O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 945

N: 53

SESSÃO DE 8 DE ABBIL DE 1896

Presidencia exmo. Sr. Antonio José da Costa Santos

Secretarios - os exmos. srs.

Amandio Eduardo da Motta Veiga
José Eduardo Simões Baião

SUMMARIO

Da-se conta de dois officios. Têem segunda leitura um projecto de lei do sr. Marianno de Carvalho e uma renovação de iniciativa do sr. Costa Finto. - O sr. presidente do conselho dá conhecimento a camara dos motivos que determinaram a recente recomposição ministerial, saindo do governo o sr. Pimentel Pinto, que foi substituido na pasta da guerra pelo sr. Moraes Sarmento. - Declarações de agradecimentos dos ara. Pimentel Pinto e ministro da guerra. - Manda para a mesa um projecto de lei o sr. visconde do Ervedal da Beira, e o sr. Santos Viegas uma representação. - Apresenta um parecer da commissão dos negocios externos o sr. Espirito Santo Lima, o um parecer da commissão de administração publica o sr. Baião. - Mandam para a mesa representações os srs. Pereira da Cunha e Marianno de Carvalho, que em Seguida faz algumas observações em referencia ás explicações dadas pelo sr. presidente do conselho sobre a recomposição ministerial. Termina, dirigindo algumas perguntas ao sr. ministro da guerra, e requerendo que se abra uma inscripção especial sobre o incidente. Á camara approva. Responde ao orador precedente o sr. ministro da guerra, e em seguida usa novamente da palavra o sr. Marianno de Carvalho, a quem responde o sr. presidente do conselho. O sr. Arroyo refere-se ao mesmo assumpto, usando mais uma vez da palavra, para lhe responder, o sr. presidente do conselho. - O sr. ministro da guerra agradece os elogios que lhe dirigiu o sr. Arroyo, seguindo-se o sr. Dias Ferreira, que affirma o direito que assiste ao ministro demissionario de explicar as cansas da divergência, de que resultou o seu pedido de exoneração. Resposta do sr. presidente do conselho.

Na ordem do dia continua em discussão o capitulo I do projecto de lei n.º 38 (orçamento), usando da palavra até ao fim da sessão, em resposta ao Sr. Marianno de Carvalho, o sr. presidente do concelho. - Representações e justificação de faltas.

Abertura da sessão - Ás tres horas da tarde.

Presentes á chamada, 42 srs. deputados. São os seguintes: - Aarão Ferreira de Lacerda, Alberto Antonio de Moraes Carvalho Sobrinho, Amadeu Augusto Pinto da Silva, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio Adriano da Costa, Antonio Candido da Costa, Antonio Hygino Salgado de Araujo, Antonio José da Costa Santos, Antonio Ribeiro dos Santos Viegas, Antonio Velloso da Cruz, Arthur Alberto de Campos Henriques, Conde de Anadia, Conde de Pinhel, Conde de Valle Flor, Fidelio de Freitas Branco, Francisco Rangel de Lima, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Jacinto José Maria do Couto, Jacinto Simões Ferreira da Cunha, João Ferreira Franco Pinto Castello Bronco, João Lopes Carneiro de Moura, Joaquim do Espirito Santo Lima, José Adolpho de Mello e Sousa, José Coelho Serra, José Eduardo Simões Baião, José Freire Lobo do Amaral, José Maria Gomes da Silva Pinheiro, José Mendes Lima, Luiz Augusto Pimentel Pinto, Luiz Filippe de Castro (D.), Luiz Maria Pinto do Soveral, Manuel Augusto Pereira e Cunha, Manuel Bravo Gomes, Manuel Joaquim Ferreira Marques, Marianno Cyrillo de Carvalho, Miguel Dantas Gonçalves Pereira, Polycarpo Pecquet Ferreira dos Anjos, Theodoro Ferreira Pinto Basto, Thomás Victor da Costa Sequeira, Visconde do Ervedal da Beira, Visconde da Idanha e Visconde de Leite Perry.

Entraram durante a sessão os srs.: - Agostinho Lucio e Silva, Antonio d'Azevedo Castello Branco, Antonio José Lopes Navarro, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto Victor dos Santos, Henrique da Cunha Matos de India, Ignacio José Franco, Jayme Arthur da Costa Pinto, Jeronymo Osorio de Castro Cabral e Albuquerque, João Marcellino Arroyo, José Dias Ferreira, José Pereira da Cunha da Silveira e Sousa Junior, Julio César Cau da Costa, Luiz Osorio da Cunha Pereira de Castro e Romano Santa Clara Gomes.

Não compareceram á sessão os srs.: - Abilio Augusto de Madureira Beça, Adolpho Alves de Oliveira Guimarães, Adolpho da Cunha Pimentel, Adriano Augusto da Silva Monteiro, Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Alfredo de Moraes Carvalho, Antonio de Almeida Coelho de Campos, Antonio Augusto Correia da Silva Cardoso, Antonio Barbosa de Mendonça, Antonio de Castro Pereira Corte Real, Antonio José Boavida, Antonio Teixeira do Sousa, Augusto Dias Dantas da Gama, Bernardino Camillo Cincinnato da Costa, Carlos de Almeida Braga, Conde de Jacome Correia, Conde de Tavarede, Conde de Villar Secco, Diogo José Cabral, Diogo de Macedo, Eduardo Augusto Ribeiro Cabral, Francisco José Patricio, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Jacinto Candido da Silva, Jayme de Magalhães Lima, João Alves Bebiano, João José Pereira Charula, João Maria Correia Ayres de Campos, João da Mota Gomes, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, João Rodrigues Ribeiro, Joaquim José de Figueiredo Leal, José Antonio Lopes Coelho, José Bento Ferreira de .Almeida, José Correia de Barras, José Gil Borja Macedo e Menezes (D.), José Joaquim Aguas, José Joaquim Dias Gallas, José Luiz Ferreira Freire, José Marcellino de Sá Vargas, José dos Santos Pereira Jardim, José Teixeira Gomes, José de Vasconcellos Mascarenhas Pedroso, Licianio Pinto Leite, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz de Mello Correia Pereira Medello, Luiz de Sampaio Torres Fevereiro, Manuel de Bivar Weinholtz, Manuel Francisco- Vargas, Manuel Joaquim Fratel, Manuel José de Oliveira Guimarães, Manuel Pedro Guedes, Manuel de Sousa Avides, Manuel Thomás Pereira Pimenta da Castro, Quirino Avelino de Jesus, Visconde do Banho, Visconde de Nandufe, Visconde de Palma de Almeida, Visconde de Tinalhas e Wenceslau de Sonsa Pereira de Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Um do comité de protecção dos fundos portuguezes em Stuttgart, protestando contra o projectado emprestimo com garantia nas obrigações do tabaco e contra a conversão em divida interna, de que trata uma das propostas de lei apresentadas pelo sr. ministro da fazenda.

Mandou-se archivar,

55

Página 946

946 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Outro do juizo do direito da 1.ª vara da comarca d Lisboa, solicitando licença para depor como testemunha no dia 17 do corrente pelas doze horas da manhã, o sr. deputado José Eduardo Simões Baião.

Foi concedida.

Segundas leitoras Projecto de lei

Senhores. - A industria dós lacticinios e designadamente da manteiga, é sem duvida, uma das industrias agrícolas que muito convem desenvolver no paiz, onde já se encontra felizmente iniciada, graças á iniciativa dos governos pelo estabelecimento dos fructuarios e aos esforços do vários particulares, que n'ella tem já empenhado valiosos capitães.

Ocioso seria frisar, por bem conhecida, a importancia que já adquiriu, representando n'alguns concelhos do reino quantiosas sommas e aquella que pôde ainda attingir, se forem perseverantes o bem dirigidos os emprehendimentos já realisados.

Se porém a industria tem em si mesmo condições de vida e não carece de protecção directa da parte dos poderes públicos, não podo comtudo prescindir do apoio da lei para que não esteja a breves trechos arruinada e perdida pela fraude a que se presta a sua exclusiva materia prima: o leite.

É já resultado da experiencia, que o melhor meio de desenvolver esta industria, é separar a fabricação dos lacticineos da creação do gado, já pelo grande capital necessario para as duas explorações, já porque o nosso regimen da propriedade, mormente nas provincias do norte, onde predomina a pequena propriedade, só não presta a exploração agrícola em grande, pela difficuldade em obter tratos de terreno, em que possam apascentar-se grandes manadas e ainda porque o regimen indicado á o que mais aproveita á economia geral, valorisando ao pequeno lavrador um producto que aliás difficilmente faria dinheiro.

N'estas condições, porém, comprehende-se bem, o industrial fica por assim dizer á mercê do lavrador que dislumbrado pela mira de maiores lucros, e desconhecendo ou apreciando mal o beneficio que lhe presta o industrial, enjoa interesses debaixo d'este ponto de vista tanto se germanam com os seus, procura ludibriai-o, fraudando a materia prima que lhe fornece geralmente pela addição de agua.

É certo que alguns municipios, conscios da importancia que tem para o respectivo concelho a prosperidade da industria, tem na defeza dos legitimos interesses d'esta e ainda, posto que apesar seu, na dos próprios interesses dos fraudeladores, estabelecido posturas, tendentes a cohibir a adulteração do leite. A experiencia de alguns annos tem porém mostrado que, por motivos que são de todos nós conhecidos, os resultados 1180 têem correspondido á boa intenção que presidiu á sua elaboração.

Necessita-se de ura processo summario, organisado por entidade superior ás influencias locaes, e de acção decisiva e energica, que contenha em respeito as ambições de lucros illicitos e ponha assim a industria a coberto de cansas perturbadoras do seu regular funccionamento. Injusto seria porém privar o accusado dos meios de legitima defeza, e por isso no projecto do lei que temos a honra de submetter á vossa esclarecida apreciação, se estabelece um processo do contraprova que põe o vendedor inteiramente a coberto de qualquer engano ou falta na qualificação relativamente ao leite por elle fornecido.

Justificados assim os motivos em que se inspirou, confiâmos em que devidamente examinado em vossa sabia ponderação, vos dignareis approvar o seguinte projecto e lei:

Artigo 1.° Não se poderá expedir, vender ou expor á venda sem indicação especial da alteração soffrida, leite que não seja puro.

§ 1.° Considera-se adulteração do leite a addição de agua, a desnatação e a addição de substancias estranhas, quer estas tenham por fim encobrir ou disfarçar qualquer fraude, quer sejam destinadas a facilitar a conservação do leite.

§ 2.° A contravenção da disposição d'este artigo, será punida pela primeira vez, com a multa de 5$000 réis, que pela reincidencia poderá ser elevada até 20$000 réis e aggravada depois da primeira reincidencia, com pena de prisão variavel de oito a quinze dias.

§ 3.° A multa a que se refere o § 2.°, será imposta ao contraventor pelo juiz de direito da respectiva comarca, acto continuo a ser-lhe entregue a denuncia, assignada por pessoa para este effeito devidamente ajuramentada que apresentará tambem a amostra incriminada.

§ 4.° Da imposição da multa póde haver recurso nos termos e casos previstos n'esta lei.

