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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

52.ª SESSÃO

EM 25 DE AGOSTO DE 1909

SUMMARIO. - Feita a chamada, approvada a acta e lido o expediente, o Sr. Matheus Sampaio occupa-se de assuntos da marinha e ultramar, respondendo-lhe o Sr. Presidente do Conselho. - O Sr. Araujo Lima trata de assuntos de instrucção secundaria, do caminho de ferro do Valle do Lima e dos avisos previos annunciados na Camara, respondendo-lhe, ácerca do ultimo ponto, o Sr. Presidente da Camara. - O Sr. Alexandre de Albuquerque occupa-se da accumulação de funcções no concelho do Gavião, do administrador e cadeias de Porto de Mós e ainda de uma tentativa de incêndio em Albergaria-a-Velha. Responde a estes dois Srs. Deputados o Sr.. Presidente do Conselho, dando tambem esclarecimentos relativos ao caminho de ferro o Sr. Ministro das Obras Publicas, que ao mesmo tempo responde ao Sr. Sergio de Castro sobre pontos que este Deputado tratara numa sessão anterior. - O Sr. Pinto da Motta manda nota de ultimas redacções para a mesa. - O Sr. Joaquim Tello apresenta uma representação do clero do Algarve. -Acerca da linha do Valle de Vouga o Sr. João de Menezes apresenta uma nota de negocio urgente, que é rejeitado. - O Sr. José Cabral manda para a mesa a conta administrativa da Camara. - O Sr. Rodrigo Pequito faz leitura de um projecto de lei. - Mandam requerimentos os Srs. Alexandre de Albuquerque, Vieira Ramos, Feio Terenas e Miguel Bombarda.

Na ordem do dia, continua em discussão o projecto de lei n.° 11 (convenção commercial com a Allemanha). - Usam da palavra os Srs. Affonso Costa e Presidente do Conselho. - O Sr. Brito Camacho, ainda sobre a linha ferrea do Valle do Lima, apresenta uma proposta e um negocio urgente, que é rejeitado. - Encerra-se a sessão, sendo a immediata marcada para o dia 27.

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Presidencia do Exmo. Sr. José Joaquim da Mendes Leal

Secretarios os Exmos. Srs.:

João José Sinel de Cordes
João Pereira de Magalhães

Primeira chamada. - Ás 2 horas da tarde.

Presentes: - 6 Srs. Deputados.

Segunda chamada. - Ás 2 horas e 45 minutos da tarde.

Presentes: - 63 Srs. Deputados.

São os seguintes: - Abel de Mattos Abreu, Affonso Augusto da Costa, Alberto Pinheiro Torres, Alexandre Correia Telles de Araujo e Albuquerque, Alfredo Carlos Le Cocq, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Alfredo Pereira, Anselmo Augusto Vieira, Antonio Alberto Charulla Pessanha, Antonio de Almeida Pinto da Motta, Antonio Hintze Ribeiro, Antonio José Garcia Guerreiro, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Rodrigues fogueira, Antonio Sérgio da Silva e Castro, Antonio Zeferino Candido da Piedade, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto César Claro da Ricca, Aurélio Pinto Tavares Osorio Castello Branco, Carlos Augusto Ferreira, Christiano José de Senna Barcellos, Conde de Azevedo, Conde de Mangualde, Eduardo Frederico Schwalbach Lucci, Eduardo Valerio Augusto Villaça, Ernesto Julio de Carvalho e Vasconcellos, Francisco Miranda da Costa Lobo, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Henrique de Mello Archer da Silva, João do Canto e Castro Silva Antunes, João Duarte de Menezes, João Ignacio de Araujo Lima, João Joaquim Isidro dos Reis, João José Sinel de Cordes, João Pereira de Magalhães, João Pinto Rodrigues dos Santos, João de Sousa Calvet de Magalhães, Joaquim Heliodoro da Veiga, Joaquim José Pimenta Tello, José de Ascensão Guimarães, José Augusto Moreira de Almeida, José Bento da Rocha e Mello, José Cabral Correia do Amaral, José Jeronimo Rodrigues Monteiro, José Joaquim Mendes Leal, José Joaquim da Silva Amado, José Julio Vieira Ramos, José Maria Cordeiro de Sousa, José Maria Joaquim Tavares, José Maria de Moura Barata Feio Terenas, José Maria de Oliveira. Simões, José Mathias Nunes, José Paulo Monteiro Cancella, José Ribeiro da Cunha, José dos Santos Pereira Jardim, Luis Vaz de Carvalho Crespo, Manuel Affonso da Silva Espregueira, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel de Brito Camacho, Manuel Nunes da Silva, Matheus Augusto Ribeiro de Sampaio, Visconde de Coruche, Visconde de Ollivã.

Entraram durante a sessão os Srs.: - Abel Pereira de Andrade, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio Macedo Ramalho Ortigão, Antonio Tavares Festas, Diogo Domingues Peres, João Carlos de Mello Barreto, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria Pereira de Lima, Roberto da Cunha Baptista, Rodrigo Affonso Pequito, Vicente de Moura Coutinho de Almeida d'Eça.

Não compareceram a sessão os Srs.: - Abilio Augusto de Madureira Beça, Adriano Anthero de Sousa Pinto, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alexandre Braga, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Amadeu de Magalhães Infante de La Cerda, Antonio Alves Oliveira Guimarães, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Augusto Pereira Cardoso, Antonio Bellard da Fonseca, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Centeno, Antonio Duarte Ramada Curto, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio José de Almeida, Antonio Osorio Sarmento de Figueiredo, Antonio Rodrigues Costa da Silveira, Antonio Rodrigues Ribeiro, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Augusto de Castro Sampaio Côrte Real, Augusto Vidal de Castilho Barreto e Noronha, Conde da Arrochella, Conde de Castro e Solla, Conde de Paçô-Vieira, Conde de Penha Garcia, Duarte Gustavo de Roboredo Sampaio e Mello, Eduardo Burnay, Emygdio Lino da Silva Junior, Ernesto Jardim de Vilhena, Fernando de Almeida Loureiro e Vasconcellos, Fernando Augusto Miranda Martins de Carvalho, Fernando de Sousa Botelho e Mello (D.), Francisco Joaquim Fernandes, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Xavier Correia Mendes, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Henrique de Carvalho Nunes da Silva Anachoreta, João Augusto Pereira, João Correia Botelho Castello Branco, João Henrique Ulrich, João José. da Silva Ferreira Neto, João Soares Branco, João de Sousa Tavares, Joaquim Anselmo da Matta Oliveira, Joaquim Mattoso da Camara, Joaquim Pedro Martins, Jorge Vieira, José Antonio Alves Ferreira de Lemos Junior, José Antonio da Rocha Lousa, José Caeiro da Matta, José Caetano Rebello, José Estevam de Vaseoncellos, José Francisco Teixeira de Azevedo, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Malheiro Reymão, José Maria de Oliveira Mattos, José Maria de Queiroz Velloso, José Osorio da Gama e Castro, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Libanio Antonio Fialho Gomes, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luis Filippe de Castro (D.), Luis da Gama, Manuel Francisco de Vargas, Manuel Joaquim Fratel, Manuel de Sousa Avides, Manuel Telles de Vasconcellos, Mariano, José da Silva Prexado, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Miguel Augusto Bombarda, Paulo de Barros Pinto Osorio, Sabino Maria Teixeira Coelho, Thomás de Almeida, Manuel de Vilhena (D.), Thomás de Aquino de Almeida Garrett, Visconde de Reguengo (Jorge), Visconde da Torre, Visconde de Villa Moura.

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SESSÃO N.° 52 DE 25 DE AGOSTO DE 1909 3

ABERTURA DA SESSÃO - Ás 3 horas da tarde

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Do Ministerio do Reino, participando não poder ser satisfeito o requerimento do Sr. Deputado João Carlos de Mello Barreto, por não estarem ainda concluidos os trabalhos sobre o concurso de professores para as escolas de habilitação para o magisterio primario, e não terem ainda sido enviadas as provas á repartição competente.

Para a secretaria.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - A Camara Municipal do concelho de S. Joio da Pesqueira, com quanto tenha receita sufficiente para fazer face aos seus encargos, deve actualmente aos seus empregados os ordenados de muitos meses, devido ao facto de se achar em atraso a cobrança das contribuições.

Na impossibilidade de, por outra forma, se attender a este inconveniente, e considerando que é urgente prover de remedio, tenho a honra de submetter á vossa apreciação o seguinte projecto de lei

Artigo 1.° É autorizada a Camara Municipal do concelho de S. João da Pesqueira a levantar do fundo de viação até a quantia de 4:200$000 réis, para ser applicada ao pagamento dos ordenados em divida aos seus empregados, ficando a mesma Camara obrigada a reintregar aquelle fundo, á proporção que se for effectuando a cobrança das contribuições atrasadas.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario. = Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho = José Augusto Moreira de Almeida = Anselmo Vieira.

Foi admittido e enviado á commissão de administração publica.

Projecto de lei

Senhores. - O edificio do Terreiro, na cidade de Aveiro, destinado ás repartições districtaes d'aquella cidade, está prestes a concluir-se. É porem absolutamente necessario adquirir a mobilia indispensavel para a sua installação.

Está já elaborado e approvado pelo Ministerio do Reino o respectivo orçamento na importancia de 7:013$000 réis.

A Camara Municipal de Aveiro representa não poder; com as despesas de tal mobiliario, que, demais, respeita a um edificio que interessa a todo o districto.

