia que nos possa trazer as difficuldades a que já me referi, e que necessariamente nos vem privar, ainda que nos garanta a media da receita actual, de todo o augmento provavel ou antes infallivel que resultará da conclusão d'estas linhas; prescindir de tudo isto para entregar todas as vantagens possiveis á companhia, parece-me mau systema de administração, e parece-me igualmente que nas condições actuaes seria prescindir de um meio de receita de que o estado precisa.

Não sendo, como não sou, de fórma alguma adverso ao caminho de ferro do Algarve, é minha opinião que quando elle se construa deve ser de via reduzida, porque não julgo que este caminho tenha a mesma importancia perante o paiz que tem a conclusão e ligação na fronteira dos caminhos de ferro de primeira ordem.

A linha do Algarve é secundaria, e posto que seja muito importante, não póde ter comparação possivel com a necessidade nem com a conveniencia da conclusão das linhas do sul e sueste e do Douro até se ligarem nas linhas de Hespanha.

A conclusão de todas estas linhas considero eu não só do vantagens economicas, mas de urgencia financeira, porque alliviam o orçamento, diminuindo os encargos que n'elle representam.

A linha do Algarve será tambem de grande vantagem não só para aquella provincia, mas tambem para a exploração das linhas que o governo actualmente explora e que com o meu voto não entregará a companhia alguma.

Por esta occasião, e sómente de passagem, seja-me licito insistir nas idéas apresentadas pelo meu amigo o sr. Pinheiro Chagas, que me parece não foram perfeitamente comprehendidas, apesar de s. ex.ª para mim as ter exposto com toda a clareza possivel.

Eu não poderei de certo conseguir tornar mais claro aquillo que foi tambem exposto por aquelle meu collega; no emtanto, como adopto e faço minhas parte das observações apresentadas por s. ex.ª, devo dizer que effectivamente, no caso de passar este projecto, que não passará com o meu voto, as condições da praça não podem rasoavelmente ser as mesmas que seriam na occasião em que o projecto foi apresentado.

É claro que se o governo ficar auctorisado a conceder a linha ferrea, usará da auctorisação, logo que o rendimento

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medio obtido nos ultimos annos, lhe seja garantido; e não digo que o faça o governo actual, porque vivemos em um paiz onde ninguem sabe qual será o governo ámanhã, e onde não podemos saber nem conjecturar pelo governo de hoje, qual será o governo seguinte.

(Interrupção do sr. ministro das obras publicas.)

Exactamente ao nobre ministro das obras publicas, que teve a bondade de se dirigir agora a mim, é que eu devo recordar, que ainda no anno passado, fazendo s. ex.ª parte do ministerio, que tinha uma maioria enorme, n'esta e na outra casa do parlamento, de um dia para o outro desappareceu o governo, n'um momento, sem motivo nem pretexto plausivel, qual sombra em lanterna magica.

A experiencia deve ser a mestra da vida, e pelo passado devemos regular, não a certeza, mas a probabilidade do futuro.

Eu nunca poderia votar uma lei d'esta ordem, por confiança pessoal no sr. ministro das obras publicas, no qual muito confio, a ponto de dizer que ninguem confiará mais do que eu, simplesmente por ignorar que ministro executaria ámanhã a lei que eu hoje votasse, porque no paiz em que vivemos e como systema que temos explorado até hoje, falso e contrario aos principios da lei fundamental do estado, nunca temos a certeza nem a probabilidade de qual será o governo de ámanhã, ainda que não haja indicação alguma para que desappareça o gabinete que preside aos destinos da nação.

Portanto, ficando a lei como se acha, qualquer governo póde fazer a adjudicação, no uso da auctorisação que lhe é concedida, logo que uma companhia lhe garanta a media do rendimento dos ultimos annos, e é absolutamente inquestionavel que a companhia que hoje contratar encontra muito mais adiantados os trabalhos do que encontraria se contratasse na epocha em que foi elaborado o projecto que se discute.

É inquestionavel tambem que a companhia que construir a linha ferrea do Algarve de via reduzida em vez de via larga, terá de fazer uma despeza muito menor do que faria se acaso fizesse o contraio na occasião em que se elaborou este projecto.