Art. 2.° Quando o vendedor se não conformar com a imposição da multa, apresentará ao juiz no praso de vinte e quatro horas, a contou da intimação, o seu cremometro correspondente á amostra incriminada, para que se proceda á contraprova, pela qual o juiz decidirá se deve ou não fazer subsistir a multa imposta.

§ 1.° Quando a denuncia da fraude se não refira á addição de agua ou á subtracção da nata, mas a qualquer outra fórma de adulteração que se não possa verificar pelo cremometro, serão as amostras remettidas ao laboratorio chimico official mais proximo, para que ahi se proceda á devida analyse, ficando n'este caso dependente do seu resultado a confirmação ou annullação da multa.

§ 2.° As despesas da analyse e quaesquer outras do processo, a que se refere o paragrapho anterior, serão pagas pelo comprador, se não se verificar a fraude incriminada, ou serão addicionados á multa, se aquella for confirmada.

§ 3.° A falta de reclamação no praso mencionado n'este artigo, a não apresentação ou substituição do cremometro ou ainda a viciação do respectivo sêllo, importam a confissão da fraude o portanto, a obrigação do pagamento da multa imposta.

Art. 3.° Os individuos ajuramentados sempre que procedam á colheita de amostras, destinadas a serem submettidas á analyse, entregarão ao vendedor um cremometro numerado, fechado e sellado, contendo outra amostra retirada do mesmo leito e na presença do vendedor ou de quem o representar, que o conservará em sen poder emquanto lhe não for communicado o resultado do ensaio, para poder exigir a contraprova, se o julgar conveniente. O pedido da restituição do cremometro importa a declaração de quo o leite foi considerado puro e desliga portanto o vendedor de toda a responsabilidade relativamente ao leite, a que a amostra pertencia.

§ 1.° As pessoas que desejarem ter os seus empregados ajuramentados para os fins da presente lei, fal-os-hão apresentar aos juizes das comarcas em que houverem de exercer as suas funcções que lhes defirirá juramento nos termos da lei.

§ 2.° Os cremometros e os sellos serão da conta do comprador, ficando comtudo o vendedor responsavel por elles DU pelo seu valor, quando se prove a fraude e as amostras serão colhidas no leite offerecido á venda.

§ 3.° As multas impostas nos termos da presente lei constituem receita do estado, e serão cobradas executiva monte.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara, 7 de abril de 1896.= Marianno de Carvalho.

Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de agricultura,

Página 947

SESSÃO N.º 53 DE 8 DE ABRIL BE 1896 947
O. sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro):- Sr. presidente, tendo-me, ha dias, o sr. conselheiro Pimentel Finto, então ministro da guerra, dado conhecimento de propostas de lei que desejava apresentar ao parlamento e com as quaes, logo e francamente lhe declarei que não podia concordar, porque em rasão do augmento de encargos para o thesouro que advinha d'essas propostas de lei, as julgava menos opportonas n'esta occasião, procurei, como era do meu dever, persuadil-o n'este sentido; mas, sendo baldados todos os meus esforços, entendi dever levar o assumpto ao conselho de ministros que, effectivamente, se reuniu hontem e para esse fim.
Ahi, mais se accentuou a divergencia de opiniões que, de ha dias, havia entre nós; e em consequencia, o sr. ministro da guerra, então o sr. conselheiro Pimentel Pinto, entendeu dever resignar a gerencia da pasta da guerra.
Levada esta resolução de s. exa. ao chefe do estado, houve El-Rei por bem acceitar a demissão do sr. conselheiro Pimentel Pinto, encarregando dá gerencia da pasta da guerra o sr. coronel Moraes Sarmento.
Sr. presidente, faltaria n'este momento a um dever de sentimento a de justiça se não deixasse bem claramente consignada a expressão de sincero pezar com que nós todos vimos sair do ministério o sr. conselheiro Pimentel Pinto. (Apoiados.)
Amigo lealissimo, companheiro dedicado de todos os nossos trabalhos de ha tres annos, s. exa. assignalou a gerencia da sua pasta com actos de incontestavel valor e alcance (Apoiados.}, que prestou na gerencia da pasta da guerra a El-Rei, ao pais, ao exercito e ao governo da nação. (Apoiados.)
O novo ministro, da guerra, o sr. coronel Moraes Sarmento, é bem conhecido n'esta camara, porque a ella tem pertencido, por varias vezes. Da sua illustração e competencia em assumptos militares creio que todos nós temos muito a esperar. (Apoiados.)
(S. exa. não reviu aã notas do seu discurso.)
sr. Pimentel Pinto: - Sr. presidente, não me levanto para acrescentar ou: diminuir uma só palavra ao que vem de dizer o nobre presidente do conselho de ministros acerca do motivo que determinou a minha deliberação de sair dos conselhos da corôa. Tambem não me levanto para confirmar as palavras de s. exa., por isso que as palavras de Hintze Ribeiro não carecem de que ninguem as confirme.
Julgo-me, porém, obrigado a tomar a palavra para agradecer não só as referencias lisonjeiras que o sr. conselheiro Hintze Ribeiro me fez e os applausos com que a camara acolheu as palavras de s. exa., mas tambem, sr. presidente, para fazer uma declaração que se não é necessaria, convem talvez fazer, porque é sempre bom dizer a verdade: para dizer que politicamente fico onde estava; fico lealmente ao lado dos meus antigos collegas, aos quaes n'esta occasião quero dar um publico testemunho de reconhecimento pela boa á leal amisade com que sempre me honraram e, pela boa e efficaz cooperação que de todos recebi durante, os tres annos em que tive a honra de gerir a pasta da guerra.
Tambem, sr. presidente, devia ainda tomar a palavra por duas outras rasões: para agradecer a leal cooperação, que v. exa. e a camara me dispensaram emquanto fui ministro e para cumprimentar o meu successor, o novo titular da pasta da guerra, de cuja illustração e intelligencia o exercito tem muito a esperar.
Terei o maior prazer em poder estar sempre ao lado de s. exa. e espero que assim na de succeder, porque creio bem que a sua gerencia se ha de assinalar pelo desvelado interesse que lhe hão de merecer a disciplina e a instrucção do exercito.
Vozes:- Muito bem.
O sr. Ministro da Guerra (Moraes Sarmento): - Pedi a palavra para agradecer as phrases benevolas que acabam de me ser dirigidas pelo sr. conselheiro Pimentel Pinto, as quaes julgo immerecidas e dificilmente poderei justificar pelos meus actos.
Posso, comtudo, asseverar á camara que me hei de empenhar dedicadamente por continuar a obra tão util para o exercito e para. o paiz, em que s. exa. brilhantemente se interessou, de levantar o nivel moral e intellectual do exercito e de manter nas fileiras o espirito da disciplina e de subordinação, que são as primeiras condições de existencia e de força para as instituições militares.
A camara dispensar-me-ha na sua muita benevolencia, que eu faça um programam de administração. Os meus actos futuros bastarão para eu ser julgado. Se com elles poder merecer a confiança do parlamento e do paiz considerar-me-hei feliz e satisfeito por haver cumprido o meu dever.
Vozes:- Muito bem.
O sr. Visconde dó Ervedal da Beira: - Mando para a mesa um projecto de lei que tem por fim acabar com umas certas duvidas e incoherencias que se dão nos julgamentos de embargos oppostos aos accordãos da relação.
Julgo inutil agora justificar a conveniencia de ser approvado e convertido em lei este projecto, reservando-me para quando elle for presente á commissão, se porventura a camará entender que elle deve ser admittido. Então ahi justificarei a necessidade de ser convertido em lei.
Agora limito-me á sua leitura.
(Leu.)
O sr. Santos Viegas: - Mando para a mesa uma representação dos antigos fiscaes do movimento e trafego da direcção fiscal e exploração de caminhos de ferro pedindo que no decreto que reforma os serviços fiscaes dos caminhos de ferro e que deverá vir á revisão d'esta camara, seja o § unico do artigo 77.° modificado no sentido de serem os antigos fiscaes de movimento e trafego os providos nos logares de 1.ª, 2.ª e 3.ª classes conforme a sua antiguidade e serviços e considerados como sub-chefes de circumscripção para todos os effeitos. Estes empregados julgam-se lesados pela disposição referida no artigo 77.° que reformou o serviço e desejam que o parlamento tomasse uma deliberação no sentido indicado.
Peço á v. exa. que se digne dar a esta representação o destino conveniente, porque parece justo o pedido.
Um amigo meu incumbiu-me de lançar na caixa de petições uma memoria acerca do requerimentos, que foram enviados ao ministerio da marinha, pedindo uma. concessão de caminhos de ferro e de terrenos na provincia de Angola. N'este memorandum falla-se largamente d'este pedido e justifica-se a sua concessão por differentes rasões, que escuso de mencionar, e apresentar á camara porque ellas se acham expostas no folheto, que aos srs. deputados foi distribuido. Mas, alem d'ellas, menciona-se ainda uma vantagem especial que os concessionarios tencionam dar, se obtiverem a concessão, e que vem a ser: conceder pensões á casa pia de Lisboa, a outros institutos de beneficencia e ainda a uma familia de um antigo ministro d'estado honorario já fallecido, cujas circumstancias são as mais precarias que se podem considerar. Esta familia é a do meu antigo amigo, e illustre homem de letras, o conselheiro Manuel de Assumpção, cuja morte todos nós pranteâmos.
Este requerimento foi lançado na caixa das petições, como disse, e peço a v. exa. que se digne envial-a á commissão respectiva, para ella lhe dar o devido destino.
O sr. Joaquim do Espirito Santo:- Por parte da commissão de negocios externos mando para a mesa o. parecer sobre a proposta de lei 22-A que se refere ao convenio entre Portugal e a Hespanha para reciproca execução de sentenças em materia civil.
Igualmente mando para a mesa o parecer sobre o con-

Página 948

948 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

venio com a Inglaterra, nobre a permutação de encommendas postaes com valor declarado.

A imprimir.

o sr. Pereira e Cunha: - Mando para a mesa uma representação da commissão executiva da academia do Porto contra o regulamento do serviço do recrutamento, approvado em 26 de setembro ultimo. Vae por extracto no fim d'esta sessão. O sr. Marianno de Carvalho: - Manda para a mesa duna representações: uma dos canteiros, estabelecidos em Lisboa, e outra dos commerciantes importadores de velocipedes.

Referindo só ás declarações do sr. presidente do conselho, observa que a causa da crise foi, segundo pareço, muito simples. O sr. Pimentel Finto indicou ao sr. presidente do conselho algumas propostas para reforma do exercito, e o sr. presidente do conselho oppoz-se, com o fundamento no importante acrescimo do despezas, resultante d'essas propostas.

Conclue-se d'aqui que o novo ministro ou não traz proposta alguma para a reforma do exercito, ou, se a traz é tal, que não augmenta a despeza.

Como não julga acceitavel a primeira hypothese, dá parabens ao governo o ao paiz, porque espera que só realise a segunda.

Congratula-se tambem com a camara por ver restabelecida a pratica, que estava obliterada, de se dar conta á camara das crises ministeriaes.

Depois de algumas considerações sobro este ponto, o orador pergunta ao sr. ministro da guerra quaes são as suas idéas a respeito do recrutamento, e se s. exa. tenciona manter as disposições que no ultimo decreto, que reformou aquelle serviço, se referem á reducção de tempo do serviço e ás remissões.