Como, porem, é possivel effectuar-se a acquisição do mobiliario sem aumento de despesa para o Estado, por meio de um empréstimo na Caixa Geral de Depositos, por cujo juro e amortização pode ser destinada uma verba saida das receitas das extinctas juntas geraes de districto, visto haver excesso de receita sobre as despesas que teem de ser cobertas por estas receitas, o que se acha ponderado na representação da Camara Municipal de Aveiro que vae junta, propomos o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É o Governo autorizado a contrahir com a Caixa Geral de Depositos um emprestimo na importancia de 7:013$000 réis, destinado á acquisição de mobilia para o edificio das repartições districtaes de Aveiro.

Art. 2.° Para occorrer ao pagamento do juro e amortização do referido empréstimo fica o Governo autorizado a desviar das receitas das antigas juntas geraes hoje cobradas pelo Estado, a quantia annual de 908$215 réis, durante dez annos.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das Sessões da Camara dos Senhores Deputados, em 23 de agosto de 1909. = João de Magalhães.

Foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

O Sr. Matheus de Sampaio: - Sr. Presidente, no domingo de manhã fui surprehendido com a seguinte leitura:

(Leu).

Não foi isto, é claro, que me surprehendeu nesta noticia; S. Exa. foi governador geral no ultramar, Ministro de Estado, governador de differentes districtos do ultramar, por cooseguinte estava muito no caso de fazer parte d'aquella Junta Consultiva, mas é que, continuando a leitura, vi logo o seguinte:

(Leu).

Cai das nuvens! O Sr. Augusto de Castilho não foi convidado a ser vogal da Junta Consultiva do Ultramar pelos merecimentos proprios, como eu imaginava; foi para deixar promoção! E a eterna questão! No exercito e na armada não se faz outra cousa senão andar a arranjar promoções.

Fui ler o Almanach da Armada, e vi que os vice-almirantes, que eu julgava serem dois, são cinco. Vi mais que a Junta Consultiva do Ultramar tem cinco officiaes generaes da armada. Ora os vogaes da Junta Consultiva do Ultramar ganham, os officiaes da armada, o seu soldo como se. estivessem embarcados, e alem disso 200$000 réis como vogaes da Junta, e deixam vaga nos respectivos logares. Quando se criou a Junta Consultiva do Ultramar, em substituição do antigo Conselho Ultramarino, de boa memoria, estes logares eram exercidos juntamente com o logar que cada um exercesse.

Eu não tenho odio absolutamente algum aos officiaes de marinha, classe que muito estimo; muitas vezes enverguei uma farda semelhante á sua o que tenho é vontade de ver entrar as cousas no verdadeiro caminho.

E com um Ministerio novo, que não é rotativo, eu tinha esperança, pela confiança que tenho em todos os Ministros, que se começasse a olhar para isso com olhos de ver.

Os officiaes de marinha é que exercem o seu logar na Junta Consultiva do Ultramar saindo para fora do quadro, pois com os officiaes do exercito não se dá a mesma cousa.

O Sr. general Gorjão, que é o commandante da divisão, logar que deve dar muito trabalho e cuidados, tem ainda tempo para ser vogal da Junta Consultiva; não deixou vaga.

A Junta Consultiva, que devia ser composta de todos os individuos que do ultramar sabem alguma cousa, e que no ultramar tenham vivido grande parte da sua vida, é composta actualmente de cinco officiaes generaes da armada.

Parece-me officiaes generaes de mais. Parece-me que se na Junta Consultiva do Ultramar ficasse o Sr. Ferreira do Amaral, que foi governador do districto de Mossamedes, de S. Thomé, governador geral de Angola, governador geral da India, onde sempre deixou bom nome, e que de mais a mais depois de ser Ministro e Par do Reino se tem prestado por mais de uma vez a embarcar, ficava ali muito bem; e bem ficam igualmente o Sr. Teixeira de Guimarães, que serviu no ultramar 17 annòs como secretario geral.

Estadia assim bem representada a classe, havendo outras classes, como a dos juizes e a dos medicos, que tam-

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4 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

bem ali deviam estar representadas. A dos médicos está representada pelo nosso collega o Sr. Ramada Curto, que não saiu do quadro, que continua e exercer ás suas funcções, tendo alem disso o trabalho da sua clinica.

Isto levou-me a ver o que havia mais. E na verdade, na armada ha muitas cousas bonitas!

Eu peço licença para ler isto que serve de relatorio a um projecto de lei que vou ter a honra de apresentar.

(Leu).

Bom tempo, Sr. Presidente, aquelle em que ser reformado em major era uma fortuna. Hoje os officiaes generaes andam mettidos pelo Ministerio do Reino, por todos os Ministerios. São officiaes que estão livres de ir para a Africa, prejudicando assim os seus collegas, e mais tarde reformam-se em generaes.

(Continua lendo).

Isto não é novo. Quer a Camara ver o que se dá com relação ao ultramar, e que eu aqui friso? Eu peço a V. Exa. a devida attenção para este assunto, que é realmente importantissimo.

Não venho tocar o campanario, e as poucas vezes que falo, não costumo incommodar os meus collegas da Camara, mas quando o faço é com a convicção de que o pedido é util 5 se o discurso é mal dito, a culpa não é minha, mas em todo o caso a intenção é boa.

(Continua a leitura).

Isto está na lei commum existe e já em Cabo Verde o secretario geral, o Sr. Augusto de Barros - e devo dizer em abono da verdade, aqui, n'esta casa, que é um dos mais distihctos secretarios do ultramar- é coronel do exercito de Africa. Ali tem prestado relevantes serviços, e não tem dado vaga.

Ora se isto se faz para o ultramar, para officiaes que estão em muito peores circunstancias, do que os de cá, parece-me que não será difficil applicar lhes a lei e acabar com este triste espectáculo, de que um official saia do Ministerio da Guerra, atravesse o Terreiro do Paço, indo ao Ministerio dos Estrangeiros, mas encontrando já o seu logar no Ministerio da Guerra quando volte dos Estrangeiros.

Isto é uma verdadeira irrisão.

(Continua a leitura).

Eu vou contar um caso, que aliás todos nos sabemos; e conto-o porque já não vou influir na posição do respectivo individuo, cujo nome não digo.

Um medico militar veio para Lisboa, concorreu a um logar que havia na Relação e foi approvado.

Arranjou o logar e continuou a exercer a sua clinica civil, exercendo ao mesmo tempo as suas funcções de contador do tribunal.

Foram andando os meses até que chegou a occasiao de ser promovido a major. Apresentou-se aos collegas, para entrar no exercicio das suas funcções, e espera ser reformado em general. Continua, porem, exercendo a sua actividade no logar de contador do tribunal.

O Sr. Zeferino Candido: - Principalmente para contar no fim de cada mês.

O Orador: - (Continua lendo). - Não querendo cansar mais a attencão da Camara, dou por findas as minhas considerações. Varri a minha testada, e o que desejo é que isto fique registado nos archivos desta Camara.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - O projecto de lei do Sr. Deputado, fica para segunda leitura.

Tem a palavra o Sr. Presidente do Conselho.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Wenceslau de Lima): - O Sr. Matheus de Sampaio acaba de fazer a leitura de um projecto de lei que, no seu entender, e necessario para prover de remédio a alguns casos que S. Exa. entendeu carecerem de algumas providencias de caracter legislativo.

A circunstancia do illustre Deputado formular num projecto de lei a correcção áquillo que entende serem abusos, dispensava-me de responder.

Se para a correcção desses abusos é necessaria a intervenção legislativa, não cabe á alçada do poder executivo dar-lhes remedio.

Mas, Sr. Presidente, a muita consideração que tributo ao illustre Deputado, quando outra circunstancia não houvesse, seria motivo para pedir a palavra e dizer que ao Sr. Ministro da Marinha e ao Sr. Ministro da Guerra eu transmittirei áquillo que S. Exa. aqui disse, a fim de que esses meus collegas estudem com a devida attencão o projecto de lei da iniciativa do illustre Deputado, e se por acaso entenderem que com elle podem concordar, de certo, não deixarão de o fazer.

Devo dizer a S. Exa. que tenho pela armada e pelo exercito, como todos nos, a maior consideração e estima que merecem pelos seus serviços, e altos feitos prestados á pátria. (Apoiados).

Portanto entendo que em tudo quanto diga respeito ao exercito e á armada é preciso proceder com a maior cautela, porque nisso vae a honra da nação portuguesa. (Apoiados).

Acerca do ponto restricto para que S. Exa. chamou a attencão do Governo, eu communicarei ao meu collega da pasta da Marinha as palavras do illustre Deputado, a fim de que d'ellas tenha conhecimento.

Pelo que toca ao vice-almirante Sr. Augusto de Castilho, devo dizer que o Sr. Ministro da Marinha não fez mais do que cumprir rigorosamente a lei. De resto, é sabida a aptidão desse illustre militar, desse distincto oflicial, que tanto conhece os nossos dominios do ultramar, o que lhe dá direito a ter na Junta Consultiva um logar que, no meu entender, ha de honrar, como sempre tem sabido honrar aquelles que tem desempenhado.

Sei bem que em tudo quanto disse o illustre Deputado por maneira alguma houve á mais ligeira censura, nem a menor estranheza, ácerca do facto de ter sido nomeado o vice-almirante Sr. Augusto de Castilho para o logar que vae desempenhar, e eu comecei mesmo por dizer que podia dispensar-me de responder ao illustre Deputado, visto que S. Exa. tinha traduzido num projecto as providencias que julgava necessarias para prover de remédio aos males que apontou, e se não appellava para o Governo é porque entendia que só ao poder legislativo lhe cumpria dar esse remedio.

Com esta declaração que faço, creio ter interpretado o modo de ver e de pensar de S. Exa., e se me referi ao vice-almirante o Sr. Augusto de Castilho é porque entendi que á elevada personalidade de S. Exa. era devida esta homenagem, que não podia deixar de prestar, como pessoa que muito respeito e de quem sou admirador. Tenho dito.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Matheus Sampaio: - só quero dizer que não duvido da competencia do Sr. Castilho, e que o julgo até competentissimo para esse logar.

