O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 883

SESSÃO DE 24 DE MARÇO DE 1885

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os exmos. Srs.

Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos
Augusto Cesar ferreira de Mesquita

SUMMARIO

Dá-se conta de um officio do ministerio da guerra enviando exemplares das contas de gerencia e de exercício daquelle ministério, e de outro do ministerio da marinha em satisfação a um requerimento do sr. Antonio Centeno. - Tiveram segunda leitura dois projectos de lei do sr. Costa Pinto, e um dos srs. Francisco Beirão e João Ribeiro dos Santos, uma nota de renovação de iniciativa do sr. Scarnichia, outra do sr. João Augusto Teixeira, e outra do sr. visconde do Rio Sado, com referencia a diferentes projectos de lei. - Apresentam representações os srs. José Borges e Antonio Candido. - Apresenta o sr. Wenceslau de Lima um projecto de lei, assignado tambem pelos srs. Albino Montenegro e Correia Barata, que foi declarado urgente e teve por isso segunda leitura. - Apresenta o sr. Medeiros uma nota de interpellação ao sr. ministro das obras publicas. - Faz o sr. J. J. Alves algumas reflexões tendentes a melhorar o futuro dos empregados do hospital de S. José. - Justificam faltas os srs. Vieira das Neves, visconde de Balsemão, Mariano de Carvalho, Ernesto Pinto Basto, Ferreira de Figueiredo, Lourenço Malheiro, Adolpho Pimentel e João Antonio Pinto. - Mandam declarações de voto os srs. Adriano Cavalheiro, Franco Frazão e E. Pinto Basto. - Foi admittida a moção de ordem do sr. Cypriano Jardim, apresentada na sessão anterior.
Na ordem do dia continua a discussão, na especialidade, do projecto de lei n.° 10 (bill de indemnidade). - Usa da palavra o sr. Ferreira de Almeida, que apresenta uma moção de ordem. - Julga-se, discutida a materia do artigo 1.°, e seguidamente foi este approvado, retirando as suas moções os srs. Cypriano Jardim e Ferreira de Almeida. - Sobre o artigo 2.° fallam os srs. Thomás Bastos e Avellar Machado, que fica com a palavra reservada para a sessão seguinte. - E approvada uma proposta enviada pelo sr. ministro das obras publicas, para que o sr. Guilhermino de Barros possa, querendo, accumular as funcções legislativas com as que * exerce na direcção geral dos correios, telegraphos e pharoes.

Abertura - Ás tres horas da tarde.

Presentes á chamada - 64 srs. deputados.

São os seguintes: - Lopes Vieira, Agostinho Lucio, Albino Montenegro, A. da Rocha Peixoto, Silva Cardoso, Pereira Corte Real, A. J. d'Avila, Pereira Borges, Cunha Bellem, Santos Viegas, Pinto de Magalhães, Augusto J . Poppe, Ferreira de Mesquita, Neves Carneiro, Avelino Calixto, Barão de Viamonte, Bernardino Machado, Sanches de Castro, Carlos Roma da Bocage, Conde de Thomar, Cypriano Jardim, E. Coelho, Elvino de Brito, Sousa Pinto Basto, Fernando Geraldes, Correia Barata, Mouta e Vasconcellos, Francisco de Campos, Mártens Ferrão, Barros Gomes, Franco Frazão, Augusto Teixeira, Franco Castello Branco, João Arroyo, Sousa Machadom, Joaquim de Sequeira, J. J. Alves, Simões Ferreira, Avellar Machado, Ferreira de Almeida, José Borges, Elias Garcia, José Frederico, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, Ferreira Freire, Oliveira Peixoto, Simões Dias, Bivar, Luiz Dias, Manuel de Medeiros, M. J. Vieira, Aralla e Costa, Mariano de Carvalho, Guimarães Camões, Miguel Tudella, Gonçalves de Freitas, Rodrigo Pequito, Sebastião Centeno, Visconde de Balsemão, Visconde das Laranjeiras, Visconde de Reguengos, Wenceslau de Lima e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adriano Cavalheiro, Garcia de Lima, Anselmo Braamcamp, Alfredo Barjona de Freitas, Sousa e Silva, Antonio Candido, Antonio Centeno, A. J. da Fonseca, Lopes Navarro, Jalles, Carrilho, Sousa Pavão, Almeida Pinheiro, A. Hintze Ribeiro, Urbano de Castro, Pereira Leite, Barão de Ramalho, Lobo d'Avila, Conde de Villa Real, Emygdio Navarro, Goes Pinto, Estevão de Oliveira, Firmino Lopes, Vieira das Neves, Francisco Beirão, Castro Mattoso, Wan-zeller, Guilherme de Abreu, Guilhermino de Barros, Matos de Mendia, Costa Pinto, J. C. Valente, Scarnichia, Souto Rodrigues, Ferrão de Castello Branco, -J. Alves Matheus, Ponces de Carvalho, Coelho de Carvalho, Correia de Barros, Azevedo Castello Branco, Laranjo, Lobo Lamare, José Luciano, Júlio de Vilhena, Lopo Vaz, Luciano Cordeiro, Reis Torgal, Luiz Osório, Manuel d'Assumpção, Correia de Oliveira, M. P. Guedes, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Miguel Dantas, Santos Diniz, Pedro Roberto, Pereira Bastos, Tito de Carvalho, Vicente Pinheiro e Visconde de Ariz.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Agostinho Fevereiro, Moraes Carvalho, Torres Carneiro, Garcia Lobo, Antonio Ennes, Fontes Ganhado, Moraes Machado, A. M. Pedroso, Seguier, Augusto Barjona de Freitas, Fuschini, Caetano de Carvalho, Conde da Praia da Victoria, Ribeiro Cabral, E. Hintze Ribeiro, Filippe de Carvalho, Frederico Arouca, Sant'Anna e Vasconcellos, Silveira da Motta, Baima de Bastos, J. A. Pinto, Melicio, Teixeira de Vasconcellos, Ribeiro dos Santos, J. A. Nevea, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, Dias Ferreira, J. M. dos Santos, Pinto de Mascarenhas, Lourenço Malheiro, Luiz de Lencastre, Luiz Ferreira, Luiz Jardim, M. da Rocha Peixoto, Martinho Montenegro, Pedro de Carvalho, Pedro Correia, Pedro Franco, Dantas Baracho, Visconde de Alentem e Visconde do Rio Sado.

Acta. - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

1.° Do ministerio da guerra, acompanhando 160 exemplares das contas do mesmo ministério, relativas á gerencia de 1883-1884 e ao exercício de 1882-1883, para serem distribuidos pelos srs. deputados.
Mandaram-se distribuir.

2.° Do ministerio da marinha, participando, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Antonio Centeno, que n'aquella secretaria não existe relatório algum elaborado pelo actual prelado de Moçambique, D. Henrique José Reed da Silva, quando missionário da província de Angola.
A secretaria.

Segundas leituras

Projectos de lei

1.° Senhores. - A lei de 1 de julho de 1863 creou para o serviço do registo predial tres conservatórias em Lisboa e duas no Porto.
Em cada uma destas repartições devia haver um conservador privativo, um ajudante, ambos bacharéis formados em direito e nomeados, precedendo concurso, pelo governo, e dois amanuenses escolhidos pelo respectivo conservador.
Todos estes empregados eram remunerados pelo estado, entrando os respectivos emolumentos no competente cofre da receita eventual do thesouro.
O regulamento de 14 de maio de 1868, elaborado em virtude do disposto no artigo 987.° do código civil, man-

52

Página 884

884 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

tera esta organização, augmentando apenas o numero de amanuenses, permittindo que houvesse tres cada conservatoria, sendo porém certo que nenhum conservador usou d'esta faculdade, exercendo sempre só dois em cada conservatoria.
O decreto de 17 de dezembro de 1869 reduziu as conservatorias de Lisboa e Porto a duas, uma em cada comarca, mas acatando os direitos adquiridos pelos respectivos funccionarios determinou que esta reducção só se fosse levando a effeito á medida que elles fossem faltando. Facultou mais aos conservadores de Lisboa e Porto optarem quanto a retribuição pelos emolumentos, determinando que logo que esta opção se effectuasse, entrarem os conservadores respectivos no direito commum aos das provincias.
Os conservadores do Porto optaram, deixando de receber os competentes ordenados.
Não aconteceu o mesmo em Lisboa onde nenhum conservador optou.
Suceedeu, porém, que o pessoal se foi reduzindo de modo que muitos annos chegou a haver um conservador só em cada conservatoria. Pela eleição, pore´m, do conservadpr do primeiro districto ás côrtes geraes em 1879, o governo, usando da faculdade concedida no artigo 254.º do regulamento, nomeou um ajudante provisorio para este districto, que assim ficou sendo o único que tem ajudante.
Tal é, senhores, o estado das conservatorias do segundo e terceiro districto de Lisboa. Conservadores nomeados em concurso, dos mais antigos do reino, d'aquelles que concorrem para estabelecer e organisar o registo no paiz, sobre carregados com o augmento de serviço resultante de varias disposições legaes posteriores, e acham-se sem ao menos terem ajudantes, que os auxiliem, pois que não podem remuneral-os como es outros do paiz, e o governo não lh'os póde nomear por os logares se adiarem supprimidos.
N'estes termos parece de justiça absoluta e relativa prover a similhante estado de cousas, e equiparar estas funcionarios quanto possivel aos das outras conservatorias.
Restabelecer o systema antigo, crear novos logares de ajudantes, é a primeira idéa, que occorre, mas a organisação actual das conservatorias de Lisboa - que é apenas provisoria - aconselha a que emquanto ella durar se não vão crear logares, que ella propria supprimiu. Acceitando, pois, os factos como elles são, parece-me que a faculdade concedida áquelles conservadores de terem ajudantes concilia quanto possivel a manutenção do actual estado com as exigencias do serviço publico e com as prescripções de justiça. Para que, porém, esses conservadores possam remunerar os seus ajudantes, é preciso dar-lhes os respectivos emolumentos, e como a importancia d'estes é destinada pelo estado ao pagamento das despesas com as conservatorias justo é que aquelles funccionarios, recebendo-os, satisfaçam as despezas com o expediente, compra de livros, e amanuenses, até aqui a cargo do estado.
D'este projecto não resulta a demais para o thesouro, senão uma insignificante diminuição de receita aliás bem compensada. Com effeito a verba orçamental destinada para a despeza nas tres conservatorias com amanuenses, livros e mais expediente é de 2:700$000 réis ou seja réis 1:800$000 para as duas conservatorias, onde não ha ajudantes: e a media da receita nas mesmas conservatorias calculada esta nos últimos sete annos, é de 3:400$000 réis numeros redondos, ou seja para aquellas duas conservatorias 2:260$000 réis.
D'aqui resulta para o thesouro o insignificante lucro d 460$000 réis, que pelo projecto fica eliminado. Se, porém, attendermos a que, não se acceitando este expediente, forçoso será ao governo nomear para aquellas repartições dois ajudantes com 450$000 réis cada um, como o da primeira conservatoria, a fim de attender ás necessidades do serviço que diariamente vão augmentando, aos dictames da justiça e para ao menos equiparar estes funccionarios a todos os outros; teremos então que aquelle insignificante lucro corresponderia a uma despeza a mais de 900$000 réis em que tanta importancia o ordenado dos dois ajudantes precisos, e assim em logar do lucro de 460$000 réis haveria o prejuizo de 440$000 réis, que tanto constituirá a economia resultante do expediente proposto.
Por occasião da discussão do orçamento rectificado de 1883-1884 já foi apresentada n'esta camara uma proposta que importava o mesmo que hoje tenho a honra de submetter á vossa deliberação, e que faço com tanta mais liberdade quanto, embora seja conservador privativo em Lisboa, a minha posição em cousa alguma é alterada pelo projecto.

Artigo 1.° É extensiva aos actuaes conservadores privativos do registo predial na comarca de Lisboa, que não tenham ajudantes, a faculdade de os obter nos termos geraes do regulamento vigente.
Art. 2.º Os referidos conservadores, que queiram usar da faculdade que no artigo precedente lhes é concedida, ficarão obrigados a remunerar os mesmos ajudantes e a satisfazer toda a despeza com amanuenses, compra de livros e mais expediente, actualmente a cargo do estado, recebendo para elles os respectivos emolumentos.
Art. 3.º Fica revogada a legislação en contrario.
Sala das sessões, 26 de março de 1885. = João Ribeiro dos Santos = O deputado, Francisco Antonio da Veiga Beirão.
Foi enviado á commissão de legislação civil.

2.° Senhores. - D'entre os estabelecimentos nacionaes nos consagrados ao ensino superior é a academia polytechnica do Porto o que se acha em condições menos adequadas a satisfazer aos fins da sua creação.
Destinada pelo decreto de 13 de janheiro de 1837 a desempenhar no nosso paiz o papel de uma polytechica industrial, não recebeu da sua primitiva organização, nem obteve das modificações posteriores, as condições indispensaveis para o bom desempenho de sua missão.
Se este facto, até hoje, tem sido de consequencias nocivas e muito para lasrimar, é certo que os males d'elle resultantes de ora para o futuro se aggravarão por fórma que não permittem, sem criminosa incuria, perda de tempo em vãos espectativas e o protelar de melhoramento, que sem implicarem modificação na indole d'este estabelecimento, ou constituirem assumpto, que bem mereça titulo de reformação ao seu plano de estudos, não deixarão comtudo de adduzir grande melhoria ao modo de ser da academia polytechica; e isto em condições viaveis, porquanto, com prezer o declaramos, e para este ponto particularmente chamamos a vossa esclarecida attenção, pela conservação em lei do projecto que submettemos ao vosso estudo não serão augmentados os encargos do thesouro.
Senhores! O mal estar das nossas industrias é um facto por tal fórma evidente, que desnecessario se torna esboçarvos aqui a sombra de uma demonstração. Infelizmente ella cerca-nos, envolve-nos, asphyxia-nos. A isto têem attendido os poderes publicos procurando no fomento do ensino industrial remedio para males que berm póde dizer-se interessam tudo quanto há de mais vital n'uma nacionalidade - o seu organismo productor. Mas, se é certo que o ensino industrial elementar tem recebido do estado auxilio, que há de agradecer com generosa remuneração, é que o ensino industrial superior tem jazido no mais completo abandono. A elle não auctorisam nem o exemplo das nações de quem somos tributarios no campo industrial, nem o que é sabido das condições da industria moderna. O ensino elementar póde crear e bom artifice, e fomentar a pequena industria, mas é importante perante a grande, hoje dominante, que carece de vastos conhecimentos, de homens profundamente instruidos, que só das escolas superiores podem sair. Por isso, se aoolaudimos a creação das escolas elementares e museus industriaes, suppomos inadiavel

Página 885

SESSÃO DE 24 DE MARÇO DE 1885 885

attender ao ensino superior. Se não houvesse escola que lhe fosse consagrada, necessario se tornava creal-a; fazendo-a, importa melhoral-a.
Senhores! Á fugaz passagem pelas cadeiras do poder do insigne patriota Passos Manuel devemos a polytechnica do Porto, onde entre nós se fundou o ensino industrial superior. Por motivos que pouco importa agora considerar não e póde aquelle grande estadista vasar nos amplos moldes que s de certo se antolharam ao seu luminoso espirito o ensino g que inaugurou no nosso paiz. Não o fez pelo decreto de 1837, e não o conseguiram as posteriores reformas de 1844, é subsequentes medidas legaes. Nasceu fraco, e não tem progredido em robustez, aquelle malfadado estabelecimento scientifico, destinado a preencher uma lacuna importantissima da nossa educação nacional, e collocado na capital da e zona mais populosa, emprehendedora e activa de todo o reino. A isso se tem opposto a hostilidade das circumstancias das feita de malquerenças o indifferentismos, cuja paternidade e responsabilidade não queremos apreciar, mas que obriga que os seus cursos se ministrem ainda hoje num d edifício em parte incompleto, em parte arruinado, e ainda e assim applicado aos mais heterogeneos destinos, com dotacões sempre miseravelmente minguadas, o uma penúria do cadeiras que orça pelo ridiculo; e a contar-se tão só- g mente como força benéfica para a academia com a boa vontade, já hoje tradicional, dos seus professores, que desde a sua fundação constantemente têem luctado pela prosperidade do estabelecimento a que pertencem com um zêlo e dedicação condignos do sacerdócio que exercem, mas nunca devidamente reconhecidos e apreciados.
Attenuar na medida do possivel os defeitos apontados emquanto se não deparar occasião azada para reformar conscientemente esta ordem de cousas é prestar um serviço importante á educação profissional superior.
E sendo indiscutível que, sem sacrifícios monetarios, podem attender-se as necessidades mais instantes da academia convencemo-nos que não recusarieis a vossa approvação ao projecto de lei que visasse a esse fim. N'esta fé passamos a expor-vos as suas bases.
A propina de matricula e addicionaes na academia polytechnica são do valor de 1$556 réis. Nada justifica a percepção de imposto tão insignificante, muito menor do que o incidente sobre os alumnos de instrucção secundaria.
Por isso nós propomos que se estabeleça a antiga propina, e de matricula, determinada pelo artigo 163,° do decreto de e 13 de janeiro de 1837, com os addicionaes sanccionados pelas leis posteriores, uniformisando-se d'este modo as propinas de matricula na academia polytechnica e nas escolas a medico cirurgicas, e se determine a propina do 4$500 réis, a exemplo do que se pratica na universidade, para a concessão de licenças de repetição de acto sem frequencia, acto final fóra da epocha competente e de transito entre classes differentes. O augmento de receita resultante d'estas providencias ascenderá a quantia muito superior a réis 4:000$000. Com esta verba póde propor-se, sem aggravamento das nossas finanças, o que não deixará de concorrer e para a sua melhoria, isto é, vantajosas modificações nos e cursos da academia, pelo desdobramento da 3.ª, 6.ª, 9.ª e r 13.ª cadeiras, e augmento das dotações dos estabelecimentos académicos.
Para fazerdes idéa do modo como se acham sobrecarregadas as mencionadas cadeiras e da impreterivel necessidade de as desdobrar, por-vos-hemos em parallelo perante e o mesmo quadro de disciplinas o seu numero na academia e na escola central de Paris, a qual tem servido de typo e modelo a outros da mesma ordem no estrangeiro e a cujo grupo pedagogico a nossa polytechnica pertence. O ensino de geometria descriptiva e suas applicações, da mechanica geral e da cinematica, materias todas professadas na 3.ª cadeira da academia polytechnica está confiado na escola central aos cuidados do 2 professores, 2 repetidores e 1 chefe de trabalho. As disciplinas, que actualmente abramge a 6.ª cadeira, mineralogia, geologia, matalurgia e lavra de minas, são explicadas na mesma escola por 3 professores e 3 repetidores, sendo de 2 annos o curso de exploração de minas.
Para o ensino da chimica que constitue o da 9.ª cadeira ha 4 professores, 4 repetidores e 2 chefes de trabalhos praticos. Emfim as variadíssimas doutrinas ensinadas em dois annos na 13.ª cadeira por 1 só professor (mechanica applicada a construcções civis) são entregues na escola central aos assiduos cuidados de 11 professores e 10 repetidores!
As necessidades da academia, que bem podeis avaliar quaes sejam em presença do que vos deixámos exposto, não ficam de certo satisfeitas com as medidas que vos propomos. A creação de novas cadeiras, a de repetidores para cada cadeira, ou grupo de cadeiras affins, e a de chefes de trabalhos, etc. fica ainda recommendando-se á consideração de quem pretender reformar convenientemente este ramo do serviço publico. Impozemo-nos, porém, o dever de traçar o nosso plano de melhoramentos dentro dos limites da receita creada, e d'este propósito nos não apartamos embora a isso nos excitassem considerações de mais elevado alcance.
Quizemos que este projecto nascesse sem o peccado original do augmento do receita, para que mais facilmente possa obter salvação.
Terminâmos por aqui a já longa exposição do nosso propósito, pedindo-vos que em nome do optimo, que de futuro possa fazer-se, não recuseis a vossa approvação ao que porventura haja de boca no seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° A geometria descriptiva e suas applicações, mechanica geral e cinematica, actualmente professadas por um só lente na 3.ª cadeira, da academia polytechnica do Porto, serão lidas de ora avante em duas cadeiras; por igual forma se procederá ácerca da mineralogia, geologia, metalurgia e lavra de minas (6.ª cadeira); e da chimica orgânica e inorganica (9.ª cadeira); as disciplinas da 13.ª cadeira (mechanica applicada a construcções civis) serão distribuidas por tres cadeiras.
§ 1.° O conselho academico procederá immediatamente á revisão dos programmas dos cursos legaes da academia polytechnica, ordenando e distribuindo as suas materias pelas dezoito cadeiras que ficam constituindo o seu quadro, estabelecendo cursos biennaes n'aquellas que julgar conveniente, e fixando o numero de annos de cada curso, de accordo com o maior desenvolvimento dos estudos. Estes programmas, depois de approvados pelo governo, serão postos em vigor no anno lectivo, immediatamente seguinte ao da approvação desta lei.
§ 2.° Para o ocorrer às despezas creadas pelas disposições precedentes, cobrar-se-ha a propina de 11$520 réis e respectivo addicional designado no decreto de 26 de junho de 1880 por cada matricula nos cursos da academia polytechnica, e a verba de 4$500 réis por cada licença de repetição de acto sem frequencia, exame final fóra da epocha competente ou transito entre differentes classes. O excedente da receita será applicado ao augmento do referido estabelecimento scientifico e às despezas dos alumnos era missões.
Art. 2.° Ficam revogados os artigos 121.°, § 3.°, do decreto de 26 de dezembro de 1836, e 143.° do decreto de , 26 de setembro de 1844, e mais legislação em contrario.
Sala das sessões, em 24 do março de 1885. - Wenceslau de Lima - Albino Montenegro = José Augusto Correia de Barros.
Pedida e obtida a urgencia, foi o projecto enviado á Commissão de instrucção superior, ouvida a de fazenda.