Pergunta mais se s. exa. entende que na nossa legislação militar existem disposições que dêem ao governo a faculdade de conceder promoções, por distincção, ou se tenciona estabelecel-as no caso de entender que não existem.

Deseja ao mesmo tempo saber quaes as suas idéas sobre a proposta de lei apresentada pelo seu antecessor, com referencia a este assumpto.

Finalmente, pergunta se o sr. ministro da guerra tenciona apresentar ainda n'esta sessão legislativa alguma providencias tendentes a resolveram a grave questão da equiparação das promoções entro as diferentes armas de exercito; o ao mesmo tempo insta com s. exa. para que lhe diga se entende que, com os recursos actuaes, é possivel introduzir na organisação da força publica os melhoramentos indispensaveis.

Se o sr. ministro da guerra lhe responder, pede que lhe seja concedida de novo a palavra, abrindo-se um incidente especial a respeito d'este assumpto.

(O discurso será publicado na integra, guando o orador o restituir.)

O sr. Ministro da Guerra (Moraes Sarmento): - Agradeço ao illustre deputado o sr. conselheiro Marianno de Carvalho as suas benévolas disposições para commigo ás quaes procurarei corresponder pelos meus actos.

Já tive occasião do dizer, quando precedentemente tomei a palavra, que desejava sor dispensado de formular um programma de administração, preferindo ser julgado pelos meus actos a sel-o pelou minhas intenções, porquanto sei bem que nem sempre as circumstancias permittem a perfeita conformidade entro umas e outras. Repito, por isso, agora ao illustre deputado o pedido que ha pouco fiz a camara, e é que me dê o tempo necessario para converter o meu pensamento nas providencias e propostas do lei que eu julgue convenientes para melhorar e robustecer o exercito. (Vozes: - Muito bem.)

Deseja o illustre deputado saber se eu tenciono manter disposições que, no ultimo decreto relativo aos serviços do recrutamento, se referem á reducção do tempo de serviço e ás remissões.

Direi ao illustre deputado que, estando esse diploma sujeito n'esta camara á apreciação das respectivas commissões, a ellas concorrerei com o meu collega do reino e, de accordo com elle, então terei occasião de expor o meu pensamento sobre quaesquer aperfeiçoamentos que entendeu conveniente introduzir nos serviços indicados, de modo que o exercito possa coutar com o numero de soldados indispensaveis para o desenvolvimento da instrucção o para assegurar a defeza do paiz.

Não tenho duvida em afirmar desde já a camara que julgo absolutamente indispensavel melhorar a legislação sobre recrutamento, de modo a adquirir a segurança que o exercito poderá dispor do effectivo indispensavel para
poder cumprir a sua missão. (Apoiados.)

As nossas maiores dificuldades em Africa estilo vencidas, é certo, mas devemos prever a eventualidade de outras, para fazer face ás quaes nos cumpro estar convenientemente apercebidos.

A propria defeza da metropole não estará assegurada sem que pelas fileiras hajam passado, para ahi receberem a conveniente instrucção militar, o numero de soldados que a lei organica fixa como effectivo de guerra. E a par d'ente é ainda igualmente indispensavel que exista o consideravel material de guerra correlativo.

Eu devo, consequentemente, dedicar toda a minha attenção á resolução do árduo problema, que se cifra em augmentar o numero de defensores do paiz e de procurar adquirir o material necessario para assegurar o bom regimen dos diversos serviços militares, pedindo, comtudo, ao paiz os menores sacrificios que seja possivel.

E esta, no momento presente, a mais grave e importante questão a resolver. Sem soldados e sem material de guerra não ha exercito. (Apoiados.) Podem existir todas as demais engrenagens que constituem o complicado mechanismo militar, ser a mais perfeita a legislação que regula a constituição e o bom regimen dos diversos serviços, mas, sem aquelles dois grandes elementos, não ha instituições militares dignas de tal denominação. Consequentemente asseguro ao illustre deputado que a minha attenção se ha de applicar muito preferentemente ás questões do recrutamento e de acquisição de material.

Com respeito á promoção por distincção, sou de parecer que na legislação militar vigente tem o governo a faculdade de conceder promoções, por distracção, aos militares que d'ellas se tornem dignos. Com respeito ao projecto da iniciativa do meu antecessor, que está pendente do parecer da commissão de guerra, a ella concorrerei, quando se discutir o assumpto, e emittirei o meu parecer, que a camara terá occasião do conhecer.

For ultimo, devo responder ao illustre deputado que a questão da equiparação das promoções nos quadros das diversas armas do exercito é tambem, segundo o meu modo de ver, um problema grave, que me merece particular attenção, por isso que não desconheço os diversos inconvenientes que resultam do estado actual das cousas.

Terminando, asseguro á camara que, pedindo-lhe para que me julgue pelas providencias e propostas que eu haja de opportunamente apresentar, e não sómente por uma simples divagação de idéas, não é meu intento illudir a sua espectativa.

Asseguro que não hei de ficar inactivo, e por isso a camara terá occasião de conhecer o meu pensar quando vierem á discussão os decretos dictatoriaes de iniciativa do meu antecessor, ainda pendentes das commissões, ou as propostas de lei que eu haja de opportunamente apresentar.

O sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia.

O sr. Marianno de Carvalho: - Peço licença a v. exa. para lhe lembrar que, ao terminar, pedi a v. exa.

Página 949

SESSÃO N.º 53 DE 8 DE ABRIL DE 1896 949

que me concedesse de novo a palavra, abrindo, se fosse preciso, inscripção especial sobre este incidente.

O sr. Presidente: - Eu não tinha ouvido o requerimento de v. exa., mas agora vou consultar a camara.

Consultada a camara, resolveu-se que fosse aberta a inscripção especial sobre o assumpto.}

O sr. Marianno de Carvalho: - Tinha comprehendido, até ha pouco, que houvera uma cansa para a crise, e que era o ter o sr. Pimentel Pinto indicado algumas propostas de lei para a reforma do exercito, com ás quaes o sr. presidente do conselho não concordou por augmentarem a despeza; mas agora, depois de ouvir o sr. ministra da guerra, ficou sem saber o verdadeiro motivo que determinou a crise.

Disse s. exa. que a sua intenção é melhorar o exercito o mais possivel com o minimo sacrificio para o paiz; mas a verdade é que, segundo as declarares do sr. presidente do conselho, não se póde attribuir outro pensamento ao sr. Pimentel Pinto.

Depois, o sr. ministro da guerra acrescentou que a sua opinião firme e decidida é que não póde haver exercito sem, material é sem soldados. Pela sua parte crê que o sr. Pimentel Pinto não póde ter outra idéa.

Quanto a promoções por distincção, a opinião do sr. ministro da guerra é que a legislação actual as permitte; mas o sr. Pimentel Pinto tambem pensa do mesmo modo, e tanto assim que promoveu Mousinho de Albuquerque.

E, a final, ácerca da equiparação das promoções, o sr. ministro, da guerra declarou que reconhece a importancia da questão, a qual lhe ha de merecer todo o cuidado. E, porém, innegavel que tambem o sr. Pimentel Pinto tinha dito a mesma cousa, acrescentando que em occasião opportuna apresentaria as'. suas idéas. Dá-se uma unica differença: é que o sr. Pimentel; Pinto já tinha idéas, e o sr. Moraes Sarmento vae agora procurai-as.

Em vista d'estas ponderações, não comprehende o motivo por que saiu um d'estes cavalheiros e entrou o outro.

(O discurso terá publicado na integra quando o orador o restituir.)

O sr. Presidente, do Conselho (Hintze Ribeiro): - O illustre deputado, sr. Marianno de Carvalho, bem diligenciou, architectar o seu edificio, empregando para isso não poucos artificios; mas faltaram-lhe alguns alicerces, ao passo que lhe sobejaram outros.

Assim, s. exa. não sabia quaes eram. os pontos das propostas em que eu divergi do sr. conselheiro Pimentel Pinto, resultando que toda a conclusão que quizesse tirar a esse respeito, peccava pela base. Mas, vendo que lhe faltavam alguns alicerces, quiz arranjar, outros e então equivocou-se, porque, veiu dizer-nos que as propostas de lei eram relativas, precisamente, á organisação do exercito, e isto é. que eu não tinha dito.

Assim, á mingua de saber propriamente qual fosse o objecto da divergencia, resultou tirar a conclusão absurda de, que estando ambos, o ministro da guerra passado e o actual, perfeitamente de accordo nas suas idéas, o que s. exa. evidentemente não sabia, não havia motivo "para mudar de governo a nação".

Ora, o illustre deputado que é parlamentar muito velho, mais velho do que eu, deve saber bem como é que as declarações, relativas ás crises ministeriaes, geraes, ou parciaes, se fazem nas camaras e quando se fazem. Sabe de certo, mas ás vezes esquece-se, unicamente para dar mais relevo, á sua palavra e mais alcance aos seus argumentos. De resto, o sr. Marianno de Carvalho sabe tudo muito bem.

Não ignora, por exemplo, que, quando no decorrer de uma sessão parlamentar, se. levanta um conflicto, melhor direi uma divergencia, entre alguns dos ministros, dando em resultado uma crise parcial, é obrigação da chefe do gabinete vir expor á camará as rasões que se deram para esse conflicto e ao mesmo tempo fazer a apresentação do novo ministro! Foi este dever que eu vim hoje cumprir.

Quando, porém, no intervallo da sessão parlamentar, divergencias similhantes sé levantam dando logar á saída de um ministro e á entrada de outro, então a communicação não se faz verbalmente; faz-se por escripto, quando as camaras se abrem, ficando salvo, é claro, a qualquer membro do parlamento ao ler-se a communicação, o direito de fazer qualquer pergunta a que o chefe do gabinete responde como melhor entende.

Aqui tem o illustre deputado explicada a rasão por que n'outras occasiões, em que d'este mesmo governo saíram outros ministros, eu não tive de vir dizer as rastos das crises, quando as cornaras se reabriram, o que todavia não me desobrigava do encargo de explical-as, quando sobre o facto fosse interrogado.

A memoria atraiçoou n'este ponto o illustre deputado.

Com relação a um dos collegas que eu tive em 1893, não é perfeitamente exacto que eu não houvesse dado as rasões da sua saída do ministerio. Dei-as apenas onde me perguntaram. Não foi na camara dos deputados, foi na camara dos pares, porque ahi é que me fizeram a pergunta. E note-se, que com respeito a essa cousa dei explicações em 1893 e tambem fiz declarações na sessão parlamentar de 1894.
Nunca me furtei á obrigação de dar conta dos actos do governo ou das modificações, produzidas no seio do gabinete.

Ha um outro ponto de que o illustre deputado tambem se esqueceu. S. exa. sabe que quando se trata, não digo da saída apenas de um ministro e da entrada de outro, mas quando se trata até da substituição de todo o gabinete, a declaração feita pelo presidente do conselho é muito simples e muito resumida. Vem ás camaras e declara "que tendo-se suscitado divergencias no seio do gabinete, em questões de importancia e substanciaes, e não se tendo podido chegar a accordo de opinião, resolveu demittir-se". E não tom mais nada que dizer, porque ainda não chegámos ao tempo em que só reconhecesse, como um direito, o dirigir perguntas ao governo sobre o que se passa no conselho de ministros e sobre quaesquer propostas de lei, antes de serem apresentadas na camara.