O Sr. Araujo Lima: - Na sessão de 21 de junho do anno passado, entre os documentos que pedi pelo Ministerio do Reino, figura o seguinte:

(Leu).

O meu intento era colher elementos que se me afiguravam indispensaveis para o estudo do estado actual da instrucção secundaria em Portugal.

Não eram passados muitos dias, varios interessados me procuraram, mostrando-se seriamente embaraçados com a reclamação feita.

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E claro que tratei de os tranquillizar sobre a natureza I dos meus intentos. Esperei que os documentos me fossem remettidos. Até hoje esses documentos ainda não me chegaram.

Não se diga que se trata de uma informação difficil; bastaria um officio dirigido aos reitores dos lyceus de Lisboa e Porto - cinco ao todo - para que elles prestassem aos professores o que eu desejava saber, e o meu fim seria satisfeito.

Varias vezes tenho instado - ha meio anno - pela remessa desses documentos, mas até hoje ainda os não recebi.

O que me chegou foi um officio datado de 28 de abril - note V. Exa. - data mais ou menos do adiamento das sessões parlamentares. Nesse officio dizia-se que ainda não tinha sido possivel reunir todos os elementos nas repartições de instrucção secundaria.

É pessoal moroso no trabalho!

Dir-se-hia que houve, por parte d'aquellas repartições, empenho em occultar qualquer irregularidade.

Peço ao Sr. Ministro do Reino que tome providencias para não continuarem a ser irrisorias as reclamações dos Deputados quando se trata de documentos requeridos pelas repartições de instrucção secundaria, visto que isso não representa só uma falta de consideração para com os Deputados da nação - vae nisso muito, tambem falta de interesse pela causa publica e falta de consideração! pelo Ministro respectivo.

Dito isto, e já que falo na inutilidade de certas prerogativas parlamentares, permitta-me V. Exa. que eu cite o que se dá com os avisos previos.

Estou convencido de que é preciso reformar, fazer até uma larga reforma no regimento da Camara, porquanto não ha maneira de realizar com facilidade um aviso previo.

Tendo eu enviado para a mesa no principio da actual sessão parlamentar um aviso prévio, tem havido tantos embaraços em realizá-lo que me atrevo a aproveitar o ensejo de estar com a palavra para pedir resposta ao Sr. Ministro sobre o que desejo saber, vendo-me obrigado a desistir do aviso e fazer aqui as considerações que tencionava fazer por meio d'elle.

Em 27 de setembro de 1904 foi assinado o contrato da construcção da linha ferrea do Alto Minho com o subdito ingles Sir Blackwood.

Nos termos do contrato, o concessionario era obrigado a apresentar o respectivo projecto tres meses depois, e era obrigado a ter concluidas as linhas durante o prazo de tres annos, isto é, até 24 de setembro de 1907.

Já lá vão dois annos. Estamos em 1909, nada disto se fez e o contrato não foi rescindido.

Tenho-me cansado a pedir providencias na Camara, sobretudo para as construcções urgentes e rápidas da linha ferrea do Valle do Lima, caminho de ferro que atravessa uma região feracissima. Tudo tem sido inutil.

Tem-se caminhado de transferencia em transferencia, e a complacencia do Governo tem ido até ao extremo de acceder aos pedidos de prorogação feitos pelos concessionarios dos prazos do contrato.

Assim, a portaria de 31 de janeiro de 1907 permittiu que o projecto possa ser apresentado até 31 de dezembro de 1907- e que a conclusão da linha possa ir até 20 de abrir de 1910.

Sr. Presidente: estamos a oito meses de distancia dos prazos fixados para essa conclusão, e em nome dos povos do Alto Minho, a cuja região pertenço, eu peço licença para fazer tres perguntas ao Sr. Ministro das Obras Publicas

1.ª Apresentaram os concessionarios os projectos no prazo fixado pela portaria de 31 de janeiro de 1907?

2.ª Quem são os concessionarios?

3.ª Se daqui a oito meses, isto é, a 20 de abril de 1910, as linhas não estiverem concluidas, está S. Exa. disposto a fazer cumprir o artigo 58.° do contrato, pelo qual por cada mês, alem dos tres annos marcados para a conclusão, se obriga os concessionarios a pagar uma multa nunca inferior a 2 contos de réis, terminando pela rescisão do contrato quando se não faça esse pagamento?

Eu não tenho interesse nenhum em que a linha seja de Pedro ou de Paulo, mas o que não desejo é que sejam votados ao ostracismo os interesses dos povos da região a que pertenço. (Apoiados).

Disse.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - Parece-me que o Sr. Deputado Araujo Lima, quando se referiu ao facto de se não ter realizado o seu aviso prévio, dirigiu uma censura á Presidencia, quando é certo que a culpa de tal facto pertence exclusivamente ao regimento.

Ha 29 Srs. Deputados inscritos antes de S. Ex.a, o que quer dizer que não está prejudicado.

Os avisos prévios são dados para discussão segundo a ordem da remessa.

Eu pedi já aos Srs. Deputados o favor de virem a mesa declarar, em virtude desta demora, se algum desiste dos seus avisos prévios para eu poder regular a sua discussão.

É por isto que eu entendi, por agora, substituir a sua discussão pela cedencia da palavra áquelles Srs. Deputados que a quiserem usar antes da ordem do dia.

Era esta a explicação que desejava dar.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Alexandre de Albuquerque: - Sr. Presidente: registo as palavras de V. Exa. em resposta ao Sr. Araujo Lima, pelas quaes vemos que as censuras pela falta da realização dos avisos prévios não cabem á Presidencia, mas ao regimento.

Pedi a palavra para apresentar varios projectos de lei que passo a ler, dispensando todas as considerações que teria de fazer sobre a justiça que assiste a estes projectos.

Assim um d'elles versa sobre concurso para alferes medicos.

(Leu).

O segundo é sobre um empréstimo á Camara Municipal de Freixo de Espada-á-Cinta.

(Leu).

O terceiro projecto diz respeito á elevação da dotação do Asylo-Escola districtal de Aveiro.

(Leu).

Lendo estes tres projectos que mando para a mesa, aproveito a occasião de estar com a palavra para chamar a attenção do Sr. Ministro do Reino para alguns casos que me parecem realmente de importancia.

Primeiramente preciso declarar que não terei uma palavra de violencia; serei o mais correcto possivel, visto que se trata de um Deputado da nação.

V. Exa. sabe, e todos nos sabemos, que o Sr. Deputado José Rebello não está autorizado por esta Camara a exercer as funcções de presidente da Camara Municipal de Gavião. Todavia S. Exa. accumula as funcções de presidente da camara municipal, com as de Deputado da Nação, e ainda, o que é mais extraordinario, com as de administrador do concelho.

Eu sei que o Sr. Presidente do Conselho me vae dizer que, sendo presidente da camara, não tem maneira de impedir que S. Exa. exerça o logar de administrador do concelho; mas ha uma maneira - é o Sr. Presidente do Conselho mandar para Gavião outro administrador do concelho, e impedir que o Sr. Rebello continue a desempenhar esse cargo, ao mesmo tempo que é presidente da camara e Deputado da nação sem autorizações d'esta Camara, o

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que é uma grande falta de respeito pelos principios parlamentares.

Francamente, se S. Exa. aqui estivesse presente dir-Ihe-hia as palavras duras de que sou capaz, mas como S. Exa. não está presente, eu peço ao Sr. Presidente do Conselho que repare iminediatamente o mal, porque isto assim não pode ser; para o prestigio do Parlamento e do Governo uma tal situação não pode nem deve continuar.

Ha um outro ponto a que desejo referir-me.

Em Porto de Mós dá-se este caso extraordinario: são condemnados pelos tribunaes deste país criminosos depois de attentados gravissimos contra a familia Menezes e esses homens vão para uma cadeia que o presidente da camara não manda compor.

As barras de ferro das janellas deslocam-se e os presos andam toda a noite na bella pandega e de manhã recolhem.

Isto é gravissimo; é uma falta de respeito para com os tribunaes n'este país onde não ha respeito nem peio Parlamento nem pelo poder civil.

É necessario que o Sr. Presidente do Conselho immediatamente tome as medidas precisas para que em Porto de Mós não continue este estado de cousas.

Tambem se dá um outro facto grave em Albergaria-a-Velha.

E a terceira vez que deitam fogo aos paços do concelho. Não sabe se o motivo porque deitam fogo: se é para que não haja contribuições, se é para abafar algum processo que está no cartorio do escrivão.

Deitaram fogo de maneira que ardeu uma parte d'esse cartorio, havendo até prejuizos nos processos e inventarios, alastrando-se o fogo até á Repartição de Fazenda.

As pessoas da terra não chegaram a ter a certeza sobre se era por causa de abafar qualquer processo ou se era para não pagar as contribuições.

Espero tambem que o Sr. Presidente do Conselho procurará evitar por qualquer maneira um caso destes, principalmente porque os paços do concelho de Albergaria-a-Velha são dos melhores de Portugal.

E ali que está a conservatoria e os processos mais importantes da terra; toda a vida publica da villa ali está concentrada nas suas relações administrativas com o Estado e com o municipio.

Peço pois ao Sr. Presidente do Conselho a sua attenção para este caso.

Pedia tambem a V. Exa., Sr. Presidente, editando mais uma vez o meu pedido, que solicitasse copia do celebre officio e telegramma enviados pelo Sr. Teixeira de Sousa quando Ministro da Fazenda ao delegado do Thesouro em Villa Real, telegramma que foi em cifra e officio confidencial; nem foi registado, nem tem numero.