Ha mais linhas construidas, ha obras de arte importantes concluidas já no caminho do sul e sueste; a companhia não tem a fazer estas despezas hoje, como tinha quando este projecto foi apresentado.

Para o Algarve, em vez de caminho de via larga, vamos votar a via reduzida.

Os encargos de qualquer companhia ficam importantemente reduzidos por ambas estas circumstancias.

Se isto é innegavel, é innegavel tambem que a compensação para o estado, ou a annuidade que serve de base á licitação, não póde deixar de ser actualmente superior aquella que se mencionava na occasião em que se elaborou o projecto que discutimos.

Tenho dito.

O sr. Sousa Lobo: — Sr. presidente, este projecto de lei fundamenta-se no seu relatorio em tres vantagens, tendo apenas contra si poderem ser convertidas em tres inconvenientes.

Mencional-as-hei, lendo-as no relatorio e pela sua ordem.

A primeira vantagem é: — A construcção do caminho de ferro do Algarve, e ainda dos prolongamentos da actual linha, do sueste sem nenhum dispendio para o thesouro.

É effectivamente excellente poder fazer-se uma linha sem despeza para o thesouro. Sómente em vez do dinheiro que não se dá, dá-se uma joia talvez de maior valor. Em logar de se entregarem alguns milhares de contos, entrega-se uma grande propriedade nacional, que vale talvez muito mais que o dinheiro que se poupa da subvenção.

A segunda vantagem é: — A garantia do integral do producto liquido actual da mesma linha, que até aqui era em grande parte absorvido nas obras de construcção para aperfeiçoar e completar a parte constuida.

É effectivamente vantajoso que o governo, obtendo um caminho de ferro, possa ao mesmo tempo conservar o producto liquido que esse caminho de ferro lhe está dando. Resta saber se o governo não faria um negocio muito melhor, não alienando o caminho e lucrando o producto liquido, não como elle é hoje, mas como elle será, quando n'um futuro proximo se achar talvez triplicado ou quadruplicado.

A terceira vantagem é: — Um interesse effectivo no futuro desenvolvimento da exploração de toda a rede, que a todos se affigura prometedor de uma receita importante, quando este poderoso instrumento de civilisação, tiver fomentado o aproveitamento das riquezas agricolas e mineraes, de que as provincias do Alemtejo e Algarve se mostram susceptiveis.

É effectivamente muito bom receber esta quota parte; mas não seria melhor receber tudo?

N'estas alternativas, o que sei eu do assumpto que nos occupa? Que hei de pensar a tal respeito? Ha vantagens ou não ha vantagens na alienação do caminho de ferro? As condições que o projecto apresenta são vantajosas ou desvantajosas?

Para eu estar habilitado a fazer um juizo seguro sobre a materia era necessario ter conhecimento em primeiro logar do que vale o caminho de ferro do sul e sueste, que o governo tem actualmente nas suas mãos; em segundo logar ter conhecimento de quanto custaria por conta do estado a construcção para o acabamento das partes que lhe faltam; e em terceiro logar ter conhecimento dos seus rendimentos passados, presentes e, até onde possam ir as presumpções, futuros.

Era-me indispensavel saber tudo isto; era-me indispensavel ter diante dos olhos todos os calculos com relação a este caminho de ferro. O governo não trouxe, porém, sobre o assumpto esclarecimentos alguns á camara! esclarecimentos que depois, desenvolvidos e fecundados pelo estudo da competente commissão d'esta casa, nos viessem habilitar para votarmos com a sciencia, sem a qual o voto não tem valor nem póde ter significação.

Effectivamente o projecto não só não vem convenientemente elucidado, mas nem sequer o acompanham as mais superficiaes explicações! Não sáe da região das generalidades banaes, que eu ha pouco li á camara, e com as quaes é impossivel, absolutamente impossivel formar uma opinião!

Pelo menos, eu, voto ás escuras; e não sou só eu, creio que toda a camara vota tambem ás escuras, por isso que o projecto vem desacompanhado dos esclarecimentos necessarios.

Sr. presidente, ha muito que é costume do governo considerar, ainda nos assumptos de maior gravidade, o parlamento como uma especie de chancella: apresentam-se-lhe as medidas destituidas de esclarecimentos e diz-se-lhe — votae.