3.° Senhores. - O codigo civil concede, no artigo 880.°, n.ºs 3.° e 4.°, privilegio mobiliário especial, nos fructos dos prédios rústicos respectivos, ao credito por sementes ou por emprestimos para grangeios ruraes, relativo só ao ultimo anno ou só ao corrente, e bem assim ao credito por

Página 886

886 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

soldadas de creados de lavoura, relativo a um anno, e por dividas de jornaes de operarios, relativamente aos ultimos tres mezes.
Evidentemente a lei quiz garantir esses creditos com preferencia a outros, pelo principio justissimo de que, sendo os fructos devidos às sementes, às quantias empregadas nos grangeios e às soldadas e jornaes dos creados e operarios, deveriam os creditos por taes proveniencias preferir sobre outros, quando houvesse concurso de credores sob o producto dos fructos nascidos nas terras em que se houvessem empregado essas sementes, quantias ou trabalhos.
Mas o fim da lei não está completo, porque, a par d'esses creditos, outro ha nas mesmas circumstancias, mas que lei não incluiu no numero dos privilegiados; é o credito por adubos.
Agora que a questão cerealifera vem pôr em evidencia a necessidade de aperfeiçoar os processos agricolas, para que o nosso agricultor possa concorrer com os trigos estrangeiros, que inundam os nossos mercados; agora que nosso agricultor gente a necessidade de romper com a rotina secular das reformas de amanhar as terras, para adoptar os novos processos e os novos instrumentos aratorios; a questão dos adubos tomou uma importancia capital, porque, se é certo que para augmentar a producção muito concorrem esses novos methodos, não menos concorrem para esse resultado os adubos especiaes, devidamente preparados para as diversas culturas.
Esse facto demonstra se pela grande quantidade de adubos estrangeiros que já importâmos, e pelo crescente consumo aos que as industrias nacionaes já produzem.
É, pois, de justiça que a lei, garantindo o privilegio a outros factores da producção agrícola, representados pelas sementes, dinheiro e trabalho, o garanta tambem a esse outro factor, que tanto contribue para essa producção, a fim de que o vendedor dos adubos possa facilital-os a lavradores, tendo a certeza de receber o preço d'elles nas colheitas seguintes.
Fundado n'estes princípios, tenho a honra de apresentar o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º Gosa de privilegio mobiliario especial nos fructos dos predios rusticos respectivos, nos termos do artigo 880.° do codigo civil, e constituindo uma classe com os creditos ahi mencionados, o credito pelo preço de adubos fornecidos para esse predio, relativo ao anno em que tiverem sido empregados o ao seguinte.
Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala das sessões, em 20 de março de 1885. = O deputado pelo circulo de Almada, Jayme Arthur da Costa Pinto.
Foi enviado á Commissão de legislação civil.

4.° Senhores. - A camara municipal do concelho de Cezimbra despendeu no verão passado quantias avultadas fim de velar pela saude publica, tendo o maior cuidado e empregar as medidas aconselhadas pelos hygienistas, o que obstou a que as doenças epidemicas grassassem n'aquelle concelho. Apesar, porém, de ter occorrido a um novo imposto para fazer face às despezas, precisa aquella municipalidade gastar a quantia do 1:200$000 réis para proceder a um melhoramento importante para a saúde publica como é o caminho e arranjo do vasadouro, fóra da villa para receber as immundicies.
Não tendo a camara municipal de Cezimbra estradas construir e existindo na caixa geral de depositos quantia superior a 3:600$000 réis, que constitue o fundo especial de viação municipal, pede á camara na sua representação de 19 do corrente mez para ser auctorisada a levantar d'aquella somma a quantia necessaria para fazer as obras indispensaveis que facilitem a limpeza da villa.
É costume antigo em Cezimbra fazer das ruas da villa vasadouro publico, o que occasiona emanações mephiticas e póde desenvolver uma epidemia.
Sendo, pois, de toda a justiça que se proporcionem desde já a camara de Cezimbra os recursos sufficientes para poder pôr em pratica os meios aconselhados pela sciencia, para que a saude dos cidadãos esteja ao abrigo das doenças causadas pela de limpeza, tenho a honra de apresentar o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É auctorisada a camara municipal do concelho de Cezimbra a desviar do fundo especial de viação municipal a quantia de 1:200$000 réis para estabelecer um systema regular de limpeza na villa de Cezimbra.
Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala das sessões, em 23 de março de 1885. = O deputado pelo circulo de Almada, Jayme Arthur da Costa Pinto.
Foi enviado á Commissão de obras publicas, ouvida a de administração publica.

Propostas para renovação de iniciativa

1 .ª Renovo a iniciativa dos quatro seguintes projectos de lei, respeitantes á relação judicial dos Açores e á promoção e transferencia dos juizes da mesma e das comarcas do seu districto:
Projecto de lei, apresentado pelo sr. deputado Vasco Leão em sessão de 24 do janeiro de 1872, e que teve segunda leitura na de 26 do mesmo mez e anno.
Projecto de lei, apresentado por mim em sessão de 29 do janeiro da 1883, e que teve segunda leitura na de 30 do mesmo mez e anno.
Projecto de lei, apresentado pelo sr. deputado Castro e Solla em sessão de 30 de janeiro de 1883, e que teve segunda leitura na de 31 do mesmo mez e anno.
Projecto de lei, apresentado pelo sr. deputado Sousa a Silva em sessão de 2 de março de 1883, e que teve segunda leitura na de 7 do mesmo mez e anno.
Sala da camara das senhores deputados, em 23 de março de 1885. = O deputado, Visconde de Rio Sado.
Lida na mesa, foi admittida e enviada á Commissão de legislação civil, ouvida a de fazenda.

Os projectos de lei a que se refere esta proposta, pela ordem por que foram renovados, são os seguintes:

Artigo 1.° Os logares de juizes de direito de 1.ª e 2.ª instancia, que vagarem no continente do reino e nas ilhas adjacentes, serão providos por transferencia, quando requerida, n'aquelle juiz que dentre os requerentes tiver mais antiguidade, segundo a sua classificação e nos termos da presente lei.
§ único. A transferencia nunca se verificará senão para logares da mesma instancia e classe.
Art. 2.° Logo que vagar algum logar no corpo de magistratura judicial de 1.ª ou de 2.ª instancia no continente e ilhas adjacentes, será annunciado designadamente na folha official do governo, e só será provido dez dias depois da s a data da publicação do annuncio.
Art. 3.° É permittida a troca dos logares entre si aos juizes de 2.ª instancia, e aos de 1.ª dentro das suas respectivas classes, não havendo inconveniente para a boa administração da justiça.
Art. 4.° Os juizes que forem nomeados para a relação cê dos Açores, ou para as comarcas das ilhas ajacentes, não serão transferidos para o continente sem que ali tenham tido serviço effectivo, salvo o caso do artigo antecedente.
Art. 5.° Nenhum juiz de direito de 1.ª ou 2.ª instancia das ilhas adjacentes poderá, quando transferido ou promovido, sair do seu logar sem que seja substituído pelo para ali despachado, excepto sendo entre comarcas das mesmas ilhas ou passado o praso de sessenta dias.
Art. 6.° Quando algum juiz da relação dos Açores, ou das comarcas das ilhas adjacentes, for, a requerimento seu, transferido para o continente antes de ali completar dois annos de serviço effectivo, não perceberá ajuda de custo para a viagem e restituirá metade da que tiver recebido para a ida.
Art. 7.° Todo aquelle que, ao tempo ou depois da pu-

Página 887

SESSÃO DE 24 DE MARÇO DE 1885 881

Blicação da presente lei, tiver serviço por espaço de dois annos logar de magistratura judicial, ou do ministerio publico, nas ilhas adjacentes, não será obrigado a ir n'ellas servir novamente, salvo quando não houver vacatura no continente.
§ unico. Em identicas circumstancias preferirá para o continente o que tiver tido mais tempo de serviço nas ilhas, e de entre estes o mais antigo.
Art. 8.° O praso para as transferências periódicas dos juizes, estabelecido no § 5.° do artigo 4.° da lei de 21 de julho de 1850, será contado desde a data da posse da comarca em que o juiz se achar quando completar os seis annos.
Art. 9.° As primeiras nomeações de delegados do procurador regio serão sempre para comarcas de 3.ª classe, passando, elles depois para as de 2.ª e destas para as de 1.ª, segundo a sua antiguidade, merito e demerito.
Art. 10.° É applicavel aos magistrados do ministerio publico nas ilhas adjacentes o disposto nos artigos 4.°, 5.° e 6.° da presente lei.
Art. 11.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala das sessões, em 24 de janeiro de 1872. = João Vasco Ferreira Leão, deputado por Guimarães = João Ribeiro dos Santos, deputado pela Certã = José de Menezes Toste = João Candido de Moraes.

Artigo 1.° Fica extincto o tribunal da relação dos Açores.
Art. 2.° As comarcas pertencentes ao districto da relação dos Açores ficam annexadas ao districto da relação de Lisboa.
Art. 3.° Os actuaes juizes do dito tribunal extincto serão collocados como addidos nas relações de Lisboa e do Porto, sem prejuízo da sua antiguidade para entrarem nos respectivos quadros logo que haja vacatura.
§ unico. A distribuição dos juizes pelas secções das relações, a que forem addidos, será feita pelos respectivos presidentes.
Art. 4.° O actual procurador regio junto do referido tribunal extincto ficará addido á procuradoria regia de Lisboa até ser collocado em uma das primeiras vacaturas de juiz de primeira instancia da classe que lhe pertencer, quando logo o não possa ser, e com preferencia para os logares de procurador regio ou de seus ajudantes de Lisboa ou Porto quando vagarem.
Art. 5.° O guarda mor, escrivães, officiaes de diligencias e mais empregados do mesnio tribunal extincto, serão addidos às relações de Lisboa e Porto para ahi serem collocados nas primeiras vacaturas de igual categoria e pela sua antiguidade, ou em identicas de primeira instancia, quando assim o requeiram e com preferencia para quaesquer empregos, publicos para que tenham habilitações, levando-se-lhes sempre em conta os direitos de mercê já pagos.
§ unico. O serviço nas relações, de Lisboa e Porto será distribuido pelos funccionarios effectivos e pelos addidos.
Art. 6.° Todas as causas, tanto findas como pendentes, do tribunal extincto serão remettidas officialmente para a relação de Lisboa e ahi distribuidas, as findas pelos cartorios dos escrivães effectivos dessa relação, e as pendentes por elles e pelos addidos.
Art. 7.° O archivo da relação extincta será remettido officialmente para o da relação de Lisboa.
Art. 8.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos deputados, em 29 de janeiro de 1883. = O deputado, Visconde do Rio Sado.

Artigo 1.° São admittidas as renuncias aos juizes que tiverem de ser promovidos para a relação dos Açores.
§ unico. Para o fim designado neste artigo farão antecipadamente os ditos juizes essa declaração em requerimentos dirigidos ao ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça o ao supremo tribunal de justiça.
Art. 2.° Os juizes que não renunciarem á promoção nos termos do § unico do artigo antecedente, e forem nomeados para a relação dos Açores, servirão ali tres annos effectivos, findos os quaes serão transferidos, quando o requeiram, pela ordem da sua antiguidade, para as primeiras vacaturas nas relações do Porto ou Lisboa.
3 Art. 3.° Os juizes, que renunciarem á promoção, nos termos, do § unico do artigo l.°, serão nomeados para as primeiras vacaturas das relações do continente, quando esses logares não tenham do ser providos na forma do artigo antecedente.
Art. 4.° Os actuaes juizes das relações dos Açores, ainda, que ahi não tenham tres annos de serviço, serão transferidos, quando o requeiram, pela ordem da sua antiguidade, para as primeiras vacaturas das relações do continente, mas se requererem para ali servirem mais tres annos gosarão das vantagens d'esta lei.
Art. 5.° Os juizes da relação dos Açores, que forem transferidos para as do continente, não poderão deixar os seus logares sem que tomem posse os novos juizes que os forem substituir, excepto só estes a não tomarem pessoalmente no praso legal.
Art. 6.° É augmentado com mais 500$000 réis, alem do direito ao terço, o ordenado dos juizes, que em virtude d'esta lei forem nomeados para a relação dos Açores, e ser-lhes-ha centado pelo dobro para o effeito da aposentação o tempo de serviço que ali tiverem.
§ unico. Não poderão porém estes juizes ser aposentados com maior ordenado do que os do continente.
Art. 7.° O augmento de despeza, a que der logar esta lei, será distribuido em addicionaes nas contribuições do estado pelos concelhos dos districtos administrativos de que se compõe a relação dos Açores, cujas camaras municipaes requererem pelo ministerio da justiça, no praso de tres mezes depois da publicação da mesma lei, a conservação da dita relação.
Art. 8.° Se a maioria das camarás municipaes não requerer nos termos do artigo antecedente, ou se as que requererem em minoria se não obrigarem a satisfazer por si aquelle augmento de despeza, fica extincta a relação dos Açores, cuja extincção o governo decretará dentro de trinta dias depois de findo o mencionado praso do tres mezes.
§ unico. O governo, dentro de quinze dias depois de findo o praso, a que se refere o artigo antecedente, publicará na folha official quaes as camaras municipaes que requereram a conservação da relação dos Açores, e que se obrigaram só por si a satisfazer o augmento de despeza.
Art. 9.° Extincta a relação dos Açores, os juizes e empregados d'este tribunal serão collocados como addidos nas relações do continente, para entrarem segundo suas antiguidades nos logares de igual categoria logo que haja vacatura, e os empregados tambem em identicos logares de primeira instancia, quando o requeiram, e com preferencia para quaesquer empregos publicos para que tenham habilitações; e o procurador regio junto ao mesmo tribunal na classe de juiz que lhe pertencer, e com preferencia para os logares de procurador regio ou de seus ajudantes, de Lisboa ou Porto, quando vagarem.
Art. 10.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos deputados, em 30 de janeiro de 1883. = Castro Solla.

Artigo 1.° Os logares de juizes de primeira e segunda instancia das ilhas adjacentes serão providos nos magistrados da classe immediatamente inferior que não houverem renunciado á promoção para qualquer dos archipelagos.
§ unico. Para os effeitos d'este artigo as renuncias serão antecipadamente dirigidas ao ministerio da justiça, em re-

Página 888

888 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

querimento do interessado, com a assignatura devidamente reconhecida por tabellião.
Art. 2.° Excluidos os juizes e delegados do procurador regio que tiverem renunciado, serão as promoções para as ilhas adjacentes feitas de entre os restantes, segundo as leis em vigor.
Art. 3.° Sempre que na segunda instancia, ou nas mesmas classes da primeira, houver vacaturas no continente do reino e nas ilhas adjacentes, deverão ser providas por decretos da mesma data, ficando collocados no continente os funccionarios mais antigos.
Art. 4.° Os juizes e delegados do procurador regio que renunciarem a promoção nos termos do § unico do § 1.°, serão nomeados para as primeiras vacaturas dos districtos e comarcas do continente, quando esses logares não hajam de ser providos na forma do artigo 10.° d'esta lei.
Art. 5.° Aos juizes de primeira instancia, e aos delegados do procurador regio, abonar-se-ha, a titulo de gratificação, emquanto servirem nas comarcas das ilhas adjacentes, uma quantia annual, que será de 100$000 réis, para os que estiverem collocados nas de 1.ª classe, e de réis 200$000 para os que estiverem nas outras.
Art. 6.° A gratificação de que trata o artigo antecedente só começará a ser abonada desde que os magistrados judiciaes e agentes do ministerio publico entrarem em exercicio das suas funcções nos logares para que houverem sido nomeados, sendo interrompido o abono sempre que por qualquer motivo houverem de sair da comarca onde estiverem funccionando.
Art. 7.° O individuo que for despachado juiz de qualquer instancia, ou classe, em virtude d'esta lei, será obrigado a servir effectivamente o logar por espaço de dois annos completos, não podendo antes ser transferido, excepto no caso de lhe pertencer promoção á classe ou instancia immediata, ou ao supremo tribunal de justiça, na conformidade das leis em vigor, e n'aquelle de que trata o artigo immediato.
§ unico. Para a contagem dos dois annos de serviço marcados n'este artigo não se levará em conta serviço algum de qualquer outra natureza, nem o de tempo de licença de funcções legislativas, ou o de doença, occorrida, ou tratada fóra do districto ou comarca judicial em que o magistrado estiver provido.
Art. 8.° São permittidas as trocas entre os juizes de instancia e classe do continente e das ilhas nos seguintes casos.
1.° Para os juizes de segunda instancia, quando o que quizer ir para os Açores tiver, por antiguidade, um mero superior ao quarto na escala para o accesso;
2.° Para os juizes de primeira instancia, quando desejar ir para as ilhas adjacentes for numero superior ao decimo na escala de accesso, e lhe faltarem mais de dois annos para concluir o sexennio na comarca d'onde quizer sair.
Art. 9.° O individuo que for nomeado delegado do procurador regio para as ilhas adjacentes poderá ser transferido para o continente, a seu pedido, antes dos dois annos de serviço designados n'esta lei, mas sem direito a abono de transporte.
Art. 10.° Findos os dois annos do serviço, os juizes e delegados do procurador regio serão transferidos, por ordem de antiguidade, para as primeiras vacaturas que se derem no continente do reino, se assim o requererem.
Art. 11.° As vacaturas que se forem dando nos differentes cargos da magistratura judicial nos Açores e Madeira deverão ser preenchidas pelo governo dentro do praso de vinte dias depois d'aquelle em que no ministerio da justiça tiver chegado noticia official d'ellas.
Art. 12.° Os magistrados nomeados em virtude do artigo antecedente deverão tomar pessoalmente posse dos seus logares dentro do praso legal.
Art. 13.º Os juizes de Segunda e primeira instancia e os delegados do procurador regio das ilhas, adjacentes, quando transferidos para o continente, ou de uma para outra ilha, não poderão deixar os seus logares sem que tomem posse os que os forem substituir.
Art. 14.° Aos magistrados judiciaes e do ministerio publico que tiverem de mudar de residencia por motivo de promoção ou transferencia, que não seja a requerimento seu, será abonado para si e sua familia um subsidio de 35 réis por kilometro percorrido em estrada ordinaria, ou bilhete de 1.ª classe em caminho de ferro ou vapor.
§ 1.° Exceptua-se o caso do artigo 10.°, em que deverá ser tambem concedido transporte aos magistrados e suas as dos familias.
§ 2.° Para os effeitos d'este artigo é considerada familia d'esta a mãe, mulher, filhos e netos, tendo a mãe viuva.
Art. 15.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 2 de março de 1883. = Antonio Augusto de Sousa e Silva = Barão de Ramalho = Visconde de Porto Formoso = Manuel José Vieira.
2.ª Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 10-L de 1876, ácerca do abono de comedorias aos officiaes de marinha.
Sala das sessões, 23 de março de 1885. = João Eduardo Scarnichia, deputado por Macau.
Lida na mesa, foi admittida e enviada á commissão de marinha, ouvida a de fazenda.