Enviaram-me ha dias uns documentos do Ministerio da Fazenda, mas esses documentos são exactamente aquelles que não tem importancia nenhuma, e peço tambem a V. Exa. que insista a fim de me serem enviados o mais depressa possivel. Disse.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Pinto da Motta (por parte da commissão de redacção): - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a mesa os projecto de lei n.ºs 8 e 66, a que somente foram feitas as alterações votadas pela Camara.

Foram, enviadas á Camara dos Dignos Pares.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Wenceslau de Lima): - Sr. Presidente: pedi a palavra para responder aos Srs. Araujo Lima e Alexandre de Albuquerque.

O primeiro destes illustres Deputados queixou-se da Direcção da Instrucção Secundaria, porque ainda não foram satisfeitos alguns pedidos ha muito tempo para ali enviados por S. Exa., por intermedio da mesa a que V. Exa. tão dignamente preside;

Ora, devo dizer a S. Exa. que supponho, o seu pedido é anterior á minha gerencia, e só agora pelas palavras que acabo de ouvir é que tenho noticia de que S. Exa. desejava que lhe fossem enviados alguns documentos.

Tomo nota do pedido do illiistre Deputado, e não deixarei de dar as ordens precisas n'aquella Direcção Geral, a fim de que, tão pronto quanto possivel, sejam enviados para a mesa os documentos requisitados.

Creio, deste modo ter satisfeito os desejos de S. Exa.

Ao Sr. Alexandre de Albuquerque direi que, tambem vou proceder ácerca da tres pontos para os quaes chama a minha attenção: Gavião, Porto de Mós e Albergaria-a-Velha;

Comprehende S. Exa. que não me cabe a mim, nem é devo fazer, tomar a defesa de um illustre Deputado da Nação, a quem o Sr. Alexandre de Albuquerque, não direi que censurasse, porque o não fez, mas estranhou que accumulasse determinadas funcções. Porem, na parte que me diz respeito posso assegurar ao illustre Deputado que providenciarei de forma a dar satisfação aos seus desejos.

Acerca de Porto de Mós, disse S. Exa. que a camara d'aquella villa era menos solicita e menos cuidadosa nas reparações das cadeias que estão a seu cargo, e aqui o que me cumpre fazer, e o que farei, é chamar a attenção do Sr. governador civil do respectivo districto para que de as providencias necessarias, a fim de que a camara cumpra aquillo que a lei lhe determina.

Alguns factos que se teem passado naquelle concelho, e que o teem alarmado um pouco, exigem que para. ali seja enviado um administrador de concelho que a todos possa offereçer o devido respeito e que se não intrometia nas questões politicas locaes, bastante accesas. E minha intenção faze-lo, e devo dizer mesmo a S. Exa. que já. ha alguns dias estou tratando desse assunto.

Disse ainda o illustre Deputado que em Albergaria-a-Velha por vezes se tem lançado fogo aos paços do concelho.

Ora o illustre Deputado comprehende bem que, por muito que se queira exigir do Governo, não se pode reclamar que elle faça a vigilancia dos paços do concelho, o que seguramente cabe á respectiva vereação j e especialmente ao presidente.

O Sr. Alexandre de Albuquerque: - Não tem nenhuma maneira de garantir esta segurança se não for o auxilio do executivo. A policia é muito insignificante e sem auxilio do poder constituido não é possivel.

O Orador: - Como V. Exa. sabe, é a Camara de Albergaria-a-Velha que entende que ella é insuficiente, mas isto não quer dizer que, em tudo quanto o poder executivo possa auxiliar a Camara de Albergaria, eu não me encontre pronto a dar providencias, e o illustre Deputado pode ter a certeza de que a melhor boa vontade ha de encontrar no Ministro do Reino.

Mas o que S. Exa. comprehende tambem é que o Ministro do Reino, por mais que queira e deseje, não pode substituir-se á acção das Camaras.

Desta forma me parece ter respondido tambem á observação do illustre Deputado, no que toca ao occorrido Albergaria-a-Velha.

Acerca dos documentos reclamados pelo illustre Deputado, da Secretaria dos Negocios da Fazenda, devo dizer que elles foram satisfeitos taes como foram pedidos; e se por acaso S. Exa. entende que de mais alguns precisa formula o seu pedido e envia-o para a mesa, na certeza de que o meu collega da Fazenda se dará pressa em satisfazer os desejos de S. Exa.

De resto, cumpre-me dizer, por um dever de cortesia do meu cargo, que estou certo de que qualquer acto da

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gerencia do Sr. Teixeira de Sousa, como Ministro da Fazenda, poderá ser sempre defendido pelos seus successores e nunca poderá ser increpado de menos correcto.

E aquillo ,que devo á muita consideração que S. Ex. me merece e ainda á consideração que devo áquelles que estiveram anteriormente a mim na cadeira que agora occupa.

Tenho dito.

(O orador não reviu).

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Barjona de Freitas): - Respondendo ao Sr. Deputado Araujo Lima, diz que S. Exa. não ignora com certeza a historia da concessão dos Vaminhos de ferro do Alto Minho, porquanto os respectivos documentos teem sido publicados no Diario ao Governo.

O Sr. Conde de Paçô-Vieira, a quem a viação accelerada tanto deve, fez a concessão e todos os Ministros que se lhe seguiram teem mostrado empenho em que esse melhoramento se realizasse, mas tem succedido com esses caminhos de ferro o que tem succedido com quasi todos no nosso país: os concessionarios teem lutado com difficuldades por falta de capital, e os Governos teem tido para com elles toda a complacencia.

Os projectos estão concluidos, á excepção de um para que elle, orador, concedeu a prorogação do prazo para a sua apresentação, mas sem prejuizo do prazo para a conclusão da obra.

Aproveita esta occasião para responder ás considerações feitas em outra sessão, a que não assistiu, pelo Sr. Deputado Oliveira Simões, referentes a um projecto pendente n'esta Camara relativo ao estabelecimento da hora. P Governo reconhece a importancia do assunto e está pronto a collaborar com as commissões desta Camara no estudo do projecto.

O Sr. Sergio de Castro chamou hontem a sua attenção para o estado em que foi aberto á circulação o lanço da estrada districtal n.° 135, entre Montargil e Ponte de Sor. Tem a dizer a S. Exa. que esse lanço não está concluido; estão apenas feitas as terraplenagens.

Dá tambem explicações sobre o lanço da estrada n.° 137, entre Odemira e S. Teotonio.

(O discurso será publicado na integra, quando S. Exa. restituir as notas tachigraphicas).

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado João de Menezes pediu a palavra para um negocio urgente. Tendo S. Exa. vindo á mesa, informar neste sentido, declarou que o assunto que desejava tratar era o seguinte: interrogar o Sr. Ministro das Obras Publicas sobre a sua declaração a respeito do caminho de ferro do Alto Minho.

Os Srs. Deputados que entendem que este assunto é urgente teem a bondade de se levantar.

Foi rejeitado.

O Sr. Joaquim Tello: - Manda para a mesa, em seu nome e no do Sr. Deputado Sinel de Cordes, uma representação do clero do Algarve sobre dois assuntos que estão actualmente preoccupando a opinião publica, o divorcio e o registo civil obrigatorio.

Não discute neste momento estas graves questões, que muito se prestam a longas divagações, porque lhe parece inopportuno e mesmo porque estamos no fim da hora. Limita-se, portanto, a satisfazer um pedido dos ecclesiasticos da diocese de Faro, entre os quaes conta muitos amigos, e que usam do seu legitimo direito, pugnando pelos eus interesses materiaes e moraes. Sente não o poder ter feito ha mais tempo, porque ha muitos dias que tem em seu poder esta representação, mas o seu estado de saude só lhe permittiu vir agora á Camara no cumprimento do seu dever de Deputado por aquella provincia.

Pede mais que o Sr. Presidente autorize, com o voto da Camara, que esta representação seja publicada no Diario do Governo.

Foi autorizada a publicação.

O Sr. José Cabral: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda, sobre as contas da gerencia da coinmissão administrativa desta Camara.

Foi a imprimir.

O Sr. Affonso Pequito: - Mando para a mesa um projecto de lei concedendo ao lyceu da Povoa do Varzim o subsidio de 2 contos de réis por anno, alem do subsidio de 2 contos de réis que lhe foi concedido por lei de 9 de setembro de 1908; e ao lyceu de Ponte do Lima o subsidio de 1 conto de réis por anno.

Dispenso-me de justificar este projecto porque, tratando-se de subsidios a estabelecimentos de instrucção, considero essas despesas reproductivas.

O projecto ficou para segunda leitura.

O Sr. Presidente: - Declaro que se vae passar á ordem do dia e os Srs. Deputados que tiverem papeis a mandar para a mesa, podem faze-lo.

O Sr. Alexandre de Albuquerque: - Mando para a mesa os seguintes

Requerimento

Requeiro pelo Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria uma nota do rendimento das linhas ferreas exploradas por conta do Estado, e das exploradas por companhias durante o anno de 1908, com a discriminação do rendimento em passageiros, grande e pequena velocidade. = Alexandre de Albuquerque.

Requeiro pelo Ministerio das Obras Publicas, Commer-cio e Industria uma nota de todo o pessoal administrativo que actualmente faz serviço activo na Direcção fiscal de exploração do caminho de ferro, seus nomes, categorias e vencimentos, e bem assim igual nota do pessoal na situação de disponibilidade. = Alexandre de Albuquerque.

Mandaram-se expedir.

O Sr. Vieira Ramos: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Insisto pelos documentos que pedi na sessão de 16 de abril pela 4.ª direcção dos serviços fluviaes e maritimos. = Vieira Ramos.

Mandou-se expedir.

O Sr. Feio Terenas: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro informação, pela respectiva repartição dos caminhos de ferro do Estado, sobre o seguinte:

Se estão completos os estudos do ramal do caminho de ferro de Grandola ou Alvalade a Sines, ou em que estado se encontram. Se está feito o orçamento das despesas a fazer com esse ramal, e qual a sua importancia em caso affirmativo. = Feio Terenas.