Um argumento, comtudo, se poderia produzir por parte do governo para justificar, no caso actual, tão absoluta carencia; e é que o caminho ha de ser adjudicado por concurso e que o concurso necessariamente dará em resultado, em virtude da luta entre os concorrentes, que as propostas as mais vantajosas hão de apparecer, para d'ellas a melhor ser escolhida.

Este principio que seria verdadeiro em economia politica theorica, falha na economia politica applicada.

Ainda não ha muito tempo que em relação ao caminho de ferro da Beira Alta se deu este resultado.

No primeiro concurso apresentou-se uma unica proposta que se julgou inacceitavel; poz-se novamente o caminho a concurso e apresentou-se outra proposta tambem unica e ainda peior que a antecedente.

Com referencia á linha de que trata o projecto em discussão póde acontecer a mesma cousa, e principalmente desde que se estabelece a condição de que o governo e obrigado a fazer a adjudicação a quem offerecer o minimo da annuidade que o projecto de lei marca. E que o proje-

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cto de lei impõe ao governo esta obrigação, resulta claramente da leitura do seu artigo 2.°, o qual, se não impozesse tal obrigação, não teria interpretação possivel.

E as idéas ácerca d'este minimo de quem são? São acaso do governo? Insinua o relatorio do governo que são idéas de alguem que lhe fez propostas para a adjudicação: isto é idéas de uma companhia interesseira, de uma companhia que calculou todos os seus lucros, e que para ganhar com segurança apresentou ao governo as bases que este sem hesitar lhe adoptou!

Eu desejava muito que o governo nos dissesse ao menos que companhia é essa; porque talvez a respeitabilidade dos seus membros, a seriedade dos proponentes me satisfizessem até certo ponto. Ouvi dizer que a companhia que provavelmente tomava conta d'esta linha é a celebre companhia de ferro de Cacilhas! Essa companhia começou por pedir uma via reduzida para dar banhos do mar em Cezimbra; depois pediu a transformação da linha em via larga; depois obteve a concessão da verdadeira testa de linha em Cacilhas do caminho de ferro do sul e sueste; e agora, desvendando a parte derradeira dos seus planos, vem, conscia da boa vontade do governo, procurar obter por um preço, de certo vil, um dos mais importantes caminhos de ferro que pertencem as estado! Mas seja ou não essa companhia em todo o caso, a questão não está definida; e só com as bases com que se apresenta a proposta do governo esta não deve ser approvada pela camara.

Acerca do concurso nada mais direi, senão que me parece que é necessario adoptar pelo menos mais garantias contra os concorrentes; e tomar providencias muito serias antes de se habilitar o governo a conceder a acquisição das linhas, de que se trata, o que não são do governo mas do paiz.

Na proposta de lei, que aqui veiu a este respeito na sessão legislativa de 1855, havia um praso de noventa dias para o concurso. Porque passa este praso na proposta actual para quarenta dias?

Eu peço ao governo que mantenha o praso anterior dos noventa dias, que estabelece claramente muito mais probabilidades para haver maior numero de concorrentes. Nem isto quererá o governo fazer a bem da causa publica? Quererá entregar por força este caminho de ferro á companhia, tão famigerada, de Cacilhas?

Concluindo, referir-me-hei a uma alteração introduzida aqui no projecto á ultima hora, e acceita pelo governo. É a substituição da via estreita á via larga.

Parece-me que esta alteração influe no contrato debaixo de importantes pontos de vista.

Não é possivel dar-se a uma companhia nas mesmas condições a construcção de um caminho de ferro de via larga e de um caminho de ferro de via estreita. Acceita a substituição da via estreita á via larga, o governo tem necessidade de avocar novamente este projecto de lei; e de estabelecer n'elle condições mais favoraveis para o estado e mais duras para os concorrentes.

Em todo o caso parece-me que a alteração para via reduzida tem os mais graves inconvenientes n'um caminho de ferro d'esta importancia.

Este caminho de ferro não é puramente districtal, é um caminho de ferro internacional; está destinado a ligar não só Portugal com a Hespanha pela Andaluzia; mas tambem a nossa patria com o mundo pelas vastidões do oceano, ás quaes esta linha ferrea se unirá no litoral do Algarve.

