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N.º 52

SESSÃO DE 10 DE ABRIL DE 1902

Presidencia do Exmo. Sr. José Joaquim de Sousa Cavalheiro (Vice-Presidente)

Secretarios - os Exmos. Srs.

Amandio Eduardo da Mota Veiga
José Joaquim Mendes Leal

SUMMARIO

Lida e approvada a acta, deu-se conta de um officio e tiveram segunda leitura um projecto, relevando a Camara de Vianna do Castello da venda dos terrenos do Jardim Velho, e uma renovação de iniciativa do projecto n.º 28-A, de 1901. - O Sr. Sarsfield fala sobre uma representação que lhe foi mandada do Funchal. - O Sr. Rodrigues Ribeiro apresenta uma representação, e discursa sobre ella e assumptos de alimentação publica. - Varios Srs. Deputados apresentam representações, declarações e outros papeis.

Na ordem do dia (continuação da discussão sobre o regime de bebidas alcoolicas em Africa) falam, successivamente, os Srs. Reis Torgal e Francisco José Machado.

Abertura da sessão - Ás 11 horas e 10 minutos da manhã.

Presentes - 58 Senhores Deputados.

São os seguintes: - Affonso Xavier Lopes Vieira, Agostinho Lucio e Silva, Alberto Allen Pereira de Sequeira Bramão, Alberto Antonio de Moraes Carvalho Sobrinho, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Albino Maria de Carvalho Moreira, Alexandre José Sarsfield, Alfredo Augusto José de Albuquerque, Alfredo Cesar Brandão, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Anselmo Augusto Vieira, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Augusto de Sousa e Silva, Antonio Barbosa Mendonça, Antonio Bélard da Fonseca, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Rodrigues Ribeiro, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Augusto Fuschini, Augusto Neves dos Santos Carneiro, Avelino Augusto da Silva Monteiro, Carlos Alberto Soares Cardoso, Carlos Malheiro Dias, Christovam Ayres de Magalhães Sepulveda, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Domingos Eusebio da Fonseca, Eduardo de Abranches Ferreira da Cunha, Ernesto Nunes da Costa Ornellas, Fernando Mattozo Santos, Filippe Leite de Barros e Moura, Francisco José Machado, Francisco José Patricio, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Henrique Matheus dos Santos, Henrique Vaz de Andrade Basto Ferreira, João Alfredo de Faria, João Carlos de Mello Pereira e Vasconcellos, João Ferreira Craveiro Lopes de Oliveira, João Joaquim André de Freitas, João Marcellino Arroyo, Joaquim Antonio de Sant'Anna, Joaquim Pereira Jardim, José Antonio Ferro de Madureira Beça, José Coelho da Motta Prego, José Jeronymo Rodrigues Monteiro, José Joaquim Mendes Leal, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria de Oliveira Simões, José Nicolau Raposo Botelho, Julio Ernesto de Lima Duque, Julio Maria de Andrade e Sousa, Luciano Antonio Pereira da Silva, Luiz Filippe de Castro (D.), Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Luiz de Mello Correia Pereira Medella, Manuel Joaquim Fratel, Marquez de Reriz e Visconde de Reguengo (Jorge).

Entraram durante a sessão os Srs.: - Alberto Botelho, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Alvaro de Sousa Rego, Antonio de Almeida Dias, Antonio Centeno, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio José Boavida, Antonio Sergio da Silva e Castro, Antonio Tavares Festas, Augusto Cesar da Rocha Louza, Belchior José Machado, Carlos Augusto Ferreira, Conde de Castro e Solla, Conde de Penha Garcia, Custodio Miguel de Borja, Eduardo Burnay, Francisco José de Medeiros, Francisco Roberto de Araujo de Magalhães Barros, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Hypacio Frederico de Brion, João Augusto Pereira, João Pinto Rodrigues dos Santos, José Caetano Rebello, José Caetano de Sousa e Lacerda, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Maria de Oliveira Mattos, José Maria Pereira de Lima, José Mathias Nunes, José de Mattos Sobral Cid, Julio Augusto Petra Vianna, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luiz Fisher Berquó Poças Falcão, Manuel Affonso de Espregueira, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Homem de Mello da Camara, Marianno José da Silva Prezado, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Ovidio de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Paulo de Barros Pinto Osorio e Rodrigo Affonso Pequito.

Não compareceram á sessão os Srs.: - Abel Pereira de Andrade, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alipio Albano Camello, Amadeu Augusto Pinto da Silva, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio Affonso Maria Vellado Alves Pereira da Fonseca, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Joaquim Ferreira Margarido, Antonio Maria de Carvalho Almeida Serra, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Roque da Silveira, Antonio de Sousa Pinto de Magalhães, Arthur Eduardo de Almeida Brandão, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto José da Cunha, Carlos de Almeida Pessanha, Conde de Paçô-Vieira, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Frederico Ressano Garcia, Frederico dos Santos Martins, Guilherme Augusto Santa Rita, Ignacio José Franco, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Monteiro Vieira de Castro, João de Sousa Tavares, Joaquim da Cunha Telles e Vasconcellos, Joaquim Faustino de Poças Leitão, José Adolpho de Mello e Sousa, José da Cunha Lima, José Dias Ferreira, José da Gama Lobo Lamare, José Joaquim Dias Gallas, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luiz José Dias, Manuel de Sousa Avides, Marianno Cyrillo de Carvalho, Matheus Augusto Ribeiro Sampaio, Matheus Teixeira de Azevedo, Rodolpho Augusto de Sequeira, Visconde de Mangualde e Visconde da Torre.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Do Sr. Henrique de Paiva Couceiro, dirigido ao Sr. Presidente da Camara, e acompanhando uma petição, no sen-

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

tido de não ser approvado qualquer convenio que não seja compativel com as posses do Thesouro.

Foi enviado á commissão de fazenda.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - A Camara Municipal do concelho de Vianna do Castello procedeu em 1891 á venda, em hasta publica de uma porção de terreno denominado "Jardim Velho" proximo ao Rio Lima, dentro da area da mesma cidade, a fim de lhe regularizar a topographia e applicar a esse e outros melhoramentos o producto de venda.

Posteriormente foi contestada a legitimidade de tal alienação por não ter sido feita nos termos das leis de desamortização, sendo mandadas annullar as vendas realizadas.

A Camara Municipal tinha recebido a quantia de réis 4:245$500, producto d'essas vendas, que entrara nos orçamentos camararios devidamente approvados. Agora, lutando esta municipalidade com grandes difficuldades economicas, não pode restituir as quantias recebidas, nem podem os arrematantes occupar os terrenos adquiridos ficando assim privados dos mesmos terrenos e das quantias entregues á municipalidade.

Para regularizar esta situação, representou a Camara Municipal ao Parlamento para que lhe fosse relevada a falta commettida na alienação d'aquelles terrenos e para que assim os pudesse entregar a quem os havia adquirido, regularizando a sua situação para com os credores por esse titulo.

Satisfazendo, pois, á justa pretenção da Camara Municipal de Vianna do Castello, temos a honra de vos apresentar o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º É relevada, a Camara Municipal de Vianna do Castello da responsabilidade em que incorreu, vendendo os terrenos denominados do Jardim Velho, ficando validadas as vendas realizadas e devendo applicar-se o respectivo producto ás ruas a construir naquelle local,

Art. 2.º Fica. revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da Camara dos Senhores Deputados, 3 de abril de 1902. = Carlos Malheiro Dias = Alberto Bremão = Manuel Affonso Espregueira = Queiroz Ribeiro = Luiz José Dias.

Foi admittido e enviado á commissão de administração publica.

Proposta para renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 28-A, apresentado á Camara dos Senhores Deputados em sessão de 1 de abril de 1901, pelo Sr. Deputado Sousa Avides. = O Deputado, Clemente Pinto.

Foi admittida e enviada á commissão de fazenda.

Refere se esta renovação de iniciativa ao seguinte

Projecto de lei

Artigo 1.º São isentos do pagamento de porte do correio as cartas e impressos expedidos pela associação denominada Associação de Soccorros Mutuos do Professorado primario Português, que se refiram a assumptos relativos ao fim especial da mesma associação.

& 1.º Para que a correspondencia a que se refere este artigo, goze do citado beneficio, deverá transitar aberta pelo correio, a fim de que os funccionarios postaes possam exercer sobre ella a necessaria fiscalização.

& 2.º A Associação de Soccorros Mutuos do Professorado Primario Português authenticará com em sêllo especial que será inutilizado no correio, todas as cartas e impressos que expedir, assumindo assim a responsabilidade de qualquer contravenção da presente lei ou dos regulamentos postaes.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

O Sr. Presidente: - Devia realizar-se agora o aviso previo do Sr. Dias Ferreira ao Sr. Ministro da Justiça. Não estando, porem, S. Exa. presente, vou dar a palavra ao Sr. Sarsfield.

O Sr. Sarsfield: - Sr. Presidente: recebi hontem uma representação, subscripta por distinctissimos cavalheiros da cidade do Funchal, alguns dos quaes diplomados pela Universidade de Coimbra, outros por differentes escolas superiores do país, na qual me pedem para que seja eu interprete perante o Governo, dos seus desejos, que se resumem em pedir que se mande proceder a estudos meteorologicos nas montanhas da formosa Ilha da Madeira.

Essa representação, que tenho aqui presente e que não leio para não fatigar a attenção da Camara, vem assignada tambem por differentes homens de sciencia que não são nossos compatriotas; e isto faz lembrar-me que os primeiros ensaios de estudos meteorologicos na Madeira foram feitos tambem por estrangeiros, como Heberden, Gourlay, Heineken, White, etc., o que mostra bem o interesse com que os estrangeiros nos desejam acompanhar nos estudos scientificos relativos ao melhor clima do mundo e a uma das mais bellas ilhas que povoam o Oceano.

A necessidade inadiavel de se proceder a estudos meteorologicos nas montanhas da Madeira, já foi reconhecida pelo Governo do meu país, pois no Pico do Arieiro, a cêrca de 1:700 metros de altitude, existe um posto meteorologico, que nos custou mais de 5:000$000 réis, mas que não funcciona por falta de material e pessoal, sendo de presumir que se não lhe acudirem já, quando o procurarem, perdido e abandonado no meio da serra, encontrarão apenas ruinas!

Esse posto meteorologico acha-se concluido, mas sem funccionar, desde 1895.

A Ilha da Madeira, que é um jardim perpetuo, concha de verdura que parece fluctuar nas ondas remançosas do Atlantico, pode e deve ser considerada, pela suavidade do seu clima e sobretudo pela uniformidade da sua temperatura, como uma estação de inverno de primeira ordem, como uma estação fixa, onde se allia o clima maritimo, ao clima de altitude. (Apoiadas}.

Comprehende bem V. Exa. e comprehende a Camara a importancia que tem para a economia local o estudo consciencioso e accurado da meteorologia das montanhas da Madeira, pelo desenvolvimento que esse estudo pode dar á installação ali de sanatorios para beneficio da humanidade enferma, attrahindo aquella incomparavel terra basta concorrencia de nacionaes e estrangeiros. (Apoiados).

Eu li, Sr. Presidenta, não me recordo aonde, que o illustre professor e medico Jacoud, que o meu illustre amigo e ornamento do professorado português, Dr. Clemente Pinto, que me está ouvindo, bem conhece, affirmava que a Ilha da Madeira se recommenda, por uma forma absoluta, para uma prolongada permanencia para os doentes, porque reunia todas as condições climatericas, que a collocavam acima de todos os climas conhecidos, e isto tome nota a Camara, sem contradita.

Eu não posso deixar de ler á Camara uma nota que aqui tenho da media das temperaturas mensaes obtidas pelo posto meteorologico do Funchal, que é a seguinte:

Graus

Janeiro........................... 16,07
Fevereiro........................ 15,63
Março.............................. 15,79
Abril................................ 16,98
Maio.............................. 18,28
Junho............................. 19,83

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Julho............................. 21,60
Agosto........................... 22,44
Setembro...................... 22,03
Outubro......................... 20,30
Novembro..................... 18,69
Dezembro..................... 17,42

Por aqui se vê a benignidade e principalmente a uniformidade da temperatura na Ilha da Madeira. (Apoiados). O celebre medico francês Jacoud de quem já falei, frisando a circumstancia de a Ilha da Madeira possuir simultaneamente as vantagens dos climas das planicies e dos climas das altitudes assegura que ella constitue uma estação climaterica como nenhuma outra.

Ora, Sr. Presidente, não desprezemos esta riqueza natural que a Providencia nos concedeu e procedamos aos estudos necessarios para d'ahi se poder tirar as maiores vantagens em proveito da nossa economia e em proveito da humanidade enferma. (Apoiados).

Sr. Presidente: eu li uns notaveis artigos publicados na Semaine Médicale do illustre professor Jaquet, da faculdade de medicina de Bâle, acêrca da acção physiologica do clima de altitude, e devo confessar a V. Exa. e á Camara que produziram no meu espirito uma profunda impressão as affirmações ou as conclusões a que modernamente a sciencia tem chegado no estudo, na investigação dos phenomenos passados no nosso organismo quando estamos submettidos a uma pressão atmospherica menor.

Diz o Dr. Jaquet que o facto simples da diminuição de 100 millimetros de pressão atmospherica é sufficiente, sem o concurso de nenhum outro factor, para determinar no nosso organismo um augmento na quantidade total de hemoglobina de cêrca de 20 por cento.

Sr. Presidente: eu não desejo abusar da Camara tratando assumptos que não são da minha especialidade, e que só os verso como mera curiosidade, falando nelles apenas para affirmar a V. Exa. e á Camara quanto eu reputo importante tudo quanto se puder fazer no nosso país para a implantação de sanatorios (Apoiados), para nos subtrahir a esse fôro que somos obrigados a pagar ao estrangeiro (Apoiados) mandando para lá os nossos doentes.

É por isto, Sr. Presidente, que eu reputo um benemerito o meu velho e querido amigo Alfredo Cesar Henriques, que com uma tenacidade heroica, e com a alma abrasada por uma crença pura, lá edificou na Serra da Estrella o primeiro sanatorio que possuimos para tuberculosos.

É uma divida de gratidão que elle paga á montanha que lhe deu saude, e eu neste momento, Sr. Presidente, evocando a memoria do chorado professor Sousa Martins, o sabio propugnador do aproveitamento do clima da Serra da Estrella como meio therapeutico, recordo que Cesar Henriques erigindo, na serra, um padrão á memoria de tão grande homem de sciencia, que é orgulho de todos nós, fez como os nossos antigos navegadores que attestavam a passagem da civilização esculpindo na pedra a lembrança eterna do valor do nome português. (Apoiados).

E sabe V. Exa. e a Camara que no anno passado já o Sanatorio da Serra da Estrella deu hospitalização a 40 doentes, por não ter espaço para mais, isto é, por não estar concluido.

E se esses 40 doentes tivessem ido para Davos-Platz, e calculando que apenas gastavam nos transportes e na hospedagem, o minimo que poderiam despender em 4 meses seria 20 contos de réis em ouro. Quer dizer, o Sanatorio da Serra da Estrella, beneficiando extraordinariamente os nossos doentes, evitou o escoamento de réis 20:000$000 em ouro, pelo menos, para o estrangeiro.

Quando um dia estiver concluido, as vantagens materiaes serão muito maiores.

E seja-me licito, Sr. Presidente, nesta altura do meu discurso, eu felicitar o nobre Ministro das Obras Publicas, que sinto não o ver presente, pelo incremento que já mandou dar á estrada que da Covilhã vae para o Grande Hotel dos Herminios, que é o nosso sanatorio, estando S. Exa. empenhado na conclusão d'essa estrada, sem a qual nem pode ser concluido o sanatorio nem podem os doentes ter meio commodo e facil de transporte para a Serra.

O Sr. Ministro das Obras Publicas procedendo como procedeu merece as homenagens de todos quantos se interessam pelo desenvolvimento da riqueza do nosso país, que trabalha para libertar-se d'essa terrivel drenagem do nosso ouro para o estrangeiro. (Apoiados).

Pela minha parte é com inteira satisfação que presto a S. Exa. os testemunhos da minha sincera homenagem.

Sr. Presidente: por todas estas razões julgo que muito tambem terá a lucrar a economia nacional com os estudos a que o Governo deve, sem demora, mandar proceder nas montanhas da Madeira, onde já existe um posto meteorologico, como já disse, restando apenas aproveitá-lo.

As circumstancias especialissimas d'aquella formosa ilha indicam e fazem prever que um sanatorio nas proximidades do Pico do Arieiro, convenientemente bem instalado, chamaria ali uma enorme concorrencia de nacionaes e estrangeiros, seria uma fonte de riqueza e mais um logar privilegiado, mais uma estancia abençoada onde a humanidade enferma encontraria allivio e as mais das vezes cura. (Apoiados).

Não desejando cansar a attenção da Camara, vou terminar as minhas considerações pedindo a S. Exa. o Sr. Ministro da Justiça, que está presente, para que insista com o Sr. Ministro das Obras Publicas, a fim de que S. Exa. attendendo ás reclamações da parte pensante e illustrada da cidade do Funchal, ás condições climatericas da Ilha da Madeira, á excepcional belleza das suas paisagens, á fertilidade do seu solo, ao imprevisto das suas montanhas recobertas de uberrima vegetação, mande proceder sem demora aos estudos meteorologicos da serra, como base primacial e indispensavel á implantação do sanatorio, que deve ser da iniciativa particular, mas que é em todo o caso sempre da maior importancia. (Apoiados).

Reclama esta medida um dever de humanidade, um dever de patriotismo (Apoiados) e impõe-se como um encargo da civilização. (Apoiados).

Vozes: - Muito bem, muito bem.

O Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques): - Sr. Presidente: pedi a palavra unicamente para dizer ao illustre Deputado que acaba de falar, que ouvi com toda a attenção as muito justas e judiciosas considerações que S. Exa. acaba de fazer e communicá-las-hei ao meu collega, para que dentro das forças do Orçamento, mande proceder aos estudos que S. Exa. deseja.

O Sr. Rodrigues Ribeiro: - Pedi a palavra para mandar para a mesa uma representação de Carlos Theriaga, importante proprietario na villa de Pernes, do concelho e districto de Santarem, em que pede um beneficio para a sua industria.

Consiste a industria d'este proprietario na exploração e fabrico de varios instrumentos agricolas e mecanicos.

Foi esta industria estabelecida ainda no tempo de Marquês de Pombal, e teve a protecção d'aquelle illustre estadista, porquanto foi fomentada á sombra de um subsidio annual de 5:000$000 réis, concedido pelo Estado, e com artistas da especialidade do fabrico mandados vir da Italia.

Vivem d'esta industria de instrumentos agricolas dezenas de familias de um pequeno e pittoresco logar, a villa de Pernes, e, com os redditos provenientes da mesma industria, se teem alimentado, ainda mesmo durante os rigores do inverno, e especialmente nestes ultimos annos.

As familias d'esse pequeno logar ahi teem negocios, e auferem beneficios, vivendo muitas exclusivamente da applicação da sua actividade na fabrica.

É tão importante esta industria, Sr. Presidente, que tem um movimento annual de £ 10:000. Este movimento

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é para apreciar, porquanto aquelle logar da villa de Perno, é pequeno, a sua população não attinge a 1:000 almas.

A circumstancia de ficar situado no (...Ilegivel) do país, complemente desviado das linhas de communicação com os grandes centros de actividade, impõe-se-me para me animar a pedir protecção para a pequena industria, que ali tem a sua sede, porquanto nos grandes centros meios de outra ordem facilitam e contribuem poderosamente para o fomento de outras industrias, productos da applicação da actividade humana nas suas multiplas e diversas manifestações.

Basta pois, a circunstancia do isolamento em que esta industria vive, afastada dos grandes centros, para ser considerada de uma importancia relativa e merecer a protecção dos poderes publicos. (Apoiados).

A representação, que tenho a honra de mandar para a mesa, pede a modificação em um dos artigos das pautas das alfandegas, estabelecidas por decreto de 17 de junho de 1892. Como se trata de artigo muito limitado, não vejo inconveniente em que o Sr. Ministro da Fazenda, tomando em consideração a reclamação apresentada a recommende á commissão competente, para ser considerada, na occasião opportuna, quando se tratar da remodelação das pautas.

Tenho ainda a accrescentar que o representante, pedindo ella modificação, não vem allegando a circunstancia das reducções, por que tem passado ultimamente os cambios, porquanto na allegações do interessado são anteriores ás tendencias favoraveis ultimamente registadas na nossa situação cambial, a sua industria, por ser antiga, e não obstante ter-lhe cessado o subsidio primitivo, nunca viveu nem mesmo partilhou da differença da moeda, á sombra da qual se manteem outras industrias.

No meio em que vive, dedicado quasi exclusivamente ao fomento da sua industria, procurando mercados para os modestos productos do seu fabrico nos centros do commercio, tanto da metropole como do ultramar, e mantendo, com a sua intelligente actividade, o pão de tantas fami-Iias, é reputado um benemerito, o Sr Carlos Theriaga, signatario d'esta representação, para a qual eu peço licença para chamar a attenção do nobre Ministro da Fazenda, para o fim a que já me referi.

Sr. Presidente: estando no uso da palavra, e achando se em discussão o projecto, que regula a exportação dos nossos vinhos para o ultramar, é do meu dever declarar á Camara, que eu me reputava moralmente obrigado a tomar parte na sua discussão, como Deputado pelo circulo de Santarem, a quem este projecto tanto interessa. Todavia, Sr. Presidente, a despeito das minhas instancias, não consegui ver-me inscripto, por circumstancias estranhas á minha vontade, fiquei privado da inscripção, se bem que reconheça que pouco podia contribuir para melhorar o projecto, cuja discussão vae já muito adeantada.

O meu fim, inscrevendo-me para tomar parte na discussão d'este projecto, era, em primeiro logar, para em nome da região, que tenho a honra de representar nesta casa, enviar as minhas felicitações ao illustre Ministro do Ultramar, pela sua rasgada iniciativa e pelo grande beneficio (Apoiados) que a sua medida extraordinaria, que está em discussão e prestes a ser approvada, traz em geral ao país e em especial para a região que eu tenho a honra de representar como Deputado (Apoiados), a região do Ribatejo, e dirigindo catas felicitações a S. Exa. em nome de (...Ilegivel) dos vinhateiros d'aquella região, e em meu proprio (...Ilegivel) na minha qualidade de agricultor, devo assegurar que ellas são e mais leaes e sinceras; em segundo logar, queria tornar bem frisante que, vejo no projecto em discussão uma medida de grande alcance, não só pelos meios que propõe, mas pelos fins a que visa em proveito da civilização, promovendo a morigeração do indigena das nossas possessões da Africa, pelo regime e uso moderado das bebidas alcoolicas, tão prejudiciaes á conservação da vida e á procriação.

Tambem não é menor o beneficio, que ha de resultar do projecto, o alargamento que vae fazer no nosso mercado de vinhos nas colonias.

Na altura em que está a discussão, em que se tem empenhado oradores tão distinctos d'esta Camara, eu nada tenho que accrescentar; todavia, não posso deixar de encarecer o que se acha neste projecto exarado na base 20.º, que torna obrigatoria a analyse dos vinhos de exportação, pelos beneficios que da sua pratica hão de resultar, assegurando a genuinidade dos productos em proveito dos legitimos interesses da agricultura e do commercio licito dos vinhos.

Pelo disposto naquella base quero eu ver tambem um alargamento á collocação immediata dos nossos vinhos.

Aquella base é, sem duvida, uma das de maior alcance do projecto, porque vae obstar a que tenham collocação e partilhem do beneficio do alargamento criado pelo mesmo, todos os vinhos, que não podem ser classificador como vinhos, o que se traduz em beneficio da humanidade, e sobretudo dos vinicultores.

Como exportador, pequeno exportador de vinho, já nas commissões de agricultura e ultramar reunidas tive ensejo de fazer uma declaração, que vem a proposito referir á Camara. É a seguinte:

Nos meus trabalhos de exportação para as nossas colOnias, por mais de uma vez tenho sido convidado a transformar os meus vinhos com o emprego de uns processos grosseiros, da que resulta a celebre mixordia que se diz ter melhor acceitação pelos consumidores de paladar avariado, e que só por essa forma eu poderia fazer concorrencia aos intermediarios que, arvorados em exportadores, desacreditam por um lado a classe agricola-vinicola e por outro contribuem para prejudicar o commercio licito dos vinhos.

Se a agricultura tem um grande stock de vinho, não tem necessidade de o falsear e não vejo que possa justificar-se por parte dos commerciantes, e fazer concorrencia illicita, mandando para a Africa um conjunto de varias drogas, que classificam como vinho para preto.

Diz-me o meu illustre collega e amigo Francisco Machado, que isto hoje não se faz; mas como eu tenho persistido na exportação directa da quasi totalidade dos vinhos das minhas propriedades, em interesse pessoal dediquei-me ao assumpto, e posso assegurar a S. Exa. que esse processo ainda hoje se emprega: e, como não tenho interesse, nem está nos meus habitos proceder a denuncias, dispenso-me de mencionar as firmas, que, constituindo excepção ao commercio honesto, exportam drogas com a designação de vinho para pretos, designação debaixo da qual se acobertam vinhos improprios para o consumo e doses exageradas de alcool de cereaes para desdobramentos. Será uma grande fonte de receita para os interessados neste commercio, mas constitue um abuso, que se impõe para reprimir em defesa dos legitimos interesses da vinicultura nacional, e a esse fim visa muito acertadamente a base 20.º do projecto, a que me estou referindo.

Sr. Presidente: se em todos os paises, commissões de homens competentes, por iniciativa dos respectivos Governos, teem contribuido com o seu estudo aos progressos da chimica analytica para a beneficiação e genuinidade dos generos alimenticios num verdadeiro interesse economico e hygienico; justo é que d'este beneficio, que começa a generalizar-se no nosso país, na metropole, partilhem os nossos irmãos das possessões ultramarinas, porque são nossos irmãos todos aqueIles que, vivem sob a protecção da mesma bandeira; e, naquellas regiões, a par dos serviçaes, temos muita gente da nossa côr e do nosso sangue, que não pode nem deve ser privada dos beneficios, que são decretados para a metropole, visto que elles,

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como nós, trabalham para o engrandecimento do país, contribuindo para o fomento da riqueza publica. (Apoiados).