Mandou-se expedir.

O Sr. Miguel Bombarda: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Constando-me que o processo relativo aos frades de Aldeia da Ponte é muito volumoso e por isso seria muito demorado fazer d'elle uma copia, tal como por mim foi requerida anteriormente, requeiro me seja dada autorização para examinar o mesmo processo na secretaria respectiva. = Miguel Bombarda.

Mandou-se expedir.

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8 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O Sr. Presidente: - Consulto a Camara sobre se consente que seja publicada no Diaria do Governo a representação mandada para a mesa pelo Sr. Deputado Pimenta Telles, sobre o clero do Algarve.

Consultada a Camara, foi autorizada a publicação.

ORDEM DO DIA

Convenção com a Allemanha

O Sr. Presidente: - Vae-se entrar na primeira parte da ordem do dia. Está em discussão o parecer n.° 11.

Tem a palavra o Sr. Deputado Affonso Costa, mas previno S. Exa. de que apenas tem vinte e cinco minutos e mais um quarto de hora, para concluir o seu discurso.

O Sr. Affonso Costa: - Na sessão passada procurou fixar qual era, no seu entender, a orientação a que obedeceu o tratado de commercio com a Allemanha, e não se querendo deixar arrastar nem pelos optimistas nem pelos pessimistas, tratou de analysar em relação a cada classe os effeitos que podem esperar-se do tratado, parecendo-lhe poder concluir-se que a unica vantagem que d'elle pode advir é servir de base para negociações futuras.

A classe que Considera mais numerosa, a dos consumidores, nenhuma vantagem tira do tratado, pelo contrario impende sobre ella a ameaça do aggravamento dos géneros da tabella A.

Na classe commercial, só algumas casas exportadoras de vinho do Porto, e essas na maioria estrangeiras, é que podem tirar alguma vantagem.

A classe agricola tambem não tira resultados, porque de todas as culturas só a do vinho é apparentemente beneficiada.

Quanto ás industrias, só a parte parasitaria da industria portuguesa é que pode beneficiar.

Na classe industrial ha quem seja digno de applauso, mas ha tambem parasitas, as taes plantas de estufa de que falou o Sr. Ministro dos Estrangeiros, e é precisamente essas industrias, que elle, orador, chama parasitarias, que pelo tratado podem ser beneficiadas quando se elevem os direitos dos artigos da tabella B.

A questão dos vinhos em face do tratado com a Allemanha tem sido estudada nesta Camara e lá fora, mas ainda não se chegou a definir qual a situação criada a Portugal para o seu primeiro ramo de exportação.

Apresenta-se como uma grande conquista o ficarem os nossos vinhos equiparados ao Marsalla e o reconhecimento das marcas de procedencia.

Concorrer com o Marsalla não lhe parece facil, não só porque o paladar já a elle está habituado, pois a Italia exporta para ali cerca de 27:000 pipas, como porque vae diminuindo o gosto pelos vinhos fortemente alcoolizados.

Quanto ao reconhecimento da marca de procedencia tambem os resultados não podem ser o que se tem dito, porque se a Allemanha, pelo tratado, se compromette a prohibir o commercio de vinhos que não tenham a marca autentica de Porto e de Madeira, não prohibe a sua importação e continuarão como até aqui a fabricarem-se em Hamburgo esses vinhos artificialmente.

Em Portugal o que falta aos vinicultores é a iniciativa, pois tudo esperam da protecção do Governo.

Em Italia, no fim de 1908, estavam constituidas cento e vinte cooperativas e algumas d'ellas com capital tal que faria rir os italianos que vissem os nossos vinicultores mendigar do Estado uma protecção que é escandalosa.

É preciso ver as cousas como ellas são, aproveitar o tratado da Allemanha como ponto de partida, mas não o elevarmos a tal ponto que, quando amanhã quisermos negociar com outra potencia, ella nos julgue suficientemente compensados, dando-nos metade do que nos dá este tratado, que não é cousa nenhuma.

O favor que ainda pode haver em relação aos vinhos do Porto e da Madeira é largamente compensado com o desfavor criado a todos os outro typos de vinho.

Fala-se ainda nos vinhos para lote e para queima. Com respeito, á queima não deve haver illusões, porque a Allemanha, que tem alcool industrial de primeira ordem, não necessita de vinho para queimar.

A questão dos vinhos de lotação tambem é pessima. A forca alcoolica até 20 por cento de peso, ou 252° centesimaes, e com o minimo de 28 grammas de extracto seco por litro de liquido, não existe nos nossos vinhos. Quem os tem licorosos e inatacaveis é a Italia.

É, portanto, uma illusao, uma nuvem passageira, uma verdadeira miragem que se quis metter dentro do tratado. Nada mais.

O que é um facto, porem, é que os viticultores e vinicultores, que tanto se queixam, não teem empregado todos os seus esforços, individuaes ou congregados, para fazerem dessa grande riqueza a base da, riqueza iodividual e collectiva.

É bom porem os olhos na Itália, que se defende com magnificos tratados de commercio, com fretes e tarifas especiaes, mas fazendo entretanto uma producção boa e ao mesmo tempo barata.

O Sr. Presidente: - Adverte o orador de que faia ha uma hora, tendo mais um quarto de hora para concluir o seu discurso.

O Orador: - Não sabe se poderá tratar num simples quarto de hora da questão grave que está sendo debatida, sem necessidade de voltar a ella. Ser-lhe-hia preferivel tratar hoje inteiramente da questão. Espera, para o conseguir, que a Camara consinta; caso contrario, falará noutra occasião.

Continuando, observa que o problema vinicola ficou muito mal regulado no tratado de commercio com a Allemanha, e pessimamente porque se foi ligar esse problema ao dos transportes.

Descurou-se precisamente o eixo do problema, a chave da questão.

Os transportes não ficam, regulados, ficam, sim, na mão dos nossos alliados commerciaes da Allemanha, que favorecem outras nações com igual tratamento de nação mais favorecida.

O Estado allemão tem ingerencia directa nas suas companhias de navegação mercantil, que são poderosissimas. 625 navios cruzam incessantemente o mundo inteiro, com. uma tonelagem para mais de dois milhões. A protecção do Estado allemão reveste todas as formas desde o auxilio do Governo até as innumeras modificações nas tarifas.

O que é certo todavia - e que o Sr. Presidente do Conselho não ignora - é que as companhias allemãs estão fazendo um mal enorme á nossa exportação de vinhos para o Brasil. As companhias allemãs associaram-se em tempo com as companhias inglesas para, por esse modo, matarem os pioneiros da nossa economia, do nosso trabalho. Acordaram em baixar as suas tarifas e todas as companhias de transporte veleiro ficaram, mortas. Feito isto, elevaram os fretes a um preço muito superior.

Ora com quem nos deviamos negooiar tratados de commercio era com o Brasil. Era aqui que podiamos metter todas as nossas riquezas, porque é no Brasil que reside o nosso principal mercado. É n'elle que podemos encontrar refugio. Comtudo, deixamo-lo num completo e criminoso abandono.

Portugal está miseravelmente collocado em relação ás nações que teem tratados de commercio com a Allemanha.

N'esta altura, o orador destaca a pessima situação em que se encontra o lavrador que quer exportar os seus productos pela via fluvial e que paga tanto ou mais como se os

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exportasse para Southampton, Londres ou Liverpool. Classifica essas associações de malfeitores, com as quaes estão ligados os interesses dos potentados da politica e das finanças.

Precisa collocar esta questão bem alto e clara: não basta arranjar mercados, é necessario attender aos transportes. E esse o ponto capital que se não pode desprezar.

Mas não quer elle, orador, a proposito da questão de transportes em Portugal, que é, a seu very uma questão economica do mais alto interesse, alargar-se em considerações que poderiam considerar-se inopportunas.

Accentua, entretanto, que já mandou para a Presidencia um aviso previo ao Sr. Ministro das Obras Publicas sobre a situação privilegiada, quasi insolente, que occupa a Companhia dos Wagons-Lits, que nos impõe uma tarifa exorbitante nos seus carros empoeirados e sujos. Imagine-se que essa companhia fornece um vinho de Collares a 800 réis a garrafa a quem o quiser beber.

O Sr. Presidente: - Adverte o orador de que decorreu a hora regimental.

Vozes: - Fale, fale.

O Sr. Presidente: - Em vista da manifestação da Camara, dá a palavra ao Sr. Affonso Costa para concluir as suas considerações.

O Orador: - Agradece á Camara a sua deferencia em conceder-lhe que continue no uso da palavra por mais algum tempo, e, proseguindo na sua orientação, declara que em Portugal se tem desprezado a questão das tarifas do caminho de ferro quer para os productos, quer para os passageiros. Todas as questões que dizem respeito á economia publica estão abandonadas. Estamos sendo roubados descaradamente sob o ponto de vista economico. O cidadão é roubado, sobretudo, pelas companhias parasitarias, famelicas, estrangeiras, que lançaram em Portugal as suas raizes, frutificando e expandindo-se. E preciso sob este aspecto que todos nos façamos uma cruzada no sentido de se transformar essa tremenda situação em que nos encontramos.

Voltando á essencia da questão, vae referir-se a dois gravissimos defeitos, mesmo indesculpaveis, que o actual Sr. Presidente do Conselho deixou escapar neste tratado de commercio e que podem trazer alguns dissabores. São as duas notas do protocollo em que a Allemanha nos prohibe de alterar a forma de percepção dos direitos aduaneiros, e fazer qualquer beneficio aos açucares de cana em prejuizo dos seus açucares de beterraba;

Era absolutamente indispensavel deixar livre ao Estado portugues a faculdade de poder estabelecer o modo de percepção dos impostos aduaneiros, em relação á espécie da moeda, quando muito bem o entendesse. Foi mais um ponto theorico do Sn Presidente do Conselho; foi mais um esquecimento esse de não querer estabelecer em Portugal a tributação aduaneira em ouro, no todo ou em parte. Não pode deixar de censurar a liberdade com que se permittiu escrever essa clausula no tratado.