Por conseguinte, desde que eu vim ao parlamento e disse "que acerca das propostas de lei que o meu collega, o sr. conselheiro Pimentel Pinto desejou apresentar ao parlamento, se tinham suscitado divergencias, primeiro entre mim e s. exa. e depois em conselho de ministros, eu podia ter ficado por aqui e nada mais acrescentar, sem que a ninguem assistisse o direito de exigir mais explicações.

Mas eu acrescentei que o motivo das divergencias foi o resultar de uma d'essas propostas um importante augmento de encargos para o thesouro, sendo, por isso, n'este momento, menos opportuna a sua apresentação.

Esta minha declaração foi perfeitamente correcta e é como tal que tem o parlamento de a acceitar. (Apoiados.)

Quando a divergencia se suscita acerca de um acto do governo ou de uma apreciação parlamentar, evidentemente ha direito a' exigir-se a declaração do motivo d'essa divergencia; mas acerca das propostas de lei a que me tenho referido, não era o governo obrigado a dar conta ao parlamento.

Mas, a memoria do illustre deputado é muito grande e a sua experiencia parlamentar ainda maior, para que deixe de reconhecer, que effectivamente mais longe do que eu, nunca se vae em assumptos de gabinete.

Em relação a estes, não póde haver senão a exterioração de determinados factos, sobre os quaes haja de recair a apreciação parlamentar.

Ora, desde que O illustre deputado não sabe quaes eram as propostas de lei que o sr. conselheiro Pimentel Pinto queria apresentar, e sobre que eu discordei, é claro que todas as conclusões a que chegou, foram tiradas no ar. Desde que desconhecia o objecto da divergencia, eviden-

Página 950

950 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

temente não podia concluir que o sr. ministro da guerra pensa como o sr. Pimentel Finto, nem o contrario.

Quando o novo ministro da guerra, o sr. coronel Moraes Sarmento, apresentar propostas de lei que traduzam, emfim, as suas opiniões, o seu modo de pensar, então sim, então poderá o illustre deputado aprecial-as. Até esse momento tem de reservar a sua opinião, porque não póde apreciar o que não conhece.

Digo isto, porque, realmente, pareceu-me menos amoravel, e até um pouco cruel da parte de s. exa., de si tão bonhomico, e tendo começado por se dirigir ao sr. coronel Mames Sarmento em termos tão agradaveis, concluir por dizer que o ministro que aqui se apresenta pela primeira vez, vem em busca de idéas, quando o illustre deputado não ignora que esse ministro é um militar illustrado, com uma larga folha de serviços, e bem conhecido no paiz pelo seu trabalho e competência. (Apoiados.)

O sr. Moraes Sarmento não vem em busca de idéas; o illustre deputado é que tem de aguardar que elle as condense e formule em propostas, para então as apreciar e ver se são boas ou mas. Até lá, cada um cumpra o sen dever; nós lidando, trabalhando e apresentando depois ao parlamento o resultado dos nossos trabalhos e os membros do parlamento apreciando-os, e dando-lhes ou negando-lhes o seu voto, conforme julgarem melhor. Mas isso é para depois.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

(S. exa. não revê os seus discursos.)

O sr. Arrojo: - Cheguei um pouco tarde, e d'isso pego desculpa á camara, porque uma presistente nevralgia de cabeça, que frequentes vezes me incommoda, me impediu de estar hoje presente á abertura da sessão; mas logo que senti o allivio indispensavel para poder sair, apressei-me a vir aqui para dizer alguma cousa sobre o incidente politico que deu origem á ultima crise ministerial, de que resultou sair do ministerio o sr. conselheiro Pimentel Finto, entrando para a pasta da guerra o meu amigo o sr. Moraes Samento.

Apresentada a minha desculpo, que não significo senão a consideração que eu tenho por s. exa. e ao mesmo tempo o desejo que nutria de estar presente, quando s. exa. entrasse pela primeira vez n'esta casa no exercício dos funcções de membro do gabinete, quero ainda antes de encetar a analyse das considerações feitos pelo sr. presidente do conselho, apresentar primeiro as minhas felicitações muito cordiaes e muito sinceras ao novo titular da pasta da guerra.

Embora eu seja hoje um exemplar unico do meu partido, porque o meu partido é o do minha pessoa, não posso todavia esquecer os largos annos que ao lado de s. exa. militei nas fileiras do partido regenerador, encontrando sempre em s. exa. um camarada dos mais leaes, um caracter dos mais bem formados e com as mais preclaras qualidades de intelligencia e da mais accentuada competencia para os diversos cargos de que tem sido incumbido.

Dito isto, no que vae unicamente o reconhecimento do seu valor pessoal, escuso dizer a s. exa. que o minha attitude politica e partidaria para com o sr. ministro da guerra ha de sempre ressentir-se de dois elementos primordiaes: primeiro, a consideração pessoal de que por todos os títulos s. exa. é credor, e segundo, a necessidade de não poupar quem, no exercicio de um cargo como aquelle em que s. exa. foi investido, póde dor avantajadas provas de um talento provado e prestar verdadeiros serviços ao paiz. (Apoiados.)

Portanto, quando s. exa. me encontrar severo, não attribua á mais pequeno má vontade, mas ao alto conceito que formei sempre das suas elevados qualidades.

Dito isto, vejamos se os restos do minha nevralgia me permittem dizer alguma cousa rasoavel em referencia ás considerações apresentadas pelo sr. presidente do conselho.

Não ouvi o primeiro discurso do sr. Marianno de Carvalho, não ouvi o replica do sr. ministro da guerra; mas pareceu-me, pelas considerações feitas pelo sr. Marianno de Carvalho, no segunda vez que usou da palavra, e ainda no discurso que tive o prazer de ouvir ao sr. Hintze Ribeiro, que a ultima crise foi explicada pelo governo da seguinte fórma: A crise não rebentou no seio do gabinete em consequencia de nenhum acto passado de responsabilidade governativa.
Até ao penultimo conselho de ministros houve o maior concordancia e solidariedade de opiniões entre o sr. Pimentel Pinto e os seus collegas, solidariedade de opiniões aliás manifestado por varios membros do ministerio não só n'este coso como no outro coso do parlamento. A ultimo hora é que surgiram, creio que a proposito de algumas propostas, relativas á reorganisação do exercito, divergencias entre o sr. Pimentel Pinto e os outros membros do ministerio. E mais se concluiu das declarações feitas pelo governo, que esta divergencia se accentuára n'um ponto, que era o consideravel augmento de despeza que resultaria d'essas propostas, sendo por isso de opinião os collegas de s. exa. que o momento não era oppprtuno para terem seguimento.

O sr. Marianno de Carvalho apreciando, naturalmente, estas declarações feitas pelo sr. presidente do conselho, observou que por certo o desejo do antigo ministro do guerra seria, como o do actual ministro, alcançar o maior quinhão de beneficios no organisação dos serviços militares com o menor despeza, no que concordou o sr. Pimentel Pinto, creio que até n'um apoiado dado directamente á opinião do sr. Marianno de Carvalho. E não podia deixar de ser assim.

Mas o sr. Hintze Ribeiro começou o seu discurso por declarar que o sr. Marianno de Carvalho não tinha alicerce - foi esta, creio eu, a palavra empregado por s. exa. - alicerce suficiente para concluir dos observações feitos pelos illustres membros do governo contra o explicação da crise dado pelo sr. presidente do conselho.

Já vamos ver qual é a theoria expressa por s. exa., e eu espero poder provar, n'um breve numero de palavras, que quem se encarregou de responder ao sr. presidente do conselho foi o proprio sr. Hintze Ribeiro. Mas antes disso, como não quero precipitar observações, deixe-me s. exa. dizer uma cousa sobre a maneira de se explicarem crises no parlamento.

O sr. Hintze Ribeiro disse., e disse muito bem, que quando uma crise se dava com o camará aberta, explicava-a directamente o chefe do governo, e que, se ella occorria no interregno parlamentar, o explicação era dado por meio de officio, o que todavia não o impedia de vir desenvolver verbalmente perante a camara essa explicação, explanando os motivos que determinaram a crise, e que não constem do officio de participação.

N'este ponto vou eu em soccorro ao sr. presidente do conselho e sou contra o sr. Marianno de Carvalho. Para mim ha um motivo superior que tem impedido o ar. Hintze Ribeiro de explicar as crises governamentaes perante esta camara; é por serem muitas. (Riso.} Se se trotasse só de uma meia duzia d'ellas (Riso.), cousa que se explicasse em tres ou quatro semanas, ainda eu entendia que se podessem exigir explicações ao sr. presidente do conselho; mas como fazel-o se infelizmente nos achâmos diante de um numero, não direi infinito, mós que reveste perfeitamente esse predicado?!

O sr. presidente do conselho não veiu dar explicações, porque não podia, apesar do seu enorme talento parlamentar e de todo o seu tino governativo. Teria de explicar rodo, desde o principio do mundo, desde a fundação d'esta monarchia, desde a fundação d'este gabinete do qual, segundo creio, só existem hoje tres exemplares da primitiva edição (Riso.) - o sr, Hintze Ribeiro, o sr. João

Página 951

SESSÃO N.º 58 DE 8 DE ABRIL DE 1896 951

Franco e o sr. Antonio de Azevedo. O resto é já correcto e augmentado muitas vezes. (Riso.}

Não! Não era possivel.

O sr. Hintze Ribeiro, no remanso do seu gabinete, compulsando as suas responsabilidades de chefe do governo, e a difficuldade de explicar todas essas crises, disse francamente para os seus collegas": posso eu, porventura, sujeitar os meus amigos a estarem dois mezes, seis mezes ou um anno a ouvir largas explicações sobre as crises constantes e permanentes, quasi que mensaes, em que tenho andado, ha três annos a esta parte? Não póde ser.

Eu aprecio em demasia o talento, a sciencia e a intelligencia do illustre ministro para não prestar homenagem a mais esta manifestação da sua pericia parlamentar. Não foi, se não por isto.

Assim, com relação a uma das ultimas crises, a quadragesima, ou a quinquagesima, aquella em que entrou o sr. Luiz do. Soveral para a pasta dos estrangeiros, haverá por ahi uns... eu sei! - não posso determinar bem o numero cardinal; deve ter sido ha mezes; emfim, foi depois da eleição - pois, apesar d'isso, o sr. Hintze Ribeiro disse alguma cousa, deu alguma explicação? Nem uma palavra.

Emfim, ainda que s. exa. pozesse de parte a sua eloquencia demasiadamente abundante e reveladora de extraordinarias faculdades parlamentares; ainda que fosse demasiadamente sobrio na sua exposição, podia ter a certeza de que para explicar todas as crises ministeriaes que se tem dado no gabinete a que preside, teria de fazer, pelo menos, um discurso semanal, com seis horas antes da ordem do dia e dezoito horas de trabalhos parlamentares na ordem do dia. Sem isto, s. exa. não conseguiria dar conta de todas essas crises.

