SESSÃO NOCTURNA N.º 52 DE 26 DE ABRIL DE 1898 951
em que de mais a mais se dá de curioso a cicumstancia de que por causa dos cambios e mais despezas ficou por 122 contos de réis este rebocador, que é conhecido pelo nome de Berrio, talvez corrupção de berro, por ficar a fazenda publica a berrar com tal encargo (Riso). Foi por quanto em numeros redondos ficou esta graça, dando-se tambem a curiosa circumstancia de ter sido tão bem cuidada a sua construcção, que logo depois do navio ter chegado, pois que entrou no Tejo em 6 de dezembro de 1897, em 15 de fevereiro de 1898 encommendava-se para Inglaterra um virador, o que quer dizer, que aquelles que tinha trazido não prestaram, ou não os tinha trazido, ou já se tinham estragado o que não abona nada a sua solidez.
Mais ainda: foi necessario fazer obras para a acommodação de pessoal. Mas veja-se mais como este Berrio ou berro de 122 contos de réis é uma cousa excellente e util sob o ponto de vista administrativo, pois que, mandado ao Funchal para rebocar o Loanda, não póde com elle!
Mas não param aqui os desperdicios e a orientação ou desorientação que tem regido na marinha e ali procura imperar, pois que, como já referi, foram tambem comprados em Inglaterra, dois navios tendo já mais de vinte e oito annos de serviço, o que é quasi o tempo para desarmamento. Disse-se que eram muito bons e veleiros e sendo a Inglaterra uma nação de grande navegação mercante, de duas uma, ou elles já pouco podiam dar para o serviço mercante, ou se offereceu por elles um preço tão elevado que mereceu a pena ao armador desfazer-se d'elles para arranjar outros novos; em qualquer dos casos pois, não foi acertada a resolução tomada.
Até á data em que me foram remettidos estes documentos, a despeza de acquisição e reparação de um dos navios, a Pero de Alemquer, era de 45 contos de réis.
Sr. presidente, não é necessario ser versado sobre o preço, valor e condições dos navios mercantes para ver que um navio, que importa em 45 contos do réis, não póde ser um navio com vinte e oito annos de idade, deve ser um navio novo.
O outro d'esses navios, até á data d'estes documentos, que se referem a agosto de 1897, estava já em quasi 14 contos, e o almirantado, que é composto de pessoal technico, e achou boa a acquisição: d'este navio, destina-o agora a pontão e não procedeu contra quem o illudiu com uma acquisição de tal ordem.
Aponto estes casos positivos, perfeitamente definidos diante de documentos que espero a camara auctorise a publicação, para que se veja e para que, quem quizer ler e estudar este assumpto comprehenda, que a minha critica, que foi por vezes classificada de violenta, é mais do que justa, e que pouco tenho dito.
Outra nota curiosa sobre o material naval. Houve, como já disse: o concurso para navios: de 1:800 toneladas e 16 milhas de marcha. Querem saber qual foi a conclusão da commissão que se occupou do assumpto, toda composta de individuos muito affectos ao elemento dirigente e dominante na occasião? Que nenhuma das propostas para navios de 1:800 toneladas satisfazia completamente, mas que poderia contratar-se com a casa "Thames Iron Works" com a "Forges et Chantiers" ou com a casa "Armstrong" a construcção dos navio? de 1:800 toneladas
Das tres casas a que pedia mais caro era a franceza, a "Forges et Chantiers", pois foi com essa que se contratou, quando ás outras se recommendavam mais de que a franceza pelas condições em que costumam fazer as suas construcções!
Pois foram preteridas para ser servida aquella que menos noa se recommendava pelas suas construcções e que era a mais cara!...
Sr. presidente, eu não faço commentarios, conto os factos clara e positivamente, como consta dos documentos officiaes, a que tomei tal amor que guardei os originaes, com medo de os perder e trabalho com as copias.
Peço á camara que auctorise a publicação n'um appendice ou anhexo a esta sessão, de todos estes importantes documentos officiaes, que me têem sido fornecidos em varias epochas, e alguns dos quaes me foram enviados só em janeiro d'este anno, que comprehendem relatorios importantissimos e tratam de assumptos de alta gravidade no, no que respeita á applicação de alguns milhares de contos do dinheiro dos contribuintes, porventura por uma forma que, a meu ver, não foi a mais acertada. Cada um leia com paciencia esses documentos nas proximas noites, de inverno, que muito tem que admirar, e não digo que hão de benzer-se, porque poderão fazer cousa melhor e mais apropriada ao caso.
Não me alongo em mais considerações, no pouco que referi, tenho dito o bastante, para se comprehender o que isto é, e o que vale o material naval no seu estado, nas suas acquisições, no seu aproveitamento e no serviço a que é destinado. Faço votos, correndo as contigencias, que corre, quem entra n'este estudo critico, para que o paiz aproveite alguma cousa, corrija esses abusos, que repito, não são da gerencia do actual ministro, e se me refiro a elles é apenas para que fique uma pequena lembrança do caso e para que se cuide melhor de assumptos desta especie.
Tenho dito.
O sr. Ministro da Marinha (Dias Costa): - Não me proponho a acompanhar o illustre deputado na apreciação technica dos processos que foram empregados para a acquisição de alguns navios para a nossa esquadra.
Em primeiro logar, porque não tenho competencia especial para isso, ainda que este assumpto, tratado no campo das generalidades, é perfeitamente accessivel a qualquer pessoa de mediana illustração; e em segundo logar, na critica feita, s. exa. não se referiu a actos da minha responsabilidade.
Em todo o caso, para que não fique no animo da camara a convicção, e certamente não era essa a intenção do illustre deputado, de que os navios adquiridos não têem uma grande utilidade para o paiz, devo accentuar que o illustre deputado tem rasão em distinguir os navios destinados propriamente para o serviço de guerra, e os navios destinados para o serviço colonial.
Não sei se no campo puramente theorico será admissivel esta distincção, mas no campo concreto, quando sé trata de um paiz de pequenos recursos financeiros, como o nosso é infelizmente, parece-me que não podemos hesitar em adoptar este principio: o de ter alguns navios especialmente destinados ao serviço colonial e irmos pouco a pouco adquirindo-os, dentro do recurso do thesouro e em harmonia com as verbas votadas pelas cortes.
Nisto faz o illustre deputado um grande serviço, a ver se pela propaganda convence o paiz de que a primeira condição essencial, para uma nação ser colonial, é dispor de esquadra para poder defender as suas colonias.
O discurso que o illustre deputado proferiu teve o grande merecimento de revelar grande estudo, ainda que o illustre deputado, uma ou outra vez se deixasse apaixonar nas suas considerações.
O que é certo é que esse discurso, alem de provar bem alto os grandes recursos do illustre deputado e a sua grande competencia, teve a vantagem de fazer uma util propaganda, sendo para sentir que essa propaganda não se possa desenvolver mais para convencer o paiz de que é indispensavel ter navios para o serviço colonial. (Apoiados.)
Uma nação não póde defender-se só com estradas e caminhos de ferro.
(Interrupção.)
Se Portugal quer manter a independencia, é indispensavel armar-se como todas as nações e por consequencia é indispensavel que o parlamento vá a pouco e pouco, dentro dos recursos do paiz, adoptando o principio de que,