946 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
resulta uma receita pecuniaria destinada, tanto no exercito como na armada, acquisição de material de guerra. Portanto, a diminuição do contingente do recrutamento importa ao estado abandonar um recurso pecuniario para necessidades instantes de material de guerra.
Mais ainda, a reducção d'este contingente importa o deixar á mercê de uma concorrencia fluctuante o estado effectivo do pessoal da armada, mas ainda mais importa uma desigualdade de tributação de momento, que não poderá manter-se, o que é, sem duvida, alem de inconveniente pelas rasões já dadas, injusto e inadmissivel.
Supponhamos que o contingente era de 800 alistados e que a armada não precisava, nas condições especiaes de momento, de mais de 200 alistados; é claro que os 600 restantes de numeros mais altos se considerariam desde logo na reserva, ou seriam chamados por turnos a adquirir uma certa instrucção, mantendo só no effectivo os 200, que se julgam necessarios.
A instrucção militar não é cousa que se deva abandonar. O soldado e o marinheiro não é só a questão de homem; é preciso que tenha illustração propria para o papel que tem a desempenhar; tanto que o sr. ministro da guerra já nos mostrou, no projecto que apresentou á camara, que a sua remodelação do exercito tem por fim principalmente ter meios de instruir as reservas. Com mais rasão, pois, um primeiro contingente de recrutamento, quer seja do exercito, quer seja da armada, deve ter uma instrucção conveniente, ainda quando essa instrucção se reduza, mesmo na armada, á da simples recruta, manejo de armas e escola de pelotão.
Mas quando se não quisesse fazer a despesa que fatalmente acarretaria essa instrucção por turnos, é claro que, marcando-se um numero maior de admissões, dispensando-os do serviço, passariam á reserva, aproveitando-se ao menos o contingente por esse lado.
Sr. presidente, como v. exa. vê, poderá argumentar-se, que se se requisitasse um contingente de 800 praça em vez de 200, concorreriam todos e não havia vacaturas; mas está na mão do governo fazer a chamada no tempo e numero que quizer. O facto de chamar maior contingente tem manifestamente a vantagem de maior numero de remissões, provindo d'ahi receita que não é para desprezar.
Não é meu intento fazer com estas observações uma impugnação, sob o ponto de vista politico, mas tão sómente manifestar os meus bons desejos para que o tributo de sangue seja equitativo e que d'elle se tirem, já que tem de existir, os resultados que se podem tirar para acquisição de material, como a lei estabelece. (Apoiados.)
Aqui tem v. exa. justificado o meu proposito, chamando a attenção da camara para esta proposta de lei antes de se apreciar a da força naval.
O sr. Ministro da Marinha (Dias Costa): - Sr. presidente, as observações do illustre deputado são perfeitamente cabidas, sob o ponto de vista doutrinario.
Effectivamente, sustentando-se que a força naval deve ser, pelo menos, de 4:800 homens, como o tempo de serviço é de seis annos, o contingente theorico, contando-se com as faltas e as remissões, devia ser maior; theoricamente o contingente, se fosse de 900 a 1:000 homens, não seria desproporcionado.
Mas vejamos as que realmente se dão na pratica.
O corpo de marinheiros tem um grande numero de voluntarios. Em 30 de dezembro do anno findo a força do corpo do marinheiros compunha-se de 4:410 praças. D'estas 1:071 praças tinham vindo da escola do marinheiros, e o corpo de marinheiros é obrigado a acceital-as, porque são alumnos educados por conta do estado.
Por consequencia, o numero proveniente da escola de marinheiros e que tem fatalmente de ser recebido regula por 120 homens por anno, alem do contingente pedido.
Os voluntarios são 1:248! E para isso vi-me obrigado, attendendo ás circumstancias do thesouro, a suspender o alistamento voluntario, porque a verba consignada no orçamento não chegava para maior numero de praças, excedendo-se o effectivo orçamental.
Demais, o illustre deputado sabe muito bem que na armada se dão circunstancias um pouco differentes das que se dão no exercito.
No exercito evita-se quanto possivel a readmissão, para que passe pela fileira o maior numero de recrutas e a instrucção militar se derrame em maior quantidade. Mas na armada, embora haja a necessidade de augmentar o numero dos instruidos, lucta-se com uma difficuldade, a de que ha certos serviços que não podem ser desempenhados senão por praças com uma instrucção muita desenvolvida, e d'ahi a necessidade de admittir um certo numero de marinheiros para apontadores de peça, serviço de lento e para outros differentes serviços de bordo.
Se não houvese um certo numero de praças com instrucção bastante desenvolvida, o serviço seria muito prejudicado.
Não podemos deixar de contar com os readmittidos, cujo numero tambem não é pequeno.
Se o governo fosse a determinar este anno um contingente como o anno passado e outros, ver-se-ia de novo na difficuldade que eu tive de vencer por aquelle motivo.
Á medida que iam chegando os contingentes de recrutas e se ia excedendo o effectivo legal, as verbas orçamentaes iam-se excedendo tambem, e eu vi-me obrigado a adoptar o expediente, talvez não muito legitimo, mas imposto pelas circunstancias, de licencear os recrutas que quisessem, antes mesmo de entrarem em serviço. De outra maneira não havia verba que chegasse.
Em summa, contando com o numero de praças que vêem da escola dos alumnos de marinheiros, 120 pelo menos, com o das praças readmittidas, tambem consideravel, e não querendo fechar completamente a porta do quartel dos marinheiros ás praças voluntarias, que são as melhores e convem receber, porque de cada voluntario resulta um individuo que fica livre do serviço militar, para o qual, como é sabido, ha uma certa reluctancia, por isso que representa o imposto mais pesado, é necessario que o contingente ordinario seja pequeno, sob pena de exceder as verbas.
Não deixo de reconhecer que d'ahi resulta tambem um inconveniente, sob o ponto de vista financeiro, porque diminue a verba das remissões.
O principio das remissões está estabelecido na nossa legislação, mas, francamente, não é defensavel sob o ponto de vista doutrinal. O serviço militar é obrigação que deve caber a todo o cidadão. Se o nosso paiz e outros adoptam o principio da remissão, é porque na pratica não ha meio se de corrigir o principio theorico.
Não se póde admittir o estabelecimento da remissão como meio de se obter receita. O dinheiro d'essa proveniencia representa um sacrificio pesadissimo, talvez um erro sob o ponto de vista economico, porque enfraquece a economia nacional e contribuo tambem para augmentar a emigração, inconvenientes estes demasiadamente conhecidos.
Todavia acho o principio das remissões perfeitamente aceitavel n'um paiz como o nosso, em que, não podendo o exercito receber todo o contingente, pela grande reluctancia que ha para o serviço militar de terra, se conciliam por essa fórma quanto possivel as difficuldades do serviço com as condições especiaes do paiz.
Já não acontece o mesmo quanto ao serviço maritimo, arque todos nós, os portuguezes, temos conservado as traições dos nossos maiores, e a reluctancia que ha para o exercito de terra, não a ha para a armada.
O grande numero de voluntarios do exercito é constituido pelas praças destinadas a seguir pelo estudo a carreira militar, ou mesmo pelos officiaes inferiores.
Voluntarios para servirem propriamente como soldados ha poucos; mas