Não quer prender a attenção da Camara com dissertações sobre o direito aduaneiro, e só quer chamar a attenção do Governo para o facto de se poder introduzir modificações num tratado de commercio quando existem clausulas que, não podem aproveitar á parte contraria, como de resto se fez no dia da assinatura do tratado de commercio com a Allemanha.

O povo está oneradissimo com pesados impostos; e ninguem dentro deste país que tenha a pretensão de conhecer as suas necessidades pode deixar sair das mãos a possibilidade de modificar o systema de percepção dos impostos aduaneiros.

Outro ponto importante - e esse sabe-o, elle, orador que foi exigido pela Allemanha - é o que diz respeito ao açucar.

Foi o golpe final, guardado para a hora dulcissima do beija-mão. E nesse momento solemne muito embora o rosto do Sr. Wenceslau de Lima não deixasse transparecer muito claramente a magua por essa ultima exigencia, o rosto do Sr. Ministro da Allemanha devia estar radiante.

Só o rosto de Sua Majestade devia ser inexpressiva, porque de açucar o que o Sr. D. Manuel entende é que as lambarices sabem bem, porque está na idade em que se comem as cousas doces ás escondidas da mamã.

Tem o Brasil dois géneros para collocar sob protecção: o açucar e o café.
Deseja o Brasil conquistar um logar onde tenha os seus productos, para ponto de partida, e essa aspiração só Portugal lha pode satisfazer.

Certamente que o Brasil nos saberia agradecer e recompensar. Talvez daqui surgisse a base da riqueza commercial de Portugal.

O Brasil, nossa antiga colonia, devia ser equiparado ás nossas colonias, ou estabelecendo-lhe um pequeno differencial protector.

Em sua opinião, achava de uma grande utilidade economica e social se se procurasse antes negociar um tratado de commercio com o Brasil, e, em seguida, com a Inglaterra. Então - e só então - se poderia dizer que se havia feito uma obra que o país tinha de aplaudir como base da sua riqueza.

Mas dizer-se - como o disse o Sr. D. Luis de Castro - que o Brasil não quer tratados de commercio, não passa de simples frase. E sabido que o Brasil está negociando com o mundo inteiro.

Consinta-se-lhe que diga - entrando propriamente no assunto do tratado - que do balanço entre Portugal e a Allemanha o que nos fica é apenas o vinho.

De resto, o Sr. Wenceslau de Lima deve estar plenamente convicto de que do tratado nada de solido e real pode resultar.

Assim observe-se o que se escreveu ácerca de passas de uva, de laranjas e de limões. Estes quasi não chegam para o consumo nacional.

A região do Douro teve - é certo - excellentes pomares com frutos de primeira ordem, saborosos e doces, como nenhuma outra região tem, mas levados na anciã de produzir, vinho, arrancaram tudo, para plantar cepas. Hoje veem pedir protecção especial.

Já elle, orador, disse que emquanto aos géneros de primeira necessidade o Sr. Presidente do Conselho não se propôs fazer abaixamento algum nos direitos pautaes" Apenas na carne de vaca seca, nas especiarias e no mel se fez um pequeno abatimento.

Recorda, a seguir, a affirmação feita na ultima sessão pelo Sr. D. Luis de Castro, quando se referiu ás classes trabalhadoras, dizendo que ellas se alimentavam admiravelmente para o trabalho que produziam. Todos nos sabemos claramente que nem lá fora, onde os salarios são quasi o dobro do que se paga em Portugal e onde a vida custa metade do que custa no nosso país, os operarios se alimentam bem. Dizer-se isso é uma verdadeira blasphemia, porque a verdade é que as classes trabalhadoras morrem de consurnp.ção, a todo o momento se veem morrer operarios tuberculosos, e morrem ainda, moralmente, ao verem morrer de fome os seus filhos.

Numa discussão desta ordem não pode deixar passar, sem um grito de protesto contra a nefasta tributação dos géneros de primeira necessidade, sobretudo para aquelles que elle, orador, vae tratar e para os quaes chama a attenção do Sr. Presidente do Conselho, do Sr. Ministro dá Fazenda e do Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros.

Para a abolição do imposto do consumo associa-se sin-

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ceramente o partido republicano, não se importando de modo nenhum que com essa abolição se acarretem encargos para as classes ricas do país.

Como generos alimenticios das classes pobres temos o arroz, que, de 39 réis de direitos pautaes que pagava, passou a 40 réis. O açucar, recommendado pelos hygienistas como base de alimentação, sobretudo na vida infantil para formação e desenvolvimento das crianças, é tributado com 145 réis. O açucar, com as taxas addicionaes, direitos de alfandega e emolumentos, paga 300 por cento do seu valor!

Isto é simplesmente uma forma fiscal de fazer dinheiro á custa da miseria; é arrancar ao pobre trabalhador a substancia alimentar dos seus filhos para o Estado receber dinheiro.

Urge, pois, immediatamente tratar de reduzir, progressivamente, os direitos sobre o açucar.

O chá tambem pode ser, em certas circunstancias, um alimento, e até um remedio. Consome-se numa grande percentagem entre os povos civilizados. O direito pautai é de 1$000 réis por kilogramma em Portugal, quando em Espanha é de 270 réis!

Emquanto ao bacalhau nos importamos 20.000:000 de kilogrammas. É o alimento do pobre; não tem outro, porque o peixe fresco e a alimentação vegetal, como batatas, feijão, etc., são carissimos. Encontra-se, portanto, o povo pela carestia e falta de alimentos de caracter agricola, em frente do unico genero que era tido como o alimento do pobre: o bacalhau. Ao tempo, quando ainda não ha viam syndicatos, era esse genero barato, mas agora é tributado immensamente pelo Estado. É necessario que este genero de primeira necessidade venha para mais barato. Faça-se a experiencia de descer lenta e successivamente o seu cvisto, que pequenos prejuizos advirão para o Thesouro.

Deve cuidar-se ainda de outro artigo da pauta que não serve senão para desenvolver industrias parasitarias. É o que se refere ao papel, cuja pasta para a sua fabricação é importada do estrangeiro.

A Allemanha fornece papel á razão da 5$500 réis cada 100 kilogrammas, que, com todos os direitos, fica-nos por 8$700 réis; o papel nacional custa-nos 9$700 réis! Veja-se se tal industria se pode proteger!

Allude, em seguida, ás representações do Centro Commercial do Porto e da Associação de Lojistas de Lisboa, para que se não pusessem em vigor os aumentos da pauta sem ser feito previamente um inquerito ás forças economicas do país.

Lamenta a frase final do discurso do Sr. D. Luis de Castro, quando S. Exa. se referiu com desdém ao Centro Commercial do Porto, o que, em seu entender, tal não merecia. Foi uma frase injusta e não podia traduzir de forma nenhuma o pensamento de S. Exa.

Declara tambem que recebeu uma representação do comrnercio dos relogios, que tem a honra de mandar para á mesa, e pede para que seja publicada no Diario do Governo.

Acha essa reclamação justa, e de mais não traz prejuizo para o Thesouro, nem diminuição de impostos.

Trata depois do aumento de tributação em certos tecidos, como: algodão, lã e seda, sarjas, crepes, zephires, algodões tintos e outros tecidos mistos, fazendo a sua comparação tributaria com a da Espanha, de França e outros países.

Antes de terminar, chama a attenção do Sr. Presidente do Conselho para a luta que teem feito os negociantes al-lemães ácerca do tratado, que por serem partidarios do país contratante não deixam de merecer menor respeito do que os nacionaes.

Resumindo em duas palavras as considerações, o orador declara que o tratado tal como está teju defeitos e tem virtudes; é uma base excellente pelo precedente que se estabeleceu de uma nação pequena como a nossa efectuar um tratado de commercio com uma nação poderosa; tem clausulas impossiveis de remediar e outras que se podem modificar, sendo o peor defeito a ligação da tabella A com a tabella B.

Termina, pedindo ao Governo que se comprometta solemnemente perante o Parlamento do seu país a que não Fará alterações na pauta sem duas condições: a primeira ouvir todos os interessados na economia portuguesa; a segunda não beneficiar ninguem sem ter primeiramente beneficiado o povo com o abaixamento de direitos nos generos de primeira necessidade.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Wenceslau de Lima): - Sr. Presidente: tenho assistido com interesse a este debate...

O Sr. Brito Camacho: - Peço desculpa ao Sr. Presidente do Conselho, mas eu tinha pedido a palavra para um negocio urgente.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Wenceslau de Lima): - Não tenho a menor duvida em me sentar, se a Camara, assim o entender, para ser dada a palavra ao Sr. Brito Camacho.

O Sr. Presidente: - Pareceu-me que o Sr. Presidente do Conselho tinha pedido primeiro a palavra. No entanto convido o Sr. Brito Camacho a vir á mesa declarar qual o assunto de que deseja tratar.

(Pausa).

O Sr. Presidente: - O assunto urgente de que o Sr. Brito Camacho deseja occupar-se é o seguinte:

Desejo tratar, em questão urgente, da situação da empresa concessionaria dos caminhos de ferro do Alto Minho e que importa violação, em prejuizo do Estado, do respectivo contrato. = Brito Camacho.

