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Discurso na sessão de 14 de março, que devia ter logar a pag. 771, col. 2.', lin. 8.ª

O sr. Mendes Leal: — Pedi a palavra sobre a ordem, e em cumprimento das prescripções regimentaes, passo a ler a minha moção:

«Proponho que todos os alvitres que se apresentarem, tendentes a effectuar economias e reducções na despeza publica, sejam enviados á commissão de fazenda, a fim de que esta os aprecie devidamente em parecer especial, sem prejuizo da presente discussão.»

Figura-se-me que esta moção é até certo ponto o contrario da que hontem apresentou o illustre deputado e fecundo orador que me precedeu.

Vozes: — Não está presente.

O Orador: — Como as referencias que terei de fazer a s. ex.ª lhe não são de nenhum modo desfavoraveis, creio póder decorosamente continuar.

Se não me engano, e de certo algum amigo do illustre deputado ausente me esclarecerá quando eu esteja em erro, s. ex.ª propunha que se discutisse o orçamento, dispensando o parecer da commissão de fazenda.

Creio que foi isto.

Não posso aqui deixar de recordar a propria sentença e opinião de s. ex.ª: «importa meditar profundamente as providencias que se apresentam ao corpo legislativo!» Verdadeiro é o conceito, singularmente verdadeiro, e singularmente applicavel n'este caso; grande a auctoridade, e por isso digna de seguir-se. «Os discursos, podem ser improvisos; as leis, devem ser reflectidas.» E devem, não o impugno. Como recomendava, pois s. ex.ª, que se subtrahisse á meditação, e se entregasse ao improviso essa lei das leis? Como a isemptava da consulta previa da respectiva commissão? Que é essa consulta senão uma nova estancia da necessaria reflexão e meditação?

Proponho consequentemente para quaesquer lembranças de economias o contrario do que s. ex.ª propoz para o orçamento, por pensar como s. ex.ª pensa relativamente á conveniencia da analyse e estudo nos assumptos importantes. Importante, sobre todos, é este agora; e não se diga que não incumbe aos deputados propor economias e reducções, porque seria restringir as faculdades legaes e as mais efficazes atribuições parlamentares.

São, além d'isso, as commissões, delegações da camara. A camara não póde cercear-lhes o direito sem lhes retirar a confiança, e sem invalidar as suas mesmas resoluções.

Meditação!... Precipitação!... Entre estes dois extremos se pertende sempre suffocar a acção legislativa. Quando um trabalho é apresentado, ha logo quem intime: «levae-o para meditar!» Se elle se elabora, não falta quem exclame: «escusa-se o preparo, apressemos o debate!»

Sei que estes são pretextos occasionaes ou meios impeditivos. A discussão actual não estorva nenhuma futura correcção no orçamento. Que importa? Impeça-se. Francamente, somos de todos os povos da Europa o que tem levado mais longe a arte de criar obstaculos. Temos ao menos esta preeminencia! Depois queixamo-nos de não ver feito o mesmo que não deixámos fazer! Nem imito nem applaudo o expediente!

Apresentada assim a minha proposta, seja-me licito entrar mais largamente no assumpto que a motivou. Não prometto cingir me sempre strictamente á materia peculiar do projecto que se debate. Não o tem feito os precedentes oradores, e eu não poderia expor as minhas divergencias de alguns dos seus argumentos, se não os acompanhasse nas suas divagações. Versa verdadeiramente, e está versando esta larga controversia, sobre a questão de fazenda, que é uma das mais graves. Tenho que não são inuteis todas as diligencias sinceras para levar a luz aos diversos pontos d'ella!

Não venho impugnar, nem sustentar a proposta do governo. Não venho sustenta-la, porque, a bem dizer, não soffreu impugnação, e porque a sua defeza está naturalmente incumbida a taes, e tão competentes mãos, que seria vaidosa temeridade da minha parte similhante proposito. Tão pouco venho impugna-la, porque não vejo para isso rasão que me convença!

Nas circumstancias em que nos achâmos, quando se trata de pedir sacrificios ao povo, entendo que não devo dissimular o voto; e, dando-o, julgo imperiosa obrigação explica-lo e justifica-lo perante os meus constituintes e perante o paiz!