E a proposito das crises, desejo ainda entreter o gabinete e a camara com a narração de um pequeno caso, que não é aquelle que, ha muito, trago promettida ao sr. Hintze Ribeiro, aquella historia em castelhano em que lhe tenho fallado; não é - essa fica para mais tarde; e provavelmente hei de contal-a a s. exa., quando se tratar da reforma eleitoral. Essa é outra historia, em que têem de collaborar o sr. presidente do conselho e o sr. João Franco.

A de hoje, é tambem uma historia em castelhano; mas differente da outra; e se v. exa. me permitte, em poucas palavras defino o meu pensamento, contando esse caso, applicando-o e prestando com a sua narrativa, parece-me, o melhor serviço que posso fazer á situação n'este momento.

De crises passadas, não quero eu saber, porque a narrativa seria indefinida; tratemos de evitar crises futuras.

E é acerca das crises' futuras, do perigo d'ellas, da necessidade do governo as evitar, para que de repente não toque n'algum escolho perante o qual, não tenha salvação de qualidade alguma, é, exactamente, para evitar um perigo futuro, que eu tenho de contar ao sr. presidente do conselho e aos srs. ministros, o pequeno caso a que alludi. É o seguinte:

Conta-se, em Hespanha, que um toureiro sevilhano, amigo particular do grande espada Frascuello, pediu-lhe um dia que lhe desse la alternativa.

O espada Frascuello, que desconfiava muito das aptidões tauromachicas do sen amigo torero d'invierno, negava-se a conceder-lhe la alternativa; até que um dia esse amigo, encontrando Frascuello, muito choroso, pranteando a morto de uma sua tia, lhe disse: "-Salvador", Frascuello chamava-se Salvador, "per alma de tu tia dáme Ia alternativa". (Riso.)

Frascuello impressionado, respondeu-lhe: "dou-a na praça de Madrid".

Foram para Madrid, chegaram à praça, e quando Frascuello lhe passava para a mão os avios, o amigo, que não se sentia muito seguro, nem muito firme, disse-lhe: "Salvador, no quieres nadia para tu tia"?! (Hilaridade geral.)

Agora, permittam-me v. exa. que applique o conto aos nobres ministros.

S. exas. já fizeram muita" remodelações, muitas; já tiveram muitas, recomposições do gabinete, muitas; complicações de situação, muitas; peco-lhes, rogo-lhes que se não metiam n'outra. (Riso.) É um aviso.

Não se mettam n'isso; porque quando o sr. Hintze Ribeiro, querendo dirigir-se a um poder mais alto, é claro, para um pedido de recomposição, se voltar pata o sr. ministro do reino e trocar com elle as ultimas explicações, ao passar-lhe o sr. ministro do reino, os atrios parlamentares, governativos e politicos, necessarios, para alcançar mais esse favor, receio muito que o sr. Hintze tenha de dizer-lhe: "Juanito, no quieres nadia para tu tia"?

(Hilaridade geral.)

Voltando agora ao fio do meu discurso, farei algumas considerações sobre a maneira por que o sr. Hintze Ribeiro explicou a sua não concordancia com as palavras do ar. Marianno de Carvalho. S. exa., na reivindicação de um direito do poder executivo, declarou solemnemente que não tinha obrigação alguma de dar contas a ninguem, nem mesmo ao parlamento, do que intimamente se passava no seio do ministerio. Mas, se isto é assim, pergunto a s. exa. por que é que veiu dizer á camará que o sr. Pimentel Pinto tinha saído e o sr. Moraes Sarmento havia entrado para o gabinete, em resultado da discordancia levantada acerca de umas propostas que o sr. ministro da guerra queria apresentar?

Ou a verdadeira doutrina constitucional é que o sr. presidente do conselho não pôde dizer á camara cousa alguma que se relacione com o que se passa em conselho de ministros, e n'esse caso quem saiu para fóra do seu dever foi s. exa., quando deu aquella explicação, ou ao governo assiste a obrigação de explicar a crise ministerial e então não se comprehende a recusa do sr. Hintze Ribeiro em dar á camara explicações que devia dar-lhe.

Ou não ha logica no mundo ou eu tenho rasão.

Se não podia explicar, porque explicou? Se devia explicar, porque explicou tão pouco?

Dito isto, sr. presidente, referir-me-hei ainda a umas observações do sr. Hintze Ribeiro, quando pensou ver nas palavras do sr. Marianno de Carvalho uma crueldade para com o sr. Moraes Sarmento, suppondo que n'aquellas palavras havia a pequena idéa de lhe attribuir falta de competencia ou de tino governativo. Não foi isto o que o sr. Marianno de Carvalho disse. Se o sr. Moraes Sarmento fosse um adventicio, um parvenu, um individuo sem experiencia provada e sem provas de competencia dadas para a pasta que lhe foi confiada, eu comprehendia que as expressões do sr. Marianno de Carvalho podessem ter essa significação; mas não tendo o meu illustre amigo o sr. Marianno de Carvalho se não a mais completa admiração e estima pelos seus dotes de intelligencia, é evidente que o argumento do sr. Hintze Ribeiro não foi se não um artificio parlamentar, empregado adrede para destruir a falsa situação em que o collocou a sua insufficiente declaração presidencial.

Dito isto, e para terminar, reitero as minhas felicitações ao sr. ministro dá guerra; e, estimando que o governo houvesse saído ainda d'este passo, mais uma vez supplico ao sr. presidente do conselho que, para sua felicidade pessoal, para a manutenção do poder e satisfação dos seus amigos politicos, no que respeita a recomposições, não se metta n'outra.

(S. exa. não revê os seus discursos.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - O sr. Arroyo comprehende de certo que é meramente por deferencia, e é muita a que eu tenho pelo illustre deputado, que me levanto n'este momento, pois que, aparte a graciosidade dos seus commentarios e aquelle conto delicioso com que nos embalou os ouvidos, propria-

Página 952

952 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

mente sobre o assumpto que se discute, pouco tenho que responder.

Ha, todavia, uma cousa em que eu desejo mostrar ao illustre deputado que estamos perfeitamente de accordo.

A crise não se deu, com effeito, por divergencias sobro actos governativos passados; nem podia dar-se, e não era necessario ter toda a largueza de intelligencia do illustre deputado, nem toda a sua fertil imaginação para se perceber que, desde o momento que os ministros estio sentados ao lado uns dos outros, successivamente, a responsabilidade dos seus actos é de todos.

Não foi, portanto, em resultado de divergencias sobre actos governativos passados, que saíu o sr. Pimentel Pinto e entrou o sr. Moraes Sarmento; foi por desaccordo em relação a propostas de lei a apresentar.

O que não colhe é o dilemma do illustre deputado, porque eu posso, nas explicações a dar ao parlamento, ficar simplesmente na reserva que me impõem as minhas funcções ou a que me dão direito os attribuições do meu cargo, ou posso ir mais longe. Podia limitar-me a dizer que, divergencias de opinião, suscitadas no gabinete, tinham dado motivo á saida do sr. ministro da guerra; mau eu fui mais longe; disse os motivos d'essas divergencias.

D'ahi até concluir-se que eu sou obrigado a dizer quaes eram as propostas a que me referi, vae uma distancia muito grande.

Evidentemente, pelas propostas apresentados ao parlamento, todo o governo é responsavel, porque os ministros são solidarios; mas das propostas a apresentar, só os ministros são os juizes e mais ninguem; com os ministros firam e nenhum d'elles tem o direito de, em relação a qualquer proposta sobre a qual não se chegou a um accordo, exprimir voto nem fazer apreciações.

Quanto á alternativa, eu sou pouco versado em assumptos tauromachicos; mas tenho ouvido dizer que a alternativa se dá a primeira vez que se vae defrontar com aquelle terrivel inimigo que o illustre deputado tão bem descreveu, mas, alternativa ao cabo de tres annos, parece-me um pouco tarde.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Ministro da Guerra (Moraes Sarmento): - Pedi a palavra unicamente para agradecer ao illustre deputado o sr. Arroyo as palavras benevolas que me dispensou, e que não posso attribuir senão á estima com que sempre me honrou e ás relações de amisade que sempre temos mantido na nossa vida particular.

O sr. Dias Ferreira: - Não discute a recomposição, porque lhe é indiferente que seja este ou aquelle o ministro que esteja no poder, uma voz que o gabinete continua sendo o mesmo; o que quer é simplesmente affirmar que o ministro demissionario tem o direito de expor a causa da sua divergencia com os demais collegas.

(O discurso será publicado na integra, quando s. exa. o restituir.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Ninguem contesta ao chefe do gabinete o direito, nem mesmo, em determinadas circumstancias, o dever de dar, perante o parlamento conta plena dos motivos que determinaram a saída de um ministro. Podem esses motivos ser tão ponderosos, interessar tanto o paiz sobre os factos que se produzem, ou sobre consequencias que d'elles resultem, que, circumstancias haja em que ao chefe do gabinete se imponha o encargo de dizer clara e desassombradamente perante o parlamento quaes foram os factos, os motivos que determinaram a saída de um ministro n'uma occasião em que as attenções estão voltadas para a sorte do paiz, n'uma conjunctura difficil, ou que possa ter resultados mais ou menos graves. Desde o momento, porém, que não é em virtude de circumstancias de alcance para o paiz que a saída de um ministro se determinou, mas unicamente por divergencias de opiniões ou de idéas sobre propostas a apresentar ao parlamento, comprehende o illustre deputado, que não me corre o dever de vir dizer á camara quaes eram essas propostas de lei e quaes os motivos especiaes da divergencia.

Ainda assim eu fui bastante explicito e claro para dizer que a rasão da divergencia estava no importante augmento de encargos, que para o thesouro advinham d'essas propostas de lei, que o meu collega queria apresentar ao parlamento.

Tambem se comprehende bem, que sendo eu ministro da fazenda o não da guerra, elle cuidasse mais dos interesses especiaes do exercito e eu dos interesses especiaes do thesouro.

Dito isto, como ao illustre deputado, segundo a sua declaração, é absolutamente indifferente saber por que saiu um ministro e entrou o outro, o illustre deputado comprehende que não devo ser mais papista do que o papa e por consequencia ir mais longo nos minhas considerações.

(S. exa. não reviu.)

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 39

(orçamento geral do estado para o anão economico de 1806-1897)

O sr. Presidente: - Continua em discussão o capitulo 1.° do projecto n.° 39 e tem a palavra o sr. presidente do conselho.

O sr. Presidente do Conselho e Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - Sr. presidente, levantei-me para responder ao illustre deputado o sr. Marianno de Carvalho, e é em condições bem desiguaes que o faço. Esta desigualdade resulta não só de ser o illustre deputado um destro parlamentar, o que eu nunca serei, mas principalmente vem de que, por factos e circumstancias intercorrentes que se deram entre a sessão de hontem e a de hoje, mal tive tempo de juntar os apontamentos que tirei da discussão de s. exa.

Será, pois, desalinhada a minha resposta; mas ha de ser verdadeira e perfeitamente sincera. Poderá o illustre deputado ter de me relevar, de momento, qualquer demora em procurar um apontamento ou um documento, mas não ficará sem resposta observação alguma de s. exa.

