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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

E N.° 127

Dignos pares do reino e senhores deputados da nação

portugueza. — Senhores. — Os abaixo assignados, operarios fabricantes de tecidos de seda, vem, em nome de quatrocentos collegas seus, que na cidade do Porto se occupam d'esta industria, implorar a protecção das côrtes nacionaes.

Tendo conhecimento do decreto do 29 de maio de 1878, representámos á commissão de inquerito industrial e de reforma das pautas, chamando a attenção d'ella para a triste situação em que nos achamos, nós que somos quatrocentas familias de trabalhadores e cidadãos.

Não basta, senhores, affirmar doutrinalmente que o trabalho é o nervo das nações; é mister que as leis não obriguem os trabalhadores a cruzar os braços, nem lhes neguem os meios do ganhar o duro pão de seus filhos. Não basta, senhores, dizer que a liberdade garante os salarios a todo o trabalhador activo, porque demais o sabeis vós e todos que assim não é.

Não se diga que o operario expulso do uma industria que a concorrencia aniquilou, irá encontrar logo em outra trabalho e pão. Não é assim. O trabalho não se inventa, o artifice não se cria de um dia a outro. Quem levou vinte ou trinta annos a aprender e a exercer um officio não póde na madureza ou na decadencia da existencia ser compellido a aprender outro.

E como não póde mal vae ás leis quando a isso o obrigam. A miseria surge; falta o pão em casa, choram os filhos com forno. Nós não temos que perder, senhores, nós não temos sobras para gastar, em quanto se não nos depara uma nova occupação. Nós ganhamos tres tostões, nunca mais de quatro por dia, e d'ahi temos que comer, vestir, pagar a casa e os impostos que o estado nos lança no pão, no azeite, no vinho e em todos os alimentos.

Vedes, senhores, que somos pobres, desvalidos e numerosos: por isso esperámos protecção!

E que especie de protecção pedimos nós? são acaso favores, esmolas ou privilegios? Não são.

Pedimos apenas que nos deixeis ganhar a nossa vida com o suor do nosso rosto, não consentindo que idéas perversas venham acabar de matar a nossa industria, e fazendo com que ella possa voltar ao que já foi, ao que deve e tem direito a ser.

O numero dos operarios da nossa classe baixou; baixou o numero dos teares activos: eram 457 no Porto, apenas trabalham 322. Ganhamos o mesmo salario do ha muitos annos, quando o preço das subsistencias tem subido de mais de 25 por cento.

A decadencia da nossa industria, senhores, é evidente.

Observae que se os nossos salarios não desceram nominalmente, diminuiu o numero de teares e por isso o dos operarios; mas observae tambem que no nosso caso a conservação dos antigos salarios equivale a uma baixa, quando o preço dos generos sobe, e quando vemos tambem subir os salarios de todas as industrias florescentes.

A ruina da nossa industria provém de doutrinas, senhores, que são a ruina das nações; provém especialmente de uma iniqua applicação do principio da liberdade a tudo o que póde prejudicar a industria nacional da seda. Foi o tratado com a França que fez com que o direito de protecção aos tecidos de seda baixasse de um modo que nos torna impossivel a lucta com as manufacturas estrangeiras. O direito que nunca se eleva a mais de 30 por cento do valor, desce algumas vezes até 10, por. causa das fraudes ou confusões que o systema da pauta especial consente. A seda nem sempre é considerada tal, e quando apparece em artefactos como os guarda-chuvas paga apenas 20 por cento, quando a seda entra em passanianerias paga metade doa direitos que carregam o tecido!

Os importadores falsificam as facturas, porque o direito é ad valorem, e conseguem assim, não só reduzir os direitos geraes, como os que as disposições iniquas da pauta especial já reduziam.

Nós perguntámos, senhores, se a protecção da industria da seda é infundada, é injusta, é anti-económica? Tudo nos responde que não.

Objecto do uso dos ricos, o imposto, se o encarece, apenas de leve aggrava as despezas dos que têem sobras bastantes para gastarem em cousas superfluas.

Que muito é que assim, contribuam, para garantir o pão dos que para o obterem não têem mais do que braços occupados quinze ou dezeseis horas de cada dia, em tecer e preparar as gallas dos opulentos? Pois não achaes, senhores, que a justiça nos assiste?

O clima do nosso solo provadamente se mostra favoravel á creação da seda: que melhor modo ha de fomentar essa nova fonte de riqueza agricola do que favorecer o desenvolvimento da industria dos seus productos?

Nós não somos economistas, senhores, somos operarios; e como taes vimos acolher-nos á vossa protecção. Nós não pedimos senão trabalho e de comer. Os remedios dos nossos meios são obvios, e consenti que vos digamos o que a experiencia de todos os dias nos ensina.

Elevae rasoavelmente os direitos nos artefactos estrangeiros, e libertae as materias primas. Aboli os tratados que dão entrada quasi livre aos artefactos que arruinam os nossos.

Regularisae a verificação dós tecidos para que se hão confunda a. seda com algodão, nos galões, nas fitas, nos elásticos. Impedi que direitos especiaes reduzam por meios indirectos os da seda. Fazei em fim o que vós, melhor do que nós mesmos sabeis convem fazer.

O que nós sabemos, porém, senhores, o que nós sentimos todos os dias bem de perto, é o estado de miseria onde nos levaram leis impensadamente feitas.

São ellas a causa dos nossos males, da afflicção e penuria em que vivemos, na desgraça que nos punge, quando temos do largar ao desamparo esposa e filhos, para ir procurar trabalho além-mar, fugindo a uma patria que nos é madrasta.

Não consenti, senhores, no aniquilamento da uma industria; não consenti n'um facto que roubaria ao trabalho activo da nação algumas centenas de infelizes, forçados a buscar na emigração os meios de vida, e muitos uma morte mais breve do que a lenta agonia a que a terra patria os condemnava

Porto, 15 de março de 1879.

(Seguem as assignaturas,)