O projecto a que se refere esta proposta é o seguinte:

Artigo 1.° As comedorias dos officiaes da armada serão reguladas pela tabella annexa a este decreto.
Art. 2.° As comedorias dos officiaes da armada serão augmentadas de 50 por cento nos portos da Africa oriental e Occidental, Asia, America e Oceania, desde o dia em que os navios, qualquer que seja a sua commissão, chegarem a esses portos, até áquelle em que derem entrada no porto de Lisboa.
§ unico. Os archipelagos de Cabo Verde e S. Thomé são comprehendidos no presente artigo.
Art. 3.° Fica por esta forma annullada a tabella n.° 3 annexa ao decreto com força de lei de 30 de dezembro de 1868, alterado o § 2.° do mesmo decreto e revogada toda a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 8 de fevereiro de 1876. = Carlos Eugenio Correia da Silva.

Tabella de comedorias diarias dos officiaes da armada

[Ver Tabela na Imagem]

Patentes

Vice-almirante....
Contra-almirante....
Capitão de mar e guerra....
Capitão de fragata....
Capitão tenente....
Primeiro tenente....
Segundo tenente....
Guarda marinha....

OBSERVAÇÕES

Os capellães, facultativos e officiaes de fazenda vencem, quando de guarnição, comedorias correspondentes às suas graduações, e quando aggregados a estados maiores generaes vencem na mesma correspondencia como immediatos.

Página 889

SESSÃO DE 24 DE MARÇO DE 1885 889

Aos officiaes do exercito e empregados com graduações militares, quando de passagem, ou em serviço a bordo dos navios do estado, ser-lhes-hão abonadas comedorias, segundo as suas patente, na fórma da presente tabella, calculando-se o mais approximadamente possivel o numero de dias de viagem para passageiros.

Carlos Eugenio Correia da Silva, deputado por Timor.

3.ª Renovo a iniciativa do projecto de lei, apresentado n'esta camara na sessão de 13 de fevereiro do 1880, pelo ex-deputado pela Madeira, o conego Feliciano João Teixeira, relativo á annexação, á comarca do Funchal, do julgado do Porto Santo, actualmente pertencente á comarca de Santa Cruz.
Camara dos deputados, 23 de março de 1885. = O deputado pela Madeira, João Augusto Teixeira.
Lida na mesa, foi admittida e enviada á Commissão legislação civil.

O projecto a que se refere esta proposta é o seguinte:

Artigo 1.° É annexado á comarca do Funchal o julga do Porto Santo.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos senhores, deputados, aos de fevereiro de 1880. = Feliciano João Teixeira, deputado pelo circulo do Funchal.

REPRESENTAÇÕES

1.ª Da associação academica de Lisboa, pedindo que decreto de 19 de maio de 1884, que reorganisou o exercito, não seja applicado aos estudantes militares da universidade de Coimbra, escola polytechnica de Lisboa e escola do exercito, que se matricularam nos respectivos cursos antes da publicação do referido decreto.
Apresentada pelo sr. Antonio Candido, enviada á commissão de guerra, ouvida a de instrucção superior, e mandada publicar no Diario do governo.

2.ª De fabricantes e commerciantes de folles, de forjas e fornalhas, do concelho de Braga, pedindo que sejam elevados os direitos que pagam os objectos da sua industria vindos do estrangeiro.
Apresentada pelo sr. José Borges, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

3.ª De professores primarios de Braga, pedindo melhoramento de situação.
Apresentada pelo sr. José Borges e enviada á commissão de instrucção primaria, ouvida a de fazenda.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro que seja enviada á Commissão de guerra, para ser tomada na consideração devida, a petição que a esta camara dirigiu em 27 de janeiro de 1882 Manuel Joaquim, alferes de infanteria 8, convencionado de Evora Monte, e que pede o subsidio a que tem direito pelo decreto de 27 de maio de 1834. = J. J. Alves, deputado por Lisboa.
Mandou-se expedir.

INTERPELLAÇÃO

Não havendo continuado os trabalhos encetados ha dois annos para a illuminação das costas portuguezas no archipelago dos Açores, desejo interrogar o sr. ministro das obras publicas sobre quaes os obstaculos que embaraçaram e embaraçam ainda o proseguimento dos mesmos trabalhos. = O deputado pelo circulo n.° 100, Manuel Francisco de Medeiros.
Mandou-se expedir.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

1.ª Declaro que não tenho comparecido às sessões da camara por motivo justificado. = E. Pinto Basto.

2.ª Participo a v. exa. e á camara que o sr. deputado Luiz Ferreira de Figueiredo não tem assistido a algumas sessões e faltará ainda a outras por motivo justificado. = joão Correia Barata.

3.ª Declaro que por incommodo de saude tenho faltado a algumas sessões no corrente mez. - Mariano de Carvalho.

4.ª Declaro que por motivo justificado faltei às ultimas sessões. - Visconde de Balsemão.

5.ª Declaro que faltei às ultimas sessões por motivo de doença. = Adriano Cavalheiro.

6.º Declaro que faltei a algumas sessões por motivo justificado. = O deputado pelo circulo n.°47, F. Vieira das Neves.

7.ª Participo a v. exa. que os srs. deputados Lourenço Malheiro, Adolpho Pimentel e João Antonio Pinto por motivo justificado têem faltado às sessões e faltarão a mais algumas. = O deputado, Barbosa Centeno.
Para a acta.

DECLARAÇÕES DE VOTO

1.ª Declaro que se tivesse assistido á sessão de hontem teria approvado a generalidade do projecto em discussão. = Adriano Cavalheiro.

2.ª Declaro que teria approvado a generalidade do projecto n.° 10, se hontem estivesse presente quando se votou. = Franco Frazão.

3.ª Declaro que se estivesse presente á sessão de hontem teria approvado o projecto n.° 10, na sua generalidade. = E. Pinto Basto.
Para a acta.

O sr. Borges de Faria: - Sr. presidente, mando para a mesa duas representações. Uma dos professores de instrucção primaria do concelho de Braga, e outra dos fabricantes e commerciantes de folles de forjas e fornalhas do mesmo concelho.
Na primeira pede-se melhoria de vencimento. Creio que ninguem desconheço quanto é mal remunerado aquelle trabalho tão util e proveitoso. Nas circumstancias actuaes é impossivel viver com o parco ordenado que se dá aos professores de instrucção primaria, que, como se vê da representação é de 323 réis ou 269 réis diarios, conforme pertencem ás escolas de cidade ou de aldeia.
Eu bem sei, sr. presidente, que se póde dizer que a camara municipal d'aquelle concelho é quem, conhecendo a verdade do que affirmo, eleve melhorar as condições do professorado.
Isto, sr. presidente, é verdade, mas é tambem impossivel.
Eu tenho a honra de occupar, por favor dos meus concidadãos, o logar de vereador da instrucção e presidente da camara d'aquelle concelho, e por isso digo a v. exa. que, embora sejam muito bons os desejos da camara municipal, é impossivel remediar este mal porque são minguados os recursos do seu cofre e enorme a despeza que está fazendo com a instrucção primaria, apesar da má retribui-

Página 890

890 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

ção que conheço se dá aos professores com o ordenado de 100$000 réis.
Os impostos são já crescidos, e não podem por isso nem devem ser augmentados por emquanto. O que aquella camara tem feito sempre é trazer-lhe perfeitamente em dia o seu ordenado. N'isso tem sido exemplar.
Parece-me, porém, facil e desnecessario grande sacrificio, para melhorar as condições dos professores. É desaparecer a obrigação das camaras municipaes pagarem a instrucção primaria, e passar ella outra vez a ser administrada pelo governo, embora as camarás fiquem obrigadas a dar um subsidio para ella.
Em nome dos professores de instrucção primaria do concelho de Braga, eu peço á camara dos senhores deputados que attenue com alguma medida legislativa as precarias circumstancias d'aquelles fuuccionarios publicos tão dignos de toda a consideração.
Na outra representação pede-se ao governo que apresente ao parlamento uma medida legislativa de protecção para aquella industria.
Sr. presidente, é tão bem fundamentada a representação, que nada eu posso acrescentar em seu favor. Quem a lê ou escuta conhece quanta justiça lhe assiste, e quanto é digna de protecção aquella industria, que de certo vae desapparecer e reduzir á miseria tantas familias que d'ella vivem, se o governo não providencia, como espero, em seu favor.
Tenho dito, sr. presidente.
Peço a v. exa. consulte a camara se permitte que aquellas duas representações sejam publicadas no Diario.
O sr. Wenceslau de Lima: - Mando para a mesa um projecto de lei tendente a melhorar o ensino da academia polytechnica do Porto.
V. exa. comprehende toda a urgencia d'este projecto eu peço para que elle seja enviado às commissões respectivas e bem assim que seja considerado urgente.
Votada a urgencia e enviado às commissões de instrucção superior, ouvida a de fazenda.
O sr. Manuel de Medeiros: - Ha dois annos que principiaram os trabalhos para a illuminação da costa no archipelago dos Açores. Era, e é, um melhoramento publico de que não sei encarecer as vantagens, mas que são manifestas, para beneficio da navegação, mas infelizmente estes trabalhos cessaram, não sei por que motivo, e por isso tomo a liberdade de mandar para a mesa uma nota de interpellação ao sr. ministro das obras publicas, e peço v. exa. que a mande expedir.
Desejo que s. exa. me informe dos obstaculos ou difficuldades que obtam ao proseguimento dos trabalhos para um beneficio de tal magnitude, e cuja falta se torna he sensivel.
O sr. J. J. Alves: - Pedindo a palavra começo por fazer um requerimento que mando para a mesa a fim de ser presente às commissões respectivas a petição que o sr. Manuel Joaquim, alferes de infanteria n.° 8, convencionado de Evora Monte, dirigia, á camara dos senhores deputados em 27 de janeiro de 1882, reclamando o subsidio a que se julga com direito pelo tratado de 27 de maio de 1834 pela carta de lei de 1851, e ainda pelo decreto de 13 de agosto de 1870, publicado na ordem do exercito n.° 42 de 16 do dito mez.
Esta petição, cuja justiça foi já reconhecida pela illustre Commissão de guerra de 1882, acha-se affecta ao governo não tendo até hoje, como se devia esperar, uma resolução qualquer.
Sr. presidente, por mais de uma vez me tenho occupado n'este logar de pugnar pela sorte dos infelizes convencionados de Evora Monte, homens que embora militasse n'um campo inteiramente opposto e cuja idéa eu não professo, têem, como portuguezes que são, todo o direito a que se cumpra com o que numa lei lhes foi promettido, lei que entendo devia ser acatada, como prova da lealdade com que foi feita.
É assim que entendo se devia proceder, porque é assim que se pratica com as leis de convenções em tempo de guerra em todos os paizes do mundo.
Em todo o caso eu cumpro um dever chamando a attenção do governo e das commissões para este assumpto, que me parece ser tempo de resolver-se.
Deixando por agora esta questão, eu passo a renovar as minhas instancias junto da illustre Commissão de saude publica, administração e fazenda, para que dêem parecer sobre o projecto de lei que tende a melhorar a sorte dos infelizes e desprotegidos empregados do hospital de S. José.
A triste situação d'estes funccionarios tão uteis á humanidade não é desconhecida do sr. ministro do reino, e posso affirmar que s. exa. se mostra propenso a melhoral-a: mas o que é certo infelizmente é que, apesar da boa vontade do sr. ministro, a questão está completamente esquecida, e sou eu que me faço cargo de dirigir as minhas supplicas às illustres commissões, e ao sr. ministro, certo de que o faço em favor de uma causa justissima.
Limito aqui as minhas observações sobre este assumpto, devendo declarar que prefiro antes que as commissões dêem sobre os projectos que lhes estão affectos pareceres contrarios, do que os deixem permanecer n'um somno eterno.
Sinto tambem que não esteja presente o sr. ministro do reino, porque desejo chamar a attenção de s. exa. para a situação verdeiramente lastimosa e de abatimento a que tem chegado a administração do municipio de Lisboa, que de dia para dia, sem rasão que justifique, e por um capricho inexplicavel, faltando-lhe a receita passiva, se lança um no caminho das grandes despezas, muitas d'ellas bem dispensaveis, creando encargos onerosissimos para o municipio que de certo o levarão proximamente á ruina.
Na mão do governo existem os meios que a rasão está indicando, devem seguir-se para pôr cobro a este estado de verdadeira anarchia na administração municipal. Quererá o governo empregal-os?
Elle na sua alta sabedoria o dirá.
Tenho concluido.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.° 10 «bill» de indemnidade

O sr. Presidente: - Vae ler-se a moção de ordem que foi mandada para a mesa na sessão de hontem pelo sr. Cypriano Jardim, e de que ainda se não deu conhecimento á camara.
(Leu-se.)
É a seguinte:

Moção de ordem

A camara, convencida de que a reforma do exercito, em por discussão, preenche, melhor do que qualquer outra, as condições a que deve satisfazer uma organisação militar que levante o nivel scientifico do exercito, approva o procedimento do governo e continua na ordem do dia. = Cypriano Jardim.
Foi admittida e ficou em discussão.
O sr. Ferreira de Almeida (sobre a ordem): - Em obediencia aos preceitos do regimento mando para a mesa a minha moção de ordem.
(Leu.)
Sr. presidente, pelo artigo 1.° do projecto é relevado o governo de ter assumido funcções legislativas no interregno parlamentar, a minha moção mostra porém que pretendo principalmente tratar da questão, militar.
Depois do discurso do meu illustre amigo o sr. Cypriano Jardim sobre a questão que se debate e principalmente sobre a reforma do exercito, que apreciou com a proficiencia propria do seu talento, seria extrema audacia da minha parte occupar-me da especialidade d'esse assumpto; permitta-se-me porém um largo e rapido golpe de vista,

Página 891

SESSÃO DE 24 DE MAUdO DE 1880 891

Passando em seguida mais especialmente á questão de marinha.
Tomando para termo de comparação as nações em condições mais approximadas com as de Portugal, a saber: a Hollanda, Dinamarca, Suissa e Belgica, vemos que nac corresponde a força do exercito que se estabeleceu ás condições de superficie e população, importancia do orçamente total e o do ministerio da guerra, e por isso me parece que a organisação decretada, á parte os defeitos já apontados, não satisfaz ás necessidades da organisação militar completa de paiz.
Estas observações baseiam-se em dados estatisticos comparativos em que Portugal occupando o primeiro logar, com as quatro nações apontadas, em relação á superficie, é a segunda em relação ao total da população, a terceira na importancia do orçamento total do estado, e bem assim no parcial do ministerio da guerra e força do exercito em pé de guerra, não correspondendo pois a força do exercito á massa da população e grandeza do territorio, e não correspondendo ainda aos encargos orçamentaes, se é verdade, como por parte da opposição se affirma, que a importancia do orçamento do ministerio da guerra se ha de elevar.
Taes são muito em resumo as observações que me occorrem ácerca da reforma do exercito, quanto á sua constituição, abstendo-me de apreciar o acto politico, por muito debatido já.
Occupando-me da parte do acto dictatorial que diz respeito á marinha, e a que já se fizeram referencias n'esta camara, devo dizer que se as dictaduras se podem admittir por uma alta necessidade de ordem publica e com manifesta utilidade para a nação, como se diz no parecer que se discute, alguma cousa havia a fazer na marinha com mais urgencia e utilidade do que o augmento do quadro dos officiaes.
Em relação á força da nossa esquadra e respectivo pessoal determinado pelo sr. Latino Coelho em lei dictatorial de 30 de dezembro de 1868, tinhamos 32 navios e 193 officiaes, o que dá uma media de 6 officiaes por navio para o serviço de embarque e demais commissões auxiliares do serviço naval.
O quadro das lotações dos nossos navios, estabelecido por portaria de 15 de setembro do anno passado pelo actual ministro da marinha, exige para os 32 navios 139 officiaes, ou 4,34 por navio, e se ainda se acrescentar em 6 officiaes para o pessoal superior das duas divisões navaes, a percentagem que se exige para embarque seria de 4,53 por navio, ficando disponiveis 48 officiaes do antigo quadro para as commissões auxiliares que não têem caracter vitalicio, porque essas por lei são desempenhadas por officiaes separados do quadro effectivo, passando á classe de addidos.
Se considerarmos que a este grupo de 48 officiaes se podem acrescentar os supranumerarios que completaram o tempo de serviço no ultramar em numero de 8, e os addidos em numero de 6, por falta de tirocinio conforme o disposto por carta de lei de 20 de abril de 1870, teremos 50 officiaes para todas as commissões, incluindo as de embarque, e mais 6, ou 62 para as diversas commissões, em terra ou nos portos de armamento, auxiliares do serviço naval, e portanto um effectivo de 207 officiaes, segundo a lista da armada de 1884.
E isto é tanto assim, que no n.° 2 dos Annaes do club militar naval, ultimamente publicado, e que tenho aqui presente e onde se pretende justificar a necessidade do augmento do quadro, se diz que são necessarios 139 officiaes para embarque e 58 para as differentes commissões de serviço, o que perfaz 197, havendo pois segundo o calculo deste jornal e o effectivo existente um saldo de 10 officiaes. Devemos considerar que nos 58 officiaes, que se pedem n'este jornal de classe para os differentes serviços, se contém um acrescimo de pessoal em commissões que não está auctorisação por lei, como e o de haver na secretaria da marinha, alem de 1 contra-almirante e 2 capitães de fragata, 1 capitão tenente e 1 primeiro tenente, quando a lei a não permute senão mais 1 official, e no cominando geral ao 2 officiaes subalternos, quando a lei admitte só 1.
Mas, tomando como base estas commissões de serviço, ainda assim o quadro de 193 officiaes acrescido com os supranumerarios e addidos dava de sobra para as necessidades do serviço, e tanto mais que o serviço de capitães do porto póde por lei ser desempenhado por officiaes reformados, o que augmentará o saldo de officiaes disponiveis para as commissões activas e de embarque.
Se ainda se considerar que os navios da nossa esquadra e, não podem estar sempre em serviço externo, o que acontece em todas as marinhas de guerra, havendo uns promptos nos portos do armamento, para render os que se aacham fóra, o outros o em reparações, e tomando para termo do calculo um terço, teremos n'estas condições que, considerando fóra de Portugal 21 navios por exemplo, estariam ali em commissão pela media das lotações 95 officiaes, e em Portugal portanto mais de metade do pessoal do antigo quadro.
Portanto nem as necessidades do serviço naval por mais desenvolvido que elle estivesse, nem as necessidades das outras commissões que por lei não devem ter tão numeroso pessoal, justificam a necessidade de augmentar o quadro; e isto não é só a deducção natural do numero de navios que se existem, do pessoal que precisam o do serviço em que se a acham, ha ainda uma justificação frisante da conclusão a que cheguei, a organisação naval das mais nações maritimas.
Tomando um grupo de doze nações comprehendendo o nosso paiz, a relação do numero de officiaes para o numero total de navios de que dispõem é pela ordem e numero designativo o seguinte: Inglaterra 9,85, Portugal 5,82, Hespanha 5,38, Italia 5,18, Russia 5,02, Austria 4,93, Allemanha 3,74, França 3,60, Suecia 2,50, Hollanda 2,43, Dinamarca 1,86, Grecia? em que GO comprehenderam para o calculo não só os navios de guerra mas os barcos torpedeiros e portanto o pessoal correspondente. Separando, porém, os barcos torpedeiros, o acrescimo de percentagem não invalida a posição de relação em que Portugal se acha.
Mas a nossa esquadra não deve ter 32 navios, mas sim 37, como diz o relatorio que precedeu a proposta apresentada n'esta camara, e que serviu de base para o augmento do quadro dos officiaes, decretado dictatorialmente; mas não se apresentam as rasões que o governo teve para propôr 37 navios em logar de 32!
É pela simples rasão da boa vontade? Então podia pedir 40, 50, 60, enfim, nós já tivemos em 1796, com uma esplendida organisação naval, que não soubemos conservar, 65 navios, dos quaes 39 naus e fragatas, com 422 e officiaes!
Então o quadro dos primeiros tenentes era de 140 apenas, assim como o dos segundos tenentes!
E cabo aqui dizer que tambem não era preciso o sr. ministro soccorrer-se ás organisações estrangeiras, para justificar o relatorio que precede o seu projecto, com respeito a á necessidade de igualar os quadros de primeiros e segundos tenentes, porque opiniões existem, muito auctorisadas, a de officiaes da nossa marinha de guerra, que marcavam este termo de igualdade entre o numero de officiaes do quadro dos primeiros e dos segundos tenentes.
Poderá sustentar-se a necessidade do augmento dos quadros dos officiaes pela rasão de não serem sufficientes 32 navios mas sim 37, como o sr. ministro pede?
Mas n'este caso o augmento de 5 navios em relação aos 32, e segundo a media do numero de officiaes, 4,53 por navio, deduzida das lotações estabelecidas pela portaria de 15 de setembro de 1884, representava a necessidade de augmentar o quadro dos officiaes, não com 8, mas com 22!
O sr. Latino Coelho, no decreto que organisou os servi-