Não me parece que n'estas condições seja bastante um caminho de ferro de via reduzida.

Alem d'este inconveniente mencionarei outro. O caminho já construido e com o qual se ligará o caminho a construir, está feito com via larga; e é evidente que as baldeações, inevitaveis da via larga para a via estreita, diminuem a velocidade do percurso, augmentão as despezas de transporte e são prejudicialissimas ao commercio.

Finaliso aqui as minhas observações, e muito desejarei que o sr. ministro das obras publicas, que tem estado presente, possa responder aos srs. deputados que me precederam e que têem impugnado o projecto com tanto vigor e tão justamente; e que tambem lhes possa responder o illustre relator da commissão. Que sustentem ao menos a proposta do governo os que tem cargo e obrigação de o fazer, já que mais ninguem se atreve a sustental-a contra tantos e tão distinctos oradores.

O sr. A. J. Teixeira: — Sr. presidente, poucas palavras tenho a dizer em defeza do projecto, que realmente não é em principio atacado: até mesmo posso affirmar que na generalidade não foi combatido.

E a respeito do artigo que está em discussão fizeram-se apenas ligeiras observações que eu passo a analysar.

Em primeiro logar, o sr. Pinheiro Chagas, que hoje illustrou esta discussão, achando vagas as disposições do projecto, julgou que d'ellas resultaria diminuição da receita do estado; principalmente desde que se construissem os prolongamentos para a fronteira, e para a linha de leste, ligando-se a rede do sul com a do norte, e concluindo-se portanto a viação accelerada ao sul do Tejo.

Mas, sr. presidente, o paiz continua auferindo o rendimento actual d'estes caminhos de ferro; e por consequencia não ha diminuição de receita.

Talvez s. ex.ª fallasse em diminuição de receita querendo dizer, que o governo deixava de receber o excesso do rendimento actual dos caminhos de ferro do sul e sueste, sobre o que haveria quando a linha estivesse completa. E effectivamente assim acontecerá.

Mas é preciso que s. ex.ª note, que os caminhos de ferro com alguns meios se hão de fazer.

Era muito bom que o estado podesse ficar com o rendimento dos caminhos de ferro do sul e sueste, não sómente o actual, mas o que no futuro accrescer, e podesse ao mesmo tempo construir o que falta n'aquellas linhas, que é ao todo a extensão de 233 kilometros; mas este desideratum é evidentemente impossivel.

No relatorio do sr. Barros e Cunha disse o illustre deputado, o sr. Anselmo Braamcamp, que se calcula o custo de cada kilometro, construido nas linhas do sul e sueste, em 22:800$000 réis.

Acceitando este numero, que todavia se me afigura bem mais elevado, supponhamos que se concedia uma subvenção de metade desta quantia, que é o que ordinariamente se dá ás companhias constructoras, isto é 11:400$000 réis.

Applicada esta somma aos 233 kilometros temos réis 2.656:200$000, o que dava a juro de 7 por cento um encargo annual de 185:934$000 réis.

Ora, o rendimento liquido dos caminhos de ferro do sul e sueste foi em 1873, na importancia de 167 contos; em 1874, na de 163 contos; em 1875, na de 159 contos, e em 1876, na de 155 contos.

O imposto do transito foi de 15 a 16 contos de réis em cada anno.

Portanto, se houvesse companhia que se prestasse á exploração por noventa e nove annos, e á construcção do caminho de ferro do Algarve, e dos prolongamentos das linhas de sul e sueste, com aquelle subsidio, e sem lhe concederem a rede do Alemtejo até hoje construida, o que julgo absolutamente impossivel, ainda assim a subvenção importava em mais do que o rendimento liquido actual d'esta rede, o qual pelo projecto em discussão o estado continua a receber.

Se fizessemos o calculo em relação ao custo kilometrico supposto de 22:800$000 réis, elevar-se-ía o capital necessario para a construcção dos 233 kilometros que resta construir n'aquellas regiões, ao dobro da mencionada importancia; isto é, a 5.312:400$000 réis, e o juro a 7 por cento seria tambem de 371:868$000 réis.