Confesso, sr. presidente, que quando ouvi o illustre deputado dizer que, compulsando com mão diurna e nocturna o relatorio de fazenda e o orçamento do estado, tinha chegado á conclusão que tanto valia discutir, como não discutir, fiquei receioso de que n'aquelle relatorio, que aliás tanto trabalho me deu, graves erros eu tivesse podido commetter, ou que na administração da fazenda publica em gravissimas faltas eu houvesse incorrido.

Mas, á medida que o ía ouvindo, ía-me enchendo de consolação, por ver que tudo quanto s. exa. trazia de armas aperradas contra mim, tudo ía buscar ao meu proprio relatorio de fazenda, o que prova que elle, alem de bastante completo, ora tambem perfeitamente verdadeiro, como fôra o meu desejo e a minha aspiração.

Fica assim provado que nu não tinha procurado encobrir a verdade, dos factos, nem desfarçar o que as contas do thesouro deviam produzir. Fica provado que estava ali tudo o que as camaras legislativas podiam exigir de mim para apreciarem com rigor e com exactidão a situação do thesouro e da fazenda publica.

E, cousa notavel, como o illustre deputado, desfolhando o relatorio do fazenda e o orçamento, entendia que era indifferente discutir muito, pouco ou nada, por isso mesmo resolveu discutir tanto que até teve de pedir á camara dispensa do regimento para poder dar maior largueza ás suas considerações.

E sestro do illustre deputado; sestro velho. Nós conhecemo-nos já ha bastante tempo. Lembra-me ainda da impressão que me fez a primeira vez que vim á camara, em 1879, ao ver a maneira como se discutia o orçamento.

Página 953

SESSÃO N.º53 DE 8 DE ABRIL DE 1896 953

Um estadista de saudosa memoria, Saraiva de Carvalho, amigo muito intimo do illustre deputado, começára a discussão do orçamento, dizendo: "Este orçamento, sr. presidente, está todo elle erradamente calculado, e calculadamente errado". Agora o sr. Marianno de Carvalho, querendo significar a inutilidade da discussão, diz, como se costuma dizer a respeito dos malmequeres,- muito, pouco ou nada: (Riso.)

E valha a verdade, para quem não tivesse compulsado com mão diurna e nocturna o meu relatorio de fazenda, as observações de s. exa. eram de fazer profunda impressão na assembléa. Eu mesmo cheguei á estar receioso de que essa impressão fosse até ao ponto de julgar que era inane todo o meu trabalho, e o orçamento apresentado á camara uma pia fraude da parte do governo.

Arte?! Ninguem como o illustre deputado. O seu discurso de artificio de primeira ordem, morteiros, foguetes de lagrimas com lindas cores e de variadas combinações. Até os buscapés!(Riso.} Explosões magnificas, com effeitos surprehendentes e seguros!

Ha annos, não direi tantos que a memoria do facto se perca na noite dos tempos, mas em todo o caso quasi se perde da minha propria memoria, ouvia eu na universidade de Coimbra uma these em theologia. Sustentava o doutorando, o que era perfeitamente orthodoxo, a divindade de Jesus Christo, e havia um lente que, por dever de seu cargo, tinha de impugnar aquella these. Era elle, lente, um dos homens mais illustrados, mais argutos da faculdade de theologia. Era o dr. Albino, que por tal maneira, com taes argumentos e com um fogo de artificio tão completo impugnou a these, que, ao chegar ao fim, foi necessario que o reitor impondo silencio ao doutorando dissesse ao lente: desfaça tudo quanto fez.

E o dr. Albino, com o mesmo rigor, com a mesma argumentação, com a mesma habilidade; desfez todo o castello de cartas que tinha architectado.

Eu, quando na sessão anterior estava ouvindo o sr. Marianno de Carvalho, dizia para commigo: se eu agora podesse fazer-me substituir, pelo illustre deputado e dizer-lhe:

"tem a palavra para rebater tudo. quanto s. exa. disse", veriam como s. exa. desfazia tudo quanto fez. Não ficava nada. (Riso.)

Ora, com menos arte, mas com verdade, eu proponho-me demonstrar á camara que em tudo, quanto disse o sr. Marianno de Carvalho, não ha nem uma conclusão que seja exacta, nem uma premissa que não caía perante a propria evidencia dos factos e dos documentos; e isto muito rapidamente, porque nem eu tenho, ao menos, o partido do illustre deputado que dispunha de duas horas para fallar nem quero levar a palavra para casa, nem desejo deixar de cumprir o regimento d'esta camara á, qual não pertenço, tendo portanto, de me sujeitar ao rigor da estreiteza, do tempo.

Sr. presidente esta discussão abriu-se apresentando o illustre relator o sr. Mello e Sousa uma proposta para a legalisação de tres despezas: a despeza pelo ministerio da guerra, relativa ao exercicio de 1894-1896, descripta no meu relatorio; a despeza feita com as expedições a Moçambique e India, descriptas tambem no meu relatorio, e a despeza com a abertura de creditos especiaes, á fim de se legalisarem as despezas com edificios, publicos pelo ministerio das obras publicas constantes dos documentos que apresentei ao illustre deputado.

Conclusão de s. exa.: ora, até que emfim vamos entrar em vida nova e regularisar tudo quanto de illegal se tem feito no passado!

Quem ouvisse o illustre deputado, havia de imaginar
que em materia de abertura de creditos especiaes foi necessario que o sr. Mello e Sousa os viesse propor, porque até agora tudo quanto eram contas, despezas, ou excessos de despezas estava n'um cahos, na mais completa confusão, não havendo um decreto, nem uma lei, nem uma providencia que de alguma maneira as regularisasse! Eram contas que o governo fazia como queria, despezas, que effectuava como queria, disponibilidades e recursos do thesouro de que o governo usava como queria.

Quer a camara ver como isto é exacto?

Eu tambem não preciso sair do meu relatorio, de fazenda; mas o illustre deputado que o compulsou com mão diurna e nocturna parece que se esqueceu do documento n.°3. Este documento intitula-se: Nota dos creditos especiaes que foram, nos termos do regulamento da contabilidade publica, acrescentados ás despezas proprias do exercicio de 1894-1895, e n'elle encontro esses creditos distribuidos pelos ministerios.

Em presença d'este documento, parece que já não é uma innovação do sr. Mello e Sousa; parece que essa regularisação provém, na sua iniciativa, do governo que apresentou um documento em que estão descriptos todos os creditos abertos, nos diferentes ministerios.

Mas, disse o illustre deputado, e disse com muita graça- e assim é que s. exa. não só nos convence, mas cala tambem no nosso sentimento meridional:- foram-se os deficits!

Eram tão amigos, davamo-nos tão bem, viviamos n'uma
intimidade tão productiva! Agora vem o sr. ministro fazenda e já não descobre senão saldos! E ao dizer isto, o sr. Marianno de Carvalho volvia olhares piedosos para os tempos em que nós tinhamos esses deficits.

Mas, quer a camara ver como temos saudades d'esses tempos?

Se então o regulamento de contabilidade era o actual, como realmente era; se as contas eram feitas pelos mesmos funccionarios de hoje, e os elementos de escripturação, eram precisamente identicos áquelles que hoje existem, parece-me que as conclusões podem põr-se bem em confronto.

Preceitos iguaes, fazedores da obra os mesmos, é claro, que se as conclusões são diversas, é que os factos variaram.

Ora, com os mesmos elementos de contabilidade, de apreciação e com os mesmos nós chegámos ao seguinte resultado, do qual o sr. Marianno de Carvalho tem tão vivas saudades:

Em 1888-1889 tivemos 14:137 contos de réis de deficit;
em 1889-1890 o deficit foi de 13:248 contos de réis; em 1890-1891 foi de 13:618 contos de réis, e em 1891-1892 é de 14:653 contos de réis. E é exactamente por termos
deficits de 13:000 e de 14:000 contos de réis de 1888-1889, 1889-1890, 1890-1891 e 1891-1892 e por serem estes deficits a continuação dos anteriores que nós, um bello dia, tivemos de põr de parte sentimentos que se impõem a toda a nação que é guardadora escrupulosa de todos os compromissos, sendo forçados a suspender o pagamento dos juros da divida publica.

D'esses deficits é que o illustre deputado tem saudades e para os resultados de hoje quando esses resultados não apresentam 13:000 ou 14:000 contos de réis de deficit, só tem aquellas esplendidas girandolas com que hontem nos deliciou. Mas ainda, mal que ellas fossem verdadeiras porque importava isso a ruina completa do nosso credito.

Dizia o illustre deputado: "Dàvamo-nos bem com os deficits e foram-se; agora inventaram-se os saldos" E é por isto que s. exa. entende ser absolutamente inane e não conduzir a qualquer, resultado a discussão do orçamento! Os saldos na opinião de S. exa., são uma phantasia; existem só no papel; o que houve em 1894-1895 foi um deficit de 3:600 contos de réis!

É bom affirmar, é mesmo bom tentar a prova, quando essa prova, figurando-se baseada em documentos, se apresenta n'uma assembléa que não tem tempo de compulsal-os. Tem, porém, um grave risco; após a affirmação, vem a contraprova, e esta mostra que a phantasia está precisamente nos calculos apresentados e nas affirmações feitas por s. exa. Quer ver?

A camara lembrar se bem do que disse hontem n'esta

Página 954

954 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

casa o illustre deputado e meu amigo. S. exa queria apurar qual era o resultado, effectivo e verdadeiro do exercicio de 1894-1895, e então com mão diurna e nocturna foi ao meu relatorio de fazenda e compulsou o documento n.° 5, pag. 155 do relatorio. Podia ter ido, noto-se, ás contas de receita e despeza, por gerencia ou por exercicio; mas não foi, foi ao mappa da divida fluctuante; ficou, porém, ali extremamente perplexo. Segundo nos contou, estava então nas suas doces locubrações em Azeitão, onde o tempo era mais largo, e ahi com mão diurna e nocturna foi folheando e encontrou o documento n.° 5. Mas, oh! pasmo! quando esperava encontrar a divida fluctuante do exercicio do anno de 1895, encontrou um cifrão cortado.

Querem ver como ás vezes dormitam os espirites mais illustrados, e falham os melhores mathematicos?

O documento n.° 5, na columna que se refere ao semestre de 31 de dezembro de 1895, está incompleto, porque lhe falta a designação de uma das verbas. Essas verbas são tres; uma em conta de bilhetes do thesouro; está no mappa; é de 8:844 contos de réis; outra, em contas correntes, -$-: outra, supprimentos em contas correntes, 2:685 contos de réis. Não se enganou, encontrava o cifrão cortado, porque não estava descripta a verba.

Mas o que s. exa. não encontrava, era a somma das verbas n'esta columna, como encontrava em todas as outras, o que mostrava que os documentos estavam incompletos. Ora, por isso mesmo que não estavam consignadas as verbas todas é que não se tinham feito as sommas.

Mas se o illustre deputado queria a somma, encontrava-a a pag. 12; porque ahi diz-se: divida fluctuante - 29.418:000$000 réis. E n'este caso não lhe faltava nada.

S. exa. queria apurar, pelo documento n.° 5, uma das verbas que lhe faltava, visto que n'esse documento de tres verbas só duas estavam completas; mas desde que a pag. 12 encontrava a somma das três verbas, facilmente podia conhecer a que lhe faltava.