52

Página 892

892 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

quadra fosse de 32 navios, e foi em relação a esta força naval e correspondentes serviços auxiliares que estabeleceu o quadro activo de officiaes da armada.
V. exa. e a camara comprehendem que pertencendo eu á corporação da armada, e desejando acompanhar os desejos de augmentos que facilitem o accesso, e a diminuição do pesado encargo do serviço das estações de Africa, tenho comtudo de subordinar essas aspirações a um principio de justiça, e para isso procurei nas organizações de diversas nações navaes os dados estatisticos que me fornecessem elementos precisos, para ver até que ponto a nossa força naval podia ser elevada.
Effectuei esse estudo estatistico em relação a todos os dados que me parecia poderiam concorrer para esse um, taes como superficie, população, extensão de linha de costa, orçamento geral e o especial de cada estado, e o da sua marinha de guerra, dados estatisticos que não leio em detalhe para não fatigar a attenção da camara e que dão a base das minhas apreciações em relação ás doze nações seguintes: Russia, Allemanha, Austria, França, Inglaterra, Hespanha, Italia, Suecia, Portugal, Hollanda, Grecia e Dinamarca, e em que Portugal figura em nono logar nas seguintes condições em superficie, importancia do orçamento total do thesouro, importancia do orçamento naval, em oitavo logar em relação á população, ao numero de navios com relação aos kilometros de costa e ao numero de navios em relação aos habitantes, é o segundo em relação ao numero de officiaes com relação á força da sua esquadra e o setimo na relação que tem o orçamento da marinha para o total do estado.
Conclue-se d'aqui primeiro que o quadro dos officiaes combatentes não carecia do augmento; segundo que, sendo mais pesado no nosso paiz o orçamento total do estado, guardadas as outras condições analogas, não tiramos d'elle todos os beneficios e vantagens que se deviam tirar.
Concluo tambem o que avancei, que não póde ser elevada a nossa esquadra de 32 a 37 navios, porque á despeza actual, que já é importante, haviamos de acrescentar a proveniente do acrescimo correspondente. É esse material o que tornaria mais consideravel o orçamento do ministerio da marinha; e por consequencia maior a desproporção em relação a outras condições que me serviram de termo de comparação.
Cabe aqui apreciar segundo o meu modo de ver qual deva ser a força da nossa esquadra em relação ás condições de ataque e defeza e serviços que tem a desempenhar na paz.
Não me parece que possam nem devam ser considerados pertencentes á esquadra de um paiz alguns dos navios que se têem em linha de conta para formarem os 32 que hoje existem, e que servem de meio de justificação para augmentar o quadro. Refiro-me, por exemplo, a uma lancha de mais a mais á véla, empregada na fiscalisação da pesca no rio Minho, e ao hiate Visconde da Praia Grande, que pertenceu ao serviço dos pilotos, e que o governo entender devia comprar, não sei por que rasões!... Acto este, que me abstenho de apreciar agora e ele que tratarei quando se realisar a minha interpellação sobre administração da fazenda naval.
Mas ainda as pessoas mais leigas em materia de construcção e arte naval comprehendem, em boa regra, que taes embarcações não podem ser consideradas navios de guerra.
Não me alongarei na apreciação do nosso material de guerra, se bem que é materia que se póde discutir largamente n'um parlamento, como succede em Italia, que se discutem até os orçamentos complementares das construcções navaes, com todas as suas minuciosidades.
Permitta-me, entretanto, a camara que eu por um momento me desvie da materia do artigo que estamos discutindo, e diga o que entendo sobre a força da nossa esquadra.
Com os meios do que podemos dispor para as questões de garantia de defeza, de integridade e independencia, a nossa esquadra póde, a meu ver, dividir-se em duas partes: a esquadra, de serviço colonial e de policia, comprehendendo-se n'este segundo ramo a fiscalisação aduaneira e de pesca, e a esquadra de combate.
A esquadra de combate de uma nação pequena nunca póde ser nem em força, nem em numero, igual á esquadra de uma nação grande, quando se tem substituido as antigas naus e fragatas pelos navios couraçados de dispendiosissima requisição o costeamento.
É certo que o sr. Latino Coelho pediu dois navios couraçados para defeza do porto, mas não é menos certo que então não tinham os torpedos e os barcos torpedeiros a importancia que toem successivamente adquirido, mostrando que é essa a arma de guerra para a defeza das nações pequenas, entregando o ataque aos navios soltos, cruzais dores, pela mesma fórma que em terra se faz a guerra de guerrilhas, não só accommettendo comboyos, mas ainda e fazendo surprezas, quando possiveis, nas povoações.
Tendo o protocolo do tratado de Paris de 1856 abolido o corso, que era a principal garantia da força naval das nações pequenas, e sendo, como é, tão dispendiosa a acquisição dos navios couraçados, não podendo as pequenas nações armar uma esquadra de combate com que possa medir-se com as nações de mediana importancia, e muito menos com as grandes, a nossa marinha tem de reduzir-se para a defeza aos torpedos e torpedeiros, para o ataque aos cruzadores soltos, e para o serviço ordinario da costa e colonias a uma esquadrilha, e canhoneiras e pequenas corvetas.
Estão ainda na memoria de todos as proezas do Alabama que, só por si, trouxe em cheque quasi toda a esquadra norte-americana, tendo-lhe causado os maiores prejuizos no commercio e na marinha mercante, e quando isto se deu com uma nação grande, dispondo de uma esquadra importante, imagina-se facilmente quaes seriam os resultados em relação a um paiz de menos importancia em lucta com outro nas mesmas condições.
Subordinado a esta ordem de idéas, entendo que carecem de quatro a seis cruzadores propriamente ditos de 2:500 a 3:000 toneladas, guarnecidos com artilheria de grande alcance, podendo lançar torpedos e conduzir barcos torpedeiros.
Estes cruzadores, lançados nas regiões mais frequentadas pela navegação, seriam uma ameaça formidavel contra o commercio de qualquer nação, por mais poderosa que fosse, os e constituem por si só um dos mais importantes elementos de defeza para uma nação pequena. (Apoiados.)
Não teremos, é certo, uma esquadra que possa ir bombardear um porto inimigo ou bloqueal-o, mas, em compensação, os cruzadores, alem da caça que derem ao commercio inimigo, podem fazer sentir o estado de guerra, se não nos grandes centros e postos fortificados, nas povoações de menor importancia.
Para a inutilidade ele acção das fortes esquadras de ataque e bloqueio temos um exemplo recente na guerra franco-prussiana, em que a esquadra franceza que cruzava nas aguas do mar do Norte, apesar de ser uma esquadra poderosa, nada pôde fazer!
Um paiz tão pequeno como o nosso, que não dispõe de grandes meios para comprar material de guerra naval, deve limitar a sua marinha ás condições de uma marinha
policial propriamente dita, ficando o elemento de ataque pertencendo aos cruzadores com o numero que já apontei e a defeza das costas entregue aos barcos torpedeiros.
Em relação a este serviço, que está a cargo do ministerio da guerra, a reforma do exercito nenhuma melhoria trouxe de organisação, limitou se a reduzir as gratificações,

Página 893

SESSÃO DE 24 DE MARÇO DE 1885 893

ficando comtudo ainda superiores ás que se dão n'outras commissões a officiaes de igual patente.
Realmente, não vejo rasão alguma para que os officiaes que estão em Commissão no serviço dos torpedos, tenham uma gratificação maior do que os seus camaradas de igual patente.
Bem basta que a Commissão de serviço na companhia de torpedos tenha a seu favor o caracter vitalicio e permanente, com todas as suas vantagens.
Completando a ordem de considerações que me propuz fazer relativamente á questão da organisação da força naval, direi que tomando para norma do meu calculo a força de torpedos das doze nações que já citei, em relação á linha de costa, cheguei á conclusão de que precisâmos ter dezeseis barcos torpedeiros para ficarmos em quarto logar entre as nações que hoje dispõem de maior numero de elementos d'esta especie, e não poderá taxar-se de exagerada esta pretensão, quando, segundo o meu modo de ver, prescindimos por força maior de ter esquadra couraçada.
O serviço da costa, feito pelos barcos torpedeiros, póde combinar-se com as indicações dadas da terra, relativamente á approximação e direcção em que navegarem os navios de qualquer esquadra de bloqueio, e seria um elemento terrivel de força contra os navios couraçados ou quaesquer outros por mais poderosos que fossem.
Tanto isto é assim que n'uns exercicios feitos na Allemanha com uma esquadra couraçada que simulava bloquear um porto, e a defeza d'esse mesmo porto entregue aos barcos torpedeiros, conseguiram estes fazer as suas evoluções de modo a apresentarem-se atacando os couraçados do mar para terra, quando os esperavam da terra para o mar, confessando o almirante que dirigia as operações que, se fosse um caso a serio, se daria a perda total da esquadra.
Depois um couraçado representa milhares de contos, e um torpedeiro representa, quando muito, uma centena.
Convém, portanto, ás nações pequenas empregar esta força menor á primeira vista, força que se não impõe pela apparencia e grandeza das fórmas, mas que representa no fundo um poder destruidor immenso que resume em si tudo quanto póde haver de audácia e valentia, porque é necessaria muita coragem para levar um barco torpedeiro ás commissões que lhe pertence desempenhar.
Serviram estas divagações de complemento á opinião que emitti de que não devemos exceder o numero de 32 navios de guerra, comtanto que elles tenham o caracter que o nome indica, comtanto que entre elles não se contem como taes as lanchas de fiscalisação de pesca ou hiates que não têem condições algumas de navio de guerra (Apoiados.)
Disse eu que as dictaduras só podem justificar ou desculpar quando d'ellas resulte manifesta vantagem para a nação; e cousas ha na administração da marinha que estavam reclamando e reclamam ainda urgente e instante reforma e reorganisação!
Queria o sr. ministro da marinha aproveitar para a armada as sommas que as remissões lhe podessem dar?
Queria s. exa. fazer emfim alguma cousa de util para o serviço naval, para a corporação em si, e para todos os corpos auxiliares?
Tinha muito onde exercer a sua iniciativa.
Vamos por partes.
Existem no quadro dos officiaes da marinha de guerra seis officiaes com o curso adquirido nas marinhas estrangeiras, por virtude das disposições da carta de lei de 5 junho de 1854.
Não discuto nem as aptidões nem o merito scientifico d'esses officiaes, mesmo porque supponho que elles têem aptidão precisa.
Comprehende-se, porém, facilmente, que se dá uma injustiça grave no facto de haver num mesmo quadro officiaes a quem a lei deu entrada n'elle só com tres annos de tirocinio nas esquadras estrangeiras, e officiaes que têem o curso do paiz, e que portanto só poderam obter igual patente depois de seis annos de trabalhos theoricos e praticos.
Suppondo ainda que os aspirantes, que foram para Inglaterra em virtude das disposições da carta de lei de 5 de junho de 1854, tinham completado os preparatorios precisos para entrarem na escola polytechnica para seguirem o curso de marinha, conseguiram elles em tres annos de pratica a patente de segundos tenentes, emquanto que os que a não poderam disfructar de igual privilegio e seguiram os estudos no paiz, tiveram tres annos de curso theorico e tres annos de curso pratico.
A differença contra os que estudaram no paiz é, pois, logar de tres annos!
Não discuto, repito, a sciencia e as aptidões dos officiaes do quadro naval por lei especial. São mesmo, creio, dos melhores. Mas ha aqui uma desigualdade que deve e póde remediar-se, passando, por exemplo, estes officiaes para fóra do quadro, mantendo se-lhes e garantindo-se-lhes para todos os effeitos a altura na escala com todas as suas vantagens e direitos.
Creio que se fez no exercito uma cousa similhante com os ou relação ás armas scientificas a respeito dos officiaes chamados praticos.
Não quero chamar praticos aos officiaes de quem trato n'este momento, mas é certo que estes officiaes não têem para a admissão no quadro as mesmas condicções que têem aquelles que estudaram no paiz.
E sem querer, em absoluto, fazer minhas observações terra que podem mais ou menos molestar esses officiaes e unicamente com o intuito do justificar com um documento total official a proposição que avancei, vou ler á camara um trecho do relatorio que precedeu o decreto de 26 de dezembro e de 1868 que acabou com a disposição da carta de lei de 5 de junho de 1854.
Diz elle que a referida carta de lei contem não só «uma excepção desnecessaria ás regras que determinam a habilitação dos officiaes, mas tambem dá origem a desigualdades e abusos que offendem ao mesmo tempo a justiça e o bem entendido interesse do serviço, e dá muitas vezes ao favor o que só é devido ao merito comprovado na frequencia das escolas e na pratica maritima dos cruzeiros nacionaes.»
Não sou eu que o digo; é um documento official, e levo o tão longe a minha consideração para com os officiaes de que se trata que torno a declarar que considero n'este momento a questão unica e exclusivamente sob o principio de justiça e nada mais.
A separação do quadro d'estes 6 officiaes nas condições que já indiquei equivalia a um augmento de 6 officiaes no effectivo total, e dando um movimento relativo nas promoções a que quiz attender-se, como diz o parecer, dava tambem por uma fórma equitativa uma reparação aos officiaes sobre quem pesa a sua collocação na escala.
Ha ainda um ponto que me esqueceu tratar quando analysei o augmento do quadro; quando se discutiu n'esta casa a organisação dos quadros dos officiaes da armada, que depois foi decretado em ditadura, o sr. Mariano do Carvalho observou ao sr. ministro da marinha que era indispensavel attender ás condições do tirocinio, por isso que se estava dando, e continua a dar-se, o facto de haver officiaes sobrecarregados com o serviço de embarque emquanto que outros não tem nenhum, e n'este sentido apresentou uma proposta regulando e augmentando o tirocinio do embarque aos officiaes subalternos que é onde essa falta se faz mais sentir.
O sr. Pinheiro Chagas, ministro da marinha, respondeu a s. exa. que achava justas muitas das considerações apresentadas e que aos abusos apontados procuraria dar remedio ou pôr termo.
Não havia ensejo melhor para augmentar os tirocinios e

Página 894

894 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

regulal-os, do que aquelle em que se dava uma melhoria de alargamento do quadro. Porque sem largo tirocinio de embarque sobretudo nos postos subalternos não póde haver officiaes do marinha, e invoco a favor d'esta opinião o testemunho do nosso collega o sr. Pedro Diniz quando n'um artigo sobre forças navaes publicado nos Annaes do club militar naval transcreve um trecho da apreciação de um jornal francez ácerca da lucta entre a Dinamarca contra as forças navaes alliadas da Prussia e Austria.
«Le vrai marin, qu'il ait à manceuvrer la vapeur ou les voiles, aura toujours un avantage ser drs adversaires moins rompus au métier: celui d'etre sur son élément.
«L'habitude de vivre à la mer et en vue de la mer, de sy plaire, et de s'y trouver à l'aise, donnera toujours de la supériorité, du sang-froid, de la pleine possession de soi-meme, du coup d'oeil et de la saine et prompte décision.»
Ora não se podia estar affeito á vida do mar senão com exercicio aturado do serviço de embarque.
Na marinha franceza o tirocinio de embarque eleva-se treze annos desde o posto de guarda marinha até ao de almirante, emquanto que para nós na mesma ordem de postos temos sete annos apenas.
E para frisar o inconveniente de não se regularem melhor os tirocinios e tornal-os obrigatorios e indispensaveis para o exercicio de quaesquer commissões da arma, aqui tem a camara a lista dos officiaes sem tirocinio publicação no Diario do governo n.° 50 do 5 d'este mez, onde apparecem 53 primeiros tenentes sem tirocinio dos 70 de que se compõe o quadro e não figuram n'esta lista os segundos tenentes, porque a lei lhes não exige tirocinio algum obrigatorio!
E quer a camara saber que tirocinio é aquelle? É apenas um anno de embarque sendo seis mezes fóra dos porto do continente!
Como para os segundos tenentes a lei não exige embarque fóra dos portos do continente, muitos se esquivam fazer o serviço das estações navaes, indo esse serviço sobrecarregar os que não podiam esquivar se.
Portanto desde que se reconheceu que havia abusos que era necessario prover de remedio, devia-se ter acompanhado as melhorias do alargamento do quadro com mais regular e justa distribuição do serviço do embarque e alargamento de tirocinios, tornando-os indispensaveis para o exercicio das commissões na metropole; d'esta fórma as solicitações contra o embarque para as estações navaes tornar-se-íam favor com grande utilidade para as exigencias do serviço, e sua equitativa distribuição, reparando-se a injustiça de pesar tão sómente sobre os que não póde esquivar-se a elle. (Apoiados.)
Disse eu que podia justificar-se a dictadura se, como diz o parecer, houvesse manifesta utilidade para o paiz (Apoiados.)
Já tratei de dois pontos, que regularizados teriam dado utilidade immediata, vou ainda occupar-me de outro, se vindo-me do relatorio que precede a proposta de lei para o alargamento do quadro dos officiaes de marinha.
Referindo-se á necessidade de render as guarnições sem render os navios, diz o relatorio:
«Quando o ministro, aterrado pelo crescimento das despezas com as passagens, deixa de auctorisar o transporte de praças da armada, a doença, prostrando nas camas dos hospitaes os marinheiros demorados por longo tempo n'essas longiquas paragens, vem a advertir de que não póde attender a rasões de economia, quando se trata da vida e dos servidores do estado, quando se trata da justiça, quando se trata da humanidade.»
Este trecho do relatorio convida naturalmente a considerar como se acha organisado o serviço de saude naval, e quando vemos que o respectivo quadro se compõe de 27 praças, das quaes apenas 22 se podem considerar de embarque, quando vemos que apesar da ultima reforma o quadro não só se não completou, mas diminuiu até o pessoal existente por terem alguns facultativos pedido a demissão, quando ver acresce a isto serem distrahidos para serviço no ultramar os facultativos navaes, escasseando ainda mais o pessoal de embarque, conclue-se que, se havia necessidade urgentissima de serviço a attender, era a da reorganisação do um quadro do serviço de saude naval.
O sr. Barbosa du Bocage, quando ministro da marinha, fez uma reforma suppondo naturalmente que era a melhor das reformas possiveis.
Infelizmente os resultados foram contraproducentes; e como as minhas palavras poderão ser tidas como inspiradas pelo espirito de opposição, vou ler uma portaria do sr. de Pinheiro Chagas, successor do sr. Bocage, e seu collega de no ministerio, e que tem a data de 30 de julho de 1884:
«Não tendo sido possivel nos ultimos tempos preencher-se as vacaturas existentes no quadro dos facultativos navaes, ha Sua Magestade por bem nomear uma Commissão, a qual é encarregada de estudar e propor todas as alterações que julgar conveniente fazer-se na lei de 29 de do maio de 1883» (referendada pelo sr. Bocage) «para que se de torne facil o preenchimento do mencionado quadro dos facultativos navaes, e tambem quaesquer outras que reconheça serem uteis para se melhorar o serviço de saude da armada.»
Logo, a lei anterior não pôde fazer com que se preenchesse o quadro, nem deu em resultado melhorar-se o serviço de saude naval; é o proprio collega do sr. Bocage no ministerio, que o diz, justificando assim a minha asserção dos de que a ultima reforma fôra pelo menos inutil e que era urgente prover de remedio a um tal estado de cousas.
Cabe aqui fazer ainda outras considerações.
O corpo de saude naval não póde estar nas mesmas condições que o corpo de saude do exercito. O cirurgião do exercito póde accumular o serviço official com a clinica particular, sem que d'ahi resulta prejuizo para o serviço, emquanto que o facultativo naval não póde ir buscar na clinica particular a justa compensação de retribuição, a que tem direito um curso tão trabalhoso e demorado.
Na Austria, os facultativos navaes vencem pela tarifa immediatamente superior á patente que têem na hierarchia militar, é isto o que se lê no carnet de official da marinha austriaca que tenho presente, não passando os facultativos navaes n'aquelle paiz, como no nosso, do posto de capitão de mar e guerra.
Pela fórma apontada se procura n'aquelle paiz retribuir devidamente um serviço tão importante como é o dos facultativos; entre nós não só se não pensou n'isso, mas desconsiderou-se a classe dos facultativos navaes incorporando-lhe os filhos da escola medica da Madeira, que podem considerar-se simples ministrantes. Já é incentivo!
Ao sr. Bocage, levado pelo seu espirito colleccionador de naturalista e porventura por espirito de consideração local, se deve esta aggremiação hybrida e inconveniente por todos os respeitos.
Já foi apresentado á camara um projecto do sr. ministro no intuito de reorganisar o quadro de saude naval; não me parece que, tal como está, possa realisar o desideratum que tem em vista, nem é sufficiente o pessoal que se pede no projecto para as necessidades do serviço naval.
Uma das cousas a que me parece se deve attender tanto dos para o pessoal de saude naval, como para o do exercito, é a compensação do accesso por occasião da reforma.
Parecia-me que se deveria attender á falta da hierarchia elevada dos quadros, dando aos facultativos na reforma o mesmo posto a que tivessem direito os officiaes do quadro combatente da mesma data de praça; e quando embarcados vencerem pela tarifa immediatamente superior, a exemplo, em parte, com o que se pratica na marinha austriaca, como já disse.
Como se vê, pois, dos documentos officiaes não só o quadro dos facultativos é diminuto para as necessidades do