Os paises que mais teem trabalhado para a beneficiação dos generos alimenticios, são, a Allemanha, a Italia, a França, a Austria e a Suissa, e ahi homens technicos, homens de uma reputação largamente conhecida teem envidado todos os seus esforços e estudos para estabelecerem, em especial, as bases e serem uniformizados os methodos para a analyse e apreciação dos vinhos. Não me parece que o nosso país tenha ficado indifferente a este movimento, que se tem operado na Europa; no nosso país de 1895 para cá algumas providencias se teem estabelecido tambem em beneficio dos generos alimenticios; refiro-me aos regulamentos em vigor e mais especialmente a umas instrucções publicadas no fim do anno passado, que reputo de maior alcance e que fazem completa honra aos seus auctores: (Apoiados).

São as instrucções para a analyse dos vinhos, vinagres e azeites, que foram mandadas adoptar nos laboratorios chimicos da Direcção Geral de Agricultura, que teem por fim estabelecer a conveniente uniformidade nos processos analyticos e garantir os justos interesses do commercio e dos consumidores.

Ora essas instrucções teem, a meu ver, uma importancia capital. A analyse do vinho ou a analyse de uma certa amostra de vinho, ou a analyse de uma certa amostra de azeite, não é indifferente que seja feita por este ou por aquelle analysta, com o emprego de qualquer processo, porque a despeito de todos os progressos feitos na chimica analytica, um analysta vê e determina a analyse por uma certa forma e outro por outra, o que faz, com que os resultados sejam discordes, não permittindo apreciar pelo seu justo valor um genero determinado.

Por isso julgo muito justo que aquellas instrucções sejam adoptadas para complemento do projecto do Sr. Ministro da Marinha, porque, assim como é conveniente que se não exportem mixordias, tambem é conveniente que os exportadores não sejam prejudicados por falta de orientação dos analystas. A isso se referiu já uma representação creio que de uma das associações mais importantes do Porto, que põe em duvida a competencia dos nossos analystas e as difficuldades a que nos podem induzir.

Não podemos nem nos devemos queixar dos analystas, devemo-nos queixar de um ou outro que se improviza em analysta, e o Governo tem ao seu alcance homens de subido valor como analystas e chimicos com a competencia profissional indispensavel para lhe serem confiados os laboratorios officiaes com justa garantia para os interesses publicos. (Apoiados).

Ha ainda, Sr. Presidente, uma outra circunstancia a notar: é que estando os processos de analyses dependentes de umas instrucções, essas instrucções podem melhorar-se gradual e successivamente á medida que formos avançando nos progressos da chimica analytica. E quando aquellas instrucções fizessem parte complementar da propria lei, ellas seriam difficeis de ser alteradas; pelo fim, a que visam e para a consolidação do projecto de lei prestes a ser votado, muito importa mante-las com o caracter regulamentar.

Sr. Presidente: a minha insistencia na unificação dos methodos de analyse para os vinhos ou para os azeites encontra tambem justificação em um caso particular succedido commigo, e que eu peço licença para referir á Camara.

Em um d'estes ultimos annos tinha eu ajustado com uma casa commercial a venda do meu azeite da colheita, mediante certas condições de preço e qualidade.

Pela analyse summaria, a que havia procedido, determinei eu os caracteres organoleticos e os acidos livres por uma forma a poder assegurar a qualidade do meu producto.

Presentemente o processo para a determinação dos acidos livres do azeite está muito vulgarizado: é frequente encontrar oleicultores que, embora estranhos a quesquer conhecimentos da chimica analytica, usam com certo desembaraço a galheta graduada, o phenolphtalaina, como reagente indicador, e o soluto de soda caustica N/10 para neutralizar o acido contido no azeite.

Convem registar tambem, embora de passagem, que, qualquer casa de commercio de azeite regularmente montada, não fecha transacção sobre aquelle genero, sem primeiro mandar proceder á sua analyse, como reguladora do preço, do que resulta ter sido expurgado do commercio da capital todo o azeite classificado improprio para o consumo.

E esse grande beneficio a bem da saude publica, pois são bem conhecidas as doenças intestinaes determinadas pelos azeites de inferior qualidade, é devido ás providendencias sensatas estabelecidas pela fiscalização e inspecção official.

Ora, Sr. Presidente, pela analyse, a que eu procedi, encontrei no meu azeite 1,5 por cento de acido oleico, o que para a colheita d'aquelle anno levava a reputá-lo como bom.

A casa com quem tinha pendente a transacção encontrou-lhe, depois de analysado, 3,5 por cento do mesmo acido.

Esta discrepancia, collocando-me em situação melindrosa, levou-me a solicitar o favor do distincto clinico, o Digno Par do Reino, e meu amigo, o Sr. Rebello da Silva, para proceder a uma analyse rigorosa.

Concluiu-se pelo seu resultado que, a analyse feita por mim, tinha sido bem determinada, e que, sem duvida o emprego do soluto de soda caustica mal regulado, teria contribuido por parte do analysta para aquella discordancia.

A transacção foi fechada nos termos ajustados.

A estas differenças que podem dar-se com as analyses, é que eu entendo se deve obviar, para assegurar as transacções commerciaes e a saude publica, isto tanto no que diz respeito aos vinhos, como aos azeites.

É preciso haver todo o cuidado com os analystas. (Apoiados).

Nos regulamentos a fazer podem ser previstas todas as circunstancias a que me tenho referido.

E reconhecido o interesse com que o Sr. Ministro da Marinha se empenhou na apresentação da sua rasgada proposta sobre o regime das bebidas alcoolicas no ultramar, em beneficio da exportação dos nossos vinhos, proposta que mereceu o apoio dos dois lados da Camara, justiça é reconhecermos que S. Exa. envidará todos os seus esforços para com o seu elevado criterio consolidar e tornar effectiva a sua pratica e em especial na parte que torna obrigatoria a analyse dos vinhos a exportar.

Assim o espero, pois muito confio no seu talento, na sua energia e no seu elevado patriotismo. (Apoiados).

Sr. Presidente: sob um outro aspecto desejo eu ainda considerar a analyse dos nossos vinhos de exportação para as colonias, tornada obrigatoria pelo disposto na base 20.º do projecto, a que me estou referindo.

Quero considerar em toda a sua largueza a selecção que vae estabelecer entre os vinhos proprios para consumo e os destinados á caldeira para serem queimados e convertidos em alcool.

D'ahi calculo eu que advirá uma restricção para o excesso de producção e até mesmo beneficiação para o producto das vinhas.

Com effeito, Sr. Presidente, quando na imprensa se está dia a dia a condemnar os vinhos de varzea, como improprios para consumo, eu devo dizer á Camara, com o conhecimento que tenho do assumpto, que nós não podemos condemnar vinhos d'esta ou d'aquella procedencia.

Não precisamos condemnar senão aquelles que a ana-

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lyse condemna (Apoiados); porque, Sr. Presidente, eu tenho visto vinhos de varzea de primeira ordem, tenho visto vinhos de varzea ordinarios, tenho visto vinhos de campo superiores aos de varzea, etc., não entro em conta com os vinhos de encosta, porque, em regra, são todos de qualidade superior.

A questão dos vinhos bons ou maus em terrenos frescos ou de varzea, é uma questão da escolha da planta adequada á natureza do terreno em funcção do tratamento e armação da vinha e, sobretudo, do fabrico dos proprios vinhos.

Em confirmação da minha affirmativa posso assegurar que tendo eu visto vinhos de varzea bons e vinhos de campo relativamente inferiores e vice-versa; a inferioridade dos vinhos é em regra uma consequencia do mau fabrico: e se por vezes as varzeas são productos maus, é porque os agricultores preoccupando-se exclusivamente com a quantidade, sem querer saber da qualidade, não só empregam plantas de larga producção, como tambem recorrem ao processo de logo nos primeiros annos de novidade, provocar o maximo da producção, sem attender á vida e duração da planta.

Nesta alternativa de boa e má qualidade, exercerá a analyse o seu papel na selecção dos vinhos proprios para consumo e dos que hão de ser immolados na caldeira.

E já que me estou referindo aos vinhos de varzea, tão meus conhecidos na região, que tenho a honra de representar nesta Camara, devo accrescentar que, quando bons são absolutamente indispensaveis para constituir os lotes com os vinhos de encosta destinados á exportação, e que pela sua producção inferior em quantidade, mal se poderiam acommodar aos preços correntes, sem serem compensados por aquelles.

Não é facil admittir que qualquer vinicultor se proponha estragar os nossos excellentes vinhos de encosta, Iotando-os com maus vinhos de varzea.

Mas facil é admittir que, quando sejam conhecidos os resultados da analyse, cada um procurará aperfeiçoar o fabrico, para melhor garantir o seu producto; e o accrescimo que d'ahi pode advir para esta grande fonte da nossa riqueza agricola, é mais um beneficio que resultará da analyse determinada pelo projecto em discussão. (Apoiados).

O Sr. Presidente: - Previno o illustre Deputado que faltam apenas 5 minutos para se entrar na ordem do dia.

O Orador: - Eu vou terminar, resumindo, Sr. Presidente, as minhas considerações.

Se o Sr. Ministro da Marinha conseguir montar laboratorios nos grandes centros para a exportação, encarregando a sua direcção a analystas com probidade e competencia, profissional, poderá S. Exa. ficar certo de que presta um altissimo serviço ao país, e em especial aos vinicultores, que se encontram a braços com as maiores difficuldade, e bem merecerá de todos o seu reconhecimento e louvores. (Apoiados}.

Mas, Sr. Presidente, eu queria tambem dirigir-me ao Sr. Ministro das Obras Publicas, porque S. Exa. apresentando a esta Camara uma proposta de lei tendente a beneficiar a agricultura, desejava que S. Exa., tendo decorrido já tantos dias depois da apresentação da sua proposta, me dissesse se persistia ou não pela sua discussão.

Mas como não tenho o prazer de ver presente o illustre titular d'aquella pasta, reservarei a minha pergunta para a primeira opportunidade.

Sr. Presidente: eu receio muito que o illustre Ministro, a que me refiro, se convença de que, com a proposta em discussão, o problema da collocação dos nossos vinhos fica completamente resolvido. Estamos muito longo d'isso: a proposta em discussão fazendo um alargamento ao nosso mercado de vinhos não pode produzir effeitos immediatos, demanda tempo para se tornar effectiva em todas as sua disposições. E entretanto sente-se na importante classe vinicola um certo mau estar, que mal se compadece com falta de providencias de outra ordem.

O alargamento do mercado a que visa a proposta do ilustre Ministro do Ultramar é deveras importante para a vinicultura, mas esse alargamento será completamente prejudicado, será uma inutilidade se continuar a predominar a insania, se se continuarem a fazer plantações tão doida e loucamente, como eu conheço!

Eu bem sei, que não posso, nem devo pronunciar-me já abertamente contra as medidas restrictivas da plantação da vinha; creio mesmo que o Governo quando o projecto venha ao debate fará questão aberta; de outra forma não poderiam aqui ser derimides os interesses das differentes provincias pelos seus representantes, que hão de dizer da sua justiça.

Outros meios, que não seja a restricção, um verdadeira ataque á liberdade de propriedade, poderão ser apresentados para debellar a corrente de insania, que se ateou de novo com a apresentação da proposta do Sr. Ministro das Obras Publicas.

Na região, que represento, a cultura da vinha faz-se em larga escala, mas ainda não é tão grande como foi outr'ora. O augmento da producção n'aquella região provem de causas differentes: o augmento provem não só da escolha e melhor adaptação das plantas ao terreno, como tambem dos proprios males que apoquentam a vinha. O viticultor planta hoje uma vinha, e como sabe, que essa vinha em curto prazo começa a ser accommettida de tantas doenças, não chegando, por vezes, a attingir o periodo regular de producção e correndo o risco de perder-se, o viticultor já não atraza a vinha, como foi pratica seguida por muitos annos.

Procura tirar d'ella o maximo producto logo no primeiro anno de novidade sem se preoccupar com a vida e forças da planta, o que dá em resultado que a vinha se exgota logo nos primeiros annos de producção, e a sua vida é de duração ephemera.

Este erro, que é frequente, concorre para alterar o excesso de producção. Mas eu conheço que o desequilibrio produzido pela insania de muitos, que, a despeito de tantas difficuldades, continuam a plantar doidamente é tão grande, que não ha alargamento de mercados, nem erros comettidos na cultura da vinha, que o possam debellar, se o Governo se não impuser com medidas de outra ordem. Apenas o Sr. Ministro das Obras Publicas apresentou nesta casa do Parlamento a sua proposta de lei tendente á restrição da plantação da vinha, fez-se o panico, começou logo a faina da plantação em larga escala.

Eu vi com os meus proprios olhos: em terrenos baixos, que durante muitos annos foram empregados exclusivamente á cultura do trigo e do milho, em terrenos, que não tinham sido alqueivados, sem preparo algum para a vinha, foram logo empregados centos de trabalhadores que a ferro e doudamente plantavam bacello.

D'esta rude faina presidida pela insania espero eu ainda ver resurgir mais uns milhares de pipas da vinho para fazer face ao alargamento criado pelo Sr. Ministro do Ultramar. Assim como das providencias dadas pelo Governo em geral, e quando me refiro ao Governo, quero abranger tantos e tão distinctos estadistas que teem occupado as cadeiras do poder sem restricção de côres, e a quem a agricultura tanto deve, resultou a reconstituição das nossas vinhas completamente perdidas com a invasão do phylloxera; da mesma forma, da acção do poder central eu espero ver dimanar providencias, que se imponham aos agricultores para os fazer entrar no verdadeiro caminho dos seus interesses e do país, para não ser desvalorizada esta grande fonte de riqueza publica, a vinicultura do país.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi muito cumprimentado}.

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SESSÃO N.° 52 DE 10 DE ABRIL DE 1902 7

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Marinha, mas devo prevenir S. Exa. que faltam apenas 3 minutos para se entrar na ordem do dia.

O Sr. Ministro da Marinha (Teixeira de Sousa): - V. Exa. preveniu-me de que faltam apenas 3 minutos para se entrar na ordem do dia, e com muito pesar meu, não tenho tempo para acompanhar o illustre Deputado, o Sr. Rodrigues Ribeiro, nas considerações que fez sobre a questão vinicola.

Pedi a palavra para dois fins: primeiro, para agradecer a S. Exa. as palavras benevolas com que se referiu á proposta de lei que apresentei ao Parlamento; e em segundo logar, e principalmente, para endereçar ao illustre Deputado a homenagem de toda a minha consideração para com S. Exa. e os mais sinceros parabens pelo proficientissimo discurso com que S. Exa. honrou este Parlamento, e digo que honrou o Parlamento, porque discursos como aquelles que o illustre Deputado acaba de proferir, honram sempre uma assembleia onde são proferidos. (Apoiados).

O illustre Deputado não fez um discurso politico, S. Exa. falou como um português, como um professor; com a mais nobre isenção. (Apoiados}.

Não tenho tempo para acompanhar o illustre Deputado nas suas considerações que fez, mas tomarei na maxima consideração as reflexões que S. Exa. fez hoje ao proferir o discurso como tornarei na maxima na maxima consideração as reflexões que S. Exa. fez quando muito intelligentemente collaborou na commissão do ultramar, quando ali se discutiu a minha proposta de lei.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Presidente: - Vae entrar-se na ordem do dia. Os Srs. Deputados que tiverem papeis a mandar para a mesa, podem fazê-lo.

O Sr. Oliveira Mattos: - Mando para a mesa uma representação da classe dos criados de camara do Corpo de Marinheiros, pedindo melhoria de vencimentos.

O Sr. Eduardo Villaça: - Mando para a mesa uma renovação de iniciativa da proposta de lei n.° 34-D, de 1900, que concede a D. Maria Leopoldina Xavier Costa e a sua filha a pensão annual vitalicia de 450$000 réis.

Ficou para segunda leitura.

O Sr. Filippe Moura: - Apresento o seguinte

Aviso previo

Desejo interrogar o Sr. Ministro das Obras Publicas sobre a projectada construcção do caminho de ferro da Regua a Chaves e á fronteira. = Filippe Leite de Barros e Moura.

Mando igualmente para a mesa a seguinte

Declaração

Confirmo a declaração já feita verbalmente no acto de prestar juramento, de que opto pelo logar de deputado, renunciando o cargo de administrador do concelho de Chaves. = Filippe Leite de Barros e Moura.

Para a acta.

Mandou-se expedir o aviso previo.

O Sr. João Faria: - Mando para a mesa o projecto n.° 57, da commissão de guerra, que conta, para os effeitos da reforma, ao capitão de infantaria Ferdinando Luiz Gomes, todo o tempo em que prestou serviço nas obras publicas do Estado da India.

A imprimir.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei sobre o regime das bebidas alcoolicas em Africa

O Sr. Reis Torgal: - Sr. Presidente: pedi a palavra e vou falar sobre um assumpto que me não é familiar.

Não me proponho fazer uma conferencia, nem mesmo um discurso na accepção classica e parlamentar da palavra. Essas peças da oratoria que constituiram as delicias das velhas assembléas até ao meado do seculo passado, fizeram o seu tempo. Hoje, como ha pouco dizia em França um distincto homem de sciencia, os requisitos indispensaveis para ser orador reduzem-se a pouco, a um só: ter idéas.

Ter idéas é tudo.

E eu espero ter idéas sobre o assumpto que se discute; penso, modestia á parte, que tenho idéas sobre a materia do projecto em discussão.

Sr. Presidente: comprehende-se que nos tempos que vão correndo, principalmente na nossa sociedade politica, não sejam necessarios discursos de formas acuradas e reflectidas, como aliás se tornava indispensavel nas pugnas ardentes dos velhos tempos e ainda nos primeiros dias do seculo passado.

Como diz um publicista francês, José Reinach, no periodo da grande revolução, cujos movimentos fizeram estremecer quasi todos os Parlamentos do mundo, o respeito e cuidado da forma impunham-se por dever de legitima defesa.

Nesse periodo memoravel em que o mundo inteiro prestava ouvido attento á palavra sincera e ardente dos grandes lutadores, que se chamavam Mirabeau, Robespierre, Danton, Camillo Desmoulins e outros, o cuidado da forma impunha-se de uma maneira irrecusavel. Por isso nenhum d'estes grandes oradores, com excepção de Mirabeau e Danton, subia á tribuna sem haver meditado e escripto o seu discurso. Todos iam recitar as suas declarações escriptas, de antemão concertadas com os seus mais intimos e considerados amigos!

E comprehende-se que assim fosse.

D'essa grande tribuna proclamavam se principios novos. Discutiam os direitos do homem e expunham-se novos processos de governo!

Cada orador tinha de reflectir sobre as suas affirmações, por que ellas importavam a medida das suas grandes responsabilidades.

Aquella augusta tribuna, de onde a voz dos oradores echoava pelo mundo inteiro, foi para muitos o primeiro degrau da guilhotina!

Muitos desciam da tribuna parlamentar certos e convictos de que, a dois passos, os aguardava o cadafalso!

E, coisa notavel, tão longe foi o escrupulo d'esses grandes lutadores, tão sincera foi a sua devotação pela causa que defendiam, que muitos d'elles escreveram cuidadosamente as proprias palavras que tinham de proferir ao entregar o pescoço ao carrasco, procurando assim evitar que a sua memoria fosse infamada com uma suspeita de fraqueza!

Por isso disse Michelet:

"II n'a pas eu un traître dans toute Ia convention".

Nas nossas assembléas politicas, nos nossos debates parlamentares, esses cuidados são desnecessarios.

Estamos, por assim dizer, em frente de um só partido, dividido, por tacita convenção, em direita e esquerda.

A Camara é só constituida por monarchicos: todos juraram fidelidade ás instituições e ao Rei...

Separa-os apenas uma pequena balisa, que é constituida pelas cadeiras do poder!

Mas somos todos monarchicos e patriotas...

Dadas estas razões, que servirão de desculpa senão de justificação ao desalinhavo do meu discurso, poderei com liberdade entrar no debate.

Não receio a guilhotina nem me preoccupa o juizo da posteridade, que talvez nem venha a saber da minha existencia.

Se incorrer em peccado contra a disciplina, caminharei sereno para o supplicio, que não irá alem do cadafalso eleitoral, em que, de um e de outro lado da Camara, são

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executores de alta justiça dois cavalheiros tolerantes e liberaes.

Sr. Presidente: eu podia, se quisesse (e peço a attenção da Camara), deixar de responder aos argumentos produzidos contra o projecto, condensando numa só proposição o valor da proposta do Governo.

O illustrado Ministro da Marinha, ao organizar a proposta que ora se discute, transformada em projecto de lei, teve em vista dois fins: occorrer, com a ampliação do mercado africano, á crise de abundancia que torna angustiosa a vida do viticultor na metropole, e salvar a vida do indigena pela restricção do abuso do alcool.

Se a primeira parte não carece de demonstração, a segunda é por sua natureza igualmente evidente.

Aberto ou ampliado um novo mercado para os vinhos da metropole, o mal-estar da agricultura deve encontrar na medida proposta um remedio efficaz. Mas o consumo dos nossos vinhos, em Africa, presuppõe a existencia de uma numerosa população trabalhadora, porque sem trabalho não ha riqueza e, por isso, tambem não poderá haver consumo; logo é indispensavel procurar todos os meios de engrandecer o continente negro, evitando o depauperamento e a ruina da população indigena, sem a qual não poderá subsistir a agricultura em terras de Africa. D'ahi a segunda parte ou a providencia complementar do projecto.

Se a Camara acceita, pois como demonstrado que a cultura do continente africano carece, em absoluto, do trabalho do indigena; se é hoje doutrina corrente que o abuso do alcool importa o definhamento e por isso a curto espaço a extincção da raça negra, fica demonstrado que a defesa das industrias que porventura agora soffram, assim como a defesa da agricultura e do commercio africano, dependem da adopção d'esta lei, que, alem da sua virtude eminentemente altruista, importa de uma forma indiscutivel a salvação dos nossos mais importantes interesses coloniaes.

Se é verdadeira a these, todos os seus consectarios são verdadeiros.

O Dr. Riant, no seu excellente livro L'Alcool et Le Tabac, diz que o alcool mata em Argelia mais soldados franceses do que as balas dos arabes; e o Padre Berthoud, citado por um meu distincto collega em um magnifico livro de vulgarização scientifica O Tabaco e o Alcool, diz: «que o excessivo uso do alcool nas possessões africanas produz acção tão deleteria, que dentro em pouco a raça negra trabalhadora estará exterminada, se não lhe acudirem com remedio prompto».

Consequentemente, se o solo africano não é cultivavel sem o braço do indigena, e se a vida d'este não pode assegurar-se com a continuação do uso e abuso do alcool, ha um unico meio de salvação: e este é o que o nobre Ministro da Marinha submetteu á approvação da Camara!

Que importa que soffra S. Thomé, que soffra Angola, se sem a vida do indigena ha de desapparecer por completo toda a possibilidade de cultivar a Africa e de nella ensaiar industrias de qualquer natureza que ellas sejam!

Este raciocinio dispensaria mais largas considerações; mas não quero preterir os deveres que me impõe a cortezia, que devo aos illustres Deputados que me antecederam neste debate.

Não me faço cargo de responder a cada um dos argumentos com que foi debatido o projecto, mas não posso dispensar-me de considerar as observações feitas pelo meu amigo e douto collega o Sr. Dr. Kendall, começando por prestar ao caracter e lealdade de S. Exa. a homenagem a que tem direito e que a Camara inteira lhe tributa. (Apoiados).

Antes, porem, consintam-me V. Exa. e a Camara que eu me refira a algumas considerações feitas pelo meu illustre patricio e amigo o Sr. Conde de Penha Garcia, um trabalhador consciencioso e muito correcto (Apoiados), as quaes, devo confessá-lo, me causaram profunda estranheza.

S. Exa., ao examinar o projecto, com cujos principios aliás concordou, como todos os membros da opposição, disse que ia na esteira do Sr. Conselheiro Villaça, accusando todavia o Sr. Ministro da Marinha de se ter deixado possuir de um idealismo humanitario exagerado!

Não comprehendi bem onde e illustre Deputado encontrou o exagero humanitario do illustre Ministro!

S. Exa. dá ao indigena, pela sua proposta, o mais e o menos que lhe podia dar, querendo-o conservar.

Deixando o morrer, não carecia de dar-lhe cousa alguma.

E o proprio illustre Deputado já foi, e creio que ainda é, da minha opinião.

Reveja S. Exa. a bella conferencia que fez em 1896 na Sociedade de Geographia de Lisboa, e ahi verá que (sic) «na politica colonial, Portugal tem uma grande tarefa a levar a cabo. Explorar e melhorar as terras africanas, onde tremula o glorioso pendão das quinas; abrir ao mundo culto as regiões uberrimas, onde chega a nossa influencia; fixar e civilizar as raças indigenas sob a nossa protecção, etc.».

Que differentes processos terão o illustre Deputado e o seu partido, para fixar e civilizar as raças indigenas!

Não comprehendo bem até onde deveria ir o idealismo não exagerado do Sr. Ministro da Marinha, querendo conservar a vida do indigena, que reputa necessaria e imprescindivel á cultura do solo africano.

Depois de extincta a raça, tudo seria certamente desnecessario.

Isto faz-me lembrar uma passagem de Suetonio, a respeito de um dos imperadores romanos.

Falando das suas qualidades, descreve-o sanguinario, feroz, parecendo, por vezes, deliciar-se com os supplicios que mandava infligir. Entretanto, diz o historiador, ás vezes parecia benigno e clemente, pois deixava aos condemnados a faculdade de escolherem morte menos affrontosa, e até lhes dava tempo para se despedirem de pessoas queridas!

O Sr. Ministro da Marinha, que aliás é um caracter diamantino, com cuja amizade muito me honro desde longos tempos, não podia na verdade conceder aos indigenas menos do que a vida, se realmente elles são indispensaveis para o cultivo do solo africano.

Não comprehendo, pois, onde está o exagero idealista.

Entende ainda o Sr. Conde de Penha Garcia que não ha razão para este cuidado com a população de Africa, quando é certo que na Europa o alcoolismo é maior do que no continente negro, apesar de todos os esforços empregados para o debellar.

termo de comparação é infeliz e innexacto. Na Europa tem-se lutado e tem-se obtido muito. O viver africano é menos apreciavel para um estudo consciencioso e nem ha estatisticas africanas completas.