Julguei mais que não devia dar voto silencioso para não caír na suspeita de doblez, de tibieza... ou demasiada habilidade. Habilidade digo, porque passa hoje por cousa extremamente habil não comprometter opinião. No decurso da minha vida publica tenho procurado sempre as situações definidas. Domina-me, permitta-me a camara esta franqueza, domina-me a superstição da lealdade; e ninguem me leve a mal vaidade tão innocente, porque, se é defeito, se é fragilidade, n'estes tempos, creio, não corre perigo de contagio!

A fusão... e refiro-me a esta entidade politica, ao partido designado com este titulo, porque frequentemente se tem alludido a elle... a fusão existe e subsiste como um facto necessario e patriotico, derivado de uma necessidade profunda. O fraccionamento lamentavel dos partidos ía levando o paiz á dissolução. Perigava seriamente a tranquillidade em consequencia da diffusão das forças, da divergencia de intuitos, da incompatibilidade das pessoas. Continuar por este caminho era approximar a anarchia e arriscar o porvir.

A fusão não foi um pacto de interesses egoístas; foi um accordo de principios, que estão exarados n'um manifesto de todos conhecido. Os actos do governo, que hoje se apresentam á consideração do parlamento, não são senão o seu corollario; o complexo das reformas, que tem sido sucessivamente trazidas a esta camara, não é senão a realisação pratica das doutrinas contidas n'aquelle manifesto. (O sr. Ministro da Fazenda: — Apoiado.)

Como podia eu, que tive a honra de assignar esse programma, oppugnar estas reformas ou ficar-lhes indifferente? Deveria incita-las na hora das promessas, e abandona-las na hora da luta? Faça isso quem quizer. Eu não!

Eis o segundo motivo por que saí do silencio em que voluntariamente me tenho conservado, como quem no litigio das opiniões não tem outro fito e proposito que não seja o serviço da sua patria! Cuido servi-la por este modo nas fileiras do partido que um solemne e commum concerto reuniu e sustenta. Partidos que não' tiverem este intuito não são dignos da vida constitucional!

Póde o meu voto agradar ou desagradar, póde parecer sympathico ou antipathico. Não aspiro a conquistar adherencias. É direito de cada um julga-lo; é dever meu proferi-lo. Profiro-o segundo o que reputo justo e proveitoso á nação. Não fui encarregado de mais; não sou obrigado a mais (Apoiados).

Seja-me ainda permittida uma declaração: não sou nem financeiro, nem politico; e creio que ainda muito menos politico do que financeiro.

Não sou financeiro, porque a sciencia difficil de gerir a fortuna publica não se improvisa; não o sou porque a minha intelligencia é naturalmente rebelde á comprehensão de calculos complicados. Talvez tambem para isto concorram certas predilecções archaistas. Na velha e vernácula linguagem portugueza cifra é zero. Na boa e moderna technologia financeira não se falla senão em cifras. Supponho que d'ahi provirá o entende-las pouco, e concluir dellas... nada (Riso). Menos ainda sou politico, porque se o fôra, aproveitaria avidamente a occasião para cortejar faceis popularidades, e para me collocar n'um d'esses destros equilibrios, que permittem todas as evoluções que facilitam o poder, se poder é o que assim se alcança deixando atraz contradições que o exauthoram!

Não sou pois nem financeiro, nem politico; e reflectindo melhor creio tambem que não sou economista... Decididamente, nem economista, pois que ha na sciencia theoremas que mal comprehendo, e, nos arrazoados, economias que não comprehendo de todo!

Não. Nem economista, nem politico, nem financeiro sou. Não sou mais do que uma voz e um voto; mas uma voz e um voto que unicamente se guia pela sua rasão e consciencia, e que não se torce, nem se dobra, quer a considerações egoistas, quer a especulações partidarias (Apoiados).

Julgo escusado acrescentar que nenhum pessoal interesse me inspira e move. Sabem-n'o todos, amigos e adversarios, e cuido que os actos da minha vida bastarão já para dispensar vulgares protestos. Mas porque estou certo de cumprir um dever, tal como o avalio, mais desnecessario reputo lisongear perigosas paixões.