De maneira que, para, completar a construcção da rede do Alemtejo e do Algarve, seria necessario inscrever no or-

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çamento do estado esta quantia que, diminuido o rendimento actual d'estas linhas, ficava ainda assim reduzida a 215 contos proximamente.

E pelo projecto em discussão completa-se a rede, e continua o thesouro a arrecadar o rendimento liquido das linhas; isto é, pouco mais ou menos 150 contos de réis.

Estas considerações servem tambem de resposta ao illustre deputado, o sr. visconde de Moreira de Rey, quando disso que, em vez de se alienar o caminho de ferro do sul e sueste, preferia que se levantasse um emprestimo para a sua construcção por conta do estado, inscrevendo-se no orçamento a verba necessaria para esse fim. Mas esta verba, ao juro usual de 7 por cento, não podia ser inferior a 215 contos, como já disse.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Para se construir o caminho até á fronteira, não se gastava tanto, e o rendimento havia de ser muito superior ao actual.

O Orador: — Estando construido até á fronteira, dava de certo um resultado superior ao que dá actualmente; mas ainda assim inferior ao que daria se estivesse completa a linha do Algarve. (Apoiados.) E esta provincia tem direito a sei ligada, com a capital, e com o resto do paiz, pela viação accelerada.

Sr. presidente, note v. ex.ª tambem que ha dois prolongamentos, um para a linha de leste em extensão de 54 kilometros, e outro para a fronteira na extensão de 36; e tanto um como outro são essenciaes. (Apoiados.)

E cabo aqui tornar bem patente um facto muito conhecido. Não ha duvida que do augmento da extensão de um caminho de ferro deve resultar em regra augmento de producto kilometrico; mas o coefficiente da percentagem não é elevado, e gasta bastante tempo a formar-se. Do rendimento da rede do sul e sueste nos annos de 1873 a 1876, vê-se que o producto bruto kilometrico foi crescendo desde 374 contos, 392, 394 até 425 contos, ao passo que se foram abrindo novas secções; mas nos primeiros mezes da abertura d'ellas, o producto diminuiu, como acontece em todos os caminhos de ferro; e o producto liquido, em vez de augmentar, decresceu n'esses mesmos annos, desde 167 contos em 1873, 163 em 1874, 159 em 1875, até 155 contos em 1876; o que foi devido ao augmento de despezas de exploração e conservação, com a compra de novo material circulante, renovação de material fixo, etc. Em todas as linhas do paiz, o coefficiente do augmento annual do producto bruto kilometrico, ha quatro annos, era pouco mais ou menos 4,5 por cento, e no anno de 1877 desceu alguma cousa.

Portanto, ainda que eu estou plenamente convencido, que, ligados os caminhos de ferro do sul e sueste com a fronteira hespanhola, com a rede do norte do paiz, e com a provincia do Algarve, o rendimento d'aquellas linhas ha de crescer infallivelmente, creio da mesma maneira, que o augmento ha de ser demorado; e as nossas circumstancias financeiras não permittem aggravar agora os encargos orçamentaes com a esperança de vantagens, cuja realisação virá muito distante.

O caminho de ferro do Algarve poderia ser n'outras circumstancias uma linha internacional, como ha pouco disse o meu particular amigo, o sr. Sousa Lobo; mas actualmente não o é.

O caminho internacional é o de Serpa á fronteira.

Portanto, essa circumstancia não póde ser argumento contra a via reduzida, que aliás prefere outro illustre impugnador do projecto.

No systema de via larga ha vantagens e ha inconvenientes, assim como tambem os ha no systema de via reduzida. E não querendo a commissão tomar sobre si a responsabilidade, de deixar de se construir este importante troço dos caminhos de ferro portuguezes, tenho a honra de declarar em seu nome, que ella acceita a emenda, mandada para a mesa pelo illustre deputado, o sr. Osorio de Vasconcellos, podendo ser a adjudicação, ou para via larga, ou para via estreita, e estabelecendo-se n'essa conformidade, a alternativa das condições technicas.