Mas, o Sr. Conde de Penha Garcia fechou as suas considerações sobre este ponto com uma anecdota, que attribuiu á Suecia. Eu tenho em grande conta a illustração de S. Exa., mas devo dizer-lhe que não vejo nos livros que se occupam da Suecia, vestigios d'essa anedocta, que me parece infantil. E parece-me que o illustre Deputado escolheu mal a Suecia para termo de comparação, porque este país é talvez o argumento vivo de maior valor que eu poderia contrapor ás affirmações de S. Exa.

Não conheço país na Europa aonde a luta contra o alcoolismo fosse maior e onde os resultados obtidos sejam tão proficuos e brilhantes.

Proponho-me fazer rapidamente esta demonstração, soccorrendo-me das estatisticas publicadas pelo Estado da Suecia numa brilhante monographia, que mandou á ultima Exposição de Paris e que se intitula Suède.

Existe um exemplar na bibliotheca d'esta Camara!

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E são dignas de especial attenção estas estatisticas, porque, como todos sabem, a Suecia é o país classico da demographia.

Convem antes de tudo saber e fixar que a Suecia tinha no fim do seculo XVI, 900:000 habitantes, e que em 1800 tinha perto de 2.000:000.

Em 1755 os espiritos illustrados d'esta nação previam para a sua patria dias de proxima miseria, attento o exagero que attingira o abuso do alcool.

Pode dizer-se que em nenhum país, apparecera tão ameaçador este terrivel vicio, chegando a ser de 20 litros por anno e por habitante o consumo medio do alcool.

A Suecia atravessava pois, em 1775, um periodo verdadeiramente afflictivo e a ponto de se suppor que a população tendia a desapparecer.

Adoptaram-se, por isso, e immediatamente, medidas de rigor, começando por supprimir o monopolio do alcool, o qual, apesar de representar uma receita enorme para o Estado, se entendeu que era uma das causas d'este estado lamentavel.

A Suecia entrou nos seus trabalhos e começou logo pela restricção do fabrico e venda do alcool e levou o seu rigor muito alem das providencias aconselhadas pela conferencia de Bruxellas, pois que chegou a tributar o hectolitro do alcool com uma taxa de 130 francos e a prohibir que elle se vendesse ao publico e aos menores, sem previa licença do prefeito ou das auctoridades locaes.

Vou ler á Camara uma eloquente estatistica da Suecia (e tomo por base a Suecia, não só porque foi este o país invocado pelo Sr. Conde de Penha Garcia, mas por ser um povo que mais se parece comnosco em população).

Hei de, em face d'esta estatistica, demonstrar que os resultados obtidos pela restricção do fabrico e venda do alcool foram por tal forma efficazes que, oxalá, era todo o mundo culto onde existe este terrivel vicio que vae despovoando os campos e as cidades, se execute e se siga como exemplo.

A Suecia tinha em 1750, 900:000 habitantes, menos que uma cidade grande da Europa. Em 1901 a população da Suecia era de 5.500:000 habitantes, mais de quatro vezes a população que tinha dois seculos antes. E o que se fez para tanto?

Os escriptores suecos estão de acordo em confessar que esta luta representa uma das paginas mais brilhantes da civilização moderna.

A luta foi enorme.

Congregaram-se todos os elementos de combate, porque o inimigo ameaçava a existencia da nação.

A par dos esforços do Governo vieram os auxilios da sciencia e os exemplos das sociedades de temperança.

O centro do movimento contra o abuso do alcool, fixou-se em Gottenbourg, tendo por apostolo fervoroso Peter Wieselgren.

Linneo, Berzelius, Magnus Huss, auctor de uma obra notabilissima, coroada pela Academia de França, O alcoolismo chronico, puseram todo o seu enorme valor ao serviço da saude publica.

Ling, preconizando a gymnastica medical sueca, hoje vulgarizada em todo o mundo, auxiliou poderosamente a reconstituição de uma sociedade enferma e decadente.

Graças a tantos e tamanhos esforços, 20 annos depois a robustez dos individuos de 19 a 21 annos, tinha adquirido um accrescimo medio de 0m,05.

A fortuna publica, que as guerras da fraca regencia de Carlos XI haviam depauperado, crescêra de 1870 a 1898, de 49.000:000 de coroas a 130.000:000.

O analphabetismo desappareceu, sendo 1 por 1:000 o numero dos que não sabem ler neste país modelar, cujo estado de cultura é um verdadeiro assombro.

Em 1898 a população da Suecia podia dividir-se nas seguintes classes:

Agricultores e pescadores........ 2.858:000
Industriaes.............. 1.327:000
Commercio e transportes......... 514:000
Profissões liberaes............... 364:000

A par d'esta edificante divisão das aptidões da população sueca, merece ver-se como esta se desenvolveu e cresceu em tres seculos.

A seguinte estatistica é eloquentissima.

População da Suecia em diversas epocas

(Ver tabela na imagem)

É também digno de ser lido o mappa do consumo de bebidas alcoolicas, que vou ler á Camara:

(Ver tabela na imagem)

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A Suecia retemperou-se á luz de um criterio scientifico e patriotico.

Conjugaram se no sentido da salvação publica os esforços de todos os que amavam a sua terra e bem queriam á sua patria.

Assim dissipou-se a ignorancia: refizeram-se as forças vivas, da nação pela restauração do trabalho livre e consciente, que é sempre a grande riqueza dos povos.

Quer dizer, uma população, que um seculo antes era composta de gente invalida e improductiva, transforma-se por este meio em nação laboriosa e valida, graças á luta e aos esforços feitos por esse grande povo! (Apoiados).

Aqui tem V. Exa. e a Camara o que pode o idealismo humanitario dos estadistas, quando os seus esforços são comprehendidos e secundados por um povo ainda não totalmente perdido...

Parece me por isso que o Sr. Conde de Penha Garcia não foi feliz na invocação dos exemplos da Suecia.

O seu pessimismo não deve, pois, ser recebido neste momento como razão de peso contra o generoso pensamento do Governo, condensado no projecto em discussão.

A anedocta attribuida pelo Sr. Conde de Penha Garcia á Suecia não pode ser mais do que uma anedocta infantil.

Dissera, o illustre Deputado que, reconhecida a inefficacia dos meios empregados contra o abuso do alcool naquelle país, se estabelecera uma pena contra os ebrios, consistindo esta em enclausurá-los numa prisão e dar-lhes como alimento pão e vinho somente, mas em abundancia. A suturarão traria o aborrecimento e como consequencia a causa do vicio combatida!!

Isto não tem vislumbres de verosimilhança.

Poderia applicar-se a anedocta a Portugal ou á Hespanha, paises vinhateiros por excellencia, mas á Suecia nunca!...

A Suecia tem pouco vinho, e a sua população é a que menos uso faz d'esta bebida.

Ao passo que a Hespanha tem um consumo medio de 105 litros por habitante e por anno, e Portugal 95, a Suecia não chega a consumir 6 decilitros de vinho, por pessoa, e por anno!

E todavia é este um dos generos que mais avulta na sua importancia, o qual se salda por uma verba não inferior a 4.000:000.

Mas deixemos isso.

A restauração da Suecia deve-se em grande parte ás medidas enunciadas, mas alguma cousa mais contribuiria para a sua resureição intellectual e financeira.

O que contribuiu poderosamente para estes resultados foi, sem duvida, a nitida comprehensão que tiveram os seus estadistas de que a illustração e educação de um povo é a mais solida base para a sua reorganização economica.

O Sr. Presidente do Conselho, que sinto não ver premente, deu já um grande exemplo, pondo a sua illustrada iniciativa ao serviço do alargamento da instrucção em Portugal. Felicito por isso o nobre estadista e indefesso trabalhador, o Sr. Conselheiro Hintze Ribeiro.

E não deixarei passar este momento sem endereçar tambem os mais sinceros cumprimentos ao Sr. Ministro da Marinha, que, ao trazer esta medida ao Parlamento, conquista um logar proeminente entre os homens de Estado que mais fizeram em favor do progresso e da civilização.

Este diploma ha de ficar na legislação patria a par dos que extinguiram o trafico da escravatura e a applicação da pena de morte!

O Sr. Ministro da Marinha, propondo uma verdadeira medida de salvação publica, prestou um valiosissimo serviço á civilização e ao Estado, porque, salvando a vida dos indigenas, salvou o commercio e a riqueza do continente africano!

Mas não é só isso.

Se as idéas do projecto forem apreciadas com a devida sinceridade, o exemplo ha de fructificar na Europa, que o Sr. Conde de Penha Garcia já disse estar nas condições do indigena; e então os sacrificios dos Estados serão compensados pela diminuição da população das cadeias e dos manicomios, pelo bem-estar dos povos e da sociedade, que já não terá que recear das consequencias atavicas dos mais repugnantes vicios!

Os seus orçamentos não serão sobrecarregados com onerosas dotações e grossas sommas para manter esses desgraçados. (Apoiados).

Feitas estas ligeiras considerações a respeito da Suecia, eu não quero abusar mais da benevolencia da Camara, renovando a citação do factos que já foram brilhantemente expostos pelo meu douto collega Sr. Pereira de Lima, ilIustre relator do projecto.

Vou responder ás observações feitas pelo meu collega e amigo, Sr. Kendall.

Quanto aos principios, S. Exa., como todos nós, está de acordo; mas diverge sobre os detalhes.

S. Exa. começou por dizer-nos que ia na esteira do Sr. Villaça.

Ora se eu disser a S. Exa. que, como resulta do relatorio que precede o projecto de lei em discussão, os factos em que S. Exa. diverge são aquelles que o Sr. Villaça defende, eu tenho demonstrado que o illustre Deputado acceitou os principios e negou as conclusões.

O Sr. Ministro da Marinha veiu trazer á Camara este projecto sem preoccupações partidarias e no seu proprio relatorio declara, com extraordinaria isenção, que em muitos pontos está de acordo com os principios estabelecidos pelo seu illustre antecessor na gerencia da pasta da Marinha e Ultramar.

Eu tenho fé e espero que este exemplo fructifique. As divergencias politicas são compativeis com todos os bons principios de administração, venham elles de onde vierem.

E acontece muitas vezes que as differenças de tempo e occasião imponham necessariamente a adopção de principios, que em outro tempo e em differente occasião não seriam de receber.

A este proposito occorre-me agora um facto, a que assisti ha annos na Camara Francesa.

Discutiam-se certos actos de administração em Madagascar, e a opposição atacava fortemente Hanoteaux, então no Ministerio, por que este illustre estadista estava adoptando medidas que na opposição criticara severamente.

Depois de muitos e violentos discursos, em que a incoherencia do grande estadista francês parecia assignalar a necessidade impreterivel de abandonar o poder, Hano taux subiu á tribuna.

Fez-se na vasta sala do Palacio Bourbon um enorme silencio. A curiosidade era geral.

Como iria defender-se o grande e talentoso orador, em tão verdes annos elevado ás culminancias da fama naquelle país?!

Serenamente e sem precipitações, Hanoteaux começa coordenando os quartos de papel, em que havia consignado resumidamente as principaes razões do seu proceder. Cada quarto de papel correspondia a um capitulo de accusação e correspondentemente a um capitulo de defesa. Declara que não reverá o seu discurso e irá depondo no panier que tem a seu lado a summula das suas considerações, que não deseja alterar.

Estabelece o principio de que os Ministros, acima das conveniencias dos partidos, teem o rigoroso dever de attender ás legitimas necessidades da nação. Os principios que elle sustentava na opposição podiam ser os melhores e teriam facil execução no momento em que os proclamava; mas, adoptadas certas medidas e começada a sua execução, elle não tinha outro caminho a seguir, que não fosse o de completar o pensamento do Ministro que o antecedera na gerencia dos negocios publicos. Destruir o que estava feito em homenagem á sua coherencia, seria preju-

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dicar o país, e elle não seria homem de Estado se tal ousasse fazer.

O grande Ministro francês deve ter bem presente na sua memoria esse momento solemne, porque representa um dos seus maiores triumphos parlamentares. Á descida da tribuna foi frenetica e calorosamente saudado pela maioria da assembléa.

Assim procedeu o Sr. Conselheiro Teixeira de Sousa, illustre Ministro da Marinha, pelo que só é digno dos meus mais sinceros applausos e do louvor d'esta Camara e do país!

O Sr. Kendall, a despeito da sua probidade politica, que eu nem de leve ponho em duvida, deixou-se arrastar um pouco pela paixão partidaria e não pôde subtrabir-se ao desejo de ver na proposta ministerial uma grave offensa ás liberdades consignadas na Carta.

Lendo a Carta Constitucional, S. Exa quis mostrar que ella tinha sido desrespeitada quando pelo projecto se prohibe a plantação da canna saccharina.

Se S. Exa. tivesse lido todo o artigo 145.°, que foi o que S. Exa. citou, ter-lhe-iam desapparecido todos os escrupulos, pois que a propria Carta prevê a necessidade de prohibir e restringir as plantações, quando assim o exijam a saude e o interesse publico.

É expresso o § 23.° d'aquelle artigo.

E embora esta disposição não estivesse claramente consignada na lei fundamental do Estado, não é caso para duvidas que todas as liberdades teem restricções e o que se estabelece no projecto não é senão uma restricção, que de modo nenhum ataca o principio fundamental.

E nem é esta a unica restricção!

Pois a plantação do tabaco não foi prohibida tambem? Não tem succedido o mesmo a outras culturas, a do arroz, por exemplo?

O Sr. Kendall: - O que eu estranhei, foi a forma como essa restricção foi incluida na lei.

O Orador: - A liberdade tem restricções. Então se S. Exa. quiser edificar um predio numa rua de Lisboa, pode fazê-lo sem licença?

O Sr. Kendall: - Mas se o destruirem para abrirem uma rua, hão de indemnizar-me, e este foi o ponto que eu considerei.

O Orador: - Mas isso é uma cousa differente, porque lhe levam a propriedade, emquanto que neste caso da cultura, o terreno fica e pode ser applicado a outras plantações.

S. Exa. referiu-se ainda, com assombro, á disposição que torna solidariamente responsaveis os patrões e os criados nos delictos praticados por estes, segundo a base 28.º

S. Exa. tinha a resposta ás suas duvidas no artigo 2380.° do Codigo Civil e tinha-a ainda, não só no Codigo Penal mas em toda a legislação fiscal desde 1892. S. Exa. não ignora, que em materia fiscal o proprio dono do barco em que é transportada uma mercadoria desencaminhada, fica solidariamente responsavel pelo facto de a transportar, porque em questões de contravenção pune-se sempre a negligencia.

Alem d'isso, o indigena é considerado menor pela legislação portuguesa, que até lhe criou curadores especiaes.

Alguem ha de responder por elles.

(Interrupção).

Um dos pontos que tambem mereceu a critica um pouco severa do Sr. Kendall, foi o que se refere á tributação dos vinhos alcoolicos (Porto e Madeira), que S. Exa. achou excessiva.

O Sr. Kendall: - Se se quer proteger a exportação d'esses vinhos, não vejo motivo para prohibir a sua remessa em cascos, pois que o engarrafamento importa uma grande despesa, e assim o projecto não poderá dar o resultado desejado.

O Orador: - Mas estamos no mesmo caso, essa não é uma disposição prohibitiva, a palavra que empreguei não quer dizer que se prohiba a exportação. É uma cautela contra as fraudes que, infelizmente, são frequentes.

Vou agora tratar d'este ponto, e para elle peço a attenção da Camara.

Já disse, e repito, que não julgo o Sr. Kendall capaz de vir aqui fazer-se echo de pretenções menos legitimas.

O illustre Deputado e meu amigo pode, como todos os homens politicos, ser suggestionado por suppostas necessidades, que não existem, e pode ser até victima da sua boa fé.

Tenho aqui e posso fornecer ao illustre Deputado documentos esmagadores; são os officios e communicações officiaes dos governadores das provincias ultramarinas, pedindo que por forma alguma se deixe exportar vinho licoroso em cascos e expondo factos de que certamente a Camara não terá conhecimento, e que são eloquentes.

Eu vou ler á Camara:

(Leu).

O que é pois indispensavel, Sr. Presidente, é que o Governo, com uma energia que não deixe duvidas a ninguem, tome medidas serias, que evitem que o credito dos nossos vinhos seja assim compromettido.

É indispensavel que isto se faça e de uma vez para sempre.

O nobre Ministro da Marinha pode estar certo de que tem neste momento a seu lado todos os homens que em Portugal, commerciantes ou agricultores, teem negocios honrados d'esta natureza.

Tenho aqui as mais eloquentes demonstrações de apreço, com que o país inteiro adhere á orientação patriotica do illustrado Ministro.

Conhecido nas provincias o espirito da proposta ministerial, tem chegado de toda a parte felicitações ao Governo e incitações ao Sr. Ministro da Marinha para que prosiga no caminho da repressão contra as fraudes, que tanto tem damnificado o credito do commercio honrado em Portugal.

Entre estas mensagens assignala-se o consenso unanime de todos os syndicatos agricolas do país.

A Associação Commercial de Lisboa, o Centro Commercial do Porto, a Real Associação de Agricultura, uma commissão numerosa dos principaes proprietarios e agricultores de Torres Vedras, e, emfim, todos os que prezam o bom nome de Portugal, se congregam em volta do Sr. Ministro da Marinha, e o exortam a que prosiga no caminho encetado, na defesa dos vinhos portugueses, e ponha termo á traficancia das mixordias.

O Sr. Dr. Kendall tambem viu graves inconvenientes na demora resultante das analyses, a que o projecto em discussão sujeita os vinhos destinados ao consumo das colonias.

Não me demorarei sobre o assumpto. Careço de competencia para fazer a critica dos processos seguidos e que são consignados nas instrucções mandadas adoptar por portaria de 1901 da responsabilidade do meu velho amigo o Sr. Conselheiro Manuel Francisco de Vargas, illustre Ministro das Obras Publicas.

O que posso dizer a V. Exa. e á Camara é que essas instrucções, elaboradas por distinctos homens de sciencia, acompanham os processos mais perfeitos adoptados lá fora sobre este objecto.

O principio e preceito das analyses estava já consignado no relatorio do Sr. Villaça.

S. Exa., assustado com o perigo que estava correndo o credito dos vinhos portugueses no ultramar, pensou que era indispensavel adoptar uma medida, que pusesse termo ao crescente abuso.

A origem e fonte do remedio é portanto insuspeita para o Sr. Kendall.

Não quero com isto dizer que o illustre Deputado não tenha razão; o que quero dizer é, que ainda estou no meu papel, isto é, que o illustre Deputado acceita o principio

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e nega as conclusões. Não vae totalmente na esteira do Sr. Villaça.

O Sr. Kendall: - O que eu queria é que essas analyses fossem facultativas e não obrigatorias.

O Orador: - Isto prova uma cousa que tenho dito muitas vezes, e é, que o Sr. Villaça, quando administra, é mais patriota do que partidario.

A Camara presta-lhe sempre sinceras homenagens, porque S. Exa. pertence áquella ordem de estadistas a que se quer referir Thiers, dizendo, que os melhores partidos e os mais prudentes ministros eram os que melhor governavam.

S. Exa. entendeu que havia necessidade de impor uma restricção ao abuso, impô-la.

O actual Sr. Ministro da Marinha entendeu que essa medida era conveniente aos interesses do commercio, seguiu-a.

É o maior elogio que eu posso fazer ao patriotismo dos dois Ministros.

Mas note V. Exa. e note a Camara que quasi todos os orgãos da imprensa agricola vão mais longe nas suas exigencias, pois querem a analyse obrigatoria em todos os portos da colonias.

Todavia, isso não se pode fazer já, porque o Governo não tem, por emquanto, meios de estabelecer laboratorios junto das alfandegas ultramarinas; mas tem e vae empregar outros meios para evitar as falsificações.

O Sr. Kendall: - Mas se não ha laboratorios nos portos do ultramar como se procede para averiguar se os vinhos são falsificados lá?

O Orador: - Desde que sejam enviados da metropole puros, a falsificação que depois se encontre, quando tiverem já sido despachados, é reprimida pelos meios ordinarios. (Apoiados).

O que o Governo quer, é evitar a introducção de vinhos falsificados nas colonias.

Quando comecei as minhas considerações, principiei por dizer á Camara que o assumpto que se discute, me era pouco familiar, e que me soccorria mais a conhecimentos de auctoridades, do que aos meus proprios.

Por isso vou ler á Camara, para confirmação do que tenho dito, um documento que o Governo recebeu ha pouco da Real Associação da Agricultura Portuguesa.

(Leu).

Se o Sr. Ministro da Marinha, alguma duvida tivesse da grandesa do seu projecto, não precisa de outras demonstrações, para ver como todos os que teem interesses legitimos no assumpto, applaudem a sua iniciativa. (Apoiados).

O projecto divide-se em duas partes: uma que tem por fim restringir a introducção do alcool nas provincias ultramarinas, e outra que mira ao alargamento do consumo dos vinhos da metropole.

O Governo procura assim debellar a crise, que difficulta neste momento a vida agricola, tornando por vezes afflictiva a economia dos viticultores.

Mas, para tanto, carece do auxilio de todos os interessados.

Não attribuamos aos Governos mais culpas, do que as que realmente teem.

«Se ao trigo vão os pardaes, a culpa é dos Cabraes».

Este systema de fazer accusações é facil e inoffensivo, mas não fere os accusados.

Toda a gente quer que o Governo corrija os defeitos da exportação, e que se equilibre a nossa balança commercial, mas aquelles que tinham obrigação de zelar os seus proprios interesses, não o fazem.

Ninguem duvida que os nossos vinhos tinham no estrangeiro um bom e excellente mercado, onde as marcas portuguesas são de longa data conhecidas e afamadas.

Ainda não esta perdido, mas vae nesse caminho, graças á improbidade da nossa exportação.

Refiro-me ao Brasil, onde temos uma colonia cheia de patriotismo e de boa vontade e onde os nossos vinhos seriam preferidos a todos os vinhos do mundo. É este um grande mercado, e podia alargar-se extensamente; para isso bastava que os commerciantes quisessem obtemperar a umas certas indicações. Quem ler as eruditas conferencias realizadas ha dias na Associação Commercial de Lisboa, pelo distincto publicista o meu amigo o Sr. Dr. Zepherino Candido, terá logo obtido a convicção de que os mercados do Brasil são ainda hoje a nossa mais bem fundada esperança. (Aparte).

Eu digo que, se os commerciantes quisessem obtemperar a umas certas indicações, podiam contribuir para que este mal se attenuasse ou reduzisse.

O Sr. Dr. Kendall perguntou hontem como é que se fazia a analyse de vinhos engarrafados, quer dizer, se tinha de se levar garrafas a mais ou se tinha de se addiccionar amostra.

Não sei como essa disposição se ha de regular. Não conversei com o Governo a tal respeito, mas parece-me que se regulará esta disposição como se faz em toda a parte, como se faz nas docas de Londres e em outros portos: tira-se ao acaso a amostra e analysa-se.

O Sr. Kendall: - V. Exa. dá-me licença?

Não era que eu julgasse que se não podia fazer uma analyse em vinhos engarrafados como para o outro. O que eu queria, era saber se um commerciante que manda uma partida de vinho de differentes qualidades, está sujeito a levar uma amostra para toda a partida de vinho ou de todas as marcas uma amostra.

O Orador: - Eu comprehendo a observação do illustre Deputado.

Eu não vou regulamentar a lei, mas presumo que deve levar uma amostra de cada qualidade, ou sujeitar-se que da remessa se tire o necessario para ser feita a analyse.

O problema não é dificil.

Pode haver dez marcas e todas ellas falsificadas.

S. Exa. apresentou ainda outras considerações attinentes ao facto das analyses serem mal feitas, devendo nesse caso, os peritos ser obrigados a uma indemnização.

A duvida do illustre Deputado está prevista no artigo 285.° do Codigo Penal e outros.

Parece-me que, sobre estes pontos, tenho respondido a todas as observações do Sr. Kendall. (Apoiados).

Aproveito ainda esta occasião para reiterar os meus cumprimentos ao Sr. Ministro da Marinha, e dizer a S. Exa. que deixa o seu nome vinculado a um documento dos mais importantes da legislação portuguesa. (Apoiados).

O seu trabalho honra a iniciativa do Governo e é tão bem elaborado e tão perfeito, como aquelles que na Suecia serviram a luta contra o abuso do alcool.

Oxalá que do mesmo modo, e por iguaes meios, se prohibisse o abuso do alcool nas cidades e nos campos d'este bello país.

Os exemplos da Suecia mereciam bem fructificar nos outros paises, onde o mal alastra de um modo assombroso.

Mas o que diriam os conclamadores da liberdade, entendida ao sabor das paixões politicas, se o Sr. Conselheiro Teixeira de Sousa enxertasse na legislação portuguesa os processos adoptados pela Suecia?

Neste país restringiu se primeiro a producção e a venda, chegando esta a ser prohibida a retalho e em quantidade inferior a 40 litros. E porque esta prohibição era illudida pela cotização, o rigor subiu a extraordinarias proporções, chegando a estabelecer-se que o minimo fosse de 250 litros.

A luta na Suecia revestiu, pois, formas varias, notabilizando-se extraordinariamente a famosa cidade de Gottenbourg, que foi por assim dizer o paladio da temperança, como já tive a honra de dizer á Camara.

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A venda do alcool está hoje entregue a uma sociedade (Bolag), organizada sob a inspecção das municipalidades e das prefeituras e os redditos d'esta industria teem applicação especial a obras de utilidade publica.

O alcool não é vendido a menores e nem se permittem tabernas junto dos logares onde estaciona a força publica.

A luta contra o abuso do alcool foi neste país um grande exemplo, que ha de por muitos seculos illustrar a historia do grande povo escandinavo.

O Sr. Ministro da Marinha empunhou em Portugal o labaro da redempção do povo, iniciando por uma forma tão brilhante a luta contra o alcoolismo em terras de alemmar.

Bem haja S. Exa.

Que o exemplo fructifique, são os meus mais sinceros votos.

Este projecto é tão humanitario e de tão reconhecida utilidade publica, que quebrou por completo o uso da impugnação. (Apoiados).