Página 895

SESSÃO DE 24 DE MARÇO DE 1885 895

Serviço, mas ainda esse quadro está incompleto, e por todas estas rasões, e no proprio interesse de todas estas rasões, e no proprio interesse de todas as classe navaes, este quadro carecia de mais prompto remedio de que o quadro dos officiaes combatentes.
Ainda ha outro ramo de serviço naval que carecia, e carece, de não menos urgente reforma, porque se refere não só ás condições em que se acha o pessoal, mas principalmente porque prende com elle a melhor, a mais segura e séria administração dos dinheiros publicos, refiro-me ao quadro dos commissarios ou encarregados da fazenda da armada.
Este quadro, sr. presidente, é tão pouco considerado que até a lei, que creou um quadro especial dos empregos menores das secretarias para os sargentos do exercito que passam á reserva, os foi admittir n'esse quadro! (Apoiados.)
O commissario da armada precisa saber a escripturação complicadissima de um enorme material, tendo de escripturar n'uma serie de livros o serviço naval, emquanto que o sargento do exercito só tem de saber da administração e escripturação da companhia e por isso não póde ter competencia para o exercicio das funcções de commissario ou encarregado da fazenda naval. (Apoiados.)
Acresce a isto que o pessoal de serviço de fazenda naval, mais por ignorancia dos deveres do cargo, do que por má fé, ou falta de probidade, tem atraz de si um deficit em alcances de administração que importa em 20:385$463 réis, segundo os documentos que tenho presentes e me foram enviados a esta camara.
Este facto só por si justifica o que affirmei, que não ha via só necessidade da reorganisação do quadro, mas que havia tambem ligado com ella os interesses da fazenda publica.
Se este funccionalismo fosse devidamente instruido não haveria esses alcances, talvez em grande parte provenientes da má escripturação por falta de instrucção conveniente.
Parece-me, pois, que o sr. ministro da marinha desde que julgou opportuno, tres annos depois de publicadas as bases da reforma da contabilidade publica, promulgar o decreto de 9 de outubro de 1884 que augmentou o quadro da contabilidade do seu ministerio, e que acabando com a commissão fiscal que fazia o primeiro exame das contas de administração, que mais tarde deviam ser apresentadas ao tribunal de coutas, creou a secção fiscal, melhor andaria, praticando um acto de dictadura util pela necessidade que o justificava, reorganisando o quadro dos commissarios da armada, de modo que se podesse ter ingresso n'esse quadro quem tivesse umas certas habilitações scientificas, creando-se um curso de aspirantes a commissarios da armada subsidiados, como os aspirantes de marinha e os aspirantes a facultativos navaes, etc., podendo então ser admittidos n'esse quadro os sargentos de exercito; dando-se como vantagem o accesso ao quadro da contabilidade, sendo preenchida por cada duas vagas, uma pelos primeiros tenentes commissarios e supprimindo-se a classe de primeiros officiaes de fazenda com a graduação de capitaes-tenentes para compensar o augmento de despeza resultante da equiparação dos seus vencimentos com o dos officiaes combatentes de igual categoria.
A meu ver o curso podia organisar-se no instituto industrial e commercial de Lisboa com uma aula complementar da legislação e administração na escola naval.
Só assim se justificaria o augmento do pessoal do quadro da contabilidade publica do ministerio da marinha que consta hoje de 25 funccionarios, em quanto que o pessoal do quadro da contabilidade do ministerio da guerra, cujo movimento ninguem dirá que seja igual, tem apenas mais 1 empregado, isto é, 26!
Já que me referi a este ponto direi que não sei se este decreto, que reorganisou a repartição de contabilidade do ministerio da marinha, augmentando a despeza em réis 1:460$000, metade proximadamente dos 3:000$000 réis, auctorisado pelo § l.° do artigo 58.° das bases da lei de 1881, ainda podia ter logar.
Pareceu-me que esta disposição das bases decretadas em 25 de junho de 1881 só poderiam utilisar até á data da publicação do regulamento de 31 de agosto do mesmo anno, em que deviam estar organizadas as repartições, consoante a lei dispunha, ou quando muito até julho de 1882 ao em que começou definitivamente a vigorar a lei, parecendo, portanto, ter caducado a auctorisação desde aquella ultima data em que os serviços se consideraram organisados.
Mas ainda quando assim se não entenda, excedeu o sr. ministro da marinha a auctorisação desde que tomou á sua parte metade da verba que era auctorisada para quatro serviços como no referido paragrapho se mencionam.
Desculpava-se este decreto se tivesse servido para melhorar as condições do quadro dos commissarios da armada, que são os exactores da fazenda a bordo, aproveitando-o para melhorar as condições d'aquelle pessoal com a sua passagem para as repartições de contabilidade, logo que chegassem á categoria de primeiros tenentes.
Vem de reforço ao argumento que produzo o facto de existirem na repartição de contabilidade empregados que foram commissarios da armada. E o facto recente de ser transferido para aquella repartição por decreto de 9 de outubro de 1834 um official da corporação de commissarios da armada, em quem o illustre ministro reconheceu de certo excellentes aptidões como encarregado de fazenda que o recommendaram para ir exercer as funcções ou o mister de empregado da contabilidade.
Como o parecer do bill que se discute pretende justificar o uso da dictadura pelo facto de terem alguns dos decretos constituido materia de propostas de lei que foram discutidas e votadas n'esta camara, vou soccorrer mo ainda ao parecer que precede a proposta para o augmento do quadro dos officiaes combatentes para apontar ainda outro caso em que a dictudura, a ter de se exercer, se justificava ou desculpava de preferencia.
Quero referir-me ás comedorias.
Permitta-me a camara que eu defina o que são comedorias, porque não póde nem deve entender-se que é o subsidio que ao official se dá para comer.
O governo ou o estado paga diversos vencimentos, com o soldo que se recebe em todas as situações; é o resultado do contrato bilateral feito entre o concorrente a dadas os funcções do serviço publico e o estado, por isso que os estudos que se adquirem só servem especialmente para o fim a que se destinam; temos depois o vencimento chamado de exercicio, a gratificação, que é o complemento do vencimento do serviço efectivo; e em muitas funcções publicas ha ainda as gratificações extraordinarias, as ajudas de custo, os subsidios de marcha, etc., como são os que recebem os funccionarios publicos em exercicio fóra da sede do seu logar, os engenheiros, os officiaes do exercito a para marcha e fóra do seu quartel, os funccionarios empregados no lazareto.
Estão no mesmo caso as comedorias, que é o vencimento de exercicio mais justo, e ganho mais dignamente e cem mais trabalho, porque representa a gratificação do serviço de navegação, que não tem horas determinadas, que é absoluto e continuo atravez de todas as difficuldades, inclemencias e violencias de mar e tempo!
E tanto isto é assim, e tanto as comedorias significam um vencimento de exercicio, e de funcções penosas que variando de patente para patente, porque com estas varia a importancia e responsabilidade das commissões, variam ainda na mesma patente conforme o individuo exerce as simples funcções de official de guarnição, de immediato ou de commandante, porque em cada uma d'estas situações a responsabilidade e encargos de serviço variam, crescendo.
Portanto, é um vencimento de exercicio proporcionado á

Página 896

896 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

gravidade ou a responsabilidade da commissão que só exerce. É um termo ingrato sr. presidente, e entretanto representa a retribuição do mais penoso dos serviços publicos, o serviço da navegação! (Apoiados.)
Diz o relatorio que precede a proposta de lei a que me tenho referido «... a marinha portugueza nunca em tempo algum se eximiu ao desempenho dos seus mais arduos serviços, e nem sequer de leve murmura quando se vê menos justamente recompensada: e como exemplificação dirá apenas a vossa commissão, que a verba das comedorias hoje ainda em vigor, foi decretada em 1790.»
Esta data, sr. presidente, é por si só mais eloquente que quantos argumentos eu possa adduzir. Se havia pois lei, que reclamasse reforma, e se o sr. ministro da marinha desejava aproveitar para o serviço naval tambem a verba de remissão que o governo creava de novo, parecia-me que, se havia alguma medida justa era applical-a ás comedorias pelas rasões que acabo de expor, e tanto mais quanto pelo decreto de 28 de dezembro de 1882 o sr. Mello Gouveia alterou as comedorias para os passageiros funccionarios publicos a bordo dos navios do estado! E quer a camara ver até onde vae a injusta differença que resulta d'este decreto, entre quem vae de passagem com todas as commodidades que o navio póde dar, e quem dirige o navio e vae exposto a todas as inclemencias que se podem dar em viagens do mar?!
Eu vou apresentar alguns exemplos:
O decreto de 28 de dezembro de 1882, do sr. Gouveia, alterando o abono de comedorias dos passageiros do estado a bordo dos navios da marinha de guerra, e que até ali eram iguaes ás dos officiaes da armada, com o beneficio illegal para os passageiros de não descontarem os dias não vencidos em viagem, elevou esse abono a 1$000 réis diarios, e estabeleceu o numero de dias de viagem que se abonariam antecipadamente conforme o ponto do destino.
Para fazer a apreciação d'este estado de cousas basta tomar tres termos, o menor, o medio e o maior, e uma categoria intermedia de hierarchia militar.
Como a camara sabe, a patente de guarda marinha equivale á de alferes, a de segundo tenente á de tenente, a de primeiro tenente á de capitão, a de capitão tenente a major, e assim successivamente.
Raras vezes succede ír a bordo uma patente igual ou superior á de tenente coronel, tomo portanto a patente de capitão para termo medio da comparação hierarchica
N'uma viagem para Cabo Verde abona a tabella quatorze dias, que é o minimo, e n'estas condições temos:

Um primeiro tenente da armada:
Soldo .... 16$332
Gratificação .... 11$666
Comedorias .... 5$600
33$598

Capitão do exercito:
Soldo .... 16$332
Gratificação .... 4$666
Comedorias .... 14$000
Ajuda de custo .... 50$000
84$998

Differença a favor do passageiro, que na pittoresca linguagem de bordo vae do pernas ás latas, 51$400 réis!!!...
Segundo caso, viagem para S. Thomé trinta dias, segundo a tabella:

Um primeiro tenente da armada:
Soldo .... 35$000
Gratificação .... 25$000
Comedorias .... 12$000
72$000

Um capitão do exercito:
Soldo .... 35$000
Gratificação .... 10$000
Comedorias .... 30$000
Ajuda de custo .... 50$000
125$000

Differença a favor do passageiro, ao abrigo de todas as vicissitudes do tempo, 53$000 réis !!!...
Terceiro caso, viagem de cincoenta dias para Macau ou Timor, segundo a tabella:

Um primeiro tenente da armada:
Soldo .... 58$300
Gratificação .... 41$665
Comedorias .... 20$000
119$965

Um capitão:
Soldo .... 58$300
Gratificação .... 16$665
Comedorias .... 50$000
Ajuda de custo .... 50$000
174$965

Differença a favor do passageiro, que mata o tempo criticando o serviço e a navegação, 55$000 réis!!!...
Por este rapido esboço vê a camara quanto era de justiça attender a este estado do cousas, sendo, por ventura, desculpavel pela justiça que lhe assiste, que se tivesse feito a dictadura com melhoria de rasão do que o alargamento dos quadros, e tanto o sr. ministro da marinha reconhece a justeza d'estas allegações, que já deu algumas providencias de melhora.
É verdade que ha n'isso uma dictadurasinha, porque alterou as disposições da lei que regulam o abono de vencimentos aos officiaes da armada, e que estabelece que as comedorias só são abonadas desde a data da chegada ao porto do destino.
S. exa., por portaria de 11 de janeiro de 1884, mandou que fosse abonada a melhoria de comedorias aos officiaes se destinam ás estações da Africa Oriental, e dos mares da China, desde que tocassem em Aden.
Isto importa uma alteração da lei que não podia fazer-se por uma portaria, e que dá augmento de despeza, contra todas as disposições das leis fundamentaes e do regulamento geral da contabilidade publica.
É esta a causa por que digo que houve sobre a materia uma pequena dictadura. E eu não quero mal a s. exa. por isso, porque a providencia é justa, apenas se desattenderam as praxes; estimo que o facto se desse, porque significa que da parte do governo se reconheceu que devem ser melhoradas as condições de abonos e de comedorias que infelizmente têem este nome desagradavel contra si, quando representam a remuneração do serviço ganha no mais penoso de todos os trabalhos, o da navegação! (Apoiados.)
Por ultimo resta-me tratar do serviço de ensino, que carece de urgente reforma, não só em relação aos commissarios, como já indiquei, creando-se um curso, mas tambem a respeito dos officiaes combatentes.
Na escola do exercito ha uma aula de legislação, não a havendo na escola naval. Resulta d'aqui que os aspirantes que sáem da escola naval vão para bordo dos navios de grande lotação, onde encontram officiaes antigos que lhes transmittem a respeito do serviço as antigas e velhas tradições, obsoletas e contrarias aos regulamentos decretados, mas que se não executam pela circumstancia de uns as ignorarem, e quasi todos as não quererem estudar, quando as disposições dos regulamentos vigentes, perfeitamente

Página 897

SESSÃO DE 24 DE MARÇO DE 1880 897

Methodicas, se encontram em execução, guardadas as devidas proporções, até a bordo de paquetes!
Outro serviço que precisava ser attendido é o ensino da hygiene.
A este respeito deu se um caso curioso, que vou narrar e que justifica a asserção que avancei.
A ultima organisação do corpo de marinheiros da armada, apresentada n'esta camara, em substituição da que existia, que era do sr. Andrade Corvo, foi aqui largamente discutida, e bem assim no seio da commissão e na imprensa, soffrendo algumas alterações até na tabella de uniformes que acompanhava o projecto, porque era verdade se diga que o projecto, para nada lhe faltar, até a tabella dos uniformes trazia; mas, cousa notavel, ao passo que se fazia apreciar a commissão de marinha, onde havia cinco officiaes da armada, e a camara, a feição militar e as condições hygienicas do uniforme, acompanhava a lei um pequeno paragrapho que permittia a um poder desconhecido alterar tudo quanto a camara tinha approvado, e dizia assim:
«No padrão dos actuaes artigos de uniforme, e na presente tabella, serão feitas as alterações que as conveniências do serviço e a feição militar do corpo aconselharem.»
Em virtude desta disposição a tabella dos uniformes, approvada por carta de lei de 29 de março de 1884, era alterada por portaria de 7 de julho do mesmo anno!
A competencia dos individuos de profissão militar, que havia na camara, não soube apreciar da feição militar dos uniformes da tabella que approvaram.
A competencia de tantas capacidades medicas que havia na camara não era bastante para apreciar das condições hygienicas dos uniformes consoante as necessidades do ensino e a sua feição militar!... E que se fez o restabeleceram-se as fardetas, que tanto hygienica como militarmente se não justificam, e facultou-se o uso das camisolas de riscadinho de algodão, que a hygiene reprova. Será mais bonito, mas não mais hygienico!
Taes são em conclusão as considerações que o projecto do bill me suggeríram ácerca da armada.
Não me occupei da questão da reforma do exercito porque como já disse não é da minha especialidade nem competencia; e resumindo as considerações feitas direi que perante todos os elementos estatisticos da nossa marinha não poderá exceder a 32 navios, mas 32 navios de guerra, propriamente ditos, e que carecemos como força da defesa complementar augmentar o numero dos barcos torpedeiros successivamente; que se alguma cousa podia desculpar a dictadura pela sua utilidade e urgencia não era a reforma do quadro dos officiaes combatentes, mas sim a dos facultativos navaes, a dos commissarios, o ensino d'estes e dos officiaes da armada organisando-o e melhorando-o, e por ultimo a remodelação da gratificação do serviço de navegação impropriamente chamada comedorias que por todos j os titulos do justiça se recommenda á apreciação dos poderes publicos. (Apoiados.)
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
Leu-se na mesa a seguinte

Moção de ordem

A camara dos senhores deputados, considerando que necessidade alguma de ordem publica nem utilidade para a nação justificam a publicação das reformas militares por medida dictatorial, faz votos pela observancia dos preceitos do pacto fundamental e continua na ordem do dia. = Ferreira de Almeida.
Foi admittida.

O sr. Cunha Bellem: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se julga a materia do artigo 1.° sufficientemente discutida.
Assim se resolveu.
O sr Sinmões Ferreira: - Peço a v. exa. a bondade dizer-me se está esgotada a inscripção.
O sr. Presidente: - Estava inscripto o sr. Simões Ferreira.
Em seguida foi approvado o artigo 1.°
O sr. Presidente: - Vae ler-se a moção de ordem do sr. Cypriano Jardim.
O sr. Cypriano Jardim: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que retire a minha proposta.
Assim se resolveu.
O sr. Presidente: - Vae ler-se a moção de ordem apresentada pelo sr. Ferreira de Almeida.
O sr. Ferreira de Almeida: - Peço a v. exa. que consulte a camara se consente que retire a minha proposta.
Assim sr resolveu.
O sr. Arroyo: - Mando para a mesa um parecer das commissões do fazenda e do ultramar, relativo a capitães mutuadas pelo banco nacional ultramarino ás juntas de fazenda das nossas provincias ultramarinas de Cabo Verde, Angola, S. Thomé e Principe e Moçambique, assumpto este a que se refere a proposta apresentada este anno n.° 15-II.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Fontes Pereira de Mello): - Mando para a mesa uma proposta, para que a camara auctorise o sr. deputado Guilhermino de Barros a accumular as funcções de deputado com o logar que exerce no ministerio das obras publicas.
Leu-se na mesa.
É a seguinte:

Proposta

Em conformidade com o disposto no artigo 4.° do acto addicional á carta constitucional da monarchia, o governo de Sua Magestade pede á camara dos senhores deputados a indispensavel licença para que o sr. deputado Guilhermino Augusto de Barros, director geral dos correios, telegraphos e pharoes do reino, possa accumular, querendo, as funcções legislativas com as do seu emprego n'este ministerio.
Ministerio das obras publicas, commercio e industria, 23 de marco de 1885. = Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello.
Foi approvada.

Entrou em discussão o artigo 2 .°.

