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APPENDICE Á SESSÃO N.° 62 DE 26 DE ABRIL DE 1898

Proposta de lei

Senhores. - Desnecessaria é, por certo, encarecer-vos a importancia da marinha de guerra, como elemento de defeza nacional, para quem, como nós, alem de uma extensa fronteira maritima na metropole, possue, ainda hoje, em dos mais vastos imperios ultramarinos, espalhado pela africa, Asia e Oceania.

As nossas tradições mais gloriosas, e a nossa alevantada e nobre, missão historica prendem-se intimamente com esta instituição militar, em que fomos singularmente grandes, temidos e respeitados.

A figura lendaria do infante D. Henrique, que ostenta, no mais eminente grau, todo o espirito de temeraria aventura, e o providencial destino, da nossa raça, devemos as frotas disciplinadas e audazes; que, depois de aportarem aos Algarves d'alem mar, se engolpharam, com assombro do mundo inteiro, no oceano tenebroso, e foram, sobre o mysterio das ondas, em busca do Preste Johão das Indias.

A escola de Sagres deu-nos os melhores marinheiros, arrojados navegadores do mar alto, e pacientes prescrutadores da arriscada navegação costeira. Perestrello, Zarco, Tristão Vaz, Gil Eannes, Fernão de Magalhães, Bartholomeu Dias, Alvares Cabral, e tantos outros, são nomes aureolados de imperecivel gloria, que bastam para solidamente fundamentar o mais nobre orgulho de um povo.

Durante o seculo XVI, seiscentos e noventa navios redondos dobraram o Cabo da Boa Esperança, duzentos naus de linha sulcaram os mares das indias, e, apesar da titanica grandeza d'este esforço, nunca deixaram de cruzar, no nosso extenso litoral, poderosas .esquadras de protecção, e ainda tivemos vasos de guerra para brilhantes ostentações do nosso poderio maritimo, como a esquadra de D. Martinho Castello Branco, de dez naus, dois galeões, e quatro galés reaes, que conduzia D. Brites a desposar o duque de Saboya, e a armada de Antonio de Saldanha, de vinte galeras, e quatro galeões, entre os quaes se contava o celebre S. João, com 366 bocas de fogo, e com talha-mar de aço, que rompia, como rompeu, a todo o panno, a cadeia do corto da Golêta, e deu a Carlos .V a victoria de Tunis.

Formidavel poder maritimo foi então o nosso!

No seculo XVII atravessa-se uma phase de estacionamento, mas logo no seguinte, sob a iniciativa fecunda e a acção energica de Martinho de Mello, opera-se uma profunda remodelação, e realisam-se notaveis progressos.

A bandeira portuguesa volta a tremular, respeitada, e altiva, no topo dos mastros das nossas, armadas, e reconquistamos o nosso logar como potencia maritima, com quem era mister contar-se.

No bloqueio de Malta, e nos cruzeiros da Sicilia, demos da nossa força naval valiosa demonstração, pela esquadra do marquez de Niza, onde as naus Principe Real, Rainha de Portugal, Afonso de Albuquerque e S. Sebastião, as corvetas Andorinha e Benjamim e os brigues Falcão e Gaivota, mantiveram em devida altura as honrosas tradições dos nossos maiores.

Ainda em 1807, ao passo que seguiam para o Brazil oito naus de linha, quatro fragatas, e sessenta navios de transporte, ficavam tristemente ancoradas no Tejo as naus S. Sebastião, Maria I, Princesa da Beira, Vasco da Gama, e as fragatas Phenix, Amasona, Perola, Tritão e Venus!

Se relembrámos, senhores, estas epochas aureas do nosso poderio maritimo, tão sómente é fazemos para accentuar bem, pelo frisante contraste com a nossa desoladora situação actual, a imprescindivel e inadiavel urgencia de mettermos hombros á patriotica empreza da reconstituição da nossa marinha de guerra.

Não nos illudâmos, nem nos desalentemos.

Não vamos suppor, mais uma vez, com o pensamento de fugirmos a sacrificios financeiros, que podemos continuar a manter-nos dignamente nas relações internacionaes do mundo moderno, e defender, como é impreterivel dever de honra nacional, os nossos vastos dominios ultramarinos, com os escassos, para não dizer nullos, elementos de guerra naval, que possuimos, e que, dia a dia, deperecem.

Não caiâmos tambem, em desalentada inacção, succumbidos sob o peso do encargo, que se nos impõe.

São poucos os nossos recursos, e luctftmos com dificuldades de toda a ordem, bem o sabemos; mas a lacta não é senão a vida, e o valor está em vencer com pouco, ou morrer com honra.

Da coragem dos nossos bravos marinheiros não descremos por um só momento, e não fazemos mais do que render justo e merecido preito aos heroicos descendentes dos maiores heroes da nossa historia. Que todos elles saberão morrer, na hora do perigo, dando o ultimo tiro, e soltando o ultimo brado de saudação á patria, é ponto de fé, dogma santo da pura religião do brio e decoro militar, que todos professam com devotado zelo e singular rigor.

Cabe, porém, aos governos dar-lhes os meios, quando não de vencer, de morrer, ao menos, combatendo pela patria, por quem dão a vida.

Não póde deter-nos o passo, nem suspender por um momento o nosso proposito, a consideração tão falsa, como vulgar e repetida, de que, por maiores que sejam os Sacrificios, e por melhores que sejam os desejos e esforços, não poderemos, nunca, ter elementos de poder naval, que bastem, para nos defrontarmos com as grandes potencias maritimas.

Falsissima orientação é esta, infelizmente tão espalhada pelos que, perante um grande mal da patria, antes preferem achar um simulacro de argumento, com que justifiquem a sua inacção, do que arcar de frente com as dificuldades, e luctar por demovel-as.

Se houvesse visos de procedencia em tal raciocinio, desarmariam as pequenas nações os seus arsenaes de guerra, cessariam as suas construcções navaes, annullariam as suas esquadras, porque nenhuma d'ellas, de per si, poderia bater-se, em toda a sua força, com as poderosas esquadras inglezas.

Nas relações internacionaes, cada povo vale pelo que é, na proporção dos seus recursos, e dos seus meios de ataque, ou de defeza. Não se hesita, quasi nunca, numa violencia, quando, de antemão, se sabe da impossibilidade de resistir quem se vae hostilisar. Vacilla-se, e quasi sempre se recua, ante uma acção abusiva de força, quando, antecipadamente, se tem a certeza de que o abuso ha de encontrar resistencia, firme no direito que se defende, e heroica pelo dever de honra, que se impõe.

Não póde ser pretensão nossa disputar primazias ás grandes nações da Europa; mas cumpre-nos, por dignidade e por interesse proprio, não nos distanciarmos d'aquellas de quem deveramos estar ao par, senão que preceder até, em armamento naval.

E, infelizmente, com magua profunda, muito embora, é forçoso confessar-o, os mappas comparativos das marinhas de guerra dos diversos paizes, que offerecemos á vossa ponderação, e reflectido exame, são de molde a convencer-nos, ao primeiro golpe de vista, de que, muito nos distanciámos, em atrazo, de quem deveramos estar distanciados pelo avanço.

E tantos são os que nos tomaram a dianteira, que vamos atrás de todos.

A compenetração absoluta d'esta tão triste como india-