Não me assaltam os receios, que alguns illustres deputados manifestaram, com relação ao valor variavel e superior d'este caminho, desde 1876 até hoje. Tendo sido o seu rendimento liquido em 1873 de 167 contos de réis, a camara viu que em 1876 foi apenas de 155, não obstante o augmento da extensão construida. E, se apparecerem companhias, que licitem n'elle, apesar da profecia do illustre deputado, o sr. Braamcamp, que reputa o projecto inutil, por ser excessivamente favoravel ao paiz, a praça corrigirá a differença de valor apontada.

A questão consiste em saber, se por ventura um contrato nos termos do projecto seria bom ou mau para o paiz e n'este ponto é insuspeita a opinião auctorisada e conscienciosa do illustre chefe da opposição.

Mas s. ex.ª, o sr. Braamcamp, disse ainda que desejava o governo reservasse para si a exploração d'este caminho, concluindo a construcção d'elle, já se vê; e eu creio que o governo o desejaria igualmente; mas entendo tambem, que n'um paiz como o nosso, aonde falta pelo menos concluir as linhas ferreas do Minho e Douro, e construir as da Beira Baixa e da Beira Alta, e aonde os recursos financeiros não abundam, o complemento da rede do sul e sueste não se póde fazer desde já senão por empreza particular. (Apoiados.)

Infelizmente o paiz não é bastante rico para construir umas poucas de linhas ferreas simultaneamente, ou em seguida umas ás outras; e mais vale empregar a adjudicação, para se ir completando a nossa rede dos caminhos de ferro, levantar agora uns á custa dos outros, e effectuar operações financeiras com estes, para occorrer á abertura d'aquelles, porque mais vantagens nos traz um prompto e rapido augmento de viação accelerada, que a demora forçada em adquirir estes poderosos instrumentos da civilisação, só quando a abundancia dos recursos permittisse a construcção por conta do estado. (Apoiados.)

O illustre deputado, o sr. Braamcamp, desejava a rede do Alemtejo em poder do governo, para que este, que não é explorador por lucro, podesse abaixar as tarifas, com o que até augmentaria o rendimento d'aquellas linhas; mas s. ex.ª por uma d'estas contradições, que não têem facil explicação, receiava que as companhias que ficassem com o caminho augmentassem as tarifas só com a mira nos lucros immediatos, o que seria prejudicial para o paiz. Mas, sr. presidente, se o rebaixamento das tarifas produziria vantagens, é claro, e bem o vê o illustre deputado que esta circumstancia não esqueceria ás companhias. As tarifas seriam tambem diminuidas, quando d'ahi lhes resultassem maiores lucros.

Sr. presidente, a camara está perfeitamente elucidada a respeito d'este assumpto; e não desejando cançar mais a sua attenção, concluo aqui as minhas observações.

Não havendo mais oradores inscriptos foi o artigo posto á votação e approvado.

O sr. Presidente: — O artigo 1.°, votado ha pouco, foi sem prejuizo da resolução que a commissão tomasse sobre a proposta do sr. Osorio de Vasconcellos, apresentada ao mesmo artigo.

Pela declaração que acaba de fazer o sr. relator da commissão, esta está do accordo com a proposta, o governo tambem, e por isso vae ler-se para se votar.

Leu-se na mesa a proposta e foi approvada.

Artigo 3.°, approvado.

O sr. Lopo Vaz: — Por parte da commissão de fazenda mando para a mesa o parecer da mesma commissão sobre a proposta do governo, que tem por fim abolir o imposto de 60 réis em cada litro de vinho introduzido pelas barreiras de Lisboa, substituindo-o por 2 por cento ad valorem o direito do vinho introduzido por todos os portos seccos e molhados.

Por parte das commissões reunidas de fazenda e admi-

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nistração publica mando tambem para a mesa o parecer sobre a proposta do governo approvando o contrato feito entre a camara municipal de Belem e o cidadão Jacinto Augusto de Freitos e Oliveira, para a construcção de um mercado n'aquella localidade.

O sr. Jeronymo Pimentel: — Por parte da commissão de administração publica mando para a mesa o parecer da mesma sobre a proposta do governo que auctorisa a camara municipal de Ponta Delgada a celebrar um contrato de illuminação a gaz n'aquella cidade.

Continuando a discussão do projecto foram successivamente approvados os artigos 4.°, 5.°, 6°, 7.°, 8,°, 9.° e 10.º

Entrou em discussão o projecto de lei n.º 39.