O sr. Thomás Bastos: - As considerações que vou ter a honra de expor á camara não teriam alteração, ainda que variassem as circumstancias que se dão actualmente; isto é, se em vez de os auctores do decreto relativo á reforma do exercito serem os srs. ministros actuaes, fossem ministros meus amigos politicos.
O debate, na parte que propriamente diz respeito á apreciação politica da dictadura, parece-me que já vae findo; acaba de votar-se o artigo 1.°, que releva o governo da responsabilidade de ter assumido a dictadura, e, portanto, é exactamente o ensejo, a meu ver, mais proprio para usar da palavra com serenidade, e livre completamente de qualquer impressão politica; porque uma reforma do exercito, assim como tudo quanto diz respeito ás instituições militares, nunca deve ser tratada como uma questão de politica partidaria.
Vae longe o tempo em que ás forças de defeza da nação se dava o nome de reaes exercitos. Hoje o exercito é do paiz; é, segundo o grande pensamento e a conceituosa phrase de Von der Goltz, a nação armada.
O exercito é seguramente a primeira instituição do estado, da qual todos deviamos fazer parte directa ou indirectamente, e a que está ligada a nossa independencia o a 1 integridade do nosso territorio. Portanto, deviamos olhal-a com tal consideração e tão acima das paixões politicas, que só pensassemos todos em melhoral-a, em tornal-a verdadeiramente util, e nunca expol-a a ficar reduzida a condições

Página 898

898 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

menos prosperas, porque as vaidades de uns e as paixões de outros para isso contribuissem.
Acho-me n'uma posição especial n'este debate. Sou official do exercito, do que me honro; e honrando-me tambem de ser membro d'esta camara, n'ella me encontro exactamente quando se está discutindo assumpto de tanto interesse para o exercito. Tenho tambem a honra de ser lente em uma escola, onde se professam as sciencias militares.
Todas estas rasões fazem com que eu não possa deixar de intervir n'esta discussão.
Em taes circumstancias vou tratar a questão no cumprimento do meu dever, tranquilla e desapaixonadamente, occupando me do assumpto que muito importa ao paiz, e que, certamente, vale mais que os homens.
Os homens, por muito que valham, quando discutidos, podem azedar o debate, ou ser sempre molestados, quer a paixão leve a elogial-os, quer a censural-os. Porque não sei, realmente, para quem tem sentimentos bem puros e levantados, qual será muitas vezes mais incommodo, se ser injustamente accusado, se ouvir constantemente elogios, ou ver tanto Plutarcho a contar os seus feitos!
Parece-me que o abuso, o excesso n'um e n'outro caso, são igualmente mo'estos.
Posto isto, vou tratar de entrar na materia, segundo os principios que professo, e que são exactamente aquelles que, no desempenho das funcções que me incumbem, eu costumo ensinar aos que me dão a honra de ser meus discipulos.
Não tenho, já se vê, o proposito de fazer aqui uma dissertação academica, nem a pretensão de dar lições a quem sabe mais do que eu, ou aos que se precisassem d'ellas, iriam procurar mastro mais auctorisado.
O meu fim é simplesmente justificar o meu voto, procedendo segundo a minha, consciencia e procurando ser o mais breve possivel, unica qualidade por que poderei agradar.
Tem-se dito nos documentos enviados a esta camara, e tem se affirmado aqui, que o decreto da organisação do exercito tinha por fim pôr essa organisação em harmonia com as sciencias militares no estado de aperfeiçoamento em que ellas se encontram, e que esse mesmo decreto teve em vista obter uma organisação, posto que modesta, que nos collocasse em condições de em qualquer eventualidade, ter um exercito que attinja o numero e tenha a composição que a arte militar e o medo de fazer a guerra imperiosamente exigem.
N'um documento por certo o mais habilmente redigido, que é o relatorio sobre o bill, diz-se que não ha logar, por não o permittir a estreiteza do espaço, para enumerar todas as vantagens que hão de advir ao exercito da execução do decreto de 30 de outubro; mas que emfim, pode se dizer que d'ahi proveiu o seguinte:
«O alargamento e fixação dos quadros de modo a permittir em qualquer eventualidade uma facil mobilisação de um forte contingente de tropas.»
Disse eu que este documento, e isto honra o seu auctor que é um nosso collega muito intelligente, é dos mais habilmente feitos, porque está o mais cautelosamente redigido. A maneira por que elle se expressa podia, talvez, por em difficuldades a minha argumentação, visto referir-se não á mobilisação do exercito mas simplesmente á do um forte contingente de tropas; e allegar-se que o exigido para a mobilisação de todo o exercito estava ao menos disposto para uma fracção. Mas nem isso succede.
Acho perigoso e inconveniente o que se tem proferido n'esta camara e o que se tem referido em differentes documentos.
Tenho sempre muito receio de que no nosso paiz se possa repetir um dia o facto tristissimo, que se deu em Franca por occasião de se declarar a guerra á Allemanha, e onde o ministro da guerra, general Leboeuf, dizia que o exercito estava tão preparado para a campanha que nem faltava sequer um botão a qualquer soldado.
É preferivel fallar a verdade sinceramente ao paiz, pedir-lhe a sua cooperação na grande obra da restauração das nossas instituições militares, obra que não póde ser de um só homem, nem de um só partido, mas de todos; e que não poderá levar-se a cabo por modo a bem radicar-se, e desentranhar-se em bons fructos em menos de uma geração.
Creio que ninguem estará sinceramente convencido de que o que existe, o que se tem feito em relação ao exercito, nos colloca em condições de podermos mobilisar ao menos um contingente de tropas importante, ou que a organisação decretada em 30 de outubro corresponde áquillo que exigem os preceitos modernos da arte militar. (Apoiados.)
Não ha nem póde haver a mobilisação de que se falia, porque falta para ella exactamente a condição essencial: a divisão regional.
Sem ella como póde haver a mobilisação?
Não essa, de poucas semanas, a que o sr. presidente do conselho alludia aqui no anno passado, porque essa já não é dos nossos tempos; mas a que é preciso que se faça, a de poucos dias, a de horas, aquella a que o general Lewal chama uma crise violenta.
Hoje é necessario que a mobilisação se realise em muito pouco tempo, tanto menos quanto mais pequeno é o paiz, como é o nosso.
Entre nós é necessario que a mobilisação se realise, por assim dizer, de um momento para o outro, aliás não estamos em circumstancias de resistir ao invasor, aliás não podemos dizer que empenhâmos todos os nossos esforços para defendermos a independencia da patria. (Apoiados.)
Mas não póde haver entre nós essa mobilisação, porque nos falta a condição principal, porque falta n'esta reforma áquillo que já tivemos e que desprezámos, áquillo que esquecemos, em nome das paixões políticas, em nome das questões que dividiram este paiz em dois campos, questões que lho custaram tanto sangue.
Nós esquecemos completamente o que tinhamos, e, por que o esquecemos, admira-nos vel-o florirem outras nações! (Apoiados.)
Perguntâmos depois por que é que as instituições militares tanto decaíram em Portugal! Se decaíram, a culpa é nossa.
É preciso dizer isto, e creio que se póde dizer diante de todos que aqui estão, porque todos são liberaes. A culpa foi dos liberaes, embora se saiba que, se a commetteram, não foi com o proposito de prejudicar o paiz, foi obedecendo a outra ordem de idéas, ás preoccupações de momento.
Mas, como eu ía dizendo a v. exa., nós não podemos ter mobilização, porque não temos para ella a condição essencial, porque não temos no paiz a divisão regional para o recrutamento. (Apoiados.)
E isto não é idéa bebida nos livros estrangeiros.
O sr. Cypriano Jardim disse que a opposição ía procurar nos livros estrangeiros, ía buscar, por exemplo, ao livro de Vou der-Goltz as opiniões que vinha apresentar na camara.
Esta idéa que me refiro não se encontra só nos livros estrangeires; encontra-se muito antes na historia patria, nos nossos documentos officiaes, expressa em linguagem muito vernacula, em linguagem verdadeiramente portugueza.(Apoiados.)
Isso, que tivemos, já o não temos; e emquanto não o tivermos outra vez não podemos estar habilitados para mobilisar o exercito. (Apoiados.)
Para provar o que deixo referido, e para que se não diga que é esta uma questão que se foi estudar nos livros estrangeiros, peço licença para ler um trecho de uma publicação feita em Portugal, como o poderia fazer de muitas outras.

Página 899

SESSÃO DE 24 DE MARÇO DE 1885 899

E desde já declaro á camara que serei sóbrio nas leituras, não porque eu não precise d'ellas para justificar as minhas palavras, mas porque leituras mal feitas, como as que posso fazer, não poderão mais que enfastiar a assembléa.
Eis o trecho a que me refiro; é do relatorio e projecto de proposta de lei para a organisação da reserva do exercito, elaborado pela commissão nomeada por portaria de 13 de dezembro de 1869:
«A nossa organisação de 1807 dividia o reino em vinte e quatro districtos ou brigadas de ordenanças, dentro de cada um dos quaes se recrutava um regimento de linha e dois de milicias, pensamento modificado depois pelo augmento no numero dos corpos, mas que, renovado de alguma sorte, facilitaria immensamente a composição e a instrucção militar para o caso que se nos apresenta. Hoje, subjugado pela consideração do despender pouco, torna-se mais sensivel a falta de quadros militares, com distribuição regular por toda a superficie do paiz, em correspondencia ás divisões administrativas, ou á densidade da população. Se existissem esses quadros permanentes, seria facil extremar dentro d'elles os homens mais propensos para a ordem e para a tranquillidade publica, que pelo seu interesse e conselho, bem como por sua cooperação armada, contribuissem para a manutenção da paz interior. Formariam estes a parte sedentaria da milicia.
«D'estes mesmos quadros se extrahiriam os que, no vigor da idade, na actividade sua consequente, e na ambição de gloria, formassem na epocha do recrutamento os contingentes de recrutas, e, com os sobrantes, a segunda reserva do exercito, destinada ao preenchimento successivo das vacaturas occorrentes, e a levantar o mesmo exercito ao maximo estado de guerra.
«A esses quadros voltariam, preenchidos que fossem os tres annos de serviço, os soldados licenciados para a primeira reserva, levando-lhes a noticia e o exemplo da instrucção e da educação militar, facilitando-lhes outrosim a instrucção do soldado com a sua concorrencia aos exercicios.
«Todos estes elementos que poderiam, nos quadros que a commissão imagina, constituir secções diversas, contrahiriam entre si como que uma solidariedade moral e de honra, com o corpo de linha para cuja existencia contribuissem. Ainda hoje muitas povoações se blasonam dos feitos da guerra peninsular pelos corpos que recrutavam especialmente no seu districto.»
Isto differe muitissimo do que expoz o sr. Cypriano Jardim, a quem estimo pelos seus merecimentos, mas que me impressionou tristemente pela doutrina que apresentou, porque com ella só mostrou representante de idéas antiquadas e obsoletas, que nenhum homem moderno póde já admittir.
A idéa que s. exa. apresentou de que o soldado se vae perder no que chamou por ironia, mas sem querer de certo offender o pobre militar, as delicias de Capua da familia, já não é do nosso tempo.
Emquanto o soldado não tiver a noção bem clara, não do que sejam as delicias do Capua, mas do que seja a familia e o lar, tambem não póde ter a noção do que seja defender a patria.
Por esse elemento primordial é que ha de começar a comprehender os altos deveres que lhe incumbem.
E não ha perigo nenhum, a historia o mostra, em que o soldado sirva na sua região. N'este paiz a lingua que se falla é a mesma em todo o territorio; não ha de provinda para provincia divisão de castas, nem espirito de desinteligencias ; não se dá aqui o que succede na Allemanha com a Alsacia e Lorena, o que occorre na Russia com o Caucaso ou com a Polónia; não ha nenhuma d'essas causas de excepção á regra geral, e que são apresentadas por Von der Goltz.
Quando n'este paiz não ha recrutamento regional, quando elle não está dividido para as funcções militares, como está dividido administrativa, ecclesiastica e judicialmente, emquanto nós estivermos n'estas circumstancias é uma illusão querer mobilisar rapidamente o exercito.
Tem-se querido trazer para aqui o que tem succedido algumas vezes, quando em paz plena se tem chamado as reservas.
Effectivamente este bom povo cumpre tão bem os seus deveres, e é por isso tão merecedor de que se olhe com mais amor pelos seus interesses, que não faltou; compareceu a cumprir mais esta obrigação, embora não podesse convencer-se da necessidade de tal exigencia. Mas isto é um chamamento com praso mais largo para a apresentação; não é uma mobilização para entrar immediatamente em campanha, como se fará mister quando o inimigo nos ameaçar.
É necessario estudar de antemão o problema da mobilisação, que é funcção de espaço e de tempo; que n'um dado momento cada um saiba sem hesitação para onde, por onde, e como ha de ir reunir-se ao seu corpo; emquanto isto não for assim não ha organisação militar.
Esta organisação despresou os principios fundamentaes da constituição dos exercitos modernos, a divisão regional.
Esta organisação póde ter tido outros fins, mas não nos habilita a defender o paiz no momento em que mais carecermos do exercito.
Se não ha mobilisação equivale a não ter exercito, porque todos sabem que é impossivel ter nas fileiras permanentemente todos os soldados que hão de formar a força do pé de guerra.
E para que a mobilisação se não ha soldados?
Não ha soldados, nem póde havel-os, porque nós estabelecemos as remissões.
Eu não venho para aqui dar pretexto para o sr. presidente do conselho explicar as suas contradicções, nem venho tambem accusal-o por isso; venho simplesmente, auctorisando-me com as suas opiniões sobre este assumpto, que hão de ser sempre as mesmas, e nem podem ser outras, affirmar que nós desde o momento em que estabelecemos as remissões não temos soldados, e por consequencia não podemos ter exercito.
Não nos illudamos, as remissões, com mercancia ou sem ella, são na phrase do sr. Fontes em 1873 a negação da ordem, a negação da organisação do exercito e a negação da existencia do proprio exercito. (Apoiados.)
Commentou depois s. exa. esta sua opinião, e eu vou fazer tambem meu o seu commentario, se s. exa. m'o permitte, apenas mudando o tempo dos verbos, e os algarismos; e direi: quando a camara votar 12:000 homens de contingente, o governo não poderá apurar nem 6:000; quando disser ao governo que promova os meios de termos um exercito verdadeiramente organisado, á altura das circumstancias do paiz, um exercito compativel com as posses, da população, o governo por mais que queira não o poderá conseguir com a actual lei da remissão; esta dá-lhe dinheiro, mas não lhe dá soldados.
Poderá apresentar-se algum argumento que se contraponha a este?
Qual é a base fundamental d'esta organisação? A primeira base?
Eu que não quero maguar ninguem, porque o meu respeito é igual para com todos, qualquer que seja a situação em que estejam collocados, não posso todavia deixar de dizer a v. exa. com magua, que quando se quer organisar o exercito é triste ter de declarar que a primeira base é o estabelecimento das remissões, a que o sr. Fontes chamou tão justificadamente a negação da boa ordem, a negação da organisação do exercito e até da existencia do próprio exercito. (Apoiados.)
O sr. ministro da guerra affirmava que, havendo as remissões, debalde o parlamento votava os contingentes, porque

Página 900

900 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

os governos nunca podem obter soldados. O dilemma n'este caso é fatal; ou soldados ou dinheiro. Se o governo precisa do dinheiro para occorrer ás necessidades do exercito, não tem soldados; se precisa de soldados não tem dinheiro.
S. exa., ou o ministro da guerra que lhe succeder, ha de vir aqui, em virtude das reclamações constantes dos officiaes que querem cumprir o seu dever, em nome das necessidades da guarnição do paiz, pedir ás camaras que lhe votem meios para supprir os 270:000$000 réis das remissões, porque de outro modo não tem soldados.
Se isto foi um artificio occasional, um processo, um meio indirecto de tirar mais 270:000$000 réis ao paiz, confessamol-o todos; mas não destruamos o exercito nas suas bases.
Disse o sr. relator outro dia, e dizia-o triumphantemente, que o rendimento das remissões ia já em 230.000$000 réis, esperando-se que elle chegasse a 400:000$000 réis. Isto só póde provar que o governo terá dinheiro para gastar, e os corpos não têem soldados para servir. (Apoiados.)
Disse o sr. Fontes que o remido é um soldado. Perdoe-me s. exa., não é um soldado, é um homem que tem as condições physicas para poder sor soldado, e para o ser precisa de instrucção. E o que faz o projecto? Manda-o para a segunda reserva onde não recebe nenhuma instrucção; quer dizer, quando for preciso pasmar o exercito ao pé de paz ao pé do guerra, vão-se buscar soldados á primeira reserva, e como estes não chegam, vão-se buscar á segunda aquelles que nunca tiveram instrucção, que não são soldados feitos, que nunca fizeram um dia de serviço militar!
É, pois, com estes soldados da segunda reserva, sem instrucção alguma, que se conta para completar o exercito, passando ao pé de guerra, exercito que o sr. Fontes não comprehende, e com muita rasão, senão composto do homens que todos tenham feito o serviço militar!
A minha opinião é que com tal organisação não podemos ter mobilização, e creio ter agora demonstrado que em taes bases tambem não podemos ter exercito nem para a paz, nem para a guerra.
Para o pé de paz o soldado é remido, para o pé de guerra aquelle que é remido não está nas condições de poder ser soldado porque não tem instrucção.
Disse tambem o sr. Cypriano Jardim que o cavallo de batalha da opposição era o serviço obrigatorio.
Mas tambem o sr. presidente do conselho disse estar convencido do que esse é o principio verdadeiro; e propondo a abolição das remissões pedia que dessem assim meios ao governo de ter soldados em vez do ter dinheiro, e que lhe permitissem dar aquelle passo para o serviço pessoal obrigatorio. (Muitos apoiados.)
Contou aqui ha dias o sr. relator, com o espirito que é proprio do seu elevado talento, a historia de uma romaria feita por um voto de Catharina de Medieis, em que o romeiro havia de ir á Terra Santa, dando um passo para diante e dois para traz!
Eu encontrei já um caso similhante, porque ora só pede para dar um passo no sentido do serviço obrigatorio, ora se dão dois para traz! E isto não é novo; já se dizia, dos soldados da extincta brigada. (Riso.)
Posto isto, sr. presidente, estamos a ver que augmentâmos os quadros exactamente quando não contâmos que elles hajam de servir de esqueleto que se possa encher com soldados na passagem ao pé de guerra. Os quadres inactivos, sem soldados, são perfeitamente inuteis, porque se lhes paga, sem poderem fazer serviço, sem poderem instruir-se.
A existencia dos quadros exige a existencia do certo numero de soldados para o serviço e para a instrucção.
Vejamos o que temos sob este ponto de vista.
Na circular expedida em novembro pelo ministerio da guerra, determinava-se qual era o numero de praças de pret que poderia existir em cada corpo; e isso já era um pouco melhor do que o indicado pela reforma quanto ao pé de paz. Indicação esta que me faz lembrar, salvo o devido respeito, o que muitas vezes se encontra em receitas de copa «assucar ao paladar» - soldados, os que o orçamento designar! (Riso.)
Na tal circular marcavam-se 450 praças do pret para cada regimento de artilheria montada. A cada bateria correspondiam, pois, 45 praças de pret; abatendo-se as praças graduadas, os impedidos e os quarteleiros, ficavam no maximo 8 soldados promptos para o servido em cada uma!
Com esta força, como póde v. exa. e toda a camara imaginar que se instruam os quadros? (Apoiados.)
O vicio constitucional d'esta organisação, como a encontrâmos, está principalmente, a meu ver, nos defeitos do methodo.
D'onde partimos nós para fazer esta organisação?
D'estas bases?
Estas bases têem alguma relação com o plano de defeza do paiz?
Póde, pois, ser verdadeira esta organisação?
Do certo que não.
Aqui tem-se dito, por mais de uma vez, que o sr. visconde de S. Januario, membro da commissão encarregada de sobre taes bases apresentar uma organisação do exercito, assignára aquella documento sem declarações. Se succedeu isso ou não, declaro que o não sei, o mesmo eu não conheço no parlamento a commissão.
Desde que a organisação vem assignada pelos Srs. ministros são elles a verdadeira commissão perante as camaras. (Apoiados.)
Mas em todo o caso o facto do sr. visconde de S. Januario ter assignado a reforma do exercito não tira a responsabilidade ao sr. ministro da guerra.
Creio que não tomos uma nova ficção constitucional, segundo a qual os ministros cobrem a sua responsabilidade com a referenda dos membros das commissões.
Eu respeito muitissimo o sr. visconde de S. Januario e creio que todos o respeitâmos; (Apoiados.) todos fazemos justiça aos seus altos merecimentos, (Apoiados.) succede alem d'isso que sou seu correligionario politico.
Mas em questões de doutrina, de sciencia, póde só invocar-se a posição e a respeitabilidade dos homens?
Traz-me isto á memoria um caso de demonstrarão por argumento de auctoridade.
Foi o de um explicador que, não podendo conseguir que um seu discipulo percebesse que o quadrado da hypothenusa é igual a somma do quadrado dos dois lados, invocou a sua posição official, as suas relações com a familia do estudante e empenhou a sua palavra de honra para o convencer de que era assim. (Riso.)
Por maior que seja a respeitabilidade de um homem e a sua illustração, n'esta epocha de livro exame é permittido analysar as suas opiniões e concordar ou não com ellas.
Se o sr. visconde de S. Januario assignou sem declarações a reforma, feita sobre aquellas bases restrictas em que a commissão tinha de assentar os seus trabalhos, lá estavam tambem outros membros insuspeitos para a maioria e para o governo, cavalheiros muitissimo illustrados, que tambem assignaram sem declarações, embora tenham os seus nomes vinculados a trabalhos que representam idéas mui diversas das que se encontram n'essa organisação. (Apoiados.)
Consultando um livro que se não é perfeito, como não é o que n'este mundo fazem os homens, é digno de ser consultado, porque revela estudo, demonstra um pensamento bem dirigido o um proposito muitissimo levantado, livro que tem por titulo Reforma do exercito, por Carlos Roma du Bocage, encontram-se não só no texto propriamente dito, mas na conversação preambular em que são referidas as bases de onde pretendia partir o sr. Sanches de Castro, então ministro da guerra, para a reforma do exercito,