Qualquer outro individuo, que não fosse tão bom mathematico, sommava as duas verbas do documento n.° 5, deduzia-as da somma total que vem descripta a pag. 12 e apurava immediatamente a importancia da verba que lhe faltava! Parece-me que não era isto muito difficil. Pois o illustre deputado não descobriu esto meio!

O sr. Marianno de Carvalho:- Dava muito trabalho.

O Orador: - Devia ser realmente um trabalho enorme o sommar duas verbas e deduzir essa somma de uma terceira, apurando assim o que se desejava! Um trabalho

Mas note-se. Isto dizia-nos hontem o sr. Marianno de Carvalho, emquanto tinha, no proprio Diario do governo,

£e s. exa. leu por completo e por extenso, toda a relação divida fluctuante em 31 de dezembro de 1895!

O sr. Marianno de Carvalho: - Pois se eu fiz os meus calculos em Azeitão, ha quinze dias, como v. exa. ha annos fez os seus projectos em Canecas, como queria S. Exa. que eu então lesse o Diario do governo que se publicou hontem?!

O Orador: - Eu respondo ao illustre deputado, que o seu discurso não foi feito ha quinze dias em Azeitão, mas foi feito hontem, aqui; e como hontem já tinha a relação da divida fluctuante, por completo, no Diario do governo, que s. exa. leu, citando até muitas verbas, é evidente que não precisava de rememorar aquelles beijos tempos bucolicos de Azeitão, para vir discutir o orçamento.

Ora quem lia o Diario do governo de hontem, encontrava lá o que s. exa. desejava, e até mais, porque s. exa. queria 31 de dezembro de 1895 e encontrava 30 de se que estava lendo na occasião em que estava fazendo o seu discurso, para que vinha manifestar-se tão perplexo, tão desconhecedor dos elementos de que carecia, para chegar a uma conclusão sobre a apreciação verdadeira do orçamento geral do estado?!

Porque, noto-se, s. exa. deu-se a um trabalho extraordinario; os de Hercules não são nada, comparados com o que s. exa. fez! Nunca ninguem chegou a resultados tão maravilhosos como s. exa. chegou. E note v. exa. que eu digo isto com tanta mais sinceridade, quanto ninguem tem pelo talento de S. exa. maior culto do que eu.

Queria o illustre deputado saber qual era a importancia da conta corrente? A pag. 155 não encontrou, a pag. 12 tambem não, porque era a synthese, e então o que fez? Foi procurar a nota da conta corrente com o banco de Portugal, no orçamento; mas isto já não foi em Azeitão, onde não tinha o orçamento.

O sr. Marianno de Carvalho: - Porque não tinha? Era prohibido leval-o para lá?

O Orador: - Se tinha, melhor. Efectivamente no documento n.° 5 não a encontrava, mas logo na pagina seguinte, no documento n.° 6, a podia ver.

O sr. Marianno de Carvalho: - Mas não estava certa.

O Orador: - Porque?

O sr. Marianno de Carvalho: - Porque sommando o que se encontra na pag. 158 com o que se encontra na 156 nunca dá o que está na synthese.

Orador: - Quer v. exa. saber porque não dá? E porque a pag. 156 encontra o seguinte: Importancia da conta corrente com o banco de Portugal, em 31 de dezembro, 16:115 contos de réis; e na nota da divida fluctuante, publicada hontem, encontra: Importancia da conta corrente, em 31 de dezembro, 16:014 contos de réis.

Notando a differença podia recorrer ao relatorio do banco de Portugal e ahi encontraria a pag. 15: "Saldo do nosso credito, para 1896, 16:115 contos de réis". E mais adiante, a pag. 27: "Balanço do banco de Portugal, thesouro publico, conta corrente, 16:115 contos de réis".

Simplesmente não eram 16:115 contos de réis, eram 15:014 contos de réis. Quando se fez o balanço do banco e se escreveu este relatorio, tinha o banco apurado tudo o que dizia respeito ao continente e não precisamente ás ilhas, até 31 de dezembro, e apurou 16:110 contos déreis, que é o que consta do balanço e do relatorio de fazenda; mas depois, em vista dos apuramentos que se fizeram, foi aquella quantia rectificada para 16:014 contos de réis.

S. exa., porém, tinha todos os elementos de que soccorrer-se para chegar a uma conclusão verdadeira; foi o illustre deputado mesmo quem o confessou. E tanto s. exa. leu o documento publicado hontem, que nos veiu fallar das contas correntes com a companhia dos tabacos e banco Lisboa & Açores.

Em relação á conta corrente com a companhia dos tabacos, tendo tres, quatro, cinco, seis mezes de balancetes já publicados, por acaso foi buscar o balancete em que a conta corrente com a companhia era mais alta, a de 30 de novembro em que ella é de 336 contos de réis.

Em relação ás outras escolheu a do banco Lisboa & Açores, e deu-nol-a como sendo de 259 contos de réis. Se tivesse ido um pouco mais adiante, encontrava-a, em 31 de janeiro, em 197 contos de réis, e em 29 de fevereiro em 142 contos de réis; e se quizesse ser completo, não nos fallava só na conta corrente com a companhia dos tabacos, nem com o banco Lisboa & Açores, fallava-nos tambem na conta corrente com o banco commercial de Lisboa.

O sr. Marianno de Carvalho: - Fallei.

O Orador: - Tanto melhor.

Ora, a respeito d'estas contas correntes desejou a. exa. saber o motivo porque, tendo o governo na conta corrente com o banco de Portugal uma disponibilidade de 5:000 ou 6:000 contos de réis, e sendo essa conta gratuita, foi abrir contas correntes, não já com a companhia dos tabacos, em

Página 955

SESSÃO N.° 53 DE 8 DE ABRIL DE 1896 955

refocilo a 200 contos de réis, porque esses são tambem gratuitos, mas com o banco Lisboa & Açores ou com o banco commercial, ou mesmo por augmento da Conta com a companhia dos tabacos.

Queria s. exa. que eu lhe explicasse isto muito claramente. Pois eu explico clarissimamente.

Em primeiro logar, note o illustre deputado que estas contas correntes são supprimentos de divida fluctuante.

Estes supprimentos têem em geral por fim pagamentos a realisar no estrangeiro. Para esses pagamentos tenho recorrido, conforme se me offerece maior vantagem, ou á companhia dos tabacos, ou ao banco commercial, ou ao banco Lisboa & Açores, porque não tenho predilecções.

Mas porque não recorri eu á conta corrente com o banco de Portugal, sendo ella gratuita?

Porque seria o maior erro economico e financeiro que eu poderia praticar.

Ir atras da miragem de uma conta corrente gratuita, geria esgotal-a, esquecendo o que vinha depois. Era, como disse, um gravissimo erro economico; porque recorrendo á disponibilidade na conta corrente com o banco de Portugal ía lançar no mercado mais 0:000 ou 6:000 contos de réis de notas, aggravando assim as nossas condições, que já não são boas, de circulação fiduciaria.

Torno a repetir; era um erro que não devia praticar.

Comprehende-se o alargamento da circulação fiduciaria, e, por consequencia da emissão de notas. Mas, podendo, não se evitar que desde logo se aggravassem as condições do mercado com uma emissão de notas escusada, seria evidentemente um erro economico, e não só economico, mas financeiro

Quanto é que poupava, indo buscar á conta corrente com o banco de Portugal a disponibilidade de 6:000 ou 6:000 contos de réis, por ser gratuita essa conta?

Suppondo que eram 5:000 contos de réis a 6 por cento, poupava 250 contos de réis. Isto é verdade; mas esgotava de uma, vez a conta corrente gratuita com aquelle banco, e d'ahi por diante ficava á mercê das exigencias da praça.

Com a disponibilidade da- conta corrente gratuita tinha eu conseguido reduzir a taxa de juro do supprimento da divida fluctuante tanto assim que ella está hoje a 6 ou 4, mas. desde o momento em que não tivesse a disponibilidade d'esse credito gratuito e apparecesse uma urgencia do thesouro a satisfazer, ficava logo á mercê da praça, e então o juro não seria de 4 ou 5, mas de 5 para 6 ou 7, ou de 4 para 5 ou 6.

Vamos agora á divida fluctuante.

Francamente, eu até julguei que teria percebido mal, quando ouvi fazer a conta do empréstimo da divida fluctuante começando em l de julho de 1894 e acabando em 31 de .dezembro de 1896.

Para que foi s. exa. buscar o periodo de dezoito mercês? Foi a pergunta que fiz a mim mesmo.

Naturalmente é porque dezoito mezes têem um exercicio e, por consequencia, para avaliar do exercicio de 1894-1896 foi começar com o exercício do 1.º de julho de 1894 acabando com, o exercicio em 31 de dezembro de 1896!

Mas, as contas da divida fluctuante não têem absolutamente nada com o exercicio: a escripturação do exercicio exige uma distincção de verbas, o que absolutamente se não faz em relação á divida fluctuante.

por consequencia, se s. exa. queria avaliar do estado da fazenda publica, por períodos e mediante o mappa da divida fluctuante, devia ir buscar o anno civil ou o armo economico, conforme quizesse; mas ir buscar dezoito mezes para avaliar do estado da divida fluctuante, não era cousa que sé percebesse; tanto mais que s. exa., compulsando o relatorio com mão diurna e nocturna, acharia a declaração que está a pag. 12,. sobre á divida fluctuante.

Ora, acontece que sempre em 30 de junho a divida fluctuante está relativamente em menos do que em 31 de dezembro e mesmo de 80 de junho seguinte a 31 de dezembro a divida fluctuante está muito superior por terem decorrido seis mezes, durante os quaes se fizeram evidentemente despezas largas!

Assim, a divida fluctuante em 30 de junho de 1894 era de 82:104 contos de réis, emquanto que em 30 de dezembro de 1893, seis mezes atrás, era de 23:629 contos de réis. Do mesmo modo, em 30 de junho de 1893 era de 18:944 contos de réis, e em 31 de dezembro do mesmo anno já estava em 23:629 contos de réis. Em 30 de junho de 1894 era de 22:164 contos de réis, e em 31 de dezembro do mesmo anno de 27:114 contos déreis. Em 30 de junho de 1896 estava em 26:923 contos de réis, e em 31 de dezembro do mesmo anno tinha subido a 29:418. contos de réis. D'aqui se vê que em 30 de junho a divida fluctuante é sempre menor do que em 31 de dezembro, apesar de terem occorrido despezas importantes a mais. Provém isto de que ha uma parte do anno, primeiro semestre, em que as entradas são maiores, e outra em que são menores, o segundo semestre, e por isso e não porque as despezas não corram é que a divida fluctuante em 30 de junho é inferior á divida fluctuante em 31 de dezembro antecedente, que o illustre deputado foi buscar para avaliar.

Como a divida fluctuante em 30 de junho de 1894 era de 22:000 contos de réis, e a margem d'ahi até 3 L de dezembro de 1896 era muito maior, permitte-se então s. exa. atirar-nos com 300 contos de réis de divida fluctuante, ou excesso de despeza por mez, em dezoito mezes decorridos de 80 de junho de 1894 para cá!
Não é assim que se avalia a divida fluctuante. Não ha taes 300 contos de réis. Para o demonstrar, basta servir-me do sen raciocinio e dos calculos do illustre deputado. Eu poderei não me lembrar bem d'elles, mas as idéas fixei eu.