Folgo de registar este facto, que honra a nossa sinceridade parlamentar e faz inteira justiça á competencia do illustre Ministro, que, ainda ha bem pouco tempo, teve a satisfação de ver que uma outra medida da sua iniciativa, a criação de um hospital colonial, era coberta pelos applausos da Camara inteira. (Apoiados}.

Tomo sincera pares nos triumphos do nobre Ministro, a quem me prendem velhas relações de amizade e applaudo sem reservas a orientação patriotica, que revelam as suas medidas administrativas.

E se mais cedo não usei da palavra e me associei ás congratulações dos seus amigos, é porque a isso se oppuseram deveres de justificado melindre.

Em primeiro logar submetti-me á disciplina draconiana do nosso sympathico leader (Riso); e depois entendi que devia dar toda a preferencia aos novos e deixar que uma bella pleiade de brilhantes oradores, ainda ha pouco quasi desconhecidos, demonstrasse em bellas estreias que o partido regenerador, no presente e no futuro, tem callaboradores de valor para a resolução de todos os problemas. (Apoiados}.

Ainda outras razões me impediram; mas essas nem me atrevo a contá-las...

Discutia-se n'esta casa o Orçamento, e confesso com toda a sinceridade que não tive coragem para me embrenhar naquelle labyrintho de Creta!

Nem todos são para tudo. Ha occasiões, em que o medo não fica mal a ninguem; é uma forma de prudencia.

Depois, eu tinha excellentes companheiros.

O meu illustre amigo, o Sr. Dr. João Pinto, que reune a um bello talento apreciabilissimas qualidades pessoaes, tinha dado o exemplo, declarando á Camara que não ousava entrar no Orçamento, limitando-se a considerá-lo superficialmente!

O Sr. Dr. Montenegro, que é um orador de primeira ordem, sem occultar os receios da empresa, declarara á Camara que apenas faria uma viagem através do Orçamento!

O Sr. Conselheiro Alexandre Cabral, dispondo aliás de recursos de valia, disse-nos que não iria alem de um passeio pitoresco pelas provincias do Orçamento!

O Sr. Conselheiro Eduardo Villaça, a cujos altissimos dotes a Camara inteira presta homenagem, declarara tambem que entrava a custo neste mysterioso planeta, mas munido de dois guias...

Estava demonstrado que a empresa era só para heroes. Reclamava precauções extraordinarias; tinha de munir-me de bacamarte ou faca de mato!!

Mas estas mesmas difficuldades aguçavam-me a curiosidade, e eu perguntava a mim mesmo se não teria razão o meu illustre condiscipulo e velho amigo, o Sr. Dr. Luiz José Dias, quando, fazendo sua a phrase de um distincto parlamentar, dissera que o horrivel monsto era apenas um grande cetaceo!

Mas d'esse lado da Camara havia-se dito que o Orçamento era uma especie de evangelho, que devia ser considerado como cousa sagrada...

Ante semelhantes hesitações a minha coragem desfalleceu e desisti.

Eu suppunha que orçamento era uma conta corrente, demonstrativa da receita e despesa da grande casa Portugal; considerava-o um micro-cosmos, onde se reflectem as alegrias e tristezas de um povo, o seu bem-estar e as suas miserias...

Mas tantas e tão auctorizadas duvidas aconselhavam-me prudencia e segui o conselho.

Não perdendo, porem, de vista a marcha do grande cetaceo, acompanhei-o na mais solicita observação através do grande vau d'esta Camara.

Vi-o por vezes mergulhar, para a breve trecho reapparecer á tona da agua, ostentando volumosas lombadas e agitando violentamente a superficie, até ali serena, da morna discussão. Aqui inclinava-se para a direita, ali para a esquerda; alem parecia ir abaixo, mais ao deante erguia a cabeça, arrastando sempre com difficuldade o enorme peso e o collossal volume.

Tomei então a resolução de ir vê-lo á praia; quero dizer nos formosos areiaes da Thesouraria do Estado. Fui, e não posso bem descrever á Camara a surpresa que me esperava.

Mirabile visu!!

Um exercito de curiosos procurava approximar-se. A pesca estava feita e todos queriam examinar de perto as gorduras da enorme baleia. Por entre a multidão formigavam famintos esquimaus a quem deslumbrava a idéa de poderem em breve premer a ubere tumefeita do grande mamifero! Mas, cruel decepção!

Rasgado o ventre do famoso monstro, reconheceu-se logo que já não havia gorduras; a ubere estava sêcca e depauperada, o arcabouço do famoso cetaceo tinha apenas a forma de um transporte...

De subito, porem, irrompe a multidão. O multiplicado milagre de Jonathas impõe-se ao respeito de todos com a maxima das evidencias, e do ventre da baleia salta em terra a alegre carga... Generaes, que nunca tiveram exercitos, empregados publicos sem empregos, almirantes sem esquadras... Era uma verdadeira Babylonia! Eram progressistas a montes, regeneradores, miguelistas, francaceos, amigos do Sr. Dias Ferreira... e até republicanos de todas as côres e matizes!!

E então, confesso a V. Exa. e á Camara, o espectaculo commoveu-me. Não chorei como Cesar em Cadiz, mas tive a visão da minha insignificancia e cheguei a sensibilizar-me.

ccorreu-me então a historia do grande general, contada por Suetonio na sua biographia dos Cesares.

Regressado de Rhodes, Julio Cesar havia reconquistado o favor publico, fazendo esquecer a perseguição de Scylla, e fôra nomeado questor. Nesta qualidade foi enviado ás Hespanhas, a fim de superintender nas companhias romanas d'esta provincia, e fixara a sua residencia em Cadiz.

Começou por visitar nesta formosa cidade o templo de Hercules, aonde foi acompanhado pelo pessoal superior da questura.

Transpostos os humbraes do templo, deparou-se-lhe logo á vista a estatua de Alexandre da Macedonia; e o futuro guerreiro das Gallias commoveu-se por tal forma, ao contemplá-la, que, diz o historiador, não pôde conter as lagrimas ... Interrogado por alguem da comitiva a respeito do motivo de tal exaltação, respondeu:

«Pois não hei de commover-me ante este espectaculo grandioso!?

Não vêdes a estatua de Alexandre, attestando ao mundo que, na idade que eu hoje tenho, havia já praticado mil feitos heroicos e subjugado uma grande parte do mundo!?

E eu, o que tenho feito?!»

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Ao contemplar o famoso desembarque dos passageiros da baleia orçamental, tambem fui presa de uma enorme (...Ilegivel). Não chorei; mas senti-me vexado ao ver tanta gente alojada no Orçamento, onde eu, até esta idade, não conseguira entrar...

E estava lá quasi a Camara toda!!

A impenetrabilidade da materia explicou-me a difficuldade da entrada.

Postas estas observações, ouso dizer á Camara que os tempos não vão para retaliações.

Empenhemos todos, e cada um de nós, os melhores dos nossos esforços em defesa dos interesses da nação e sigamos o exemplo d'esta discussão, em que, serenamente e sem violencia de linguagem, todos podemos expor as nossas opiniões e fazer justiça ás intenções dos outros.

A violencia dos debates, sobre questões de administração, nem sempre abona a justiça do aggressor.

Thiers dizia:

«Le parti qui finirá par gouverner, ce será le parti le plus juste et Ie plus sage».

Façamos com que cada um dos poderes conserve a sua situação harmonica dentro do systema, porque sem essa harmonia não ha regime constitucional e, atacando e destruindo esse regime, atacamos as proprias prerogativas parlamentares, por cuja força aqui estamos.

Não nos illudamos. O poder legislativo não é nem maior nem mais independente do que o poder executivo; é um poder do Estado e nada mais.

As paginas da revolução francesa conteem brilhantes lições de historia.

No dia em que Mirabeau, cujo quadro se vê ainda na sala dos Passos Perdidos do palacio Bourbon, entendeu poder dizer a Brezé:

«Vae dizer ao teu amo que nós estamos aqui por vontade do povo, e que não sairemos senão á força das bayonetas».

Nesse dia estava feita a revolução que havia de matar Luiz XVI, despopularizando e aviltando aos olhos da Franca o maior orador dos tempos modernos!

A roda principal do mechanismo tinha saltado fora dos seus eixos.

Vergniaud, Marat, Robespierre, Danton e tantos outros são devorados pelo proprio regime que criaram. Ás mais generosas aspirações corresponde a cada momento um cruel desengano.

Os girondinos, que quiseram pôr termo a essa torrente de sangue, tiveram de afogar-se nella; e a propria Convenção é victima dos seus principios.

E, ainda ultimamente, o segundo imperia foi levado a Sedan pelos excessos do poder legislativo, que não soube conservar-se dentro dos limites que lhe marcavam a Constituição e os mais sagrados interesses da patria...

Engana se, pois, Sr. Presidente, quem suppuser que um pequeno desmando, uma violencia de phrase, que um ataque irreflectido á honra dos homens publicos, cuja vida de sacrificios é notoria, sejam elles de que partido forem (Apoiados), (porque cada um ao sair do poder vem muito minguado em haveres e em beneficios de situação), engana-se, repito, quem suppuser que esse pequeno grão de areia não pode ser amanhã, a causa occasional de acontecimentos deploraveis.

As pequenas gotas de agua que caem nos campos, que os rios e os mares evaporam, transformam-se facilmente e enchem os valles de tenue neblina, que se dissipa, apenas bafejada por um ligeiro sopro de vento ou beijada por um raio de sol; mas comprimi esse vapor no ventre de uma locomotiva, e elle será capaz de arrastar montanhas e de perfurar continentes!

Não nos esqueçamos de que uma pequena faúla pode originar grandes incendios e produzir grandes males.

Eu incito a Camara a que neste momento, e em face de exemplos pouco edificantes da ultima sessão (Apoiados), medito sobre as difficuldades da situação, collaborando cada um, nos limites das suas forças, para o bem do país, que carece neste momento de esforços de todos os seus filhos e do trabalho de todos que tenham patriotismo, talento e vigor. (Apoiados).

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador foi muito cumprimentado não só pelos seus collegas mas pelos Srs. Ministros presentes}.

O Sr. Francisco Machado: -- Sr. Presidente, cabe-me a honra de responder ao illustre parlamentar e meu distinctissimo amigo o Sr. Reis Torgal, e tenho uma grande satisfação em felicitar S. Exa. pelo seu brilhantissimo discurso que a Camara acaba de ouvir com a maior attenção e prazer, pelas salutares theorias que S. Exa. apresentou, principalmente no final do seu discurso. Estamos todos de acordo com o que S. Exa. acaba de dizer, menos o Governo, que tem procedido de modo contrario.

Disse o Sr. Reis Torgal que o poder legislativo e o poder executivo devem manter-se, cada um na sua esphera de acção, absolutamente de acordo; mas o Governo, como todos sabem, tem procedido de modo perfeitamente contrario, e d'ahi vem a anarchia em que tudo isto caminha. (Apoiados).

Sr. Presidente: tem-se dito de todos os lados da Camara que se concorda com o principio fundamental d'este projecto, que, como disse o Sr. Ministro da Marinha e teem dito todos os oradores de ambos os lados da Camara, consiste em dois principios fundamentaes: evitar que o preto beba alcool que possa depauperar o seu organismo e desenvolver o consumo dos nossos vinhos nas nossas provincias ultramarinas. (Apoiados).

É nestes dois principios que assenta a economia d'este projecto, com o qual todos nós concordamos; e antes de ir mais adeante, permitta-se-me que eu me refira ainda á ultima parte do discurso do meu amigo o Sr. Reis Torgal, que me impressionou pela sua brilhante doutrina, com a qual estou completa e absolutamente de acordo. S. Exa. deu conselhos salutares e admiraveis aos dois poderes, ao poder executivo e ao poder legislativo, para que nenhum d'elles invadisse a esphera de acção um do outro.

Muitos e calorosos apoiados torno a dar a S. Exa.

De se fazer exactamente o contrario, do poder executivo assumir constantemente attribuições que exclusivamente pertencem ao poder legislativo, é que o país está ameaçado de uma completa e inevitavel ruina. (Apoiados).

Prezo-me de ser liberal, acato e respeito a lei, mas tambem desejo que ella seja respeitada e acatada por todos. (Apoiados).

Quando o partido regenerador está no poder entende que a lei não serve para cousa alguma. O arbitrio, as conveniencias de momento, são as normas por que se rege.

É esta a theoria que acatam os seus representantes na provincia; e quando elles querem atropellar a lei e se lhes diz qual ella é, respondem que a lei só serve para quando estão na opposição, porque quando estão no poder não querem saber da lei para cousa alguma. As suas auctoridades, os seus correligionarios, tomam para modelo o chefe e seguem-lhe á risca os exemplos que elle Ihes dá.

Acato e respeito a theoria do Sr. Reis Torgal, mas é preciso que ella seja acatada e respeitada por todos. Fazer-se leis para uns acatarem e respeitarem, e outros não, é que não é possivel. (Apoiados).

A lei deve ser igual para todos; e os que as promovem, os que as fazem, teem mais obrigação de as cumprir.

Quem está no vertice da escala social deve ser o primeiro a acatar e a respeitar a lei. (Apoiados).

Disse S. Exa. que o poder legislativo tem sido muitas

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vezes inconveniente e não tem respeitado, como devia, o poder executivo; que tem praticado violencias e proferido palavras menos convenientes. Estou de acordo com S. Exa.; mas esse peccado e esse crime, como S. Exa. o classificou, não parte dos meus amigos politicos, não partiu ainda d'este lado da Camara. Se isso tem acontecido, e é uma verdade, a historia do partido regenerador está cheia de ensinamentos. Nós, partido progressista, não temos de nos penitenciar. Se o Parlamento tem recebido duros golpes, quem os tem vibrado teem sido os Ministros do partido regenerador.

O Sr. Ministro da Marinha apresentou-nos este projecto que estamos discutindo, e com o qual estamos de acordo nos seus principios fundamentaes; mas o que duvidamos é que elle, da maneira como foi elaborado, satisfaça as aspirações do país e dê os resultados que esperam.

O projecto apresenta principios de tal ordem inconvenientes, que acho perigoso apprová-lo tal qual está. (Apoiados).

São tudo suspeições, tudo peias, tudo difficuldades, que tolhem o desenvolvimento do commercio dos vinhos e ha de cercear o seu consumo, que é principalmente o que se pretende.

A crise vinicola attingiu uma situação de tal ordem intensa, que é preciso empregar todos os meios para a debellar, e não serei eu que deixarei de dar todo o apoio ao Governo que procure resolvê-la, adoptando medidas intelligentes, praticas, proveitosas, que alliviem o país da situação verdadeiramente alarmante em que se encontra. (Apoiados).

Tem o Governo perdido muito tempo, tem deixado alastrar a crise, que de sobra conhecia existir, sem procurar dar-lhe remedio.

Tem nisso uma enorme responsabilidade.

Quem é o responsavel d'esta crise?

Afianço a V. Exa. e á Camara, da maneira a mais positiva e categorica, que os responsaveis d'esta crise são os Governos do partido regenerador. (Apoiados).

É esta these que me proponho demonstrar.

Sr. Presidente: por mais de uma vez, quando o partido progressista esteve ultimamente no poder, eu tratei nesta Camara d'este assumpto, mostrando a necessidade inadiavel de se resolver a crise vinicola, que já era grande e ameaçava ser tenebrosa, e pedia que se empregassem todos os meios ao nosso alcance para tratarmos de medidas que provocassem o desenvolvimento do consumo do nosso vinho não só no país, mas fora d'elle.

Nesta ordem de idéas me acompanhou o meu illustre amigo o Sr. Conselheiro Campos Henriques, que então representava os interesses do norte e que conhecia bem o estado da viticultura naquella região do nosso país; e S. Exa., falando antes de mim, por uma combinação previa entre nós, apresentou-nos aqui um quadro desolador, mostrando a situação alarmante em que já então se encontravam os productores de vinho do norte do país.

S. Exa. previa, como eu, como toda a gente, que não se podia perder um momento, e que era necessario acudir com prompto remedio ao mal que se aproximava a passos agigantados.

Note V. Exa., Sr. Presidente, que então já eu dizia, - e vou discutir muito serenamente o assumpto - , que a crise era muitissimo grande, que era preciso acudir-lhe sem demora, e que a Camara d'esse anno, de 1899, não se devia fechar sem o Governo ficar habilitado a adoptar providencias para a attenuar e resolver.

Eu já então dizia que a crise era gravissima quando os vinhos se vendiam a 700 réis o almude; o que hei de dizer hoje, quando o melhor vinho de Torres se está vendendo a 350 réis o almude de 17 litros, e o vinho branco ainda mais barato.

Não imagine V. Exa. que estou inventando. Tenho aqui um discurso meu, de 1899, em que affirmava estas doutrinas.

Ao anno anterior tinha-se vendido no Minho o vinho a 40$000 réis a pipa; depois passou a vender se a 30$000 réis e mais tarde a 20$000 réis, e hoje vende-se a réis 10$000 e 12$000.

Portanto, a situação era conhecida de todos, o que agora está acontecendo não é surpreza para ninguem, e por isso eu affirmo que a culpa da crise actual é unica e exclusivamente do partido regenerador.

Hei de provar com documentos que a these que sustento é verdadeira. Os responsaveis d'este estado de cousas são unicamente os Governos do partido regenerador. (Apoiados).

S. Exas. começam tarde e a más horas a emendar a mão, mas este projecto não dá os resultados que suppõem; e se o der, é só muito tarde, e durante este tempo a crise ha de aggravar-se muito mais.

Dizia eu em 1899:

«Onde ha de ser collocada tão grande quantidade de vinho que nos sobra? Os preços estão á baixar consideravelmente. Os negociantes, pagam os vinhos de pasto, da melhor qualidade, apenas a 700 réis o almude e posto nos seus armazens.

Estou informado que o vinho verde, que tanta procura tem tido nos ultimos annos, tem tambem baixado muito de preço. O anno passado o vinho verde chegou a vender-se a 40$000 réis a pipa; no principio d'este anno estava a 30$000 réis e actualmente está a 20$000 réis metade do preço do anno passado».

Quem dera, Sr. Presidente, que estes preços se tivessem conservado. Os lavradores dar-se-hiam por muito felizes.

Dizia eu mais ainda:

«Toda a gente sabe que o principal e mais importante producto agricola de exportação é o vinho; e se o Governo não olhar com desvelo para este assumpto, determinará em breve uma crise gravissima.

Eu entendo que de todos os assumptos, que teem sido, ou venham a ser tratados na actual sessão legislativa, não ha nenhum tão capital e importante como este.

É preciso que o Parlamento se não feche sem que o Governo fique habilitado a negociar um tratado de commercio com a França de modo a conseguir uma redacção nos direitos de importação dos nossos vinhos».

Note V. Exa., Sr. Presidente, que eu dizia isto em 1899 e era acompanhado nesta ordem de idéas pelo meu illustre amigo Sr. Conselheiro Campos Henriques. Portanto, a crise não era desconhecida do partido regenerador.

Conhecia toda a sua intensidade. Era aqui proclamada pela voz dos seus mais notaveis oradores.

Que fez o partido regenerador quando chegou ao poder?

Agora volto atrás.

Em 6 de abril de 1900, o meu illustre amigo o Sr. Conselheiro Elvino de Brito, depois de pensar e estudar maduramente o assumpto como patriota que é, apresentou a esta Camara um projecto para ser convertido em lei. Esse projecto foi largamente apreciado, estudado, e ponderado, na commissão de que tive a honra de fazer parte. Largas sessões levou elle a ser discutido e em 23 de maio assignava o parecer, que poucos dias depois foi presente á Camara.

Todo o Ministerio e os membros da commissão estavam compenetrados da gravidade da situação e procuravam resolvê-la.

Veiu elle á Camara, e quando estava para ser discu-

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tido, o illustre partido regenerador que pensa mais nos interesses dos seus correligionarios do que nos interesses do país, o que fez?

Empregou todos os esforços para deitar abaixo aquelle Governo, porque pretendia fazer uma reforma da Carta, quando lhe faltava uns dias para terminar o prazo marcado na constituição, antes do qual não se podia tocar, no que S. Exa. reputavam a Arca Santa das nossas leis.

Então zelavam S. Exas. a Constituição e não podiam supportar que o Governo progressista a desrespeitasse, nem num apice.

Merecia-lhes a constituição tanto amor que empregaram todos ou meios para assaltar o poder, a fim de zelar com toda a sua Intemerata energia, para que ella fosse mantida e respeitada.

Como cumpriram, estão, a Camara e o país fartos de saber.

Este projecto foi posto de parte, não se pôde discutir, e assim ficou o país privado de uma das medidas destinadas a alargar o consumo do nosso vinho e de que a crise fosse resolvida.

Está pois provado que foi o actual Governo que obstou, que este grave problema fosse resolvido a tempo de evitar o que agora está succedendo.

Depois d'isto, o que era necessario, era que o partido regenerador, assim que chegasse ao poder, empregasse os meios convenientes para resolver essa crise, que já, conhecia, e que era grave, e não cruzasse os braços, não fazendo nada, até agora que nos apresentou o primeiro projecto, cujos resultados beneficos, se os houver, só muito tarde se farão sentir. (Apoiados).

Podem dizer me que o Sr. Ministro das Obras Publicas, apertado por diversas solicitações, em 14 de junho do anno passado, publicou um decreto dictatorial para resolver a crise vinicola. Eu appello para o Sr. Ministro da Marinha para que em sua consciencia me diga o que valem as disposições contidas naquelle decreto.

S. Exa. não disse na Camara dos Dignos Pares que aquelle projecto do seu collega das Obras Publicas era uma verdadeira panaceia, mas todos os caminhos vão dar á fonte; o que S. Exa. disse é que todas as doutrinas contidas naquelle projecto eram verdadeiras panaceias. Apoiado, Sr. Ministro da Marinha, disse eu no meu intimo quando lhe ouvi dizer isto. Os factos ahi estão a provar se era ou não uma verdadeira panaceia tudo quanto o Sr. Vargas atirou para o Diario do Governo naquelle decreto de 14 de junho de 1901.

Em que consistiu a estructura d'aquelle projecto?

Estabelecia as companhias vinicolas, mas ainda não estão criadas; estabelecia as adegas sociaes, que tambem não foram por diante; estabelecia as estações agricolas de destillação, que tambem ficaram no papel. Emfim, era uma verdadeira panaceia. E, senão, vejamos:

Aquelle projecto foi posto de parte, e d'ahi para cá não se tem feito nada. O projecto que se discute é o primeiro sobre o assumpto que tem vindo á discussão. Oxalá que elle produza os effeitos que o Sr. Ministro da Marinha espera e deseja, como o desejamos nós todos, que somos filhos d'este país.

No decreto do Sr. Ministro das Obras publicas que, como disse, não deu resultado algum, havia no entanto uma medida, que foi posta em execução, e que foi altamente perniciosa para os viticultores a quem se pretendia favorecer: foi a diminuição do direito do consumo em Lisboa e Porto por um prazo determinado e fixado em dois meses e meio, de 15 de junho a 31 de agosto. A reducção de direitos foi de 50 por cento.

O que aconteceu durante esse prazo foi que os negociantes de vinho compraram o vinho que puderam, arrastadamente, encheram os seus depositos, e depois não compraram mais, ficando os lavradores com os vinhos nas adegas. E venderam-no arrastado naquella occasião, por que tinham as adegas cheias e não tinham com que pagar as contribuições. Os negociantes, aproveitando-se d'essa situação, puseram a faca aos peitos dos desgraçados lavradores que precisavam satisfazer os seus compromissos, e compraram o vinho quasi pelo preço que quiseram.

Não se lhes pode levar a mal. Quem quer comprar faz a diligencia de obter o genero o mais barato que pode.

Quem lucrou, portanto, com esta medida, foram os negociantes contra o proprietario. Assim que encheram os seus armazens de vinho não compravam mais nenhum, e ahi estão novamente os lavradores com as suas adegas replectas.

Deixou-se atravessar, portanto, todo este longo periodo sem que o Governo regenerador pensasse senão em nomear amigos e fazer eleições, lançando-se á vara larga na politica, e pondo completamente de parte as medidas economicas que, exclusivamente, deviam chamar a sua attenção. O que o partido regenerador praticou, procedendo d'esta forma, foi um verdadeiro crime, por isso que conhecia a crise, visto que aqui, a meu lado, individuos d'esse partido se uniram a mim para juntos pedirmos ao Governo progressista que empregasse todos os meios ao seu alcance para resolver a crise vinicola, e se o partido progressista não a resolveu, foi pela ambição desmedida dos regeneradores, que, imaginando que não chegava a sua hora, fizeram um verdadeiro assalto ás cadeiras do poder. (Apoiados).

Agora vou ainda continuar a defender a minha these, provando que o culpado d'esta crise, é, unica e exclusivamente, o partido regenerador.

Em 1894-1895, o periodo mais agudo da nossa crise vinicola, mas então por falta de vinhos, a phylloxera tinha devastado os vinhedos do país e por isso não tinhamos o vinho sufficiente para o consumo. Os negociantes de vinho, lutando com essa falta, foram a Hespanha, compraram os vinhos hespanhoes, mandaram-nos para cá para lotar com os nossos, fazer os seus typos e satisfazer as suas encommendas. Isto era racional e logico; foi o que fez a França que, quando viu as suas vinhas devastadas pela phylloxera, foi comprar vinho onde o havia e do nosso país levou bastante quantidade, a ponto da nossa exportação em 1896 ter attingido a importante quantia de quasi 17.000:000$000 réis.

Quando lhes faltou a materia prima foram comprar vinho a toda a parte para não perderem os seus mercados. Este facto, que devia servir-nos de ensinamento, foi por todos desprezado.

Os nossos lavradores, que então vendiam o vinho a 1$400 réis e a 1$500 réis o almude, não viram senão o interesse de momento; e o interesse sordido não lhes deixou antever o futuro; impôs ao Governo, que era o regenerador, que prohibisse a entrada no nosso país do vinho hespanhol.

O Governo que tinha obrigação de estudar a sangue frio este phenomeno, fez-lhes a vontade.

Eu digo a V. Exa. que assim que vi decretada esta medida, declarei logo que era uma verdadeira loucura e os factos depois infelizmente bem o comprovaram. Nesta occasião, nem vinhos tinhamos, que chegasse para o consumo interno.