E o seguinte:

Projecto de lei n.º 39

Senhores. — A vossa commissão de fazenda examinou o projecto de lei n.º 10-A, apresentado a esta camara pelo illustre deputado por Tavira, o sr. Antonio Maria Pereira Carrilho, e tendente a alterar algumas disposições do decreto com força de lei de 8 de abril de 1869.

Em conformidade com o artigo 38.° da carta constitucional, tem esta camara de taxar, agora que está no fim da ultima sessão da legislatura, o subsidio pecuniario que na legislatura seguinte hão de vencer os deputados da nação. Para satisfazer este preceito parece á vossa commissão, que é adequado o referido projecto de lei, com as disposições do qual concorda plenamente, e de accordo com o governo entende que deve ser convertido no seguinte

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° É fixado em 260$000 réis mensaes o subsidio que deverá vencer o presidente da camara dos deputados da nação, durante as sessões das côrtes geraes.

Art. 2.° É fixado em 100$000 réis mensaes o subsidio que deverá vencer cada deputado da nação, durante as sessões das côrtes geraes.

Art. 3.° Quando se verifique dever conceder-se subsidio por um praso inferior a um mez de duração das sessões das côrtes geraes, será abonado ao presidente da camara dos deputados da nação o subsidio diario de 8$666 réis, e a cada um deputado o subsidio de 3$333 réis.

Art. 4.° Cessa o subsidio aos deputados nos casos previstos no artigo 3.° da lei de 25 de abril de 1845.

Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da commissão, em 23 de março de 1878. = J. Dias Ferreira = José Maria dos Santos = A. C. Ferreira de Mesquita = Custodio José Vieira = Joaquim de Matos Correia = Illidio do Valle = Visconde de Guedes Teixeira = Lopo Vaz de Sampaio e Mello = Antonio M. P. Carrilho = Antonio José Teixeira, relator.

N.° 10-A

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.º É fixado em 260$000 réis mensaes o subsidio que deverá vencer o presidente da camara dos deputados da nação, durante as sessões das côrtes geraes.

Art. 2.º É fixado em 100$000 réis mensaes o subsidio que deverá vencer cada deputado da nação, durante as sessões das côrtes geraes.

Art. 3.° Quando se verifique dever conceder-se subsidio por um praso inferior a um mez de duração das sessões das côrtes geraes, será abonado ao presidente da camara dos deputados da nação o subsidio diario de 8$666 réis, e a cada um deputado o subsidio de 3$333 réis.

Art. 4.° Cessa o subsidio aos deputados nos casos previstos no artigo 3.° da lei de 25 de abril de 1845.

Art. 5.º Fica revogada a legislação em contrario.

Em 19 de fevereiro de 1878. = Antonio M. P. Carrilho.

Foi approvado na generalidade.

Passando-se á especialidade foram approvados sem discussão os artigos 1.°, 2.°, 3.º e 4.°

Artigo 5.°

O sr. A. J. Teixeira: — Por parte da commissão, mando para a mesa o seguinte additamento ao artigo em discussão.

Mando para a mesa um additamento propondo que no final do artigo se diga:

«Fica d'este modo alterado o decreto com força de lei de 8 de abril de 169, e revogada a legislação em contrario.»

Posto á votação o artigo com o additamento proposto, foi approvado.

Entrou em discussão o projecto n.º 32.

É o seguinte:

Projecto de lei n.º 32

Senhores. — Ás vossas commissões de guerra e fazenda reunidas foram presentes as propostas do governo n.ºs 2-MM, 2-OO e 2-QQ, e tendo-as examinado com todo o cuidado, foram de parecer que as ditas propostas sejam convertidas no seguinte

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° É auctorisado o governo a despender até á somma de 680:000$000 réis, destinada á compra de armamentos e material de guerra para o exercito.

Art. 2.° O governo applicará a esta despeza os fundos provenientes das leis do recrutamento, podendo realisar as sommas que faltarem para complemento da despeza, até 600:000$000 réis, pelos meios que julgar mais convenientes.