A popularidade!... Nada tão respeitavel nem tão bello! Não ha para o homem publico mais alta recompensa, quando merecida! Mas eu distinguo duas popularidades. É uma, digamos, matrona sizuda, de porte e de conselho, grave, prudente, recatada sobretudo, que não prodigalisa a eito os seus agrados. E a outra, inquieta, voluvel, caprichosa, inconstante como a moda, ephemera como ella.

Longe de mim arguir, nem de leve, os que requestarem a segunda, e se apaixonarem pelas suas seducções e attractivos. Consinta-se-me sómente que dê as minhas predilecções á primeira.

A popularidade!... Todos a amam, todos a respeitam, todos a desejam. Mas ninguem de certo quererá sacrificar aos applausos de um dia o desempenho de graves deveres publicos, a sorte e o futuro de uma nação. Não o faz nenhum verdadeiro amigo do povo. Ainda menos podem faze-lo os representantes d'elle! (Apoiados.)

Aproveito a opportunidade para agradecer ao illustre deputado pelo circulo 111, que sinto não ver presente, as palavras benevolentíssimas que me fez a distincção de me dirigir, e ao mesmo tempo ao actual sr. ministro da fazenda as expressões não menos benignas com que me favoreceu. Esses obséquios devo só attribui-los a extremos de urbanidade. Por um unico titulo julgo não os desmerecer: pela escrupulosa fidelidade com que, a par do primeiro d'estes dois cavalheiros quando com s. ex.ª fazia parte dos conselheiros responsaveis da corôa, e ao lado do segundo na minha posição actual, sincera e modestamente cooperei, como ainda procuro cooperar, quanto em mim cabia e cabe, em duas situações que, se differem na organisação partidaria, não diversificam na indole reformadora (Apoiados).

O illustre deputado pelo circulo 111 penhorou ainda a minha gratidão, mencionando tão honrosamente os melhoramentos modestíssimos que emprehendi, e tive a fortuna de realisar, sendo pagos pelo ministerio da fazenda, como é uso e pratica em toda a parte; e tanto mais me captiva essa commemoração quanto, nas sommas quantiosas que s. ex.ª teve de satisfazer, aquelles melhoramentos figuram apenas n'uma verba comparativamente minima. É que esses melhoramentos foram pequenos, foram insignificantes, em pro-porção do muito que era necessario e do muito que eu desejava; foram restrictos e parcimoniosos, exactamente para obedecer ás prescripções economicas que o estado da fazenda publica me aconselhava. Esses todavia, não applicados a augmentos de pessoal mas a desenvolvimento do material, creio que indubitavelmente pertencem á classe dos reproductivos, e estão effectivamente remunerando a sua despeza. Apressei-me sempre em mandar a esta camara, e em entregar á publicidade, as contas d'elles apenas conclusos. Foram, quanto de mim dependia, executados com severa economia, com economia tal que provocou muito significativas e de certo não esquecidas iras, e sem temeridade posso asseverar que nunca por somma, relativamente tão pequena, se adquiriram tantas cousas.

Será occasião aqui de me referir, ainda que incidentemente, a uma injusta censura comprehendida entre as muitas com que o illustre deputado por Braga, o sr. Pinto Coelho, verberou largamente o regime liberal. Annunciou s. ex.ª que já se não faziam navios em Portugal, o que foi para mim, e de certo para a camara, novidade estranhíssima! Ponderou mais que os construidos em Inglaterra vinham podres!

Se o illustre deputado não tem para auctorisar taes supposições senão o testemunho suspeito dos detractores systematicos de todas as nossas construcções navaes... todas sem excepção!... se não tem senão esses libellos anonymos, tão vulgares entre nós, e quasi sempre tão infundados, melhor fôra não fazer increpações diante das quaes se levanta a verdade abonada pela experiencia. Quando se não imputaram na imprensa 03 mais monstruosos defeitos a todos os navios novos? Se eram construidos nos estaleiros inglezes, dizia-se que por decoro e proveito nacional deviam ser fabricados no reino; se fabricados no reino, dizia-se que só seriam perfeitos vindo de Inglaterra!