En bem sei, repito, que os viticultores instavam com o Governo para que se tomasse essa medida, mas os Governos devem estar sempre superiores a estas lulas de interesses individuaes, e devem orientar-se unicamente nos interesses do país. O Governo não attendeu a isso, decretou essa prohibição e o resultado foi o não termos vinho para manter os nossos mercados externos.

Sr. Presidente: governar não é transigir com exigencias demasiadas, governar é resistir, e foi isso que o Governo não soube fazer.

O que o Governo devia fazer nessa occasião, era o

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mesmo que se fez com os trigos: ver o vinho que havia e só deixar entrar o que fosse necessario para que não perdesse-mos os mercados externos.

Eu não ignoro, e já o disse, que os lavradores exerceram grande pressão sobre o Governo, mas o obrigação do Governo era reagir, devia ver que a medida que ia adoptar era um perigo, como foi.

Prohibida a entrada do vinho hespanhol, como o vinho das nossas cepas mal chegava para o consumo interno, começou a diminuir a exportação, e então o que fizeram alguns patriotas, que tambem cá temos d'isso em Portugal?

Como lhe não deixavam importar o vinho hespanhol, transportaram-se para Hespanha, chamaram para ali individuos habituados a fabricar os vinhos portugueses, e com os vinhos hespanhoes fizeram vinhos com typos iguaes aos nossos e exportaram-n'o para o Brasil em cascos com a marca de portugueses.

O Governo teve conhecimento d'este facto, porque eu denunciei na Camara os nomes das casas que praticaram esta proeza, e não tenho duvida em os repetir, e pedi providencias, mas nada se fez, e isso deu em resultado que muitos dos vinhos analysados no Brasil não eram portugueses, mas hespanhoes com a marca de portugueses.

É facil mostrar que este facto é absolutamente verdadeiro.

Denunciei-o eu á Camara em 1899, e o Governo foi prevenido pelo nosso consul em Vigo, que no seu relatorio, creio que de 1899, aponta esse facto e pede para elle providencias.

Uma das casas referidas é a de Santos Lima. Não me consta que se tenham dado providencias algumas e se foram dadas não chegaram ao meu conhecimento.

O facto é, que os vinhos que no Brasil, foram considerados falsificados, não eram nossos, mas nós é que ficámos com as responsabilidades e soffremos bastante com isso.

Tendo diminuido a nossa exportação para o Brasil, voltamo nos naturalmente para a nossa Africa e por isso se publicou o decreto de 25 de abril de 1895, estabelecendo na Africa Occidental o direito estatistico de 1 real por litro, ou 10 réis por decalitro, e para o vinho estrangeiro 1$000 réis.

Na Africa Oriental estabeleceu-se o mesmo direito de 10 réis por decalitro e 1$300 réis para o vinho estrangeiro.

Desde 1867 até 1892, anno da crise, a nossa exportação de vinhos de pasto para o Brasil foi sempre crescendo.

Exportámos para o Brasil:

Hectolitros

Em 1867................................ 46:000
Em 1877................................ 100:000
Em 1887................................. 287:000
Em 1892................................ 479:000

Ou 95:800 pipas de 500 litros.

Em 1893................................. 406:000
Em 1894................................ 284:000

Ou 56:800 pipas, menos 39:000 pipas do que em 1892.

Em 1895............................ 306:000
Em 1896............................ 358:000
Em 1897............................ 350:000
Em 1898............................ 391:000
Em 1899............................ 381:000
Em 1900............................ 364:000

Nunca mais podemos attingir a exportação de 1892. Nós perdemos, mas a Hespanha e a Italia ganharam, devido á nossa incuria e ao nosso egoismo.

O augmento do commercio de vinho da Italia foi devido em grande parte ao incremento da sua emigração para as regiões do sul do Pará e Republica Argentina e á grande propaganda que fizeram os seus caixeiros viajantes, os annuncios nos jornaes, etc., etc.

A Hespanha seguiu os mesmos processos da Italia e mais ainda, estabeleceu Camaras de Commercio no Rio de janeiro, Pará, Pernambuco, etc., etc.

E nós o que fizemos? Nada.

Pois se nós não tinhamos vinho para mandar para lá senão muito caro e os lavradores e o Governo não deixaram entrar o vinho hespanhol... (Apoiados}.

Deviamos ter feito o seguinte: quando no Brasil se disse - que de Portugal se mandava vinho falsificado, devia-se investigar quem eram os falsificadores, para lhes impor a pena a mais rigorosa que se pudesse impor pelo Codigo Penal. (Apoiados}.

Quero que se façam analyses rigorosas e que se dêem garantias, que não são estas, que estão no projecto, como hei de provar, e que os falsificadores sejam rigorosamente castigados.

O individuo, que fez vinho falsificado, alem de se lhe impor a maior das penalidades, deve ser prohibido de continuar a negociar em vinho, porque os interesses do país estão acima de qualquer falsificador. (Apoiados}.

Se tivesse o tempo do antigo Regimento havia de apresentar algumas novidades. Tenho a questão bem estudada.

O Sr. Ministro da Marinha disse aqui outro dia, quando respondeu ao Sr. Villaça, o seguinte, que os jornaes reproduziram:

«Não quer desacreditar com as suas palavras os vinhos portugueses, embora esteja convencido de que todos teem o direito de apontar os abusos e as fraudes para zelar os interesses do país.

Ha, todavia, um facto que não pode deixar de referir á Camara. Em 1898 o Governo do Transvaal prohibiu o consumo de bebidas alcoolicas nas minas porque os indigenas ficavam em tal estado que tinham de conservar-se quatro ou cinco dias sem trabalhar.

Reconhecendo, porem, que esses, indigenas precisavam de uma bebida qualquer estimulante, que substituisse o alcool para os levantar da atonia em que jaziam, mandou-se buscar a Lourenço Marques o chamado vinho de preto que ali havia.

Pois esse vinho era de tal ordem que, passado um mês, o Governo do Transvaal prohibia tambem o seu consumo! Como se vê, é necessaria uma rigorosa fiscalização que, a um tempo, defenda a saude dos consumidores africanos e salvaguarde o credito dos vinhos portugueses».

Esta declaração do Sr. Ministro da Marinha, feita aqui no Parlamento produziu extraordinaria impressão e em virtude d'isso recebi uma carta em que me dizem para pedir a S. Exa. que publique o nome dos falsificadores, porque S. Exa. veiu lançar o descredito sobre os negociantes de vinhos, quando nem todos merecem descredito! (Apoiados}.

S. Exa. não asseverava cousa de que não tivesse provas. Peço, portanto, ao Sr. Ministro da Marinha que as publique e diga á Camara quem são os individuos a que S. Exa. alludiu, quaes foram as casas destinatarias e quem descobriu a fraude. Isso prejudica o credito dos negociantes de vinhos (Apoiados), que ha muitos, senão o maior numero, que são serios e honrados e podem com as declarações de S. Exa. ser prejudicados e com elles a viticultura nacional, que se quer proteger.

Na carta que recebi, affirma-se que no Transvaal nunca entrou um barril de vinho denominado para preto, e pela simples razão que tambem nunca foi permittido naquella republica o preto beber vinho.

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É isto o que me affirmam.

Já que o Sr, Ministro da Marinha fez uma tal affirmação á Camara é necessario que a prove, para justo castigo de quem tal praticou.

Não bastam palavras, são necessarios documentos (Apoiados).

Quem mandou tal vinho?

Quem comprou?

Se o facto é verdadeiro, como não pode deixar de ser, visto que S. Exa. o affirmou, deve saber-se officialmente. (Apoiados),

Venham, pois, os documentos.

Desacredite se, é o castigo, quem exportou tal vinho, mas não se lance uma suspeição sobre todo o commercio.

O que o Sr. Ministro da Marinha disse á Camara é mais um elemento de descredito dos nossos vinhos, de que os hespanhoes e italianos lançarão mão. (Apoiados}.

É em virtude de asseverações d'esta natureza, que desacreditaram os nossos vinhos no Brasil.

Appareceram effectivamente vinhos que se diziam portugueses, que não eram puros, mas eram vinhos de procedencia hespanhola, enviados por negociantes portugueses que ali se foram estabelecer e em vasilhas com a marca portuguesa.

Vou agora apresentar á Camara um facto verdadeiramente extraordinario e mirabolante, para S. Exa. ver a culpa, que teem os viticultores em se encontrarem nesta desgraçada situação! A culpa é unica e exclusivamente dos Governos do partido regenerador, que são os unicos responsaveis da situação em que o país se encontra, com respeito a enorme crise que assoberba a nossa viticultura.

Vou mostrar á Camara - não gosto de declamar - que os lavradores se lançaram vertiginosamente na cultura da vinha, unica e exclusivamente por conselho e por indicação dos Governos regeneradores! Elles fizeram o que toda a gente fazia, porque se uns lavradores são muito intelligentes, outros não são, e não teem o conhecimento preciso dos factos para darem o desconto devido ao que se Ihes affirma.

Parecendo-lhes a plantação da vinha um maná caindo sobre o deserto, lançaram-se ardentemente na plantação da vinha, impellidos, impulsionados pelos Governos regeneradores! (Apoiados).

Sr. Presidente: parecerá uma fabula o que a Camara acaba de ouvir, mas eu vou já provar o que affirmo, que é a mais rigorosa expressão da verdade.

Em 1895, quando começou a crise dos vinhos, foi consultada a Junta Consultiva do Ultramar para ver se concordava em estabelecer o direito prohibitivo sobre os vinhos estrangeiros nas provincias ultramarinas, principalmente em Lourenço Marques, e um direito simplesmente estatistico para os nossos vinhos.

A consulta é de 11 de março de 1895, e diz o que eu vou ler á Camara, para o que peço toda a sua attenção.

A Junta Consultiva do Ultramar dizia no seu parecer que o Governo fez publicar, e com o qual concordou, e a prova, é que não desmentiu o seguinte: «Cumpre-me considerar, Senhor, que nos 3.755:000 hectares que abrangem toda a região transmontana, existe ainda uma area inculta de cerca de 2.000:000 hectares, quasi totalmente constituida por charnecas e cumiadas. Esta enorme superficie, difficilmente será utilizada para as culturas arrenses. Quem tenha visto prosperar a vinha nas pobrissimas arenatas nas bacias do Tejo e Sado, não duvidaria pelo menos metade d'aquella area, actualmente improductiva, poderia ser vantajosamente utilizada na plantação da vinha.

Sendo assim, elevar-se-hia a producção acima da França; isto é, a 50.000:000 de hectolitros, com um valor não inferior a 150.000:000$000 réis, arbitrando-se o preço minimo de 3$000 réis o hectolitro ou 30 réis o litro».

Esta illustre corporação entendia que isto era o mais arrastado que se podia imaginar; que estes calculos eram seguros, não falhavam.

Por segurança d'este mirabolante calculo, foram sempre dizendo que ainda que as suas previsões não viessem a realizar-se por completo, tinhamos pelo seguro metade do que estava calculado, dos taes 150.000:000$000 réis de vinho, ou 75.000:000$000 réis.

Estes estavam seguros, não podiam falhar.

E diziam mais que dos 75.000:000$000 réis que havia de produzir o nosso vinho, dois terços, ou 50.000:000$000 réis, seriam consumidos nas nossas provincias ultramarinas!

Isto está publicado num Boletim da Camara ao Commercio, de 1895, a pag. 78.

Não é invenção minha. (Apoiados).

Sr. Presidente: isto é um verdadeiro assombro!

A não ser que se obrigasse o preto a tomar banho em vinho (Apoiados), não se comprehende como em Africa se poderia consumir 50.000:000$000 réis de vinho. (Apoiados).

Este documento correu mundo. Alguns jornaes o transcreveram.

O que devia fazer um lavrador quando se via deante de uma prespectiva tão mirabulante?

Atirou-se á cultura da vinha, alem de todos os limites, com o auxilio do Governo, isto é, do Governo regenerador.

Quem tinha dinheiro fez logo plantações em larga escala; quem não tinha, foi pedi-lo a juro, hypothecando as suas propriedades, para se lançar vertiginosamente no caminho largo do plantio da vinha, de onde esperava que lhe havia vir o El-Dorado, segundo o que lhe era solidamente garantido em documentos officiaes.

Vi muitos proprietarios derrotar magnificos olivaes, vastissimos pinhaes, frondosos pomares, para plantarem vinha.

Houve regiões, onde se não cultivava outra cousa alem da vinha.

E o Governo a incitar os lavradores a continuarem, e elles com a esperança no bello futuro que lhe promettiam, não descansavam nem de dia nem de noite.

O Sr. Pereira de Lima: - V. Exa. pode dizer-me quaes eram os vogaes da junta que assignaram?

O Orador: - Não me lembro dos nomes, nem isso vem para o caso. (Apoiados).

O responsavel é unicamente o Governo, que consentiu a publicidade de um tal documento. (Apoiados).

O Sr. Pereira de Lima: - Que tem muita auctoridade, como por exemplo o Sr. Elvino de Brito, o Sr. Francisco Maria da Cunha, etc.

(Ápartes).

O Sr. Presidente agita a campainha.

O Orador: - Deixem-me V. Exa. continuar porque eu sinto-me com forças para discutir com todos. Aqui não ha zangas nem bulha.

O Sr. Pereira de Lima: - Isto não é discutir, é um áparte elucidativo.

O Orador: - Pode V. Exa. interromper-me todas as vezes que entender, porque até me dá satisfação.

A Junta do Ultramar é simplesmente uma corporação consultiva; o Governo podia não se conformar com a consulta, como lhe ha de ter succedido muitas vezes, mas a prova que se conformou, é que a mandou á Camara do Commercio, muito satisfeito da sua vida e até muito enthuziasmado.

Mas quando vi esta affirmativa, disse logo que isto era impossivel e só quem vivesse na lua poderia extasiar se com tal miragem.

Para me certificar se estava ou não em erro, fui estudar e procurar o valor da exportação das nossas provinvincias ultramarinas para ver como é que aquellas provincias podiam pagar 50.000:000$000 réis de vinho.

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Aqui está o que encontrei e o que dizem as estatisticas officiaes.

É o seguinte:

"Valor da exportação geral :

Cabo Verde:

1895...................... 452:578$000
1896...................... 386:400$000
1897...................... 324:033$000
1898...................... 194:608$000
1899...................... 214:831$000

Guiné:

1895...................... 238:708$692
1896...................... 373:746$000
1897...................... 145:805$000
1898...................... 223:135$000
1899...................... 333:516$771

S. Thomé:

1895...................... 2.150:833$000
1896...................... 2.275:493$000
1897...................... 1.969:112$000
1898...................... 2.536:977$573
1899...................... 3.375:138$000

Angola (todas as alfandegas):

1895...................... 6.163:704$739
1896...................... 5.611:941$000
1897...................... 6.577:791$197
1898...................... 7.902:916$000
1899...................... 7.958:496$000

Moçambique (todas as alfandegas):

1895...................... 1.184:667$000
1896...................... 1.366:542$418
1897...................... 1.868:287$000
1898...................... 1.422:184$440
1899...................... 1.678:739$000

India:

1895-1896................. 632:724$000
1896-1897................. 564:780$000
1897-1898................. 451:714$000
1898-1899................. 438:664$000
1899-1900................. 551:134$000

Timor:

1895...................... 368:973$000
1896...................... 135:161$000
1897...................... 250:869$000
1898...................... 213:552$180
1899...................... 194:220$439

Fazendo agora o apanhamento geral da exportação de todas as nossas provincias ultramarinas, temos:

1895....................... 11.192:189$431
1896....................... 10.714:063$418
1897....................... 11.587:611$197
1898....................... 12.932:037$193
1899....................... 13.306:075$210

Onde haviam os pretos e até os brancos de ir buscar 50.000:000$000 réis para pagar tanto vinho? (Apoiados).

Pois o valor de tudo quanto se exporta dá o maximo de 13:000 e tantos contos de réis; onde se vae buscar o excedente para 50.000:000$000 réis ?

Isto é um tão grande absurdo, que o Governo não devia consentir que viesse á luz da publicidade um tal documento.

O Sr. Ministro da Marinha (Teixeira de Sousa):- O illustre Deputado não pode attribuir ao Governo responsabilidade nesse facto.

O Orador: - Este documento teve bastante publicidade; foi publicado no relatorio da Camara do Commercio, e o Governo, que devia guardá-lo a sete chaves, pareceu ficar seduzido com tão brilhante perspectiva.

Comprehende-se que os lavradores e os agricultores, vendo um quadro tão tentador, continuassem a plantar vinha, alem de todo o limite, fazendo os maiores sacrificios de trabalho e dinheiro, que muitos não tinham e foram levantar a juro, hypothecando as suas propriedades.

Foi uma verdadeira febre; muitos mandaram vir de França bacellos americanos, porque os viveiros do país já não chegavam.

O Governo, por sua parte, tambem começou a ajudá-los, facilitando as plantas americanas, que tambem mandava vir em abundancia, facilitando o transporte de adubos, e auxiliando por todos os meios ao seu alcance esta febre de plantação da vinha que se apoderou de toda a gente.

Pudera! pois só a nossa Africa nos devia consumir, pelo menos, 50.000:000$000 réis de vinho.

Quem poderia resistir á exploração d'esta mina?

Criou-se assim esta situação em que estamos, e agora quer-se impedir a plantação de mais vinha, para se favorecer, o egoismo dos ricos, causando bastantes prejuizos aos pobres. (Apoiados).

O que se vê é que o Governo não tem planos, não tem ideias, não tem criterio, e que só vae atrás do que lhe suggerem. (Apoiados).

Se o Governo tivesse planos, se tivesse ideias assentes sobre o que devia fazer para debellar a crise, a sua obrigação era reagir, porque muitas vezes governar bem é reagir.

Alguns dizem que governar é transigir. Assim é facil governar, cedendo a tudo quanto lhe pedem, mas está bem patente qual o resultado que o país tem tirado d'este systema.

Como eu disse, os lavradores, vendo um quadro como aquelle que descrevi, começaram a plantar vinha, e agora os mais risos não querem que os pobres plantem.

Por sua parte o Governo vae atrás da corrente, e estabelece estas disposições prohibitivas, com respeito á plantação da vinha, e tambem da cana.

Amanhã, se houver muito trigo, toca a prohibir a sementeira d'este genero.

Havendo mais azeite, prohibe a plantação da oliveira, etc., etc.

Por este andar, quando o lavrador quiser cultivar as suas terras, tem de submetter a sementeira á censura previa, como está succedendo a quem escreve nos jornaes.

Isto é attentatorio do direito de propriedade, que é a base de toda a sociedade constituida. (Apoiados).

Na Italia ha tambem um excesso de producção de vinho.

Assim em:

1896 produziu............... 28.600:000 hectolitros
1897 " .............. 28.350:000 "
1898 " .............. 32.940:000 "
1899 " .............. 32.500:000 "
1900 " ............. 29.900:000 "
1901 " .............. 42.600:000 "

E lá não se pede a prohibição da cultura da vinha.

Aconselha-se, sim, os viticultores a restringir as suas plantações e a povoar somente os terrenos de vinho fino; a baratear a sua producção; a aperfeiçoar a industria destilatoria; a aproveitar convenientemente os residuos da vinificação, etc., etc.

Reclama-se do Governo facilidades para o alargamento

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20 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

de consumo interno, diminuindo os impostos de consumo e favorecendo a circulação dos liquidos alcoolicos. Procura-se por todas as formas encontrar mercados externos, e alargar o commercio nos paises em que já teem o mercado estabelecido.

Disse o Sr. Reis Torgal que não é atacar o direito de propriedade quando se prohibem culturas que prejudiquem a saude publica.

Então a cana saccharina e a vinha são culturas que prejudicam a saude?

A cultura do arroz é que se torna prejudicial á saude publica. (Apoiados).

Esta cultura é que é bem prohibida.

O que é prejudicial á saude não é o cultivo da cana, mas a sua transformação em alcool e o uso d'esta bebida. Mas a cana tambem pode servir para a extracção de assucar, e por isso não deve ser prohibida a sua plantação como se fez na base 7.ª do projecto que se discute.

Mas nem mesmo se deve prohibir a fabricação do alcool, porque é attentar contra o direito da industria. O que se deve é prohibir o uso do alcool para beber, mas nunca a sua fabricação.

Deve permittir-se livremente a destillação da cana saccharina, e obrigar a desnaturar o alcool de modo que não servir para beber, porque o alcool desnaturado pode servir para productos industriaes, e para illuminação, aquecimento, força motriz e outras applicações. (Apoiados).

Sr. Presidente : disseram os jornaes em tempo que se podiam collocar na Africa 50.000:000$000 réis de vinho. Em vista de tão brilhante perspectiva os nossos lavradores, começaram a trabalhar de dia e de noite com a maior actividade, fazendo esforços sobrehumanos, e cobriram as suas terras de vinha, e agora chegam á situação desgraçada de terem as adegas cheias de vinho e não haver quem lh'o compre.

Os Governos, depois de terem aconselhado e instigado os lavradores a seguirem por este caminho, querem agora prohibir a plantação da vinha.

E chama-se a estes Governos "Governos patriotas"!

Os lavradores mais ricos, os mais abastados replantaram rapidamente os seus terrenos, porque tinham capitaes e tiram bom resultado, porque ainda venderam o vinho a l$2OO e 1$300 réis o almude.

Os outros tiveram de pedir dinheiro a juro, e caminharam mais devagar.

Agora, o producto do vinho, quando o vendem, não lhes dá sequer para o amanho das vinhas.

Como hão de sustentar-se, pagar contribuições, juros e amortização do capital empregado?

Quero mostrar á camara a situação desgraçada, em que se encontram os pobres lavradores d'este país.

Para ver a situação da propriedade rural no nosso país - gosto de estudar as questões - fui ver o relatorio do Sr. Esprigueira, de 1900, que diz o seguinte :

A decima de juros para 1897-1898 foi de 182:000$000 réis, numerosos redondos.

Ora, sendo a decima de juro de 13,5 por cento, salvo erro, temos ,applicando a formula da regra de juros : - J ]",;', ou a é o capital, r a razão ou taxa de juro e t o tempo, temos que o capital que produz estes 482:000$000 réis, isto é o juro que recebem os que emprestam o dinheiro, é de 3.562:962$963 réis".

Quer dizer, os capitalistas receberam 3.562:000$000 réis de juro do dinheiro que emprestaram.

E suppondo, na hypotese mais desfavoravel para o meu caso, que a taxa de juro é em media 8 por cento, pois se for menor a taxa, maior será o capital ; isto é, sendo este o juro que os prestamistas recebem, temos que o capital que produz este juro é de 44.537:037$037 réis.

Suppondo agora que metade apenas d'esta quantia serve de garantia á propriedade rustica, temou 22.268:518$518 réis.

Mas ha mais.

Recorrendo ao relatorio do Credito predial, publicado em 30 de março de 1900, encontro, com exclusão dos emprestimos ás camaras municipaes e ás juntas geraes, que a propriedade deve áquella companhia 11.973:364$269 com a verba que acabo de mencionar de 22.268:518$518

Temos........84.241:882$787

Este é um calculo muito por baixo, porque ha muitos emprestimos que não veem á estatistica official, por serem emprestimos particulares ; são emprestimos por letras particulares que não são mencionados. Veja V. Ex.ª, por este quadro, o estado em que se encontra a agricultura do pais que é desgracadissimo, com excepção de pouquissimas regiões.

Mas, ha mais ainda.

No relatorio da Companhia do Credito Predial a que me estou referindo, encontra-se o seguinte :

Durante o anno de 1899 o capital amortizado foi de réis 1.106:454$064.

A amortização ordinaria (annuidades) foi de 272:442$372

A extraordinaria, isto é, por execuções foi de 834:011$692

1.106:454$064

O numero de prestações vencidas em 1899 foi de 6:811, na importancia de 1.293:578$140 réis.

Cobraram-se apenas 3:155, na importancia de 777:161$738

Ficaram por cobrar 3:656, na importancia de 516:416$402

1.293:578$140

Em 31 de dezembro de 1898 havia por cobrar 890:196$045

Cobrado em 1899........................... 431:970$712

Saldo para cobrar.......................... 458:226$333

A cobrança em 1899 foi de................. 1.209:132$450

Em 1898 foi de............................ 1.412:124$096

A menos em 1899......... 202:991$646

As prestações em divida em 31 de dezembro de 1899 era de 974:641$735 réis.

A companhia possuia em 31 de dezembro de 1899 280 predios rusticos e urbanos, que se viu forçada a ficar com elles em virtude das execuções que teve de mover aos credores que não lhe pagavam, no valor de 381:330$751
E mais 20 dominios directos no valor de...... 894$904

Total...................... 382:225$655

Em 31 de dezembro de 1899 tinha a companhia, de execuções em andamento..92
Em suspensão...........................................................500
Total..................................................................59

Sr, Presidente: por este desolador quadro que rapidamente exponho á Camara, vê V. Ex.ª a crise por que está passando a nossa agricultura. (Apoiados).

E o Governo não olha para isto, o Governo não adopta

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SESSÃO N.º 52 DE 10 DE ABRIL DE 1902 21

uma unica providencia para atalhar este estado, que nos pode levar á ruina completa.

Mas, para que se veja que continua a mesma insania, ainda hoje, a invadir as cabeças dos Ministros, vou tirar do que o Sr. Ministro da Marinha e relator do projecto disseram, ponderações que hão de provar até á evidencia o que affirmo.

Quero mostrar primeiro á Camara o preço por que fica uma pipa de vinho posto em frica Oriental.

Custo da pipa do vinho de 450 litros a 12°...... 12$000
Transporte para o armazem....................... 1$200
10 barris a 1$000 réis.......................... 10$000
Alcoolização 29 litros de alcool de 95° cente-
simaes, 40° Cartier a 235 réis.................. 6$815
Condução para bordo............................. 500
Estufagem e trabalho de armazem................. 2$000
Lucro do negociante............................. 3$000

Em Lisboa a bordo fica por...................... 35$515
Frete para a Africa.........•................... 12$000
Direitos entrada a 10 reis o litro.............. 4$500
Despesas em Africa, quebras e ganho do negociante 8$000
Transporte do dinheiro a 10 por cento...... ..... 4$800

Total................ 64$815

Sr. Presidente: o Banco Ultramarino tem chegado a levar pela transferencia do dinheiro, incluindo a differença de cambio 10, 12 e 15 por cento, o que torna as mercadorias muito caras. O Governo devia empregar todos os esforços para que o Banco Ultramarino reduzisse esse premio de transferencias de dinheiro a 5 por cento. A pipa fica, portanto, incluindo esse premio por 64$815 réis.