Página 901

SESSÃO DE 24 DE MARÇO DE 1885 901

boa lição sobre o assumpto e a enumeração e sustentação de principios judiciosissimos, o que torna esse trabalho e taes opiniões muitissimo superiores ás que apresentou o sr. Fontes e em virtude das quaes se fez a organisação que estou analysando.
Ali parte-se do principio de que uma boa distribuição da força publica em, relação á população do paiz é a primeira base para a boa organisação do exercito.
Diz-se que não é possivel uma organisação racional do exercito sem uma boa divisão do paiz para o recrutamento, para a mobilisação e para a concentração. Isto faz logo sentir a necessidade de um plano de defeza.
No relatorio das reservas que citei tambem se mostra a necessidade de um plano geral de defeza do paiz; e pergunto, ha n'esta reforma algumas relações proximas ou longinquas com um plano ou systema geral da defensa do paiz ?
Não consta.
Diz-se só que um exercito de 120:000 homens pouco mais ou menos é aquillo que nós podemos manter, e que foi debaixo d'esta idéa que só organisou a força do exercito em pó de guerra.
Eu creio que o sr. presidente do conselho que tem tão boa memoria se ha de lembrar dos primeiros trabalhos feitos por uma commissão a que tive a honra de pertencer e a que s. exa. presidia, chamada commissão consultiva de defeza do reino, e onde este problema foi logo encarado como devia ser. S. exa. encontrava de certo ali a base, para, usando da sua auctoridade e influencia, mandar proseguir estes estudos, e podia fazer-se assim o plano geral da defensa do paiz. trabalho com que muito se aproveitaria e que honraria muito o seu nome.
Mas se até n'esta questão se manifesta a pequena politica dos partidos.
Cada ministro da guerra que vem parece que esquece o que fez o seu antecessor e começa de novo.
Se um ministro da guerra promulga uma lei cuja execução depende da feitura de regulamentos, o ministro que lhe succede não manda fazer os regulamentos e a lei não se cumpre.
É assim que a lei de promoções do sr. marquez de Sá, que dependia de um regulamento, está sem execução por que os ministros que se lhe seguiram nunca quizeram fazer os regulamentos.
A culpa vae a todos, mas em muito maior grau aquelles que mais se têem demorado n'aquelle ministerio.
Fixou-se a forçado exercito em 120:000 homens para o pé de guerra, e isto relaciona-se com o systema de defensa do paiz em tempos antigos, mas sem a menor relação com o que hoje teremos de fazer; 100:000 a 115:000 homens tivemos quando foi a guerra da peninsula, quando a população era muito menor e quando tinhamos as forças auxiliares dos estranhos.
Fixar por tal modo a força do exercito não é processo, ou antes é um processo empyrico e não relacionado com o estudo da defensa do paiz, da sua população, dos seus habitos, das suas circumstancias financeiras.
Assim nós encontrâmos 120:000 homens indicados por tal fórma, ao passo que todos os escriptores mais auctorisados que têem tratado d'este assumpto dão um numero mais superior, e no trabalho do sr. Bocage se calcula para o pé de guerra, dentro dos limites do actual orçamento e com a actual lei de recrutamento, sem remissões já sé vê, o effectivo do pé de guerra em 138:000 homens.
Repito o que já disse esse trabalho do sr. Bocage se se regente dos limites estreitos em que o moldou, taes como a verba orçamental e a defeituosa lei do recrutamento, se em uma ou outra particularidade póde ser contestado, significa um plano, é o resultado de um estudo, na o é um devaneio nem a consequencia de um expediente de occasião assente sobre bases fortuitas.
Ha ali o espirito pratico de querer realisar os melhoramentos dentro dos nossos recursos, mas obedecendo aos preceitos da sciencia.
Mas dizia eu, assim como temos 120:000 homens sem saber porque, não sabemos por esta organisação como é que elles se dividem. A este respeito ha completa obscuridade; nada sabemos ácerca das grandes unidades tacticas.
Assim como não sabemos onde estas forças se recrutam, onde devem servir, onde devem voltar periodicamente para se instruir, tão pouco sabemos como ellas se hão de reunir.
Teremos dois ou tres corpos do exercito? Nada se sabe. Omissão completa.
Não ternos a minima indicação a respeito das unidades tacticas. Nada sabemos em relação ao logar onde as forças hão de correr no caso de concentração.
Posto isto, pergunto o que é que se encontra n'esta reforma digno de se aproveitar sob o ponto de vista do alto problema da defensa do paiz e da organisação do exercito?
Não temos a divisão nas grandes unidades tacticas, nem ao menos a constituição de divisões permanentes a fim do que estas divisões dêem as bases para as sub-divisões e d'estas se passe para as dos regimentos e batalhões.
Temos as reservas; devem ser preparadas para lançar nas fileiras soldados feitos; encontramol-as em parte compostas de individuos que toem a sua instrucção dependente do regulamentos como já estavam desde 1868 e em parte de homens que não estão obrigados a instrucção alguma militar; são os remidos, e são os que entraram no sorteamento mas que não foram chamados ao serviço.
Aqui está o que são as reservas. São a primeira e a segunda. Com a segunda reserva declara o sr. presidente do conselho que fez a mais importante de todas as suas conquistas? É esta conquista é estabelecer mais quatro annos de serviço!
Oh! sr. presidente, esse augmento de mais quatro annos de serviço é um augmento platonico para a boa organisação do exercito; porque, essa reserva não tem instrucção, e não póde ser chamada ás armas senão quando houver guerra com potencia estrangeira, caso em que aliás, segundo estatue a carta constitucional, todos os cidadãos têem de pegar em armas.
A carta constitucional é muito mais ampla; no artigo 113.° estabelece que todo o cidadão é obrigado a pegar em armas para defender o paia dos seus inimigos externos e internos, portanto a disposição que se encontra na organisação de que os individuos da segunda reserva só podem ser chamados ás armas em tempo de guerra com alguma potencia estrangeira é o cerceamento de uma obrigação, que está determinada no nosso codigo fundamental, para todos os cidadãos d'este paiz! (Apoiados.)
Reserva! Reserva sem instrucção composta dos remidos, que nunca tiveram exercicio militar, que nunca fizeram um dia de serviço, e que só mostraram as suas tendencias bellicas e á sim aptidão para o mister das armas, entregando quarenta libras nos cofres do estado! (Apoiados.)
A segunda reserva é ainda constituida, segundo a lei de 1868, por todos os individuos que foram sorteados, mas que não foram chamados.
Tal é a segunda reserva com que o sr. Fontes conta, reserva que não tem instrucção para a guerra, porque não é obrigada a essa instrucção durante a paz, e que tambem não tem organisação por corpos; é reserva no papel.
Vê-se, pois, que nem temos exercito effectivo nas fileiras, nem temos reservas com que possamos contar no momento em que quizermos mobilisar a força publica, apesar de se dizer que tudo fica organisado, e que de um dia para o outro temos um bom exercito e perfeitamente organisado segundo as modernas indicações da moderna arte da guerra!
Ainda digo mais; tambem não temos armamento, porque o sr. presidente do conselho pede auctorisação para a, compra de 50:000 armas, e a força de infanteria que então

Página 902

902 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

deve reunir se, tem de ser muito superior a esse numero; salvo se havemos de ter no mesmo corpo soldados armados com armas de diversos systemas, o que é inacceitavel.
Não quero dizer que o governo fosse obrigado desde logo a comprar todas as armas, mas não se diga ao paiz, que esta organisação nos habilitou, como se tem dito, a que de um dia para o outro se apresente um exercito prompto, e correspondendo ás necessidades que impõe a moderna sciencia da guerra.
Considerada assim a organisação sob o ponto de vista geral, vamos agora rapidamente para não fatigar a camara a ver e considerar o que se fez em relação a cada uma das armas, a cada um dos quadros.
Estado maior general; como se forma este quadro? Não é possivel dizel-o, porque não conhecemos a constituição do exercito, a sua divisão nas grandes unidades tacticas.
Provavelmente formou-se pela mesma fórma por que se elevou o exercito a 120:000 homens; questão de pouco mais ou menos; augmenta-se um general de divisão, mais dois de brigada, depois se verá o que se lhes ha de dar para fazer!
O processo que segue o sr. Bocage no seu livro é o processo que seguem todos aquelles que escrevem sobre o assumpto. Na organisação preferiu-se não seguir nenhum methodo.
Entremos no corpo de estado maior propriamente dito.
Hoje, que o assumpto é tão debatido em toda a parte e que a experiencia tem mostrado dia a dia quanto é difficil o recrutamento de officiaes para este corpo, porque se não aproveitou o ensejo para constituir o estado maior em corpo aberto? Por que regras e com que bases se fez o quadro do estado maior em corpo fechado? Será para corresponder ás divisões territoriaes que não se conhecem, ás unidades tacticas que não estão determinadas? Já houve aqui quem dissesse que tudo isso e muito mais estava a fazer a secção do estado maior. Mas não vem onde devia vir; na organisação.
Esta organisação é tão completa que me faz lembrar aquelle quadro das 11:000 virgens, em que o artista pintou uma á porta do templo, e quando lhe perguntaram onde estavam as outras, respondeu: «estão lá dentro». (Riso.)
De que base se partiu, pois, para se estabelecer o corpo de estado maior? Não sei.
Passemos rapidamente á engenheria militar.
Na engenheria acontece uma cousa curiosa, e é que ella tem um terceiro batalhão de reserva, cuja organisação e especialidade ninguem conhece; e comtudo diz-se que, quando se mobilisar o exercito, ha de apparecer esse terceiro batalhão!
Olhemos para a artilheria.
Ahi confessa o auctor da reforma que não ha a devida proporção entre a artilheria e as outras armas, e que não póde remediar já este inconveniente por causa da questão orçamental. De accordo.
O que é notável e que nem ainda mesmo com a actual artilheria se diz cousa alguma ácerca do modo de estabelecer os grupos divisionarios e de reserva, o que provém de não se saber quaes e quantas serão as grandes unidades tacticas do nosso exercito.
Alem d'isso não ha officiaes para taes quadros em pé de guerra; seria necessario invental-os de um dia para o outro. (Apoiados.)
Para o quadro estar completo em pé de guerra, são precisos 246 officiaes, alem dos que existem em pé de paz, e actualmente não se póde improvisar um tal numero de officiaes artilheiros de um dia para outro. (Apoiados.)
Eu não estou fazendo uma reclamação em favor do augmento do quadro da arma de artilheria; estou demonstrando simplesmente que não é com um exercito assim organisado que podemos mobilisal-o e defender o paiz. (Apoiados.)
Se lançâmos os olhos para a cavallaria, ahi francamente é para lamentar o que vemos.
Só ha uma nação, cujas excentricidades nos homens e nas instituições são bem conhecidas, que tenha uma organisação de cavallaria igual á nossa. É a Inglaterra.
Nós mantivemos para esta arma a organisação obsoleta e antiquada que existia, organisação que não dá nem conveniente unidade administrativa, nem conveniente unidade tactica.
Nós conservâmos as companhias; e, como se isto não fosse bastante, mantivemos os tres esquadrões em cada regimento.
De todas as auctoridades, de todos os escriptores que se podem citar em todas as nações nenhum aconselha similhante composição de regimentos para a organisação da cavallaria.
O sr. Bocage, por exemplo, opta, e muito bem, para a composição dos regimentos de cavallaria, por quatro esquadrões effectivos e um de deposito, tanto em pé de paz como em pé de guerra.
A mobilisação póde realisar-se com maior presteza o maior certeza pelo acrescentamento do numero de soldados e de cavallos do que pelo acrescentamento do numero de unidades.
Encontram-se na Allemanha regimentos de cavallaria com cinco esquadrões, e na Austria com seis, etc.; o que se não encontra é nação alguma bem organisada militarmente, que tenha no seu exercito esta composição antiquada e obsoleta de regimentos de cavallaria com tres esquadrões.
E como o respeito pelas tradições era tão grande que nos levou a não tocarmos nas companhias, e eu louvo o respeito pelas tradições, mas é quando ellas valem alguma cousa; como o respeito pelas tradições era tão grande que nos levou até a fazer das companhias o nolim me tangere, tambem conservámos os lanceiros! ...
Conservámos as lanças para se darem cargas em linha; e esquecemo-nos de que aquillo de que mais precisa hoje a cavallaria para a sua independencia e para o seu serviço é a arma do fogo !... (Apoiados.)
(Aparte.)
A questão da lança é importantissima, não só para aquelle que a usa, mas tambem para aquelles que têem a sua vida e a sua propriedade dependentes dos homens a quem ella foi confiada.
Vamos á infanteria.
Eu direi, n'este rapido perpassar pelo que se fez n'esta organisação, que na infanteria nós encontrâmos uma profusão extraordinaria de caçadores, parece que ainda em nome das tradições.
Encontrâmos 24 regimentos de infanteria de linha e 12 regimentos de caçadores!
Encontrâmos 12 regimentos de caçadores!...
Se alguem me podér provar que é justa e rasoavel esta proporção de 12 para 24, sendo a organisação dos caçadores em regimentos, eu ciarei, como vulgarmente se diz, as mãos á palmatoria, confessar-me hei vencido; creio, porém, que ha de ser muito difficil, se não impossivel, fazer-se essa demonstração.
Mas, como este exercito, que se ha de mobilisar, ha de servir exactamente para o paiz estar habilitado a defender-se n'um momento critico, e, se esta organisação é completa, se a este respeito nunca se fez nada melhor nem ninguem era capaz de o fazer, porque é que não se diz aqui uma palavra a respeito do corpo de trem, porque é que não se define cousa alguma ácerca de transportes, porque é que não se dá nem a mais pequena regra com relação ás columnas de munições, e porque é que, quando se chega á administração, se trata d'esse assumpto tão importante em dois paragraphos que, sommados, não dão, me parece, dez linhas?!... (Apoiados.)

Página 903

SESSÃO DE 24 DE MARÇO DE 1885 903

A administração, sem a qual não ha mobilisação, está entre nos verdadeiramente cahotica.
Dir-se-ha que está uma commissão encarregada de estudar esse assumpto, como é o costume da terra, e que opportunamente o governo apresentara ás camaras um trabalho a este respeito.
É verdade que ha uma commissão encarregada, e haja bastante tempo, de estudar este assumpto; mas o auctor da reforma, da nova organisação de exercito, do tal que se ha de mobilisar promptamente, nem ao menos deixou ahi traçadas as bases geraes do seu systema de administração, deixando muito embora a individuação dos preceitos para os regulamentos.
Ha agora a considerar o que é necessario, segundo os bons preceitos não só da moderna, mas até das antigas organisações, para ter uma boa constituição do exercito; é uma boa lei de promoções e de recompensas.
Ha dois dias o sr. presidente do conselho sentia que não se tivesse desde logo descoberto quaes eram os pontos culminantes da sua reforma e que se trouxesse para aqui a questão dos picadores. (Interrupção).
Não é uma questão tão insignificante como parece; será insignificante para aquelles que já são generaes. (Interrupção.)
Mas não ha só picadores; ha cirurgiões: era a estes que eu me ía referir.
O cirurgião em chefe do exercito, se não tinha por lei expressa tinha, pelo menos, por direito consuctudinario, a possibilidade da reforma no posto de general de brigada; a organisação actual, para acautelar facto tão grave, deu ao cirurgião em chefe do exercito o direito de reformar-se em coronel, mas nunca em general de brigada! Note-se que a recompensa dos bons serviços consistiria n'este caso na honra de vestir a farda de general reformado, mas a isso não póde aspirar um facultativo militar, por mais brilhante que seja a sua carreira.
Isto dá-se n'um paiz onde os que dirigem o exercito olham com tanta consideração para a classe medico-militar, que me parece estar no tempo em que se íam buscar os barbeiros e os sangradores para acompanharem o exercito na campanha!
Para prova d'isto basta dizer o seguinte: ha uma commissão encarregada de estudar, os uniformes do exercito; sabe v. exa. as relações que esse assumpto tem com a hygiene; sem embargo n'essa commissão não ha nem como membro effectivo, nem como aggregado, um unico cirurgião militar!
Isto occorre quando nós todos os dias fazemos d'esses medicos militares uns verdadeiros judeus errantes, obrigando-os a andarem de terra em terra, mortos de cançasso, acabrunhados pelos pedidos, cumprindo honradamente os seus deveres, e alcançando ás vezes, por engano, uma portaria de censura, que não merecem.
Esses homens que representam a sciencia, que estudam, que têem um curso muito superior, muito longo, muito importante, não são chamados para que digam a sua opinião sobre os assumptos em que são mais competentes; pratica que não é usada nos outros paizes. Nem se appella para a sua sabedoria, nem se lhes reconhecem os serviços. Assim não admira que se lhes negue na reforma a farda de general! (Apoiados.)
Todo este projecto tem um cunho que me entristece. Não houve ninguem que tivesse estudado um curso que não fosse maltratado por este projecto.
Um cirurgião que tem um curso, que exerce a sua profissão com dignidade, que é membro de uma classe illustradissima, não póde passar alem da meta de coronel para se reformar; e vemos por outro lado o almoxarife que póde ser muito honrado, mas que não tem habilitações, nem illustração, poder adquirir o posto de general.
O estudante que terminara o seu curso na escola do exercito, de infanteria ou de cavallaria? e só precisava de um exame para a classificação, pela differença de poucos dias, é lesado no seu direito para que se habilitara lona fide, cumprindo os seus deveres, confiando nas vantagens que lhe prometteu a lei; é lesado no direito de ser promovido a alferes graduado, e agora terá de esperar em sargento! E sabem porque? Porque esta reforma fez-se principalmente para extinguir a classe dos alferes graduados!
Tambem se sabe a rasão por que se devia extinguir a classe dos alferes graduados. Disse o o sr. Teixeira de Vasconcellos com aquella sua linguagem franca e com o enthusiasmo que lhe conhecemos. Foi porque a classe dos alferes graduados era excessivamente perigosa, era um elemento de perturbação. O estarem tantos rapazes n'um corpo, sem terem nada que fazer, julgando-se mais sabios que os outros, por terem um curso, era perigoso!
Eu desejava saber se este projecto mudou a idade dos homens e se lhes tirou o curso que tinham.
Acho pouco conveniente vir dizer-se que com muitos homens novos não se póde manter a ordem no exercito, que aliás deve ser composto principalmente de homens novos. Se não se lhes dava que fazer, a culpa não era d'elles.
Eu que não sou um veterano que possa contar as minhas campanhas, nem mesmo um velho militar que espere necrológio, sempre quero contar que assentei praça n'um batalhão aonde affluiam muitos aspirantes e alferes graduados; e declaro a v. exa. que nunca vi que o commandante, homem muito conhecedor dos seus deveres militares, que tinha ganho as suas dragonas de official e alcançado os postos superiores com a maior distincção e valentia, cujo nome me honro de citar e com respeitosa saudade, porque foi elle que me encaminhou os primeiros passos na vida militar, o sr. José Maria de Magalhães, nunca vi, repito, que elle se preoccupasse com ter muitos aspirantes e muitos alferes graduados no seu batalhão.
É verdade que nesse tempo os laços da vida militar não estavam tão frouxos que se podesse suppor a hypothese de que num quartel os soldados se tivessem insubordinado contra o commandante e que depois se fosse saber isto pela bôca do proprio commandante no quartel general!
Nunca, sr. presidente, me poderia passar isso pela mente e ainda hoje me custa a crer!... Eu, como já disse, não sou velho, mas tal facto no tempo, a que me refiro, só seria sabido no quartel general por um de dois modos; ou porque o commandante participasse que tendo-se revoltado os soldados os havia submettido á obediencia, á disciplina; ou porque ali chegasse a participação de que o commandante succumbira no seu posto, quando tratava de submetter os revoltosos. Mas hoje os tempos são outros.
Diz-se que a mocidade e perigosa, accumulando-se nos corpos! Têem curso e não poderão ser despachados, e não poderão... talvez porque têem o curso! (Apoiados.)
Mas não poderão ser despachados em nome da ordem! Ha sargentos aspirantes de cavallaria que terão de esperar oito ou dez annos para serem despachados!
E n'essas circumstancias não poderão ser perigosos?
Eu faço justiça ás intenções e disciplina d'esses moços, mas lidando com soldados, cheios de azedume por serem logo no começo da vida tão maltratados, não poderão tornar se perigosissimos?
Não era melhor olharmos com mais consideração para esta classe e preoccuparmo-nos menos com o que chamam demasias dos rapazes, que são muitas vezes as suas virtudes, as suas grandes qualidades?
Mas não basta, sr. presidente. Ha ainda mais.
Havia uma outra classe que se sabia que tinha um curso, ainda mais, que estudava, que professava sciencia... Antes de me esplanar sobre este assumpto, tenho a declarar que não fallo de mim; não fui prejudicado, não foram offendidos os meus interesses, nem os meus direitos pela reforma: não tenho de que me queixar, estou perfeitamente satisfeito com ella; mas tenho obrigação de de-