E de uns e de outros não houve arguição que se não escrevesse. Nem admira esta profusão de commentarios sempre acerbos, poucas vezes justos, reflectindo na facilidade com que todos fallam de tudo, entendem de tudo, e decidem de tudo. Nada contentou ainda os Aristarchos. O bom era sempre o contrario do que estava feito, embora o que se fizesse fosse exactamente o que d'antes se havia indicado como optimo. A acredita-los e segui los, não haveria uma só embarcação de guerra, e teriamos marinha militar sem vasos armados, o que de certo seria o mais commodo para utilisar o pessoal e justificar a sua existencia!

Não se fazem já navios em Portugal? Não poucos se têem ultimamente construido no nosso arsenal. Se vão a Inglaterra metter machinas, é porque não seria possivel montar aqui as officinas necessarias, sem grande despendio, que aggravaria a despeza sem utilidade correspondente. Outras nações praticam o mesmo. Têem-se feito navios, não o ignora ninguem; e tanto os construidos em Portugal, como os vindos de Inglaterra, estão ha tres annos, e mais, respondendo a todas as censuras e a todos os censores com largas navegações e excellentes serviços (Apoiados). E não só as construcções se aperfeiçoaram, e vão aperfeiçoando, mas a marinha portugueza recebeu nos ultimos annos em portos estrangeiros, e da parte de estrangeiros competentissimos, na França, em Italia, no Cabo, as mais singulares provas de apreço e estima. Posso dize-lo, porque não é desvanecimento meu, mas honra d'ella!

Julgo desnecessaria maior justificação n'este ponto. Os factos são bem conhecidos e estão patentes!...

Como ía dizendo, modestos melhoramentos foram aquelles, posto que foram melhoramentos (apoiados); e s. ex.ª, recordando-os quiz delicadamente avivar a memoria dos communs trabalhos. Não declino hoje o quinhão da responsabilidade que me cabe nos actos do gabinete de que tive a honra de fazer parte com s. ex.ª, como nunca me subtrahi a tomar n'esta casa, nas graves questões então suscitadas, o quinhão que ás minhas limitadas forças competia. Se as recordações de tal epocha me não fazem saudades, formuladas em termos tão graciosos, por um homem de valia de s. ex.ª, inspiram-me reconhecimento!

Occorre-me porém um receio Quem sabe se a manifestação d'este reconhecimento levará algum espirito, dos que desmaliciosamente cuidam que não póde haver divergencia politica sem sevicias de linguagem, a assentar-me praça em não sei que mysteriosa companhia de elogio mutuo, de que ouço fallar. Pois affronto o risco. Affronto, e confesso, hoje que nos achamos em campos oppostos, a alta capacidade e energia do illustre deputado pelo circulo 111, como as confessava quando tinha a satisfação de ser seu collega no ministerio. Da mesma fórma preso e acato o arrojo e superiores dotes de intelligencia do nobre ministro da fazenda, como quando n'outros actos discordava das suas opiniões. Acho perfeitamente possivel dissentir sem injuriar e contrapor argumentos sem negar meritos. Não sei se ha companhias de elogio mutuo. O que sei é que nunca hei de pertencer ás de mutua diffamação, que me parecem mais frequentes, e vivem em cordeal e inexplicavel intelligencia! Mais talvez que intolerancia é isso vicio do costume e aberração do espirito. Todavia, apoucando os nossos antagonistas a nós mesmos nos apoucamos, negando-lhes a aptidão e affeiando-lhes o caracter rebaixamos o nivel intellectual e moral do paiz. Não ganha com isso a causa publica, e menos lucram os brios nacionaes!

Não posso ver dezar nem quebra em prestar homenagem ás preeminências, prendas e qualidades dos nossos contendores, se o merecem. Este é o verdadeiro respeito e observancia da liberdade. Esta é liberdade pratica. Diverge-se em tudo sem necessidade de aggravo. Por que não ha de succeder o mesmo em politica? Rasões podem convencer. Offensas não fazem senão irritar.

Pedi a palavra quando orava o illustre deputado por Braga, a quem já me referi; e pedia-a quando s. ex.ª despie-