O transporte de cada pipa de vinho podia ficar pelo menos por 8$000 réis e o direito devia ficar em 5 réis por litro que é o que actualmente paga, l real para a alfandega e 4 para a camara.

Estas duas verbas são 10$250 réis para 17$000 réis que actualmente paga tinhamos uma redacção de 6$750 réis, o que em pipa de vinho é importante.

Nesta differença podia o proprietario lucrar a maior parte.

Mas, Sr. Presidente, como pode uma pipa de vinho ficar mais barata em Africa se os embarques feitos aqui em Lisboa vão por via de Hamburgo, porque se fossem directamente ainda ficavam mais caros.

Os embarques que se fazem para Quelimane vão primeiro a Hamburgo, visto não termos carreiras directas.

Mas, continuando, vou referir-me ao que disse o Sr. Pereira Lima, de quem sou realmente amigo e em quem reconheço um grande talento, mas que vae nas aguas do Governo, e por isso não lhe pode ficar atrás.

S. Exa. apresentou-nos um Eldorado, porque isto é contagioso ; a gente influencia-se no meio em que vive. Disse S. Exa. que S. Thomé tem 40:000 pretos e que se bebesse cada um l litro de vinho por dia, multiplicado por 300 dias no anno, tinhamos um consumo de 12.000:000 litros ou 24:000 pipas de 500 litros, ao minimo de 45$000 réis a pipas dava l .080:000$000 réis. Quer dizer: Só S. Thomé consumia todos os annos, pelo menos 1.080:000$000 réis.

Continuamos nas mesmas mirabolancias.

O Sr. Pereira de Lima: - Peço perdão, mas eu não disse isso; calculei 200 litros por anno e disse que poderiamos calcular até l litro por dia, porque não é preciso ir á Africa, onde os pretos estão habituados a bebor alcool forte; podemos encontrar na Europa cidades onde se chega a consumir 280 a 300 litros. Desde o momento em que tiramos ao preto o alcool e lhe damos um succedaneo o vinho, não é exagerado calcular o consumo de 200 litros, mas se V. Exa. quiser faça isso por metade, e já é bastante. Já vê V. Exa. que os meus calculos não chegam a ser tão mirabolantes como os do Sr. Elvino de Brito e Francisco Maria da Cunha.

O Orador:- A culpa não foi dos dois cavalheiros a que V. Exa. se refere, foi do Governo que deixou circular esse documento que ha pouco citei e que V. Exa. já conhece que foi mirabolante.

Estamos de acordo.

E não admira, porque nós quasi nunca discordamos.

O Sr. Pereira de Lima: - Não o deixou circular foi naturalmente para mostrar até aonde chegava a sapiencia agricola d'esses senhores. Se S. Exa. me provar que está no Diario do Governo, então a responsabilidade é do Governo.

O Orador: - Não está no Diario do Governo, porque esses documentos, parece-me, não costumam ser publicados no Diario.

Mas quem o mandou para a Camara do Commercio e consentiu que elle fosse publicado, a ponto dos lavradores terem conhecimento d'elle?

O Sr. Anselmo Vieira: - Eu explico a V. Exa. porque appareceu essa consulta. Quando se tratava de elevar os direitos dos vinhos estrangeiros nas costas oriental e occidental de Africa, e estabeleceu apenas o direito estatistico de um real sobre os nossos vinhos, o Governo mandou consultar a Camara do Commercio sobre a conveniencia ou inconveniencia d'essa medida e por isso enviou-lhe todos as peças que deviam entrar no processo e entre ellas a consulta da Junta Consultiva do Ultramar e foi então para instrucção da Camara do Commercio e sob sua responsabilidade que esse documento appareceu publicado.

O Orador:- Sr. Presidente: o que está provado, e não podia deixar de estar, é que foi o Governo, que ficando extasiado, perante a perspectiva de collocar 50.000:000$000 réis de vinho em Africa, mandou esse documento á Camara do Commercio, para que ella admirasse a sua sagacidade e fino tacto administrativo.

Quando todos estavam afflictos sem saberem onde haviam collocar tanto vinho que já produziamos, o Governo dizia: "descansem que só a Africa basta. Continuem a plantar vinha que não ha duvida.

Se querem mais bacellos americanos o Governo lh'os fornece. Se os viveiros nacionaes não chegarem, mandam-se vir de França."

Mas vamos continuando para que se veja a confiança que o país pode ter no que lhe diz este Governo. (Apartes).

Vamos a continuar. Disse o Sr. Ministro da Marinha, e oxalá que S. Exa. tivesse razão, que segundo informações de Sr. Governador Geral de Moçambique, presuppõe que quando puder realizar o systema que nos propõe ao norte do Save está assegurado o consumo de 72:000 pipas de vinho!

Ora eu já provei que uma pipa de vinho custa em Moçambique 64$815 réis, numeros redondos, e se aquella hypothese se verificar o seu valor seria de 4.666:680$000 réis. Continuo portanto, a affirmar que estes calculos são mirabolantes e de todo o ponto perigosos. E se isto é assim, para que foi o Sr. Ministro das Obras Publicas apresentar um projecto prohibindo a plantação de mais vinha?

Se este facto se der teremos falta de vinho.

Mas eu já mostrei que a exportação por todas as alfandegas de Moçambique importou em:

1895.............................. 1.184:667$000
1896.............................. 1.366:542$418
1897.............................. 1.868:277$000
1S98.............................. 1.422:18$440
1899.............................. 1.678:739$000

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22 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Alem d'isso todas as receitas da nossa provincia de Moçambique andam por 2.837:000$000 réis.

Pergunto eu, pois onde vão os habitantes de Moçambique buscar dinheiro para consumirem perto de réis 5.000:000$000 réis de vinho? Pois tudo isso não será uma cousa que logo salta á primeira ser impossivel? Pois o Sr. Ministro da Marinha não raciocina? Não vê S. Exa. que isto não pode realizar-se? Prouvera a Deus que pudesse ser.

Disse o Sr. Pereira Lima que S. Thomé nos podia consumir 24:000 pipas de vinho, que a 45$000 réis a pipa, preço porque lá nos ficaria cada pipa, temos l.080:000$000 réis.

Emfim, só para Moçambique e S. Thomé, a dar-se credito ao que diz, o Sr. Ministro da Marinha ha um consumo de 96.000 pipas de vinho, no valor de 5.746:680$000 réis. Isso se assim fosse era uma belleza, era um maná.

Mas, Sr. presidente, o que temos nós em relação ao Brasil?

Prohibimos que entrassem em Portugal os vinhos hespanhoes, quando não tinhamos vinho para o consumo interno, deixando ao Deus dará tudo isto, ao passo que a Italia e a Hespanha foram mettendo os seus vinhos n´aquelle mercado.

Mas a Italia tem tambem uma crise vinicola como a nossa, ou peor ainda, e ninguem até hoje se lembrou de pedir a restrição da plantação da vinha.

Declaro a V. Exa. e á Camara que, quando ouço dizer aqui certas cousas fico de tal maneira desnorteado que chego a convencer me que sou eu que não tenho juizo.

Toda a minha vida ouvi dizer que o ataque ao direito da propriedade é uma cousa grave e seria. O ataque ao direito de propriedade é a theoria dos perdigões.

Vem o Sr. Ministro das Obras Publicas e quer prohibir a plantação da vinha, e o Sr. Ministro da Marinha a plantação da cana saccharina. Se amanhã tivermos uma grande abundancia de azeite, prohibe-se a plantação da oliveira, no outro dia a sementeira do trigo, etc., etc.

Não sei onde vamos parar com este systema. Tomos uma crise vinicola, mas ella ha de ser resolvida pelos processos ordinarios, auxiliados por medidas do Governo, mas medidas prudentes, reflectidas e bem estudadas. Eu bem sei que o caso é difficil, basta dizer que os proprios interessados não se entendem.

Não venho aqui declamar, hei de apresentar propostas, que me parece que sendo adoptadas poderiam, senão resolver a crise, pelo menos attenuá-la.

Na Italia ninguem, como disse, se lembrou até hoje de pedir a restricção da plantação da vinha, não obstante haver ali um excesso de producção como ha pouco mostrei. O que em Italia se trata é de alargar o consumo interno, procurar mercados externos, fazendo toda a sorte de propaganda para que lhe consumam os nossos vinhos.

O nosso consul no Rio de Janeiro dá preciosas informações a respeito do commercio dos vinhos portugueses nos Estados Unidos do Brasil .

Os nossos vinhos espumosos estão conquistando largo terreno, com prejuizo dos champagnes franceses.

Pela alfandega do Rio de Janeiro entraram no anno de 1899, 9:251 Kilogrammas de vinhos espumantes, no valor de 263:381$650 réis ( moeda Brasileira)e no anno de 1900, 16:256 Kilogrammas dos mesmos vinhos, no valor de réis 133:499$200.

Em compensação a exportação dos champagnes de França vae diminuindo pelo seu elevado preço, tendo baixado de 32:964 Kilogrammas em 1899, a 18:000 kilogrammas em 1900.

O consul do Rio de Janeiro alvitra que, para desenvolver o nosso commercio de vinhos para o Brasil, se deveria fazer o seguinte :

1.º Lembrar a grande conveniencia do estabelecimento de uma companhia de navegação que, com bons vapores, sem pretenções luxuosas, levasse aos portos do Brasil os artigos de exportação, sem dependencia da navegação estrangueira.

2.º Aconselhar a organização de uma exposição permanente no Rio de Janeiro, onde os nossos melhores vinhos, devidamente garantidos, pudessem ser vistos e conhecidos ;

3.º Recommendar a, propaganda directa feita por caixeiros viajantes das casas exportadoras.

O Sr. João Salgado dá noticias muito animadoras sobre a possibilidade de desenvolvermos muito o nosso commercio de vinhos para o Brasil.

O illustre Deputado o Sr. Reis Torgal acha que se deve restringir a plantação da cana saccharina em S. Thomé, porque em virtude da Carta Constitucional deve ser prohibida qualquer cultura que seja prejudicial á saude publica.

Diz-se que a plantação do arroz é prejudicial á saude publica, mas não me pareçe que a plantação da cana esteja no mesmo caso do arroz, que esta cultura é que é prejudicial á saude publica. (Apoiados).

A cana saccharina tem diversas applicações, serve para se extrahir d'ella o assucar e o alcool, e este é que é prejudicial quando bebido.

Bem sei que o alcool é deleterio quando tomado impuro e em grande quantidade ; sei tambem que se teem tomado todas as medidas para restringir o seu consumo em quasi todos os países, mas sei tambem que, não obstante todas as medidas que teem sido adoptadas, o consumo d'esta bebida tem augmentado.

Tenho muitos livros sobre a questão do alcool, porque eu em tempos quis fazer aqui um discurso que não cheguei a proferir, mas estudei bastante esta questão.

Na Suecia pode acontecer o que disse o Sr. Reis Torgal, não duvido da sua palavra, mas tenho aqui uma nota de quanto se gasta nos diversos países.

Vou agora, com documentos officiaes, dizer alguma cousa sobre o assumpto.

Sr. Presidente : num livro que tenho presente e que trata do regime fiscal e economico do alcool em França e de que é auctor o Sr. Fernel Béchade, diz o segunte :

Resulta das estatisticas do Sr. Leone Levi, communicadas ao Congresso do Alcoolismo por occasião da exposição de 1878, pelo Sr. Irwing White, que o salario dos operarios ingleses se elevou em 1867 á quantia de francos 10.450.000:000, somma susceptivel de prover ás necessidades ordinarias da vida, mas que em quatro annos, 1866 a 1 869, estes operarios despenderam em bebidas alcoolicas a quantia de 11.370.000:000 francos, ou sejam francos 2.939.939:755, o que dá na nossa moeda a quantia de 475.197:435$900 réis, com o cambio par, e isto por anno" .

Isto é assombroso, Sr. Presidente, e por mais que se tenha feito, não tem sido possivel restringir o consumo d'esta bebida.

Em França a media annual do consumo, que é de 4',44 por habitante, é excedida em cestas regiões em maiores quantidades.

A quantidade consumida em Lorient é de 10',97 ; em Brest, ll',01 ; em Cette, ll´65 ; em Cherbourg, l6',54 ; em Rouen, 17',15, etc., etc. Estes algarismos não indicam senão o alcool puro ; é necessario, portanto, pelo menos dobrar, para obter em volume a quantidade consumida. Alem d'isso este calculo refere-se ás pessoas de todos os sexos e idades, que não fazem senão um uso muito restricto do alcool. De sorte que as pessoas que fazem uso do alcool absorvem uma quantidade muito consideravel.

O Sr. Rechard calcula em 1.300.000:000 francos, ou 234.000:000$000 réis da nossa moeda, com o cambio ao par, a somma annual consumida pelos operarios franceses e que tiram dos seus salarios, faltando por isso ás suas mais urgentes necessidades.

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SESSÃO N.° 62 DE 10 DE ABRIL DE 1902 23

Veja V. Exa. como é que ha de restringir-se o consumo de alcool na provincia de Moçambique. Só se for para lá, como disse o Sr. Luiz José Dias, um fiscal para cada preto.

Em todo o caso, applaudo a intenção do nobre Ministro da Marinha, e oxalá que S. Exa. veja realizado o seu plano.

Permitta-me, porem, que duvide emquanto não vir.

(Apartes).

Se mandam para lá os fiscaes estamos arranjados, é borracheira que te parto. (Riso).

A producção do alcool em França tem successivamente augmentado, assim como o seu consumo.

De 1840 a 1850 a producção foi de 891:500 hectolitros.

D'esta data em deante foi successivamente crescendo até que em 1896 a producção foi de 2.022:134 hectolitros.

D'esta producção, parte é para usos industriaes, parte para beber.

Revela-se o que acabo de dizer com o seguinte destinado para beber:

Annos Hectolitro

1850.................... 585:200
1851.................... 622:805
1852.................... 648:810
1853.................... 644:352
1854.................... 601:699
1855.................... 714:813
1856.................... 768:394
1857.................... 825:589
1858.................... 342:691
1859.................... 823:629
1860.................... 851:825
1861.................... 832:926
1862.................... 857:592
1863.................... 870:264
1864.................... 870:223
1865.................... 873:007
1866.................... 964:223
1867.................... 939:465
1868.................... 971:317
1869.................... 1.008:750
1870.................... 882:790
1871.................... 1.013:216
1872.................... 755:646
1873.................... 934:450
1874.................... 970:599
1875.................... 1.019:052
1876.................... 1.000:182
1877.................... 1.029:683
1878.................... 1.100:512
1879.................... 1.161:649
1880.................... 1.313:829
1881.................... 1.444:055
1882.................... 1.420:344
1883.................... 1.484:020
1884.................... 1.488:685
1885.................... 1.444:342
1886.................... 1.419:901
1887.................... 1.467:630
1888.................... 1.468:446
1889.................... 1.516:927
1890.................... 1.662:801
1891.................... 1.669:184
1892.................... 1.735:367
1893.................... 1.642:366
1894.................... 1.539:395
1895.................... 1.549:045
1896.................... 1.594:971

Na França, como disse, o consumo de alcool é de 234.000:000$000 réis por anno e na Inglaterra réis 475.000:000$000 numeros redondos.

Por mais que se tenha querido restringir o consumo do alcool, por mais propaganda que se faça, o consumo do alcool, em vez de diminuir, augmenta.

Isto é entre os brancos, nas nações civilizadas, onde se tem feito uma propaganda enorme contra o uso das bebidas alcoolicas, mostrando os perigos que d'ahi resultam; o que será entre a raça preta que está costumada a esta bebida, que é quasi uma necessidade da sua organização?

E o alcool não é tão nocivo como muita gente suppõe; o que é nocivo é o alcool mau e a grande quantidade que se ingere.

Diz-se, no livro a que me referi, o seguinte:

" Certamente o alcoolismo provém menos do abuso no consumo do que das impurezas contidas nas bebidas consumidas: alcooes superiores (prophyhco, butylico, amy-lico, etc.), aldehydes, furfurol, etc.

Quanto ao alcool etylico não exerce sobre o organismo senão uma influencia passageira, quasi isenta de perigos".

A embriaguês causada por este alcool passa muito depressa, e não é prejudicial senão quando se abusa d'elle.

Agora, o alcool impuro, sim, mas bebido em grande quantidade. Mas isso, Sr. Presidente, até a agua, se a gente beber demais, faz mal. Tudo quanto for em excesso é perigoso. (Apoiados).

Vou rapidamente dizer o mais que tenho a dizer sobre tão importante assumpto.

Vou agora expor á Camara as phases por que tem passado a legislação relativa ao alcool, na França, Inglaterra, Allemanha, Estados Unidos, Italia, e noutros paises, para que a Camara veja que não obstante todas as medidas repressivas, todos os augmentos de impostos, não teem conseguido resolver o problema.

Em 1885 o imposto sobre o alcool em França rendeu na sua totalidade para o Estado 238.333:669 francos, que ao cambio normal de 180 réis dá 42.900:000$000 réis proximamente.

A esta verba deve ainda juntar-se o producto do imposto de licença, de sêllo, de desnaturação, de sobretaxa sobre os vinhos alcoolizados e de alfandega, producto que attinge proximamente 20.000:000 francos.

Alem d'isso ha ainda os direitos do real de agua, lançados pelas camaras municipaes, que representam uma somma approximadamente igual. É pois uma somma de 278.000:000 a 280.000:000 francos que o imposto do alcool faz entrar nas caixas do Thesouro, e das camaras municipaes, o que vem a ser 50:000 a 50.400:000$000 réis ao cambio de 180 réis.

Vejamos agora o que succede na Allemanha:

Em 1885 produziu 3.815:497 hectolitros, de que 766:296 foram exportados.

O rendimento liquido do imposto foi de 65.291:000 francos ou 11.752:380$000 réis ao cambio de 180 réis.

Este rendimento foi reputado insignificante em virtude dos rendimentos consideraveis que os estados vizinhos tiram do alcool.

Em 1896 foi proposto ao Reichstag um projecto de monopolio, que devia dar ao imperio 378.000:000 francos ou 68.000:000$000 réis proximamente.

Inglaterra:

Em 1895 o imposto de fabricação do alcool foi de 477,19 francos o hectolitro.

Apesar da taxa ser tão elevada, o consumo tem augmentado consideravelmente desde 1860, em que o imposto foi elevado de mais de 90 francos por hectolitro. De 630:000 hectolitros em 1862, passou a perto de 1.100:000 hectolitros em 1875-1876.

As quantidades fabricadas ou importadas em 1885 fo-

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24 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

ram de 1.283:915 hectolitros e o imposto produziu 4.381.085:000 francos, que é igual a 82.455:300$000 réis, a que deve juntar-se ainda a quantia de 40.624:000 francos ou 7.314:220$000 réis , correspondentes aos direitos de licença que são muito elevados.

0s direitos totaes são , pois, de 498.709:000 francos, igual a 89.767:620$000 réis.

Estados Unidos:

Em 1817 supprimiu todo o imposto sobre bebidas alcoolicas. Em 1862,
na occasião da guerra da successão estabeleceu o imposto de 51,52 francos por hectolitro de alcool puro.

Em 1864, foi elevado a 157,57 francos e depois ainda a 545,26 francos.

Em vista de imposto tão elevado, as fraudes e o contrabando tornaram-se tão intensas, que o país e até o proprio Governo pareciam affectadas de corrupção e de desmoralização.

Em 1868 o imposto foi reduzido a 136,30 francos.

Em 1872 foi elevado a 190,84 francos e em 3 de março de 1875 foi ainda elevada a taxa a 245,36 francos por hectolitro de alcool puro.

Em 1875 o imposto rendeu 270.821;000 francos ou 48.747:780$000 réis.

Italia:

No relatorio do sr. Busca, Director Geral das Alfandegas e Contribuições directas. Lê-se o seguinte:

" A receita do alcool em 1897 elevou-se a 28.869:000 Lira , que é igual a 5.196:420$000 sendo a lira igual ao franco e este ao par de 180 réis. A legislação italiana dos alcooes abona de facto a totalidade do tributo ao alcool que se exporta para o estrangeiro e ao que é adicionado, na presença dos agentes fiscaes, aos vinhos communs, aos mosios e ás frutas que nelle saem de infusão, assim como ao que é exportado em forma de cognas, e abona 90 por cento do imposto do alcool que é exportado em natural e 50 por cento no que é empregado no fabrico de vinagres.

Falta-me ainda, Sr. Presidente, mostrar- á Camara qual é a taxa do imposto do alcool nos diversos paises.

Assim:

1.° Na Inglaterra a taxa é de... 447,19 fr. Por hectolitro
2.º Na Russia a taxa é de....... 260,54 " "
3.º Nos Estados Unidos a taxa é de 245,36 " "
4.º Nos paises Baixos a taxa é de 252 " "
5.º No Canadá a taxa é de.......... 240 " "
6.º Na Noruega a taxa é de... ..... 187,40 " "
7.º Na Franca a taxa é de.......... 156,25 " "
8.º Na Italia a taxa é de.......... 150 " "
9.º Na Suecia a taxa é de. ........ 145 " "
10.ºNa Finlandia a taxa é de....... 92 " "
11.ºNa Belgica a taxa é de.......... 74,75 " "
12.ºNa Allemanha a taxa é de........ 39,91 " "
13.ºNa Dinamarca a taxa é de........ 26,80 " "
14.ºNa Austria -Hungria a taxa é de 26,75 "

Como no vê, Sr. presidente, estas taxas são mais ou menos elevadas nos diversos paises que acabo de citar e no entanto o consumo em vez de diminuir, como era de suppor, teem aumentado.

Como é, pois, que o Sr. Ministro da Marinha, com estes exemplos, succedidos nos paises civilisados, imaginou que ha de prohibir o preto de beber aguardente para consumir o nosso vinho?

Para S. Ex.ª evitar o consumo do alcool na raça negra ha de ter enormes difficuldades e ha de ser necessaria uma rigorosa fiscalização, que eu reputo quasi impossivel realizar em regiões tão extensas.

Quero tambem mostrar á Camara qual o consumo de alcool, por habitante, nos diversos paises

Litros
1 Dinamarca............... 8,85
2 Allemanha............... 8,25
3 Suissa................... 5
4 Hollanda................ 4,85
5 Belgica................. 4,20
6 Suecia.................. 4,15
7 Franca.................. 3,85
8 Austria-Hungria......... 3,50
9 Russia.................. 3,32
10 Hespanha................ 3
11 Finlandia.............. 2,6O
12 Estados Unidos......... 2,50
13 Inglaterra............. 2,49
14 Canadá................. 1,95
15 Noruega................ 1,75
16 Italia................. 1,04

Quasi todos os paises tiram uma receita bastante elevada do imposto sobre as bebidas alcoolicas.

Darei apenas alguns exemplos em abono da minha asserção:

A França........ 280.000:000 francos 50.400:000$000
A Allemanha..... 378.000:000 " 68.040:000$000
A Inglaterra.... 498.000:000 " 89.767:000$000
Os Estados Unidos 400.000:000 " 72:000:000$000
A Russia em 1895 - - 109.800:000$000
A Hollanda em l895 - - 4.220:000$000
A Belgica em 1895 - - 4.860:000$000

Não continuo, Sr. Presidente, porque o tempo não me permitte dar o devido desenvolvimento a estes assumptos, que requeriam uma larga explanação.

Quis com isto apenas mostrar as difficuldades praticas em que se ha de ver o Sr. Ministro da Marinha para executar a doutrina do seu projecto. O alcool é uma necessidade da raça negra, como é o uso das gorduras para os povos do norte, o caril para os povos da índia, as pimentinhas para os povos equatoriaes da America do Sul, o opio para os chineses e o tabaco para os povos da nossa raça.

Parece-me que, ainda que o Sr. Ministro da Marinha exerça a mais rigorosa fiscalização e imponha as penas as mais severas, não conseguirá o que deseja; prohiba S. Exa. e veja se consegue!...

Ao norte do Save regula outro regime; o preto vae dar o seu passeio para o outro Lado do rio e lá toma a sua carraspana! (Riso). Em vez de trazer o alcool na vasilha, trá-lo no bucho! (Riso). Assim como os nossos artistas, quando querem beber vinho bem e barato vão á Outra Banda e voltam replectos, o mesmo acontece nos do Santarem, que vão beber vinho a Ahmeirim; os de Valença, que vão a Tuy; os do Villa Real a Ayamonte, e assim os pretos do sul do Save hão de atravessar o rio e ir ao norte d'aquelle rio replectar-se com o alcool.

Mas a minha duvida ainda é outra:

Como se ha de exercer fiscalização num percurso tão extenso como é o do rio Save, que deve ter mais de 300 kilometros de extensão? Está a parecer-me que este projecto é musica celestial como o tal projecto de se consumirem 50.000:000$000 réis de vinho na nossa Africa, e de se poderem consumir em Moçambique 72:000 pipas de vinho.

Oxalá que isso possa succeder.

Ninguem estima mais do que eu que os calculos do Sr. Ministro da Marinha não falhem.

Sr. Presidente: diz-se, ahi á boca cheia e tenho lido nos jornaes na apreciação que teem feito d'este projecto que é preciso que Portugal não explore as suas colonias!

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O país, Sr. Presidente, tem feito grandes sacrificios para manter e desenvolver as suas colonias e não é justo que aquelles que lá teem interesses digam que Portugal explora as colonias!

Podia dizer-se exactamente o contrario.

Uma grande parte da nossa divida tem sido contrahida para fazer face ás despesas com as nossas colonias.

É de justiça que as colonias auxiliem a metropole, e é bom que fique dito aqui no Parlamento que a metropole não tem deixado de fazer todos os sacrificios pelas suas possessões ultramarinas.

Basta dizer o seguinte: é que nos ultimos annos desde 1870-1871 a 1900-1901 a metropole tem gasto com as suas colonias mais de 56.115:000$000 réis em diversos subsidios a companhias, em deficits coloniaes etc., e não é justo que se diga que Portugal não tem auxiliado as colonias, e que ellas não devem auxiliar a metropole.