Art. 3.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer d’esta auctorisação.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das commissões, aos 23 de março de 1878. = José Dias Ferreira = Custodio José Vieira = Visconde da Azarujinha = Lopo Vaz de Sampaio e Mello = A. C. Ferreira de Mesquita = José Maria dos Santos = Joaquim de Matos Correia = A. J. de Seixas = José Maria de Moraes Rego = Placido de Abreu = Antonio José d'Avila = José Joaquim Namorado João Maria de Magalhães = Miguel Maximo da Cunha Monteiro = Antonio Manuel da Cunha Belem = D. Luiz da Camara Leme = Visconde de Villa Nova da Rainha José Frederico Pereira da Costa = Antonio M. P. Carrilho, relator.

N.° 2-MM

PROPOSTA DE LEI

Artigo 1.° É o governo auctorisado a despender com a continuação da compra de material de guerra e despezas correlativas a quantia de 80:000$000 réis.

Art. 2.º É igualmente auctorisado o governo a applicar á despeza de que trata o artigo antecedente os fundos provenientes da execução das leis do recrutamento, á medida que forem dando entrada no cofre do ministerio da fazenda, até perfazerem a mencionada quantia.

Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da guerra, em 18 de janeiro de 1878. = Antonio Florencio de Sousa Pinto.

N.° 2-OO

PROPOSTA DE LEI

Artigo 1.° É o governo auctorisado a despender com a acquisição de 24 peças de campanha, systema Krupp, e material respectivo, a quantia de 90:000$000 réis.

Art. 2.° É igualmente auctorisado o governo a realisar esta somma pela fórma que julgar mais conveniente.

Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da guerra, em 18 de janeiro de 1878. = Antonio Florencio de Sousa Pinto.

N.º 2-QQ

PROPOSTA DE LEI

Artigo 1.° É o governo auctorisado a despender com a compra de 37:000 armas Martini Henri, ou de outro melhor systema, a quantia de 600:000$000 réis.

Art. 2.° É igualmente auctorisado o governo a realisar esta quantia pela fórma que julgar mais conveniente.

Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

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Secretaria d’estado dos negocios da guerra, em 18 de janeiro de 1878. = Antonio Florencio de Sousa Pinto.

O sr. Luciano de Castro: —...(O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado neste logar.)

O sr. Secretario (Mouta e Vasconcellos): — A commissão de redacção não fez alteração nenhuma ao projecto de lei n.º 39, que vae ser expedido para a outra camara.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que estava dada, e mais os projectos n.ºs 31, 34, 36, 41, 42 e o projecto n.º 79 de 1877.

Está levantada a sessão.

Eram cinco e meia horas da tarde.

N.° 58-A

Senhores. — A vossa commissão de guerra, tendo examinado o requerimento em que o general de brigada, conde do Bomfim, pede que seja melhorada a sua reforma no posto de general de divisão;

Verificando que, pela ordem do exercito n.º 8 de 28 de fevereiro de 1872, foi classificada a reforma do supplicante como se houvesse sido promovido ao posto de alferes em 29 de setembro de 1832;

Observando, em vista dos documentos exhibidos, que o supplicante já em 9 de julho de 1828 havia sido despachado alferes do batalhão de voluntarios de D. Pedro IV na ilha da Madeira;

Considerando que a carta de lei de 13 de março de 1845 manda contar como feito na primeira linha o tempo de serviço que os officiaes e praças de pret houverem feito nos corpos nacionaes de qualquer denominação;

Estando de accordo com o supremo tribunal de justiça, o qual considera o supplicante com direito a ser-lhe contado como tempo de serviço militar aquelle em que serviu no batalhão de voluntarios de D. Pedro IV;

E notando que a lei de 6 de julho de 1812 só se oppõe aos melhoramentos de reforma, quando esta for concedida em remuneração de todos os serviços passados:

É de parecer que nas attribuições do poder executivo cabe o deferimento d'esta pretensão.

Sala da commissão, em 30 de março de 1878. = Placido de Abreu = José Frederico Pereira, da Costa = D. Luiz da Camara Leme = João Maria de Magalhães = Miguel Maximo da Cunha Monteiro = Antonio José d'Avila = Visconde de Villa Nova da Rainha = A. M. da Cunha Belem = José Joaquim Namorado, relator.

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