Consultada a Camara, rejeitou a urgencia.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Wenceslau de Lima): - Tem seguido com toda a attenção este debate e comprehende-se quanto elle pode interressá-lo, incidindo sobre um assunto que, como Ministro dos Negocios Estrangeiros, teve de tratar, e ao qual dedicou o melhor do seu esforço, da sua boa vontade pelos interesses do país; deve, pois, dizer que tem visto com satisfação que aquelles que lhe teem feito a honra de defender o seu trabalho, o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, o Sr. D. Luis de Castro, que sente não ver presente, e o illustre relator da commissão, Sr. Mello Barreto, os que sobre elle teem feito observações, o Sr. Pereira de Lima e o Sr. Zeferino Candido, e os que o teem atacado, como os Srs. Brito Camacho e Affonso Costa, todos reconhecem o esforço que foi necessario empregar para, em circunstancias particularmente difficeis, poder chegar a firmar-se um tratado com uma poderosa nação como é a Allemanha, tratado que o Sr. Affonso Costa acaba de declarar que considera como sendo um facto importante, por isso que será o inicio de um periodo de realização de tratados.

Comprehende-se bem que nenhuma outra nação podia, para Portugal, offerecer uma base de negociações tão solida e util para os interesses economicos do que a Allemanha, e naquillo que se pode conseguir está incluido absolutamente quanto, não só no seu modo de ver, como no dos seus predecessores, parecia conveniente obter ao considerar que o regime de tratados devia ser iniciado com essa nação.

É claro que não esperava do Sr. Affonso Costa, dada a sua situação politica na Camara, cumprimentos, felicita-

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ções ou elogios ao negociador do tratado; mas atacando-o o illustre Deputado como o fez, facil lhe será demonstrar que os erros que S. Exa. encontrou e os defeitos que apontou de pouco ou valem ou nada valem.

E n'essa demonstração vae entrar, não desejando alongar o debate, mas não desejando tambem deixar sem resposta os pontos para os quaes o illustre Deputado chamou a sua attenção.

Apontou S. Exa. que as notas reversaes a que se refere o artigo 1.° do tratado não vieram juntas ao projecto. E exacto; mas estão impressas no Livro Branco distribuido ao Parlamento, juntamente com o parecer da commissão, e fazem parte integrante do tratado que foi assinado, como se acha impresso, sem que o negociador, por parte de qualquer dos países, exigisse que as notas fossem materialmente appensas.

E desde que foram presentes á commissão para que sobre ellas pudesse dar o seu parecer, e desde que foram presentes ao Parlamento, embora impressas em folha aparte, necessariamente o Parlamento d'ellas tomou conhecimento e sobre ellas pode pronunciar-se.

Quanto á emenda á redacção do artigo 2.° mandada para a mesa pelo illustre relator, disse que o que se pretende é addicionar á carta de lei de 20 de setembro de 1908 os artigos que neste tratado figuram como vinculados ou alterados os seus direitos, porque, em virtude da clausula do tratamento de nação mais favorecida, expressa nessa carta de lei, quando tenhamos de negociar com outra qualquer potencia igualmente lhe é transmissivel, por effeito dessa clausula, o que estiver preceituado no tratado da Allemanha. D'ahi a conveniencia de reunir num só diploma tudo quanto respeita a negociações de tratados.

Quanto ás affirmações de facto feitas pelo illustre Deputado, declara que a doutrina de que o tratado beneficia mal os vinhos do Porto e da Madeira e deixa em situação deploravel os vinhos do sul não tem o menor fundamento. Os vinhos do sul ficam pagando o mesmo que pagam os outros e são francamente os vinhos do sul aquelles que ficam gozando maior beneficio porque são os que teem mais percentagem de extracto seco, o que lhes permitte serem importados na Allemanha como vinhos de lotação e por isso com um direito ainda mais reduzido.

Pela tabella da analyse dos vinhos que incorreram exposição de Paris de 1889 se vê que a percentagem do extracto seco dos vinhos do sul excede em geral os 28 exigidos pela pauta allemã, ao passo que os do norte os não attingem.

Poderá talvez dizer-se que ha muitas regiões do sul cujos vinhos não dão esse extracto seco, mas a isso responderá que é fácil corrigir essa falta não só por processos de vinificação, como ainda por systemas de enxertia e de plantação, como o diz no seu relatorio o Sr. Motta Prego, illustre agronomo, o qual tambem acertadamente expõe a necessidade de adaptar a qualidade da producção ás exigencias dos mercados.

O tratado é uma excellente arma, mas é necessario que se empregue o devido esforço para a utilizar.

O unico beneficio especial que os vinhos do norte teem sobre os vinhos do sul é a marca regional, mas essa tanto é para o vinho do Porto como para o vinho da Madeira, isto é os dois unicos vinhos de nome constituido e mundial, o que evidentemente não podia ser reclamado para os vinhos communs que não possuem marca mundial acreditada e que portanto não poderiam alcançá-la agora neste tratado.

Disse ainda o Sr. Affonso Costa que o mesmo vinho do Porto está insufficientemente garantido, por isso que, se era prohibido vender as imitações no mercado allemão, não era prohibido importá-las e se se importavam haviam de vender-se. A importação não podia o Governo Allemão prohibi-la dada a constituição d'aquelle imperio e a organização dos seus portos francos; mas a venda em todo o imperio é que não se fará. Pode ser vendido apenas para reexportação.

A lei de 1904, acrescida pela lei publicada na Allemanha sobre commercio de vinhos, e que tem a data de 7 de abril de 1909, garante-o plenamente. Talvez pelas diligencias do nosso Ministerio dos Estrangeiros se encontra ahi uma alinea que, confrontada com os §§ 21.° e 28.° da mesma lei, mostra não ser necessario que os proprios interessados se queixem das contravenções para que as autoridades allemãs contra ellas procedam.

O Sr. Affonso Costa: - Oxalá que na Allemanha se interpretem assim esses paragraphos que não estão nas negociações.

O Orador: - Responde que não estão nem podiam estar porque a lei é posterior ao Livro Branco.

O Sr. Affonso Costa: - Crê que ambos estão de acordo em que é necessario que a autoridade judicial allemã faça punir as contravenções; simplesmente nessa lei só está incumbida á policia a fiscalização, mas não expressamente declarada qual seja a acção penal sem a acção dos interessados.

O Orador: - Accentua que na lei estaca sancção penal e quem deve pugnar pela sua execução. É dessa lei, que é recentissima, que espera muito, conjugada com a anterior e com a acção consular, que tambem pode ser exercida, fora da acção dos particulares.

Mais ainda: ha a boa fé com que a Allemanha sempre negocia. É o proprio Governo Imperial que, não podendo impedir nos seus portos francos a importação das imitações do Porto e Madeira, dá a prova da sua lealdade não só impedindo a venda, por meio defuma lei especial, posteriormente decretada mas ainda convidando o Governo Português, na nota que leu, a obter das outras potencias a interpretação que elle dá á doutrina do convénio de Madrid sobre marcas regionaes.

Crê, pois, que quanto era, humanamente, possivel conseguir-se foi obtido com vantagem para os vinhos do Porto e Madeira e com iguaes ou superiores vantagens para os vinhos do sul.

Entretanto, se os que teem na mão este instrumento de trabalho delle não usarem nada se conseguirá: se os negociantes portugueses não seguirem o exemplo, que o Sr. Affonso Costa lhes apontou, do que praticam os negociantes de outros países, taes como a Espanha e a Italia, nada alcançarão; mas o tratado obteve para o commercio de vinhos portugueses tudo quanto teem as nações mais favorecidas da Allemanha, quanto tem a propria Italia sua alliada, e obteve ainda mais porque a Itália não tem garantia para a sua marca regional do Marsala.

Por aqui vê a Camara que o negociador do tratado não foi tão imprevidente nem tão infeliz como o Sr. Affonso Costa declarou e de que, effectivamente, muitos e alcançou deram testemunho os Srs. Pereira de Lima e Melle Barreto, referindo os clamores que este tratado tem levantado na Espanha, na Italia e na França, que se arreceiam de ver os seus vinhos batidos na concorrencia.

O Sr. Pereira de Lima: - Apenas me referi aos vinhos generosos.

O Orador: - Accentua que as mesmas vantagens que teem, por exemplo, o Marsala se obtiveram para os vinhos communs portugueses, sob o ponto de vista do direito lautal.

O que o entristece é que o esforço feito e o resultado obtido mais seja apreciado pelos estranhos do que pelos proprios portugueses; mas os receios dos estranhos indicam evidentemente o muito que se alcançou.

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12 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Continuando na sua resposta ao illustre orador que o precedeu, lamenta a acrimonia com que elle se referiu ao que chamou industrias parasitarias, accusando-o de pretender criar-lhes uma situação privilegiada, no intuito mesquinho de agradar á sua clientella politica do Porto. Não tem essa clientela.

O Sr. Affonso Costa: - É porque a perdeu desde que é Presidente de Conselho.

O Orador: - Não é assim. De resto se a tivesse perdido como Presidente de Conselho demonstrava, apenas, que não tinha feito favores e que desempenhava o seu logar sem intuitos de engrandecimento politico; mas não a tinha antes, nem a tem agora. Descanse S. Exa. que não vae caçar no seu terreno.

Obteve porem beneficios para toda a agricultura e em varias das suas ramificações, como muito bem fez notar o J3r. D. Luis de Castro citando diversas producções que podem ser aproveitadas para a exportação, concorrendo com a Italia, vantajosamente.

Relativamente ao excesso de industrialismo a que se referiu o Sr. Affonso Costa, entende que a maneira de corrigi-lo está, justamente, em chamar braços e capitães para a agricultura e em fazer com que ella de collocação áquelles que hoje vão procurar o seu pão á industria. Para isso basta pregar como a França, a Allemanha e a Italia estão pregando, o regresso á terra, e para isso exactamente abre o tratado um largo e vasto campo de acção.