É isto que eu desejo affirmar bem claramente, depois do que vi na imprensa e que me causou uma grande impressão.

Eu tenho aqui, para apresentar á Camara, diversos alvitres, que me parece que, sendo adoptados, ajudarão a resolver a crise que nos assoberba e se não os puder apresentar e fazer as devidas considerações, mandá-los-hei por escrito.

Mas disse eu, Sr. Presidente, que temos gasto desde 1870-1871 a 1900-1901 com as nossas colonias mais de 56.000:000$000 réis.

É bom discriminar as verbas, para que se fique sabendo a verdade do que affirmo.

Importancias pagas como garantia de juro á Companhia Real dos Caminhos de Ferro Através de Africa, desde 1889 até 31 de dezembro de 1901..6.406:953$435

Importancias pagas como garantia de juro á Companhia dos Caminhos de Ferro de Mormugão, desde 12 de maio de 1881 até 31 de dezembro de 1901 3.241:722$592

Importancias pagas como garantia de rendimentos á Companhia do Cabo Submarino até Loanda, desde dezembro de 1885 até 30 de junho de 1901 2.723:307$396

Importancias pagas á Companhia do Cabo Telephonico para Moçambique, desde 1880 até 31 de dezembro de 1900............................. 412:500$000

Despesas ultramarinas realizadas na metropole e pagas pelos cofres do reino nos exercicios de 1870-1871 a 1900-1901.................... 43.357:885$527

Somma ........ 56.615:368$950

Parece-me portanto, Sr. Presidente, que está bem provado o que affirmei.

É portanto justo que as nossas provincias ultramarinas nos auxiliem tambem, cooperando para debellar a crise dos nossos vinhos.

É verdade que algum vinho consomem já as nossas provincias ultramarinas.

Assim, em 1894, antes do decreto de 25 de abril em que o vinho começou a pagar l real por litro, exportamos para a nossa Africa Oriental (Moçambique) a seguinte quantidade de vinho:

Antes do decreto:

Litros

1894.......................... 873:080
1895.......................... 1.654:570
1896........................... 2.532:300
1897......................... 3.928:500
1898........................... 4.970:870
1900........................... 6.228:330

ou 12:456 pipas de 500 litros.

Exportação para a Africa Occidental;

Antes do decreto:

1894............................. 3.044:200
1895............................ 3.652:360
1896........................... 3.103:340
1897............................ 3.397:090
1898............................ 3.460:110
1900............................ 3.901:490

Ou seja em 1900 um total para as duas provincias da Africa Oriental e Occidental de 10.129:820 litros, o que dá 20:260 pipas de 500 litros.

Assim em 1900 os vinhos recebidos nas colonias foi:

Litros Valores

Angola....................... 3.901:490 300:430$000
Cabo Verde.................. 454:740 36:718$000
Guiné....................... 270:870 21:963$000
S. Thomé..................... 1.629:310 99:289$000
Moçambique................... 6.288:330 478:174$000
12.484:574 936:574$000

Muitos e diversos alvitres tenciono apresentar e que me parece serem conducentes a attenuar a crise.

Um d'elles é os tratados de commercio.

Ha quem affirme que não vale a pena fazer tratados de commercio com a França, porque tendo este país vinho em abundancia e lutando com uma crise parecida com a nossa, não viria procurar os nossos productos; peço licença para discordar d'esta opinião e vou dizer em que me fundo para fazer tal affirmação.

Sr. Presidente: sabe V. Ex.ª que a França consumiu já muitos dos nossos vinhos, e a quem diz que a França tem vinhos em excesso, eu responderei que ella os tem efectivamente, mas para consumo proprio, porque, são vinhos baixos, de 6 ou 7 graus, que não servem para exportação, e que, por consequencia, aquelle país tem de importar vinhos de maior graduação, com mais corpo, para lotar com os seus, e dar-lhe os typos a que os seus mercados estão habituados.

No relatorio do Sr. Jayme Séguier, nosso consul em Bordeus, e publicado no Boletim Commercial, de janeiro de 1900, pag. 61, lê-se o seguinte:

"É um erro, pois, o affirmar, como tantas vezes o leio, mesmo em certos orgãos exclusivamente vinicolas, que a França já vive sobre si e prescinde de vinhos estrangeiros.

A França precisa e precisará sempre de vinhos robustos de elevado grau alcoolico e côr sanguinea, para com elles avigorar, colorir e tonificar os vinhos fracos e palidos que produz em quantidades sempre Crescentes, e que, sem esse tratamento, nem são vendaveis, nem se podem conservar.

Esses vinhos, de forte compleição, teem de se pedir ao estrangeiro. O sen solo não os dá.

Basta enunciar esta asserção, incontestada pelos proprios franceses que conhecem o assumpto para demonstrar a possibilidade de tornarmos a encontrar neste pais o bom freguês que perdemos, em parte por nossa culpa, em parte pela força das circumstancias.

Para que este desideratum se verifique são, porem, necessarias duas condições, que, tanto uma, como a outra, nada teem de irrealizavel.

A primeira é obtermos aqui para os nossos vinhos o

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mesmo tratamento fiscal que é concedido aos vinhos hespanhoes.

A segunda é produzirmos realmente muito vinho, de forma que essa abundancia de producção determine baixa nos preços e nos permitta competir em igualdade da circunstancias com os vinhos hespanhoes neste mercado.

Ocioso é notar que, sem que esta segunda condição se realize, as vantagens da primeira serão completamente ilusorias".

Sr. presidente : parece-me ter firmado a minha opinião numa outra bem auctorizada que, vivendo no centro dos acontecimentos, conheço a fundo a questão.

Mas temos ainda as informações do mesmo Sr. Jayme séguier, que veem publicadas no Boletim Commercial, de fevereiro de 1902, pag. 04, e trasladadas do Figaro, de 31 de dezembro de 1901.

Diz o seguinte:

" Aconteceu que os vinhos franceses - é sobretudo dos vinhos do Meio Dia que pretendo falar - deixaram de se vender de todo, e que longe de realizarem os lucros esperados, os viticultores se vêem ameaçados de ruina certa e profunda.

Mas por que houve esta interrupção imprevista Havendo? Porque esse vinhos, geralmente fracos em grau e carecendo de corpo, eram facilmente melhorados, fortalecidos pelos vinhos hespanhoes, o que permittia aos negociantes franceses, que possuiam uma grande freguesia na America do Sul, expedi-los para lá. E não podem hoje fazê-lo porque, segundo o parecer de todos os homens competentes, os vinhos do sul da França não podem supportar tão larga viagem".

Por tudo isto se vê que o mercado francês não está, como se propala, fechado aos nossos vinhos.

Portugal não pode mandar para ali vinhos por uma razão muito simples : porque nós pagamos 25 francos por hectolitro e as outras nações pagam 12 francos. Na Allemanha succede o mesmo.

Na Allemanha paga o nosso vinho 25 marcos por hectolitro de direitos e os outros paises 10. Differença contra nos 14 marcos, ou seja proximamente 4$000 réis ao cambio actual. Nestas circunstancias não podemos competir com ou outros paises. Posso affirmar que diversos negociantes portugueses ainda este anno tiveram encommendas de vinho tinto para França, Bordeus e Paris.

Uma só casa teve de encommenda 20:000 pipas de vinho, o que já é importante, mas com a condição de que o direito fosse igual ao dos outros paises, e isto liquidava por 500 réis os 17 litros ao proprietario, o que já era razoavel, visto que o preço que se tem obtido é de 350 réis os 17 litros era media. Por consequencia, nós podemos mandar vinho para França, mas com a condição de pagarmos os mesmos direitos do que as outras nações.

Isto não é invento meu, como acabei de demonstrar e como se deduz dos relatorios do Sr. Jayme Séguier.

No meu entender o Governo deve fazer o seguinte: deve dar premio de exportação, desde já até ao fim de 1903, de 3$000 réis por hectolitro para França e 4$000 réis para a Allemanha, rodeando-se esta concessão das precisas cautelas para evitar abusos e provar que os vinhos vão realmente para aquelles dois paises. O Governo indemnizará assim os exportadores do differencial que lá pagam, collocando-os em absoluta igualdade com os hespanhoes e italianos. Se o nosso vinho não fôr acceite, o Governo não tem nada a perder; e se o vinho fôr acceite mostra então que o tratado do commercio era vantajoso. É preciso tratar d'isto a serio, porque a crise é das mais graves que o país tem atravessado. (Apoiados).

Sr. Presidente : os tratados do commercio terminam em 1903, e nós não fizemos ainda nada, que eu saiba, para os renovar; portanto, parece-me que isto é grave, e que se deve estudar com todo o afinco este problema. A Italia, Hespanha, França e Allemanha já estão estudando a forma de renovar os tratados do commercio que terminam em 1903. E nós o que fazemos? Deixamos tudo para a ultima hora, como é o nosso costume.

Para que a Camara possa ver que a França, apesar da sua abundancia de vinho, ainda importa grandes quantidades dos diversos paises vinicolas, vou mostrar o que diz o Sr. Sebastião Centeno, nosso consul no Havre, e que vem publicado no Boletim Commercial, de outubro de 1901.

Os vinhos de pasto, importados em cascos, foram:

Hectolitros Francos

1898.......................... 8.158:086 261.058:752
1899.......................... 8.067:064 225.877:792
1900.......................... 4.807:678 134.614:984

Os paises importadores foram os seguintes:

1898 1899 1900

Hectolitros Hectolitros Hectolitros

Argelia............... 3.278:457 4.653:219 2.238:498
Hespanha.............. 4.716:753 3.170:306 2.191:012
Italia............... 12:399 48:673 82:912
Portugal............. 2:053 814 486
Tunis............... 79:498 91:617 33:678
Paises diversos...... 68:935 102:535 161:092
8.158:086 8.067:064 4.807:678

Por aqui se vê que ainda em 1890 a França importou, só de vinhos de pasto, perto de 5.000:000 hectolitros. Uma grande parte d'esta importação podia ser nossa, se estivessemos a par das nações mais favorecidas.

Sr. Presidente: a crise é grave, e agora que Catilina bate ás portas de Roma, é que estão afflictos para resolver este problema.

O Governo ao subir ao poder nada fez, nada providenciou, procedeu como se ignorasse que a crise já era temerosa e tendia a aggravar-se.

Dormiu sobre o caso e agora é que se vê afflicto.

O Sr. Ministro das Obras Publicas tem feito o que tem podido, á ultima hora, como por exemplo, tratou de mandar vinhos para Cuba, para ver se lá podia agradar e obter grande consumo.

Foi uma tentativa que se deve applaudir.

Fez S. Exa. muito bem, mas os resultados parece-me que não serão os que S. Exa. espera.

Sei de uma casa que mandou para Cuba uma remessa de vinho em maio de 1901. Essa remessa foi de 80 pipas ; pois até agora, em 3 de abril, quando recebeu noticias, só estavam vendidas 55 pipas.

Não se vendeu ainda todo, não porque não fosse bom, mas porque era caro, em concorrencia com o vinho hespanhol. Mandava-se lá vender, para liquidar, a 27 réis o litro na propriedade, o que dá 460 réis os 17 litros, o que é muito barato, porque é necessario que seja um vinho muito bom.

O que é preciso, pois, é empregar meios de transporte ser mais barato (Apoiados), pois do contrario todas as tentativas serão infrutiferas.

Precisamos de marinha mercante nacional, que leve os nossos vinhos a outros paises, affirmando tambem assim a nossa bandeira e a nossa nacionalidade.

Lamento que a tentativa que S. Exa. fez, mandando os vinhos para Cuba, não dê o resultado desejado, mas comtudo felicito-o pela sua ideia e por tudo quanto o Governo fizer, ainda que tarde, para attenuar este estado lastimavel da nossa viticultura.

O Sr. Presidente:- Passou a hora regimental, o il-

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lustre Deputado tem mais um quarto de hora para as suas considerações.

O Orador: - Sigo rapidamente nas minhas considerações, ainda que o assumpto é de summa importancia, e, como a Camara vê, não tenho feito divagações, e parece-me que mostro ter estudado.

Era de uma grande conveniencia fazer, como já disse, um tratado com a França, podendo nós, nesse caso, favorecer algumas das industrias d'essa nação, para ella nos dar o tratamento de nação mais favorecida com respeito ao vinho.

Tenho aqui uma relação, que vou ler á Camara, de varios productos franceses, que nós recebemos e cujos direitos podiam ser diminuidos sem que as industrias nacionaes soffressem.

E mesmo que algumas soffressem, alguma cousa é necessario sacrificar, para salvar a nossa primeira fonte de riqueza. (Apoiados).

Sr. Presidente: nós importamos de França artigos, uns que não se fabricam no nosso pais, outros que teem tido um pequeno desenvolvimento, em que podiamos diminuir os direitos sem grande prejuizo para o pais.

Direitos da pauta

Plumas, flores artificiaes, fitas de qualquer tecido..... 15$000 kilogramma
Artigos para fabricação de flores........................ 30% ad valorem
Chapeus de sol de seda................................... 1$200
Seda em obra............................................. 7$500 o kilogramma
Gravatas e mantinhas puras ou mixtas .................... 13$500 "
Tela e obra de malha e ponto de meia..................... 7$000 "
Tecidos de seda, puros ou mixtos, em obra não especificada, o triplo do direito que competir ao tecido de que for feita, ou.............. 25$500 "
Lenços de seda pura...................................... 5$000 "
Chales................................................... 9$000 "
Veludos e pellucias...................................... 7$000 "
Calçado de tecido de seda, ou mixta...................... 2$000 "
Calçado de coiro, botas ou polainas de pelles, com cano de altura de 30 centimetros.............................................. 2$500 "
Calçado não especificado, com sola de coiro.............. 1$500 "
Pellicas................................................. 1$200 "
Pelles, ou coiros curtidos, amarroquinados e marroquinos, etc.600 "

Sr. Presidente: valia a pena experimentar se a França acceitaria ou não um tratado nestas condições, favorecendo assim os nossos vinhos.

Se ella não acceitasse, nada se perdia, se acceitasse tirariamos grandes resultados e ficavamos a par das outras nações.

Uma outra cousa, para que deviamos olhar, era para o tempero dos nossos vinhos, e portanto para a questão das nossas aguardentes.

Se os nossos vinhos, tanto licorosos como de pasto, fossem temperados apenas com aguardente de vinho, os vinhos fracos teriam um grande consumo.

Os alcooes industriaes, poderiam ser destinados só para os usos industriaes e o de vinhos só para tempero dos vinhos.

Tenho aqui uma nota dos lucros verdadeiramente fabulosos que teem obtido os productores do alcool industrial, relativos a 1899.

Alcool da batata doce nos Açores:

10 kilogrammas de batata produzem l litro de alcool :

10 kilogrammas de batata custam........... 80 réis
l litro de alcool vende-se por............. 240 "
Despesa de fabricação.................... 22 "
Imposto ao Estado....................... 70 "
Custo da batata.......................... 80 "
Transporte para Lisboa.................. 6 "
178

204 -178 réis = 62 réis

É este o lucro liquido ou 34,8 por cento por litro.

A producção do alcool nos Açores proveniente da batata doce foi no anno de 1898-1899 de 7.447:645 litros; a 62 réis de lucros por litros dá 461:753$990 réis

Foi este o lucro liquido que tiveram os industriaes de alcool da batata doce dos Açores.

Veja a Camara como estes potentados teem sido favorecidos, e como teem sido sacrificados os interesses do pais, em seu beneficio. (Apoiados).

Sr. Presidente: o nosso país podia consumir realmente mais vinho do que consome, mas em Lisboa, por exemplo, os direitos são tão elevados que o vinho não pode ficar barato.

Devia-se diminuir o imposto do consumo em Lisboa sobre o vinho, assim como se quer transformar o real de agua em imposto de licença, o que eu applaudo.

Então é crivel que na capital do pais, os vinhos paguem uma exhorbitancia de imposto de consumo muito superior ao valor do producto, quasi o dobro ? É bom que a Camara saiba quanto rendeu o imposto do consumo em Lisboa, só dos vinhos e vinagres nos annos que vou indicar :

1890..................... 1.094:614$391
1891..................... 1.032:825$882
1893...................... 997:291$749
1894..................... 881:158$130
1895..................... 891:120$812
1896..................... 1.036:336$178
1897...................... 1.092:809$362
1898..................... 1.041:441$700
1999..................... 1.064:675$347
1900..................... 1.136:185$307

Os estrangeiros poderão dizer: "Se os senhores na capital do seu pais vinicola, sobrecarregam o vinho com taes direitos como querem que nós os aliviemos".

Se o imposto do consumo diminuisse, não temporariamente, mas permanentemente, o consumo dos vinhos havia de augmentar muito.

Uma outra medida que devia ser adoptada. Era dar em vez de café uma ração de vinho aos nossos soldados como se dá aos nossos marinheiros.

No Parlamento Francês, por occasião de se discutir o Orçamento, a Camara augmentou a verba destinada ao vinho aos soldados em 4.683:000 francos igual a réis 842:940$000.

Sr. Presidente: a industria do vinho é a primeira industria do país.

Basta notar nos annos abaixo indicados as quantias importantes que produziu a exportação d´este producto:

1885..................... 14.831:191$000
1886..................... 16.972:416$000
1887..................... 11.416:271$000
1888..................... 12.985:740$000
1889..................... 12.456:831$000
1890..................... 10.835:931$000
1891..................... 11.262:905$000
1893..................... 13.256:882$000
1894..................... 9.849:902$000
1895..................... 11.416:402$000
1896..................... 11.130:570$000

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28 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

1897...................... 10.463:106$000
1898..................... 11.665:640$000
1899..................... 10.914:002$000
1900..................... 10.629:000$000
1901..................... 9.733:000$000

DE 1880 a 1890 falta ainda o valor do sarro e da borra.

Parece-me que vale a pena, em vista d´esses dados, fazer todos os esforços para manter e conservar em todo o possivel desenvolvimento esta industria.

A seguir vem logo, mas com uma differença sensivel a exportação da cortiça.

Essa exportação foi de:

Em 1893.................. 2.991:169$000
Em 1894.................. 3.064:489$000
Em 1895.................. 3.668:693$000
Em 1896.................. 3.649:901$000
Em 1897.................. 3.709:775$000

Passo agora a occupar-me de outro assumpto que julgo de summa importancia.

O projecto probibe, ou impõe um direito tão elevado que é prohibitivo o consumo em Africa de vinhos do Porto transportado em vasilhas; teem de ir em garrafas se o quiserem beber.

Acho perigoso e gravissimo lançar por esta forma uma suspeita sobre um producto tão importante, como é o vinho do Porto. (Apoiados).

Os estrangeiros poderão dizer que se nós mandamos para as nossas colonias vinho do Porto só em garrafas, é porque o vinho em vasilhas costuma ser falsificado. (Apoiados).

Portanto, vae-se lançar um labeu de suspeição sobre os vinhos do Porto e não se remedeia nada, como vou provar. Alem d'isso, a principal exportação do nosso vinho é o do Porto, e se somos nós que o vamos desacreditar, prohibindo que elle se beba nas nossas colonias, parece-me gravissimo:

A exportação do vinho do Porto foi a seguinte:

Valores

Pipas Contos de réis

1893............................... 51:856 5:962
1894.............................. 48:216 5:416
1895.............................. 54:500 6:344
1896.............................. 56:912 6:205
1897............................... 56:198 5:860
1898.............................. 52:866 6:456
1899.............................. 55:832 5:700
1900.............................. 55:062 5:739

Como se vê, a exportação d'este vinho tem-se conservado estacionaria, com excepção do anno de 1892 em que se comprou uma grande partida de vinhos do Porto que foi levada para Londres, para com o seu producto pagar a prata que se comprou.

Neste anno de 1892, que foi, como digo, excepcional, a exportação foi de 72:584 pipas no valor de 7.714:000$000 réis.

Um seculo atrás, de 1795 a 1799, a exportação dos vinhos do Porto orçava por 50:000 pipas.

Vê-se, portanto, que durante um seculo não tem havido sensivel augmento na exportação d'estes vinhos. O Sr. Ministro não quer deixar ir para as nossas possessões vinho em vasilhas com graduação superior a 17 graus e como os vinhos do Porto teem o minimo de 21 a 22 graus, os outros paises se fizerem o mesmo, não se poderá para lá exportar.

A graduação limite para a Allemanha do vinho do Porto e outros até 22 graus, é de 24 marcos por 100 litros.

No novo projecto das pautas que o Governo da Allemanha propôs, vem:

Vinhos até 14° ...... 24 marcos por 100 litros
Vinhos até 20° ...... 30 marcos por 100 litros
Acima de 20° ......... 160 marcos por 100 litros

Tendo os nossos vinhos do Porto o minimo de 21 a 22 graus, se vingar esta pauta, não podemos mais mandar estes vinhos para aquelle país.

Mas pagando o vinho até 22 graus, 24 marcos por 100 litros, e valendo o marco 223 réis ao cambio normal, segue-se que os 100 litros do vinho pagam 5$352 réis.

Os mesmos 100 litros d'este vinho ficam a pagar na nossa Africa, 20$000 réis. (Apoiados).

Veja V. Exa. se isto é razoavel. (Apoiados).

As taxas estabelecidas pela nova pauta allemã para os nossos vinhos, são taxas prohibitivas. Os nossos vinhos do Porto não podem encontrar lá mercado.

Se os vinhos acima de 20 graus ficarem a pagar 160 marcos, o que equivale 35$680 réis os 100 litros, aquelle mercado fica-nos fechado. (Apoiados).

Portanto, vê V. Exa. que todos estes paises tratam de se acautelar, porque já teem vinhos de typos aproximados ao do nosso typo Porto.

O limite da escala alcoolica nos diversos paises para o vinho é o seguinte :

Graus

Para a Belgica o limite é de ............ 23,9
Para o Brasil o limite é de ............. 24
Para os Estados Unidos .................. 24
Para a França ........................... 22
Para a Hollanda ......................... 23
Para a Inglaterra ....................... 23
Para a Noruega .......................... 23
Para Canadá ............................. 22

Porque ha de ser, em vista d'estes exemplos, o limite nas nossas provincias ultramarinas de 17 graus?

Sendo os vinhos do Porto em toda a parte com esta graduação que acabo de enumerar, é um bote nestes vinhos não permittir que vão em cascos com graduação acima de 17 graus.

No Ministerio dos Negocios Estrangeiros ha relatorios e trabalhos dos nossos consules, ha mais do 150 annos, em que se prova que o vinho do Porto com esta graduação é uma bebida hygienica, confortante, reconstituinte e salutar, que até é recommendado para os doentos. Agora se o Sr. Ministro tem receio de que em vez de vinhos do Porto mandem aguardente corada, isso é outro caso.

Mas eu creio que não ha ninguem, por menos conhecedor que seja dos vinhos do Porto, que não distinga este vinho da aguardente corada.

O vinho do Porto engarrafado fica pagando em Moçambique 10 réis por litro ou garrafa.

Uma pipa de vinho do mais barato, de 550 litros, calculando a 60 réis o litro, que é o mais baixo com que se pode fazer vinho do Porto, fica, posto em Africa, pelo preço seguinte:

433l,9 de vinho de 7 graus, porque tem 12 graus, mas 5 de assucar, fica para desdobra com o alcool, a 60 réis o litro, que é, como disse, o mais barato que se pode obter, dá:

Réis

433',9X60 réis ............................. 26$036
116',1 de aguardente X 170 réis ........... 18$575
550`0 44$610

Casco ..................................... 12$000
Frete ..................................... 14$000
Lucro do exportador 15%.................... 10$640
81$250

Direitos pelo projecto a 200 réis por litro 110$000

Ficam os 550 litros nos cascos postos em Moçambique,
por .................. 191$250

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SESSÃO N.° 52 DE 10 DE ABRIL DE 1902 29

Vejamos agora porquanto fica uma pipa de vinho do Porto, do porto barato, engarrafado, ao sul do Save:

Vinho...................... 44$610

Engarrafamento de 64 duzias de garrafas, que é quanto dá uma pipa de 550 litros a 850
réis a duzia............... 54$400
Frete...................... 53$760
Lucro do negociante........ 10$640
Direitos de 64 duzias de garrafas a 10 réis
cada uma................... 7$680
171$090

Para o preço por que fica o vinho em cascos... 191$250

A mais............. 20$160

Supponhamos agora que o vinho ia em cascos, em vez de garrafas, pagando 14 réis por litro, em vez de 10 réis :

Custo do vinho............................ 81$250
Direitos de 550 litros a 14 réis.......... 7$700

Somma................. 88$950

Para 171$090 réis, preço por que fica o mesmo vinho engarrafado................................ 171$090
82$140

Quer dizer: uma pipa de vinho do Porto engarrafado fica em Africa por 171$090 réis.

O mesmo vinho em cascos, pagando 14 réis de direitos, em vez de 10 réis, e lucrando o Governo de direitos 4 réis em litro, ou 2$200 réis em pipa, fica por 88$950 réis.

Parece que não havia que hesitar.

O vinho do Porto podia ser exportado em maior quantidade, ser vendido mais barato, e o Governo tirar maiores lucros.

A unica objecção que se pode apresentar é de que poderá nos cascos ir aguardente a 22° em vez de vinho do Porto.

Mas então, pergunto eu: Que analystas, que provadores, que fiscalizadores tem o Governo, que não distinguem vinho do Porto da aguardente? A meu ver, este argumento não é procedente. Só se ha outros motivos que não são conhecidos.

Proponho, portanto, que o vinho do Porto em cascos até 23° pague 14 réis por litro, em vez de 200 réis, como está no projecto.

Prova-se ainda por outro modo que o Estado não é lesado nos seus interesses, se deixar ir o vinho do Porto em cascos pagando 14 réis em litro, em vez de ir em garrafas pagando 10 réis.

Demonstração:

Qual será a quantidade x de vinho a 23° que corresponde a 550 litros de vinho a 17o?

Temos x litros de vinho X 23° de alcool = 550'X 17

X = 550 X 17-23 ou x =406,5.

406',5 de vinho X 14 réis de direitos.....= 5$691 réis
550', de vinho X 10 réis de direitos.....= 5$500 réis

Vê-se, portanto, por uma maneira clara e inilludivel que o Governo não é desfalcado nos seus interesses, e, portanto, não ha motivo algum para não acceitar a emenda que proponho.

