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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
cas, que diz deverem passar-se certidões de quaesquer documentos publicos, ou seja a requerimento do ministerio publico ou de particulares, sempre que não periguem os interesses do estado, o que n'aquelle caso se não dava. Mas o sr. ministro das obras publicas, tambem do novo, e sem dar mais rasão alguma, poz no requerimento o mesmo despacho, «indeferidos.
Aqui lemos aquelle cidadão collocado em uma posição difficil; porque prestando-se a apresentar provas de tudo quanto escreveu o a mostrar que são verdadeiros os factos por elle allegados, vê-se privado, em virtude do indeferimento que o sr. ministro das obras publicas deu ao seu requerimento, de poder justificar a verdade d'aquillo que escreveu, e do defender-se perante os tribunaes.
A lei diz, que deve ser punido como calumniador e soffrer a pena competente, que póde ascender a dois annos de prisão, aquelle que admittido a dar provas das suas accusações, não provar os factos que accusou; e o sr. ministro das obras publicas, ao homem que lhe pede esses documentos, por saber que os tem na sua repartição e que precisa dellas para se defender em juizo, nega a prova que em si tem, o que equivale a negar-lhe os meios de se defender, o a sujeital-o conscientemente a uma condemnação injusta, e infamanteno conceito geral.
Qual é a rasão porque o sr. ministro indeferiu estes requerimentos? Já não faço esta pergunta ao sr. ministro das obras publicas; dirijo-me ao homem de bom.
O que dirá a consciencia de s. ex.ª se o individuo chamado a justificar aquillo que accusou, for considerado como calumniador e como tal punido, por lhe terem sido negadas as provas que qediu, e o sr. ministro das obras publicas guarda a sete chaves na sua secretaria?!
Que rasões póde ter o sr. ministro para oppor-se a que se passem essas certidões? Será por suppor que esses documentos são contrarios ao funccionario accusado? Não deve suppol-o, porque então o dever do sr. ministro era demittir ou punir esse funccionario. Eu não posso crer que a syndicancia seja desfavoravel aos empregados syndicados. Creio antes que elles estão illibados de toda a macula, o que o seu procedimento tem sido irreprehensivel. Se assim não fera o sr. ministro das obras publicas já os tinha demittido ou por outro qualquer modo castigado.
S. ex.ª, que protesta contra a accusação de ser protector de traficancias e de abusos; s. ex.ª que diz estar procedendo com o maximo rigor na investigação das fraudes e delapidações nas obras publicas do Algarve, estou certo de que havia de proceder contra esses funccionarios, se elles tivessem delinquido. Portanto, devo possuir, em vista do procedimento do sr. ministro das obras publicas, que a syndicancia é uma demonstração cabal da innocencia dos empregados arguidos o um attestado dos seus bons serviços.
Mas se a syndicancia é favoravel aos referidos empregados, parece-me que o sr. ministro das publicas não deve nem póde negar as certidões, que d'ella forem pedidas, porque os mesmo e que negar a esses empregados a prova official e authentica da pureza do seu procedimento.
O accusador póde ser condemnado por falta de provas em favor da accusação, mas será muito melhor para os accusados, e dissipará quaesquer duvidas e suspeitas desfavoraveis, se a falta de provas em favor da accusação for substituida pela apresentação de provas contra ella. Lucram com isso os accusados, e lucra o estado, que tem sempre interesse em que os seus servidores sejam bem conceituados o possam mostrar-se isentos de maculas. (Apoiados.)
Portanto, vejo o sr. ministro das obras publicas mettido n'um dilemma. Se a syndicancia é favoravel aos syndicados, s. ex.ª não tem o direito de negar certidões, porque isso equivale a negar a estes a rehabilitação official das accusações, que lhes foram feitas; se é desfavoravel, torna-se o sr. ministro duplamente culpado pela negativa, porque concorre para que seja considerado e punido como calumniador quem accusou com verdade, e porque se mostra não ter s. ex.ª castigado os delinquentes, tendo-os antes acobertado e protegido. (Apoiados.)
Aguardo as explicações do s. ex.ª
O sr. Presidente: — Os membros das commissões de administração publica e de fazenda, que ouviram as ponderações do sr. deputado procederão como entenderem.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Lourenço do de Carvalho): — Ouvi as considerações feitas pelo illustre deputado, o sr. Emygdio Navarro, relativamente a um requerimento dirigido por um particular ao ministerio das obras publicas, pedindo certidão authentica de esclarecimentos obtidos em virtude de uma syndicancia mandada fazer pelo ministerio a meu cargo sobre o procedimento do um empregado de uma direcção de obras publicas.
De tudo quanto o illustre deputado disse, o que mais me custa é estar em divergencia em doutrina liberal com o meu collega o sr. ministro do reino.
Não sei o que s. ex.ª o sr. ministro do reino faria em meu logar na questão sujeita; mas em todo o caso, por muito grande que seja o meu respeito pelas opiniões de s. ex.ª, ainda mesmo que o consultasse, e s. ex.ª optasse pelo deferimento, eu indeferiria, porque o deferimento seria contra a minha convicção.
Resta saber porque. Indeferiria, porque entendo que os documentos que resultam de trabalhos do syndicancia, de inspecção e exame de qualquer ordem que sejam, mandados fazer pela auctoridade administrativa ou pelo poder superior, em relação ao procedimento de um funccionario, aquillo que constitue propriamente a syndicancia para o governo se informar ácerca de factos occorridos e proceder como pedir o interesse publico e o rigor das leis, não são do maneira nenhuma documentos para uso particular, e sobre tudo para quem quer que seja se justificar do seu procedimento, quando me parece que deve ler provas, independentes d'aquellas que não conhece, em seu poder, para justificar as suas asserções, seja pelos tribunaes, seja pela imprensa.
Dito isto, não tenho duvida em mandar para a camara, como me foi requerido por diversos srs. deputados, o processo da syndicancia. Mandarei o processo todo e os srs. deputados podem examinal-o.
D'esse processo hão de constar, não só a accusação, mas tambem as averiguações a que se procedeu, e as informações e opiniões das instancias que foram consultadas a esse respeito; ha de constar tudo, terminando pelo conhecimento da resolução do governo.
Não tenho duvida alguma em mandar para a camara esse processo. Já dei mesmo as ordens necessarias para esse fim, e, se ainda não veiu, é porque o requerimento foi feito ha poucos dias. Mas tenho duvidas e muitas duvidas em fornecer a um particular um documento que não é senão o resultado do trabalho de syndicancia feito por um funccionario do governo, ácerca do procedimento de outro funccionario.
Tenho muitas duvidas em fornecer esse documento para uma defeza judicial; e não sei mesmo, ignorante como sou das doutrinas juridicas, qual é o valor juridico que póde ler um documento, que não significa mais do que a opinião do funccionario que o redigiu.
Esse documento póde ser do todo o peso, de toda a confiança para o governo; o governo póde sem duvida alguma fundar-se na opinião do um funccionario que lhe mereço toda a confiança para assumir a responsabilidade de uma resolução, mas, ignorante como sou em materia judicial, creio que este documento não tem perante um tribunal, valor tal, que possa do alguma maneira justificar-se ou condemnar-se alguem só pela apresentação d’elle.
Declaro a v. ex.ª que este é o meu modo do ver, o meu modo do pensar. Não sei se o meu nobre collega o sr. ministro do reino diverge da minha opinião n'esta materia; o
Sessão de 17 do março de 1879