O que o tratado não podia nem devia fazer era arrancar á industria portuguesa, que, bem ou mal, se constituiu á sombra da pauta de 1892, e que tem hoje, principalmente em algodões, lanificios e metallurgia, convertido milhares de contos e milhares de braços, aquillo que á sombra dessa lei ella criou. Fosse boa ou má a orientação desse tempo, não lhe compete a elle, orador, julga-la ou corrigi-la, mas apenas acceitar os factos e não illudir a sua significação.

Numa tal obra de transformação entende ser necessario proceder com cautela e com ponderação, abrindo novos campos á actividade dos agricultores portugueses e dos capitaes que da agricultura se teem desviado. A industria portuguesa merece, porem, ser protegida; d'ella carecemos.

É-lhe facil demonstrar que Portugal não tem as pautas mais pesadas do mundo, como disse o Sr. Affonso Costa, e está longe desse excessivo proteccionismo que o país é; o primeiro a apregoar, criando grandes difficuldades para os que teem de negociar tratados, quando lá fora ninguem se queixa de protecção excessiva e, bem pelo contrario, se acha que as suas pautas são o que ha de mais justificavel, principalmente quando se pensa no recrudescimento de proteccionismo que em outras nações se tem manifestado, como nos Estados Unidos e na Franca, para, se defenderem dos elementos que não podem deixar de ser tomados era conta por quem quer fazer tratados.

Do mesmo modo entende que não podem comparar-se pautas na sua totalidade, mas apenas pauta a pauta em relação ao commercio entre dois países. Nesse sentido iniciou no Ministerio dos Estrangeiros um trabalho que tem sido continuado e de que lê á Camara alguns resultados que confirmam a sua asserção.

Se empregou alguma vivacidade em destruir este argumento do Sr. Affonso Costa foi por que pretendeu mostrar a boa vontade com que tratou o assunto e a forma como procurou destruir as relutancias na nação allemã, demonstrando-lhe que a nossa pauta não era exageradamente proteccionista.

E para que não se veja entre as suas palavras defendendo calorosamente a industria nacional e as que pronunciou o :Sr. Ministro dos Estrangeiros uma contradição, accentua que aquelle Ministro disse que muitas industrias eram em Portugal como plantas de estufa, que se tinham constituido á sombra da lei de 1892, mas que uma vez constituidas não podem ser destruidas e devem ser respeitadas.

O Sr. Affonso Costa: - O peor é que devoram adubos que deviam ser para a economia publica.

O Orador: - Crê que não devoram tanto como o illustre Deputado quer fazer suppor, porque, se é certo que vivem á sombra de uma protecção pautai, o mesmo acontece igualmente em nações poderosas como a Allemanha, a França, a Italia, os Estados Unidos, a Espanha, a Russia e tantas outras nações, como se demonstra vendo, por exemplo, a pauta russa, norte americana e espanhola, mais pesadas do que a portuguesa, mesmo com relação aos tecidos.

Empregará pois os seus esforços para que a industria portuguesa possa desenvolver-se e de par com ella a agricultura, de modo que não tenha de ser uma preoccupação grave o destino a dar a milhares de braços no dia em que á industria portuguesa se tornasse por acaso uma ruina.

É assim que entende que se protege o povo trabalhador: dando-lhe a possibilidade de trabalho remunerador. Sente a necessidade de defender o tratado e de defender a industria portuguesa; não precisa, porem, alongar-se, como poderia fazer, multiplicando os exemplos do que affirma para demonstrar quão pouco justificadas são as observações feitas.

O Sr. Presidente: - Previno o orador de que decorreu a hora. regimental e tem um quarto de hora para concluir as suas considerações.

O Orador: - Fará quanto possa para concluir dentro desse quarto de hora que o regimento lhe concede.

Assegura que o tratado com a Allemanha não é, como receava o Sr. Affonso Costa um obstaculo á realização do tratado com o Brasil, parecendo lhe que S. Exa. comprehendeu mal a troca de notas referentes ao açucar de beterraba.

E o Sr. Zeferino Candido quem vae defende-lo neste ponto, porque disse, e muito bem, que o duello entre o açucar de beterraba e o açucar de cana era d'aquelles que mais impressionavam o mundo economico.

Sendo assim, a Allemanha, que é a principal ou uma das principaes nações empenhada no desenvolvimento da cultura da beterraba e do commercio do açucar de beterraba, não acceitaria, por certo, que lhe pedissem para sacrificar essa sua industria.

O Sr. Affonso Costa: - Eu queria que as negociações fossem fechadas com o Brasil antes de acceita essa clausula.

O Orador: - Tem sempre resposta pronta porque é muito cauteloso na sua maneira de proceder; por isso explica que, não podendo pedir á Allemanha que prescindisse d'esse beneficio, em vez de deixar no tratado, como estava, a clausula referente ao açucar, conseguiu tirá-la de lá para a pôr numa nota.
Não precisou, portanto, ficar com aquella cara que o illustre Deputado descreveu, quando acceitou a troca da nota; ficou até com uma cara muito satisfeita.

O Sr. Zeferino Candido: - Eu disse que se podiam dispensar os beneficios do açucar.

O Orador: - Acrescenta que, antes de negociar o tratado com a Allemanha, offereceu ao Brasil importantes reducções sobre o açucar, e empregou todas as diligencias

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SESSÃO N.° 52 DE 25 DE AGOSTO DE 1909 13

para fechar o tratado com o Brasil em 1904. Sendo então reconhecida pelo Brasil a sua boa vontade em realizar um convénio commercial com aquella grande republica, o nosso Ministro no Rio mandava dizer que a promessa da manutenção do statu que - tratamento da nação mais favorecida - era feita a Portugal em reconhecimento da boa vontade affirmada no decorrer das negociações.

Não commetteu nenhuma indiscrição porque pediu autorização, que lhe foi concedida, para quando fosse necessario fazer uso da communicação que a Camara acaba de conhecer.

O Sr. Zeferino Candido: - O Ministro da Fazenda de 1904 era o que actualmente gere no Brasil a mesma pasta?

O Orador: - Responde affirmativamente e acrescenta que em 1908; quando novamente geriu a pasta dos Estrangeiros, novas diligencias fez, incumbindo d'ellas o Sr. Jayme Soguier, que então não encontrou possibilidade das negociações proseguirem, e que actualmente e por parte do seu collega dos Estrangeiros, por sua parte e por parte de todo o Gabinete, ha toda a boa vontade, diligenciai esforço para que se possa realizar um tratado de commercio com o Brasil, não tendo sido para tal fim, descurado nenhum alvitre.

(Interrupção do Sr. Zeferino Candido).

Continuando, salienta que as negociações teem sido entabuladas no Rio pelo representante de Sua Majestade, e pede á Camara que acompanhe o Governo neste proposito, sem entrar em mais largas discussões que são melindrosas. X

(Interrupção do Sr. Zeferino Candido).

Crê que a sua affirmação está feita e documentada: o Governo não se lançou na negociação de um tratado sem primeiro cuidar do tratado com o Brasil.

Na questão dos transportes tem opinião diversa da do illustre Deputado Sr. Affonso Costa.

Se pudesse incluir no tratado todas as suas aspirações, evidentemente lá estaria isso, mas não havia direito de exagerar os pedidos de favores.

O Sr. Presidente:-Previne o orador de que decorreu o prazo regimental.

Vozes: - Fale, fale.

O Orador: - Entende que esta questão dos transportes é muito delicada e que, se por vezes é incluida nos tratados quando são realizados entre nações limitrophes, mais difficilmente pode isso alcançar-se quando se trata de
transportes maritimos. Tal desideratum seria até impossivel com a Allemanha, porque tinha de acceitar o conjunto dos seus tratados.

Deve, porem, accentuar que o Governo Português tem em toda a consideração este assunto e o Sr. Ministro dos Estrangeiros d'elle se occupa e com elle se preoccupa assiduamente, procurando resolve-lo.

Crê, porem, que será. mais fácil resolver esta questão quando o tratado entre em vigor e quando pela permuta do commercio melhor se veja quanto o Governo Allemão tem á beneficiar com a execução do tratado.

O Sr. Affonso Costa queria que o tratado resolvesse todas as questões economicas do país: o barateamento dos géneros alimenticios, a melhoria das classes trabalhadoras, tudo, emfim. Ora o tratado não tinha nem podia ter semelhante objectivo. Que grandemente concorrerá para uma melhor situação economica é sua plena convicção.

Encerra as suas considerações, dizendo que o tratado não impõe ao Governo a obrigação de pôr em execução immediata as tabellas A e B. O tratado dá-lhe essa faculdade e d'ella não pode, nem deve o Governo prescindir.

O Sr. Presidente: - Consulto a Camara sobre se consente a publicação no Diario do Governo da representação enviada para a mesa pelo Sr. Deputado Affonso Costa.

Foi autorizada a publicação.

O Sr. Presidente: - Marco a primeira sessão para a proxima sexta feira, 27 do corrente, á hora regimental, e designo para ordem do dia: na primeira parte a discussão dos pareceres n.ºs 11, 22 e 80 e na segunda parte a dos pareceres n.ºs 75, 10, 20, 21 e 24.

Está levantada a sessão.

Eram pouco mais de 7 horas da tarde.

Documentos mandados para a mesa nesta sessão

Representações

De varios ecclesiasticos e outros cidadãos do districto de Faro, pedindo que não sejam approvadas as leis do registo civil e do divorcio.

Apresentada pelo Sr. Deputado José Joaquim Pimenta Tello e mandada publicar no "Diario do Governo".

De diversos importadores de relogios da cidade do Porto, reclamando contra a elevação da taxa estabelecida no tratado com a Allemanha.

Apresentada pelo Sr. Deputado Affonso Costa e mandada publicar no "Diario do Governo".

O REDACTOR = Sergio de Castro.

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