No prejuizo que possa causar ao preto, tambem não, se por acaso ella beber este vinho, porque em toda a parte o vinho do Porto é uma bebida salutar.

Vejamos agora o que succede se em Africa, ao Sul do Save, quiserem reforçar uma pipa de vinho de 17º para 22° addiccionando-lhe aguardente,

Vinho ao sul do Save:

Uma pipa de vinho de 550 litros, com a força alcoolica de 17°, posto ao sul do Save, custa:

508,4 litros de vinho de 12° a 25 réis........12$710
41,6 litros de aguardente de 70° centesimaes
550,0 a 160 réis...............................6$670

Casco ........................................12$000
Frete.........................................12$600
Lucro do negociante, 15 por cento..............6$600
Direitos de entrada............................5$500

56$080

Supponhamos agora que em Africa querem reforçar este vinho para 22°:

Temos 467 litros de vinho de 17° a 101,9 réis... 47$200 83 litros de aguardente de 50° centesimaes a 20
réis o litro................................... 1$660
Direitos de 300 réis sobre os 83 litros de aguardente..................................... 24$900

Total da pipa de vinho feito em Africa........ 73$760
O vinho do Porto encascado, pagando 14 réis por litro, fica por........................................... 88$950
Logo a diferença é de......................... 15$190

O Sr. Ministro não deixa mandar vinho do Porto de 22° em cascos, para que o preto o não beba, e deixa-se lá arranjar uma mixordia com a mesma força alcoolica de 22° e sem nenhuma das qualidades d'este vinho e 15$190 réis mais barato que o mais barato vinho do Porto que se pode obter

Vinhos ao norte do Save, Angola, Guiné e Cabo Verde:

Os vinhos do Porto engarrafados, Madeira e Moscatel, ficam pagando 4 réis por litro ou garrafa.

Supponhamos que estes vinhos encascados ficavam pagando 6 réis por litro.

Temos:

Pipa de 550 litros de 17° posta lá............... 50$580
Direitos de 4 réis por litro..................... 2$200

Somma............ 52$780

Pipa de vinho do Porto de 22° em cascos......... 81$250
Direitos de 6 réis por litro.................... 3$300

Somma............ 84$050

Vinho de 22° feito em Africa:

467 litros de 17° a 96 réis o litro............ 44$830
83 litros de aguardente a 20 réis o litro...... 1$660
550

Direitos de 126 réis o litro sobre 83 litros de aguardente a 50°............................................ 10$460
56$950
Para............. 84$550
Temos a mais.......... 27$600

Esta mixordia feita nos pontos acima indicados fica em pipa de 550 litros e mais barata do que o mais barato vi-

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30 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

nho do Porto que para lá se possa mandar a 27$600 réis.

Sr. Presidente: não se comprehende, em vista dos calculos que acabo de apresentar, e que não podem ser contestados, o motivo por que o Sr. Ministro da Marinha lança um direito prohibitivo em Africa ao vinho do Porto que para lá for mandado em cascos.

O motivo que se apresenta de que em vez de vinho do Porto podem mandar Aguardente, não colhe, porque este vinho é facilmente differençavel de outro qualquer e alem d'isso depois de tantas analyses, tantas fiscalizações, tantas provas, não é crivei que se pudesse praticar tal falsificação. (Apoiados).

Quem o fizesse teria tão grande penalidade, que certamente não se exporia a ella e a perder ainda o sou credito. (Apoiados).

O tempo aperta, Sr. Presidente, e eu tenho ainda alguns assumptos a tratar, que me parecem de bastante importancia.

Vou, pois, seguir rapidamente o que tenho a dizer, embora, tenha que desenvolver na revisão o que agora simplesmente deixo esboçado.

Sr. Presidente: disse o Sr. Reis Torgal que a analyse dos vinhos em Portugal está muito deficiente ainda, isso é perfeitamente exacto.

O mesmo acaba de demonstrar o nosso distincto collega o Sr. Rodrigues Ribeiro, nas proficientes informações que expôs á Camara.

A analyse dos vinhos está deficiente e atrasada, disse igualmente o Sr. Relator do projecto e meu amigo o Sr. Pereira Lima.

O Sr. Pereira Lima: - Peço licença a V. Exa. era dizer que não disse tal.

O Orador:- Parecia-me ter ouvido V. Exa. dizer que a analyse dos vinhos está ainda muito atrazada e que a dos lacticinios é que está adeantada; mas não vale apena insistir. Affirma S. Exa. que não disse, está muito bem.

Disse o Sr. Reis Torgal que não ha laboratorios no ultramar; mas mesmo cá na metropole, as analyses dos vinhos, quando feitas em laboratorios differentes, dão resultados tambem differentes. Se os meus collegas querem ver duas analyses de duas qualidades de vinhos, feitas cada uma em seu laboratorio, apresentando resultados que não coincidem uns com os outros, aqui as tenho.

Foi apresentado no Laboratorio de Hygiene para analysar um vinho com a marca T S A, em 14 de setembro ultimo.

O resultado foi o seguinte:

Alcool (em volume)......................... 16
Acidez total........................... 0,75
Extracto (sêcco a 100°)................. 28,85

O mesmo vinho analysado na estação chimico-agricola da região agronomica, deu o seguinte:

Alcool................................. 13,9
Acidez total.......................... 0,53
Extracto sêcco....................... 2,56

Veja V. Exa. como estas duas analyses dão resultados differentes.

Outra analyse de outro vinho com a marca T D G deu no primeiro laboratorio o seguinte:

Alcool................................ 15
Acideis total........................ 0,90
Extracto (sêcco a 100°)............. 3,105

E no segundo laboratorio:

Alcool................................ 14,85
Acidez total........................ 0,54
Extracto sêcco...................... 2,78

No segando laboratorio foram analysadas duas qualidades de vinho, que foram considerados bons:

O primeiro tinha de glycerina........... 0,98
O segundo, glycerina.................... 4,471

Veja V. Exa. que differenças tão sensíveis tão estes vinhos conforme os laboratorios onde foram analysados. A quantidade de glycerina encontrada nestes ultimos vinhos não foi introduzida fraudulentamente, mas sim era devida ao botrytes cinerea, que produz um excesso de glycerina, alem de uma outra materia viscosa, que concorre para augmentar o extracto sêcco.

Por este simples exemplo, se vê como será possivel condemnar o exportador, commerciante ou viticultor pelos, vinhos onde se encontre estas substancias, que são naturaes do proprio vinho e não porque o tivessem falsificado.

Sr. Presidente: é necessario ter toda a cautela em não desacreditar os commerciantes honrados e serios, porque isso seria grave e perigoso para a nossa viticultura, mas ao mesmo tempo é necessario perseguir sem treguas aquelle que porventura seja encontrado em fraude. O individuo que se provo ter feito uma falsificação de vinhos, alem de se lhe impor a mais rigorosa penalidade, deve ser prohibido d'ahi por deante negociar em vinhos.

Mas, para provar quão honrado é em geral o commercio português, basta examinar o resultado das analyses feitas nos laboratorios do reino dos vinhos de todos os estabelecimentos, quer de venda ao consumidor, quer nos reféns.

No relatorio de 1899 vê-se que de 24:894 analyses apenas em 51 é que se verificou que havia falsificação, mas essas falsificações não foram feitas pelos negociantes por grosso, mas sim pelos taberneiros, e a fraude consistiu em agua addicionada ao vinho.

Eu não quero que se desacredite ninguem, o que quero é que se fiscalize com todo o rigor e que se publiquem os nomes, para se saber quem é que falsifica, e que se prohibam os falsificadores de negociar em vinhos.

Sr. Presidente: eu tenho aqui uma grande quantidade de propostas que desejava analysar detidamente, mas não sei se poderei fazê-lo porque o tempo não m'o permitte. V. Exa. diz-me o tempo que me falta?

O Sr. Presidente: - Faltam apenas 3 minutos.

O Orador: - Em tres minutos não posso ler as propostas que apresento e as emendas que vou mandar para a mesa no sentido de melhorar o projecto, mas vou ler até onde puder. Se V. Exa. quisesse dar-me uma pequenina elasticidade aos 3 minutos para eu ler as propostas, muito bem; senão leio só até onde o tempo o permittir.

Providencias para melhorar a situação da viticultura e commercio de vinhos
1.° Tratados de commercio com a França, Allemanha e Suissa, para gozarmos da mesma pauta que gozam os diversos países nossos concorrentes. Iniciar sem perda de tempo os trabalhos para que desde o dia l de janeiro de 1904 tenhamos situações analogas ás demais nações;

2.° Alliviar a classe dos tanoeiros das decimas, a fim de poderem fornecer vasilhame mais barato;

3.º Baratear os fretes em todas as linhas ferreas do Estado para a cascaria cheia o transporte gratuito para a casearia vasia, quer para conduzir vinho, quer para conduzir os seus derivados;

4.° Diligenciar o abatimento nas tarifas dos transportes das diversas companhias do caminho de ferro e obter os vagons reservatorios para conducção do vinho e aguardente, como existe em diversos paises;

5.° Alcançar diminuição de transportes para a Africa Oriental e ainda para a Occidental, apesar d'este não ser muito elevado;

6.° Apposição da marca official sempre gratuita;

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7.° Isenção de direitos para garrafas pretas, verdes ou brancas;

8.° Isenção de direitos na chapa de vidro para revestimento de depositos para fabrico e conservação do vinho;

9.° Abrir concurso para a organização da Companhia Vinicola do Sul, modificando a lei de 1900, conservando as vantagens concedidas sem nenhum dos encargos, servindo de base para o concurso unicamente o numero de depositos a estabelecer (sem lhe ser fixado o minimo como obrigação) e quaesquer regalias para os vitícultores;

10.° Abolir por completo o imposto do real de agua ou reduzi-lo sensivelmente, modificando o modo da cobrança pelo imposto de licenças pela categoria de terras, sendo as licenças unicamente pagas pelos estabelecimentos de venda;

11.° Reduzir, pelo menos, 1/3 o imposto de barreiras em Lisboa e Porto;

12.° Diligenciar com o Banco Ultramarino o obter que a transferencia do dinheiro da Africa Oriental para a metropole nunca exceda 5 por cento, pois tem sido quasi sempre 8; 10 e por vezes l5 por cento;

13.º Isentar o commercio de vinhos para exportação da decima industrial, pelo mesmo numero de annos que fosse isenta a Companhia Vinicola do Sul, quando viesse a constituir-se;

14.° Não poder exportar vinhos ou seus derivados, quem não tiver suas firmas registadas no Tribunal do Commercio como garantia de idoneidade para tal commercio;

15.° Conseguir do Brasil que as facturas consulares sejam gratis e que a analyse dos generos á entrada no Brasil sejam igualmente gratuitas nas remessas de valor inferior a 2:000$000 réis, moeda brasileiro, valor declarado e comprovado;

16.° Diligenciar, por subsidio, ou outro modo qualquer, alcançar navegação directa para Cuba, sem o que todas as esperanças, aliás muita louvaveis do Sr. Ministro das Obras Publicas, secundada pelo Mercado Central dos Productos Agricolas, nada produzirão;

17.° Auxiliar alguma tentativa com o Japão, onde se consome já quantidade, relativamente, importante de vinho de pasto, e igualmente com o Canadá;

18.° Reabrir deposito official em Lourenço Marques principalmente para servir de intermediario para de novo criar relações com o Transvaal. Abrir deposito identico cm Loanda e S. Thomé, ou só em Loanda;

19.° Instituição identica na Belgica;

20.° Collocação defuma agencia de venda official no Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia, adeantando o Estado o dinheiro para os direitos de generos ahi vendidos, cobrando um juro modico e percebendo uma commissão ou bonus para custeio, por agencia, do maximo de 3 por cento sobre o valor da venda em moeda brasileira;

21.° Mandar pelo menos mais tres ou quatro remessas de vinho para Londres, identico ao que se está effectuando para que embora haja nelle prejuizo, possa assim introduzir-se ali o nosso vinho de pasto e poder mais tarde alcançar venda regular;

22.° Mandar publicar durante dois ou tres annos um annuncio em dois dos mais lidos jornaes de Londres, chamando a attenção do commercio inglês para o vinho português o indicando o Mercado Central para dar todas as informações;

23.° Reduzir de 25 por cento as decimas prediaes das propriedades plantadas de vinhas inferiores a 5 hectares, isto pelo espaço de alguns annos;

24.° Augmentar as decimas prediaes das propriedades planeadas de vinha em terrenos de alluvião, para o Governo se resarcir do prejuizo que lhe resultar da indicação 23.º;

25.º Desnaturação do alcool industrial e procurar applica-lo aos usos industriaes;

26.° Dar uma ração diaria de vinho aos nossos soldados;

27.° Probibir a aguardentação dos vinhos com alcool industrial;

28.º Estabelecer medidas praticas, promptas e efficazes para o aperfeiçoamento do fabrico dos vinhos pondo o Governo á disposição dos lavradores os empregados competentes para os elucidarem.

A Camara desculpe a rapidez vertiginosa com que apresentei as minhas considerações e as minhas propostas, que só me foram sugeridas pelo estudo que tenho feito d'este importante assumpto e pelo desejo de bem servir o meu país. (Apoiados).

Vozes. - Muito bem, muito bem.

(O orador foi muito cumprimentado pelos Srs. Deputados, da minoria e muitos da maioria).

Sr. Presidente: mando tambem para a mesa algumas emendas:

"Proponho que o alcool colonial que for desnaturado tenha nas alfandegas da metropole taxamento igual ao alcool nacional desnaturado. = .F. J. Machado".

"Na base 7.ª:

1.° Aos actuaes plantadores da cana de assucar será concedida a licença para durante quinze annos terem em cultivo área igual á que tiverem actualmente, e bem assim permittir a importação dos apparelhos para destillação que se acharem em viagem á data da approvação d'este projecto de lei.

2.° Supprimido. É conveniente que o productor possa estabelecer livremente o seu preço, alterando-o, por isso que quanto mais elevado for, menor deverá ser o consumo.

Província de Moçambique (ao sul do Save):

a) De graduação até 15° - 5 réis por litro.

É o que actualmente paga l real á Fazenda e 4 réis á camara. Se realmente se quer desenvolver o consumo não será elevando os direitos de 5 réis a 8 réis que tal se obtenha.

b) De graduação de 15° a 17° - 7 réis.

c) De graduação superior a 17° e até 23° -14 réis.

d) De graduação superior a 23° - 200 réis.

Vinhos engarrafados de graduação até 23° - 10 réis por litro ou garrafa até á capacidade de l litro.

Accrescentar: Nas graduações indicadas haverá sempre a tolerancia dos decimos.

Vinhos espumosos:

a) Estrangeiros - 600 réis por litro ou garrafa.

b) Nacionaes - 50 réis por litro ou garrafa.

Aguardentes preparadas, cognaes, genebras e licores:

c) Nacionaes ou de preparação local - 300 réis por litro ou garrafa.

Não ha razão para o direito ser de 450 réis, quando na alinea a) para o alcool e aguardente de producção no districto de Lourenço Marques fique a pagar 300 réis.

S. Thomé e Príncipe:

Vinhos nacionaes (regime passado cinco annos):

a) De graduação até 15° - 5 réis por litro.

b) De graduação de 15° a 17° - 7 réis por litro.

c) De graduação de 17° a 23º - 14 réis por litro.

d) De graduação superior a 23° - 200 réis por litro. Vinhos engarrafados de graduação até 23° - 10 réis

Vinhos engarrafados de graduação até 23º - 10 réis por litro ou garrafa até á capacidade de l litro.

Accrescentar: Nas graduações indicadas haverá sempre a tolerancia dos minimos.

Aguardentes preparadas, cognaes, genebra e licores:

b) Nacionaes - ou do preparação local - 300 réis por litro ou garrafa d'esta especialidade.

Província de Moçambique (ao norte do rio Save) Angola, etc.:

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32 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

c) Do graduado de 17° a 23° - 14 réis por litro.

d) Do graduação superior a 23º - 200 réis por litro.

Vinhos engarrafados de graduação até 23º - 10 réis per litro ou garrafa até á capacidade de l litro.

Base 13.ª:

b) Accrescentar a seguir ás palavras: "nenhuma outras", as "ao individuo, sociedade ou firma delinquente".

Base l5.ª:

Supprimida. Os motivos são as propostas na emenda da base 7.ª e n.° 2.°

Base 17.ª:

Sobre a base n.° 17.ª, proponho: onde se lê: "algumas das substancias indicadas na base 20.ª, deverá ler-se : "qualquer das substancias indicadas no artigo 37.° do regulamento nobre falsificação de vinhos, de 20 de dezembro de 1899".

A alinea e) deverá modificar-se como segue:

"c) Se um resultado da analyse effectuada nos termos dos instrucções approvadas por portaria de 21 de agosto de 1901, do Ministerio das Obras Publicas, se verificar que o vinho é falsificado, será este inutilizado, etc."

Bases 19.ª e 20.ª:

Na base 19.ª, onde se lê: "a fim de verificar se elle contém algumas das substancias mencionadas na base 20.ª", deverá emendar-se: "a fim de verificar se elle está falsificado".

Na bane 20.ª, onde se lê: "de todo o vinho exportado para alfandega do continente do reino e ilhas adjacentes, etc.:", deverá ler-se: "de todo o vinho encascado e exportação palas alfandegas do continente do reino e ilhas adjacentes serão colhidas amostras ao acaso, para, pela analyse summaria do vinho, se verificar se elle é suspeito ou não, e no caso affirmativo qual a natureza da fraude".

Base 22.ª:

A seguir ás palavras: "em base fixada", accrescentar : "prevenir-se-ha o exportador e..."

Base 27.ª:

Do disposto nas bases 20.ª a 25.ª da presente lei serão exceptuados ou vinhos exportados com marca official, para a opposição da qual, bastará pela analyse chimica reconhecer-se que não são falsificadas, devendo os certificados attestá-lo e bem assim indicar a força alcoolica pelo ebuliometro de Saluron. = F. J. Machado".

Foram admittidas, ficando em discussão com o projecto.

O Sr. Presidente: - As propostas ficam em discussão conjuntamente com o projecto. Amanhã ha sessão de manhã, sendo a primeira chamada ás 10 ás horas e a segunda ás 11.

A ordem do dia é a mesma que estava dada para boje.

Está levantada a sessão.

Eram 2 horas e 20 minutos da tarde.

Documentos mandados para a mesa nesta sessão

Representações

l.ª De Carlos Theriaga Junior, proprietario de uma fabrica de verrumas e foicinhas na villa de Pernes, pedindo que os direitos de 60 réis, constantes do artigo 386 da pauta das alfandegas, sejam elevados, pelo menos, a 600 que é a verba do artigo 469, que onera artigos similares.

Apresentada pelo Sr. Deputado Rodrigues Ribeiro e enviada â commissão de fazenda.

2.ª Da classe de criados de camara do Corpo de Marinheiros, pedindo melhoria de vencimentos.

Apresentada pelo Sr. Deputado Oliveira Mattos e enviada á commissão de fazenda.

3.ª Do quadro postal da Direcção Geral dos Correios e Telegraphos, pedindo que lhes sejam concedidas as garantias que esse quadro já disfrutava antes da organização decretada em 30 de dezembro de 1901.

Apresentada pelo Sr. Deputado Villaça, enviada á commissão de obras publicas e mandada publicar no Diario do Governo.

Relação de todos os avisos previos que teem sido apresentados desde 26 fevereiro
até esta data

1.° Pelo Sr. José de Lacerda, em 26 de fevereiro, ao Sr. Ministro das Obras Publicas, acêrca da utilidade, justiça e urgencia da ampliação e de outras melhorias do caes do Porto das Pipas da cidade de Angra do Heroismo, ha muito tempo reclamadas pelos terceirenses e instantemente impetradas numa representação que a Associação Commercial da referida cidade dirigiu ao Governo em 26 de agosto ultimo.

2.° Pelo Sr. José de Lacerda, em 26 de fevereiro, ao Srs. Ministros do Reino e da Fazenda, sobre emigração, distribuição de impostos e mais factos que interessam sobremaneira e de modo especial ás populações das Ilhas de S. Jorge, Graciosa e outras do archipelago dos Açores.

3.° Pelo Sr. Eduardo Burnay, em 26 de fevereiro, ao Sr. Ministro do Reino, sobre o vigente regime da instrucção secundaria e seu fraccionamento.

4.° Pelo Sr. José Rebello, em 26 de fevereiro, ao Sr. Ministro das Obras Publicas, acerca do fomento agricola, e especialmente sobre a protecção devida á oleicultura.

5.° Pelo Sr. Malheiro Dias, em l de março, ao Sr. Ministro das Obras Publicas, sobre o serviço florestal das matas nacionaes do país, que num perimetro de 70 kilometros dispõe apenas de seis guardas disponiveis para o serviço de policia, dando em resultado, ao contrario d'essa economia, prejuizos avultadissimos para o Estado em consequencia dos repetidos incendios que annualmente devastam importantes extensões de floresta.

6.° Pelo Sr. Queiroz Ribeiro, em l de março, aos Srs. Ministros da Fazenda e Estrangeiros, sobre tratados de commercio.

7.° Pelo Sr. Augusto Fuschini, em 3 de março, ao Sr. Ministro do Reino, sobre alguns factos occorridos domingo 2, com o jornal O Mundo.

8.º Pelo Sr. Antonio Centena, em 5 de março, ao Sr. Ministro do Reino, sobre a dissolução da Misericordia de Estremoz.

9.° Pelo Sr. Antonio Centeno, em 8 de março, o Sr. Ministro das Obras Publicas, sobre a exploração das obras do Porto de Lisboa. 10.° Pelo Sr. Conde de Penha Garcia, em 10 de março, ao Sr. Ministro do Reino, sobre varias violencias politicas praticadas ultimamente no concelho da Covilhã, o nomeadamente sobre as transferencias dos professores da Conceição (Covilhã), Verdelhos e Cortês.

11.° Pelo Sr. Anselmo Vieira, em 10 de março, ao Sr. Ministro da Fazenda, sobre varios assumptos que respeitam ao serviço das alfandegas, e mais especialmente ao modo porque se estão realizando os despachos de mercadorias e á forma por que se cobram diversos emolumentos pessoaes,

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SESSÃO N.º 52 DE 10 DE ABRIL DE 1902 33

12.° Pelo Sr. Rodrigues Nogueira, em 10 de março, ao Sr. Ministro do Reino, sobre violencias politicas praticadas pelos seus representantes no concelho da Covilhã depois das ultimas eleições municipaes.

13.° Pelo Sr. Eusebio da Fonseca, em 12 de março, ao Sr. Ministro das Obras Publicas, sobre as estradas do Algarve.

14.° Pelo Sr. Frederico Ramirez, em 13 de março, ao Sr. Ministro da Fazenda, sobre a forma como se collectam as fabricas de conserva.

15.° Pelo Sr. Dias Ferreira, em 13 de março, ao Sr. Ministro da Fazenda, sobre o deferimento que deu á reclamação dos industriaes de tecidos de algodão, do Porto, sobre o embarque de fazendas no vapor S. Thomé no porto de Leixões, em dezembro ultimo.

16.° Pelo Sr. Lima Duque, em 14 de março, ao Sr. Ministro da Justiça, sobre os actos attentatorios da lei e da justiça, praticados pelo juiz da comarca da Lousa, Alfredo Pinto da Mota.

17.° Pelo Sr. Antonio Cabral, em 17 de março, ao Sr. Ministro da Justiça, sobre a falta de remuneração ou gratificação ao juizes de direito, quando saem das suas comarcas em serviço de julgamento de crimes de moeda falsa.

18.° Pelo Sr. Egas Moniz, em 17 de março, ao Sr. Ministro das Obras Publicas, sobre o estado das estradas de Estarreja.

19.° Pelo Sr. Augusto Fuschini, em 17 de março, ao Sr. Ministro da Fazenda sobre as seguintes perguntas:

1.° Estão realmente encerradas as negociações com os comités para um novo arranjo da divida externa?

2.° Estando, quaes são as bases d'esse arranjo?

3.° Alguma d'essas bases comprehende qualquer modificação na actual constituição da Junta do Credito Publico?

4.° Alguma d'essas bases envolve a consignação dos rendimentos das alfandegas, com o direito reconhecido aos credores externos, representados pelos seus governos ou por quaesquer entidades officiaes estrangeiras, de reclamarem e darem a sua opinião, perante o Governo Português, sobre quaesquer alterações propostas na actual pauta das alfandegas?

20.° Pelo Sr. João Augusto Pereira, em 22 de março, ao Sr. Ministro do Reino, acerca da intervenção que tiveram no acto eleitoral de 6 de outubro ultimo as auctoridades administrativas do districto do Funchal.

21.° Pelo Sr. João Augusto Pereira, em 22 de março, ao Srs. Ministros da Guerra e da Marinha, acerca do pedido de concessão de terrenos no sitio da Praia Formosa, Ilha da Madeira.

22.° Pelo Sr. João Augusto Pereira, em 22 de março, ao Sr. Ministro do Reino, acêrca do modo como tem sido observadas na cidade do Funchal as determinações do Governo acêrca do jogo de asar, bem como acerca do mau policiamento da mesma cidade.

23.° Pelo Sr. Oliveira Simões, em l de abril, aos Srs. Ministros da Justiça e Obras Publicas, sobre os modos de obstar aos actos de concorrencia commercial feita deslealmente por declarações falsas.

24.° Pelo Sr. Augusto Fuschini, em 9 de abril, ao Sr. Ministro do Reino, sobre a apprehensão, em dois dias seguidos, do jornal O Mundo.

25.° Pelo Sr. Conde de Penha Garcia, em 7 de abril, ao Sr. Ministro dos Estrangeiros, sobre a maneira como teem sido zelados os interesses de Portugal na China.

26.° Pelo Sr. Antonio Cabral, em 9 de abril, ao Sr. Ministro da Fazenda, sobre as providencias que tomou para evitar e reprimir vexames como aquelles de que ha dias foram victimas dois hespanhoes no posto fiscal de Santa Apolonia.

27.° Pelo Sr. Filippe de Moura, em 10 de abril, ao Sr. Ministro das Obras Publicas, sobre a projectada construcção do caminho de ferro da Regua a Chaves e á fronteira.

O redactor = Barbosa Colen. \

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