Página 904

904 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

fender aqui os interesses que foram menos respeitados. (Apoiados.)
Sr. presidente, uns officiaes do exercito, cujos nomes deixo de citar para não tomar tempo á camara, foram a concurso e obtiveram cadeiras, por provas praticas, nas seguintes circumstancias: terem os seus direitos garantidos e vencerem os seus postos no exercito.
Uns foram para a escola polytechnica, outros para a do exercito.
Na escola do exercito existem tres, e na polytechnica existem alguns, não muitos, n'estas circumstancias.
Pois sr. presidente, estes homens que têem brilhantemente desempenhado tantas funcções, visto tantas reformas, atravessado tantas dictaduras, até dictaduras violentas, viram agora os seus direitos offendidos!
N'esta reforma diz-se que terão promoção só até coronel, e depois hão de ir servir no exercito!
As leis garantiam-lhe o direito ao augmento do terço ao cabo de vinte annos de exercicio do magisterio, garantiam-lhe continuarem, querendo, no magisterio, jubilarem-se ao fim de trinta annos com esse augmento do terço.
Ainda uma carta de lei publicada no anno passado, poucos mezes antes da reforma do exercito, revalidou, essas garantias aos lentes militares.
Veiu depois a reforma do exercito e de um traço colloca esses lentes na coallisão de ou perderem a sua promoção no exercito, ou perderem as vantagens do exercicio do magisterio, tudo garantido nas leis regulares o anteriores, e segundo as quaes tinham feito o seu concurso!
Pergunto, com desassombro, se isto é realmente moral, se não se deveria n'esta collecção de disposições transitorias que tem a reforma, e de que alguem já disse que eram tão grammaticaes que todas ellas tinham sujeito, se não se deveria, repito, prestando homenagem aos nossos mestres e aos nossos antigos condiscipulos, ter inserido uma disposição respeitando-lhes os seus direitos? (Apoiados.)
Como se vê, tratou-se sempre de perscrutar quem tinha cursos, quem cursava sciencias ou estudára e assim estabeleceu-se que os professores de sciencias militares não podessem estar nos seus legares senão como tenentes ou capitães.
Disse bem o sr. Lamare: «Pois queriam que se perpetuassem, no ensino? Se sabem muito que venham para cá illustrar o exercito.»
Mas perpetuam-se outros fóra das fileiras, e eu digo isto sem querer fazer allusões pessoaes e referindo-me simplesmente á lei. Perpetuam-se os que estão nas secretarias, nos tribunaes militares...
(Interrupção do sr. Lamare.)
Isso estipulou perfeitamente para a arma de engenheria, o sr. João Chrysostomo, que mandava os lentes d'aquella arma á escola pratica.
Mas eu não quero citar o nome do sr. João Chrysostomo que costuma ser o pomo da discordia, e eu quero a harmonia. E não o cito por uma rasão muito simples.
S. exa. vale o que vale; não ha do valer mais porque nós o exaltemos com paixão, nem menos, porque procuremos doprimil-o, sem auctoridade.
Diz o sr. Lamare que esses officiaes podem ser chamados para a instrucção das reservas. Perfeitamente, d'accordo, quando as houver, só um dia tiverem exercicios.
(Riso.)
Os officiaes que professam as sciencias militares perdem completamente os habitos mareiaes porque andam a manusear os livros da sciencia, mas os que escrevem officios nas secretarias, estes nada perdem, porque são chamados para instruir as taes reservas que não têem ainda regulamento!
Por ultimo direi, que se não houve o cuidado de attender a um certo numero de direitos, que me parece deverem ser respeitados, houve comtudo a maior solicitude em se attender a outra ordem do interesses.
Até se tirou, não uma edição mas duas d'esta organisação. E porque? Por ter saído com algumas inexactidões a primeira.
Inexacta é esta, é a segunda; porque o que é exacto, o que é justo, é que a suprema inspecção, o cominando superior, a alta direcção no exercito sejam dados aos que nos quadros do exercito fazem serviço ao seu paiz, passam por todas as provas, atravessam todos os postos, e que não sejam nunca considerados como um apanagio ou uma mercê. (Apoiados.)
Maguou-me ver isto e mostrou me então, sr. presidente, quanto são pequenos os que tantas vezes se nos querem inculcar como grandes; e como após tantos seculos de progresso ainda, ás vezes, apesar de todas as conquistas e affirmações dos direitos do homem, basta o simples nuto do imperator para que os que se têem. por mais altaneiros curvem a cerviz!
Quanto á economia do projecto, digo que se me affigura que temos aqui o milagre dos cinco-pães e dois peixes. Com 270:000$000 róis fazia-se o que estava indicado no plano do sr. ministro da guerra; com os mesmos 270:000$000 réis faz-se o dobra ou o triplo. Basta ver o que succedeu com o quadro da infanteria. É para pasmar como isto se consegue!
Eu queria tambem que desde que se estabelecem provas para certos postos, e ainda bem que se estabelecem, se estabelecessem provas para todos quantos estivessem relacionados com o exercito no desempenho das suas funcções.
Encontrei, porém, no artigo 227.° a philosophia d'esta organisação. O official que está em serviço estranho aos do quadro, da sua arma não poderá ser promovido se não regressar ao serviço do exercito, e se não fizer os exames para diversos postos; mas se um dia houver uma guerra, em que condições poderá vir, segundo a reforma, esse official para o exercito?
Com o posto que lhe competiria se tivesse dado todas as provas. E assim o official que não podia ser major, tenente coronel, coronel ou general durante a paz porque não foz os exames, poderá na occasião da guerra vir para o exercito e ser general!
Mas que tropas ha de commandar esse general?

s soldados da segunda reserva, os que segando a mesma reforma não são obrigados a instrucção militar durante a paz!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi cumprimentado por muitos srs. deputados de ambos os lados da camara.)
O sr. Avellar Machado: - Sr. presidente, ao. ouvir o brilhante discurso que acaba de proferir o meu illustre camarada, collega e amigo, o sr. Thomás Bastos, fiquei bastante impressionado por ver que s. exa., não obstante o seu formoso talento, que ha muito sou o primeiro a reconhecer, não discutiu nas condições em que, me parece, o deveria ter feito, o importante assumpto que se acha na téla do debate.
Na verdade, tendo eu escutado s. exa. com a attenção e com o respeito que sempre me mereceu, julguei antes estar ouvindo a prelecção de um sabio que no remanso do seu gabinete de estudo houvesse colligido todos os dados para uma organisação, typo, segundo o seu modo de ver, do que o discurso de um distincto official do exercito portuguez, de um deputado da nação, que houvesse tomado sobre os seus hombros o honroso encargo de apresentar a sua opinião franca, sincera e illustrada sobre o modo de ser do exercito anteriormente ao decreto de 30 de outubro ultimo, e das modificações que a nova organisação lhe introduziu sob os multiplices pontos de vista em que ella póde ser encarada. (Apoiados.)
O illustre deputado que declarou desejar ser justo para

Página 905

SESSÃO DE 24 DE MARÇO DE 1885 905

com todos, dando a Cesar o que a Cesar pertencesse, desmentiu um pouco no correr do seu discurso (permitta-me que em boa paz e amisade lh'o diga) as boas intenções em que estava exibindo do sr. ministro da guerra uma reforma tão perfeita, e completa como a Palas da mythologia saíu da cabeça de Jupiter.
S. exa. queria que o sr. Fontes realisasse o estupendo milagre não visto até hoje, era paiz algum, de um ministro decretar de uma só vez uma organisação completa, perfeita e harmonica do exercito, e da infinidade de serviços que a elle mais ou menos intimamente se ligam.
Diga o illustre deputado, se, em sua consciencia, póde exigir a um homem d'estado, por maior que seja a pujança do seu talento, a um general, por mais glorioso que seja o sou nome, uma reforma completa das instituições militares em harmonia com as necessidades o condições de um pais, de uma só vez, por um só decreto. Não póde de certo.
O sr. Thomás Bastos, melhor do que eu, sabe o enorme esforço de trabalho, de perseverança, de talento, de tempo e de dinheiro que representam as organisações militares em vigor nos estados que só dizem mais adiantados sob este ponto de vista: estas organisações, longe de se considerarem assentes e immutaveis, pelo contrario vão sendo alteradas, modificadas, aperfeiçoadas de dia para dia, consoante os progressos das sciencias, a experiencia da guerra, o estado de adiantamento, a indole e os recursos da nação.
Como queria, pois, o meu talentoso collega, sr. Thomás Bastos, que o sr. Fontes alterasse completa e radicalmente o modo de ser do exercito portuguez (que ha pouco se regia ainda por uma organisação feita em 1864), e conseguisse de um momento para o outro, dispondo de uma verba insignificantissima, e essa mesma obtida por um expediente, o que não conseguiram os ministros da guerra de outros paizes, com uma longa serie de reformas, duplicando, triplicando, quadruplicando mesmo em poucos annos o orçamento do respectivo ministerio? (Apoiados.)
Portanto, repito, ao ouvir o excellente discurso do meu digno collega e amigo o sr. Bastos, cheguei a pcesuadir-me que não era o distincto official do exercito portuguez que ía liava, mas sim um prelector que n'uma academia militar expunha os principies do uma organisação eclectica, de uma organisação typo, como outros se têem entretido a phantasiar uma constituição politica modelo.
Por isso eu estranhei e estranho que o sr. Thomás Castos, cuja incontestavel auctoridade reconheço, em logar de discutir se, nas circumstancias em que esta reforma foi feita, e nas condições actuaes do paiz, se poderia ter feito mais e melhor, e quaes as modificações que de futuro se lhe deveriam introduzir, viesse apenas fazer uma prelecção agradavel e instructiva ácerca de organisações militares, pondo quasi de parte a reforma actual, com a qual, apesar dos seus defeitos, muito e muito lucrou o exercito e o paiz. (Apoiados.)
Os maiores senões que a reforma apresenta foram aqui confessados pelo nobre presidente do conselho e ministro da guerra, quando o anno passado se discutiu n'esta camara o pedido de auctorisação para a levar a efeito.
S. exa. expoz então franca e claramente á camara as rasões de administração pelas quaes não podia desde já pôr em pratica muitas das suas idéas theoricas ácerca de organisações militares.
O illustre deputado, apesar da sua rara competencia n'estes assumptos, permitia-me que lhe diga que pouco adiantou, no que respeita á materia propriamente em discussão, ao que disseram os illustres milicianos seus correligionarios que o precederam no uso da palavra.
Por este motivo, e ainda que tenciono seguir a par a passo a argumentação de a. exa., não darei ás minhas considerações o desenvolvimento que poderia dar, se não fosse a circumstancia que acabo de apontar.
Disse o sr. Thomás Bastos que não queria a politica no exercito e que, peia sua parte, nunca faria politica com o exercito.
Eu faço justiça a todos.
Nunca até hoje vi, durante a minha carreira militar, que ministro algum, quer do partido que s. exa. apoia, quer do partido a que pertenço desde 1851, tenha feito politica com o exercito.
S. exa. sabe perfeitamente que lá fóra, e em nações que são modelos de administrado, tambem se não faz politica com o exercito. (Apoiados.)
S. exa. não ignora que na Italia, tendo caído um ministerio conservador em que era ministro da guerra o general Riccoti, seguindo-se no poder una situação radical, O patriotismo dos partidos de tal modo se impoz ao caracter honrado e do referido general, que ella foi compellido a continuar na gerencia da pasta que os seus antigos amigos politicos lhe haviam confiado, só para que não fossem prejudicados os trabalhos da organisação do exercito. (Apoiada.)
S. exa. sabe tambem que Bismark, o grande chanceller do exercito allemão, tendo reorganisado o ministerio cinco ou seis vezes, de 1873 a 1883, conservou sempre, durante este grande lapso de tempo, na pasta da guerra o general Kamacke.
É porque, como já tive occasião de dizer, as organisações militares não se fazem completas e perfeitas de um dia pura o outro, e sem extraordinarias despezas, como o meu amigo o sr. Thomás Bastos queria exigir do sr. Fontes, apesar de não jazer politica com esta discussão. Que faria se a fizesse. (Apoiados.)
S. exa. sabe que a Fiança tendo começado a refundir completamente a sua organisação militar depois do cataclismo assombrose, quasi sem exemplo na historia, por que passou de 1870 a 1871, ainda hoje (apesar de ter na pasta da guerra o seu primeiro escriptor militar) não conseguiu, ao menos destruir completamente um grande numero de deficits que ella apresenta, e reconhecidos como taes de ha muito.
Estão tambem lá ainda em estudo, em projecto e em experiencia muitas modificações que, sem duvida, se irão introduzindo pouco a pouco na organisação militar d'aquelle grande paiz.
V. exa. sabe, sr. presidente, que a administração militar franceza, que por duas vezes foi reformada com consideravel augmento de despeza depois da quéda do segundo imperio, se achava ainda ha pouco em condições detestaveis, na opinião auctoridade do proprio ex-ministro da guerra, general Campenon.
Que admira, pois, que a nossa esteja cahotica, e não satisfaça ás necessidades do exercito, como aqui se tem affirmado, e até certo ponto com verdade?
Se na ultima reforma do exercito se não attendeu a este importante ramo do serviço, é porque o illustre ministro da guerra aguardava e aguarda o resultado dos trabalhos do uma commissão de homens competentissimos encarregados de estudar este assumpto.
Já vê v. exa., sr. presidente, que lá fóra nações aguerridas, com farias receitas orçamentaes, em que os parlamentos não discutem mesmo as verbas pedidas para o exercito por mais importantes que sejam, muito têem ainda a fazer para chegarem a um certo grau de perfeição nas suas organisações militares.
A Allemanha, a mais poderosa e guerreira das nações da Europa, que desde 1806, e principalmente desde 1810, quasi só tem pensado na sua organisação militar, ainda o anno passado augmentou extraordinariamente o orçamento do ministerio da queria, para levar a effeito melhoramentos importantes nos serviços do exercito, o que prova que ali incarno se não attingiu ainda a perfeição que o sr. Bastos exigia do sr. Fontes.
Ora, se isto succede em as nações que gastam annualmente, só com a instrucção do exercito, milhares de con-

Página 906

906 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

tos de réis, que admira que a nossa não possa de prompto realisar todas as suas aspirações?
Não sabemos todos que para alcançarmos a modesta quantia de 270:000$000 réis tivemos de lançar mão de um expediente financeiro, que, não sendo muito defensavel sob o ponto de vista militar, era o unico que permittia se podesse dar um passo no caminho da nossa reorganisação?
Mas o sr. Fontes tem o condão de ser sempre accusado por tudo que faz, porque o fez, e do que não faz, porque o devia ter feito; e ainda d'esta vez não deixou de se confirmar o proloquio popular, sendo o proprio sr. Bastos, que não é faccioso, que o agaride por a reforma do exercito não ter saído tão perfeita e acabada, como Palias saíu do cerebro de Jupiter.
Apesar da boa vontade do meu illustre collega, e das suas louvaveis declarações de que o seu discurso seria o mesmo se um ministro da sua parcialidade gerisse actualmente a pasta da guerra, comtudo na pratica s. exa. afastou-se mais das suas declarações, do que conviria para um tão distincto membro do exercito.
Tratando se de um assumpto de alta importancia para o exercito, tal como o da sua organisação, não deveria n'isto haver politica. (Apoiados.)
Ainda n'esta parte s. exa. seguiu um pouco os seus correligionarios, que atacaram a reforma do exercito, não porque ella seja tão feia como a pintam, mas principalmente por ter sido feita pelo sr. Fontes. (Apoiados.)
Não se tem discutido convenientemente os defeitos que ella apresenta, mas tem-se pretendido mostrar ao paiz que uma organisação decretada pelo sr. Fontes é por força má apesar de n'ella terem collaborado algumas das nossas primeiras capacidades militares. (Apoiados.)
Ha pelo menos dez annos que em todas as sessões legislativas se levantavam fortes clamores contra os ministros da guerra, porque não reformavam o exercito; diziam, e bem, que não era possivel vivermos com a organisação de 1864, quando quasi todos os paizes da Europa tinham tido, depois d'esta data, duas, tres e mais organisações.
E que respondiam os srs. ministros da guerra? Que estavam de accordo, mas que não tinham dinheiro. (Apoiados.)
O que haviam, pois, de fazer as opposições? Remetterem-se ao silencio, depois de tão importante argumento.
E faz-me isto lembrar aquelle general que, tendo depois de longo assedio entregue a praça do seu commando, respondeu no conselho de guerra a que foi por esse facto submettido, que só rendera por trinta rasões: «a primeira, por não ter nem polvora nem ballas:» ao que o conselho acudiu dizendo: «basta general, póde guardar as vinte e nove restantes.» (Riso. - Apoiados.)
Mas o sr. Fontes sem onerar n'um real o thesouro apresenta uma reforma de tal ordem, que nem mesmo o sr. Bastos póde contestar, que melhorou de uma maneira notavel o exercito, lhe deu quadros muito mais amplos e completos, que organisou as reservas, e augmentou em quatro annos o tempo de serviço, que ficou inferior, ainda assim, ao que está estabelecido em França, Allemanha, Italia, Suissa etc., mas igual ao da Hespanha, Austria, Inglaterra etc., alem de mil outras vantagens bem conhecidas pelos especialistas na materia.
E póde alguem de boa fé, e despido de facciosismo politico, vir aqui dizer que a reforma nada valo, e que ella não constituiu um altíssimo serviço feito ao paiz? (Apoiados.)
Disse s. exa. que a segunda reserva não tinha instrucção absolutamente nenhuma! Concordo que uma parte d'ella a não tem; mas não sabe s. exa. que outras nações, mais bem organisadas, militarmente fallando, têem em geral as ultimas reservas nas mesmas condições da nossa?!
A França, que póde mobilisar 3.753:000 homens, conta n'este numero 1.330:000 homens sem instrucção alguma absolutamente.
A Allemanha, que póde mobilisar 5.674:000 homens, d'esses apenas 2.655:000 homens têem, ou se presume que devem ter, alguma instrucção militar.
Ora que admiração é, que hoje no momento em que se decreta a reforma não se possa conseguir logo tudo o que lá fóra ha de melhor e mais perfeito, isto quando o proprio sr. ministro diz, que o acanhado dos meios não lhe permittiu dar o desenvolvimento, que desejava, á organisação do exercito?
Permitta-me s. exa. que lhe diga que não tem rasão alguma para accusar por esse motivo o governo. (Muitos apoiados.)
Vozes: - Deu a hora.
O Orador: - Dizem que deu a hora, e n'esse caso peço a v. exa. que me reserve a palavra para a sessão seguinte.
O sr. Presidente: - A ordem do dia para quinta feira é trabalhos em commissões, e para sexta feira a continuação da que vinha para hoje.
Está levantada a sessão.
Eram seis horas da tarde.

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×