O argumento do illustre deputado que eu desejo apresentar por fórma que toda a camará o comprehenda, n'um assumpto que aliás é difficil expor, é o seguinte: a divida fluctuante em 30 de junho de 1894 era de 22:155 contos de réis, em 31 de dezembro de 1896 de 29:418 contos de réis; logo, nos dezoito mezes augmentou 7:263 contos de réis. Mas, acrescenta o illustre deputado, n'este intervallo, vendeu o governo titulos na importancia de.l:745 contos de réis, sem que ninguem o tivesse, sabido.

Não é assim; esta operação de 1:746 contos de réis, foi uma operação, mais que sabida, sobre obrigações de tabacos feita pelo governo, e de que deu conta, juntando o proprio contrato no relatorio que eu apresentei á camara em 1894.

Mas, diz s. exa., juntando estas verbas, fica a divida fluctuante em 9:614
contos de réis. É certo; todavia, ha correcções a fazer é o illustre deputado admitte-as. Assim, concorda em deduzir 344 contos de réis de adiantamento á companhia do caminho de ferro de Ambaca. São menos esses 344 contos de réis, e n'este desconto concorda s. exa.

Outra correcção: ha a deduzir-o pagamento aos bancos do Porto na importância de 2:196 contos de réis. Ha aqui um erro; são 2:496 contos de réis e não 2:195.

Tambem ficámos sabendo que s. exa. concorda em que dos titulos da divida fluctuante se desconte a importancia dos pagamentos feitos aos bancos do Porto. Concorda ainda em deduzir a differença dos saldos, que são dinheiro em caixa, apurando de tudo isto que o augmento da divida fica em 6:750 contos de réis, e que, ainda abatendo a differença dos saldos, resulta o suficiente para que o augmento da divida fluctuante, nos dezoito mezes, seja de 331 contos de réis por mez. E simplesmente isto, segundo os documentos de que o illustre deputado se servia.

Ora, fazendo os descontos em que s. ex.* concordou, o resultado é inteiramente diferente, como a camara vae ver.

Note-se e ilustre, deitado apara isto em dezoito me-

Página 956

956 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

zes; eu dou-lhe dois annos, e em dois annos vou apurar monos do que elle apurou em dezoito mezes.

Em 31 de dezembro de 1893 a divida fluctuante estava em 23:530 contos de réis e em 31 de dezembro de 1895, dois annos depois, estava em 29:148 contos de réis. Eu vou seguindo os calculos de s. exa., e depois direi como eu faço os meus. Por ora sirvo-me apenas das bases que s. exa. aqui nos trouxe.

Tomos, portanto, um augmento de 5:888 contos do réis. Juntando á isto os 2:251 contos de réis da renda de titulos e de emprestimos, o augmento total é de 8:139 coutos de réis.

Agora o que ha a descontar? O illustre deputado concorda em que se descontassem os coupons de Ambaca; estes, em dois annos, que são quatro semestres, importam em 1:183 contos de réis; logo, já tomos só 6:956 contos de réis nos dois annos.
Mas, s. exa. tambem concordou, e não podia deixar de concordar, em que ha a deduzir os pagamentos feitos aos bancos do Porto na importancia de 2:490 contos de réis; logo, já fica só em 4:460 contos de réis.

Mas s. exa. ainda concordou, se bem que a custo, em que se descontasse a differença dos saldos, que são 630 contos de réis; logo, já ficam só 3:830 contos de réis que, divididos por dois annos, dão em cada anno 1:940 coutos de réis, e em cada mez 161 contos de réis; isto é, metade do que foi calculado pelo illustre deputado.

E é metade, porque? Porque s. exa., arguciosamente, lançou mão do periodo de dezoito mezes, a titulo de corresponder ao exercicio, o que não devia fazer, porque as contas da divida fluctuante não têem absolutamente nada com despezas do exercicio.

Agora vou mostrar á camara, com toda a clareza, e por forma que o assumpto se torne absolutamente comprehensivel e nitido, como se fazem as contas da divida fluctuante, os resultados que se dão e como os calculos se devem fazer.

Note a camara, e aqui vae o meu peccado, antigamente publicavam-se, quando se publicavam, os balancetes da divida fluctuante, dando unica e exclusivamente a importancia da propria divida fluctuante, sem se descrever n'elles a importancia dos saldos em cofre, por consequencia dinheiro em caixa, e sem se fazer menção nem referencia ás vendas de titulos ou emprestimos. D'este modo não se poderia explicar que em vez de um augmento houve uma diminuição, ou que em vez de uma diminuição houve um augmento. Basta que eu diga o seguinte: Em 31 de dezembro de 1890 o balancete simples da divida fluctuante (pag. 12), era de 33.728:5250875 réis

Quem olhasse unicamente aos balancetes e não curasse de saber o que dissesse respeito á venda de titulos ou emprestimos, nem emfim dos factos que contribuem para o resultante da importância da divida fluctuante, concluiria que de 31 de dezembro de 1890 a 31 de dezembro de 1891 e de 31 de dezembro de 1891 a 31 de dezembro de 1892 tinha havido uma diminuição de 12:000 contos de réis. Se por ahi quisesse avaliar o estado da fazenda publica, enganava-se redondamente, e todavia eram estes erros que levavam a publicar-se os balancetes como se publicaram.

Felizmente que eu estou fatiando n'uma camara onde me ouvem homens eminentes na finança e podem por conseguinte comprehender o alcance das minhas palavras.

Pois então póde pôr-se em duvida que para se apurar pelos balancetes da divida fluctuante, devidamente completada com todos os elementos de apreciação, o estado da fazenda, possa, alguem prescindir de saber dos titulos que existem em cofre?

Pois então ha alguem que a par do seu passivo não descrava o seu activo e que não julgue activo o dinheiro que tem em caixa?

Posso eu não ter em attenção o que durante o anno levanto ou por vendas de titulos ou por emprestimos?

Foi por isso, para que houvesse inteira verdade nas apreciações a respeito da divida publica, que eu mandei fazer o mappa que a camara hoje tem presente, onde se Liz qual a importancia exacta da divida fluctuante no semestre ou no anno, qual a importancia exacta do dinheiro em caixa, em cofre ou em deposito, qual a importancia do que se levantou ou por venda de titulos ou por emprestimos no decorrer d'esse anno, e emfim qual a natureza da applicação quo tiveram os fundos durante o anno, para que se conheça se efectivamente se traduz em despeza ou se representa apenas adiantamentos reembolsareis, cousas essas que se não podem confundir, porque muito diverso é aquillo que eu gasto, que nunca mais torno a haver, d'aquillo que eu adianto e que depois reembolso.

Só depois, com todos estes elementos, se póde chegar ao mappa completo da divida fluctuante de fórma a tirar uma conclusão exacta e apreciavel.

Com todos estes elementos quer a camará ver qual o resultado a que se chega? E o seguinte:

Em 31 de dezembro de 1890 existiam liquidos de divida fluctuante, 31:238 contos de réiis; em 31 de dezembro de 1891 o liquido da divida fluctuante era de 20:022 contos de réis.

Quem quizesse concluir que ella tinha diminuido e que havia resultado um saldo, enganava-se, porque durante esses annos levantaram-se por emprestimo 32:434 contos de réis.

Isto é que explica aquella diminuição, e dá em resultado esse saldo que não só não havia, mas nem podia haver, no anno em que as circumstancias do paia eram criticas sob o ponto de vista financeiro; ao contrario, o que havia era um deficit, desde que não se queria ter mais nada em conta, de 21:338 contos de réis. Exactamente pelo mesmo processo se apurava em 31 de dezembro de 1892 um deficit de 9:901 contos de réis; em 31 de dezembro de 1893 de 3:360 contos de réis; em 31 de dezembro de 1894 de 4:480 contos de réis; em 31 de dezembro de 1895 de 3:078 contos de réis. Estão aqui os 3:078 contos de réis de que hontem fallava s. exa.? Não estão tal, porque n'estes 3:078 contos de réis estão comprehendidos 596 contos de réis pagos aos bancos do Porto.

Ninguem dirá, nem s. exa. mesmo disse, que isso possa entrar nas contas de receita e despeza do estado; alem d'isto ainda estão outras verbas a que é necessário attender.

Note-se; o illustre deputado ainda hontem admittia que a respeito de adiantamentos se descontasse a importancia do balancete, quando assim apurado; e effectivamente os adiantamentos que se fizeram á Mata real, aos caminhos de ferro, ao banco Lusitano não podem deixar de ser descontados, porque são adiantamentos reembolsaveis. Mas ha uma cousa, em que o illustre deputado absolutamente não concorda; é em que se desconte, n'este anno de 1895, embora esteja de accordo em que é uma despeza extraordinaria, aquella que se fez com as expedições da India e de Moçambique, e nas quaes se gastaram centenares de contos de réis! Como se, porventura, entrasse na imaginação de alguem que nós tivessemos podido acudir a todas estas despezas, fazendo o confronto entre as receitas e despezas regulares do estado!

Isso nunca ninguem esperou.

Do mesmo modo tambem s. exa. não quiz reconhecer que das despezas feitas pelas obras publicas, houvesse qualquer cousa a deduzir, na apreciação da divida fluctuante do anno de 1895.

E se eu mostrar os documentos que tenho presentes e que provam que a importancia que está descripta em 1895, como desembolçada n'esse anno, é menos 1:119 contos de réis que pertencem ao anno anterior?

Página 957

SESSÃO N.º 53 DE 8 DE ABRIL DE 1896 957

Evidentemente eu não posso levar á conta das receitas
e despezas de um anno, aquilo que representa despezas regulares de outro anno. Posso leval-as á conta
das despezas d'este anno, mas não á conta das despesas
do Anno que vem.

E aqui tem v. exa. como se chega precisamente a uma conclusão differente, e é, que feito o confronto; como elle real e precisamente deve ser feito em 1895, descontados os contos de réis dos bancos do Porto, que não são despezas; computando a parte das despezas com a expedição a Lourenço Marques; que são despezas; mas absolutamente inconfrontaveis com o andamento regular de uma situação financeira de anno para anno; e dando a situação de 1895 o que d'esse anno e não o que pertence aos annos anteriores, a conclusão precisa é, que sobre as mesmas bases de calculo, sobre mesmos effeitos de escripturação, atendendo a todas as verbas da mesma fórma, aos differentes annos e sobre premissas perfeitamente identicas, ao passo que em 1891 temos 14:000 contos de réis; em 1898 temos 2:579 contos de réis, e ainda em 31 de dezembro de 1895. Assim com os mesmos elementos de calculo e de apreciação da verdade, chegamos a conclusão de que, pelo contrario, não houve differença alguma contra o thesouro, mas sim a favor.

Creio que deu a hora e eu não quero cançar a attenção da camara. Terminarei; portanto, aqui, na observancia do regimento; mas a verdade é que tinha ainda mais que responder ao illustre deputado.

O sr. Presidente: - Segundo o artigo 65.° do regimento, v. exa. póde se quiser, concluir o seu discurso, dispondo para isso ainda de trinta minutos.

Fica, porém, ao arbitrio de v. exa. continuar ou ficar
com a palavra reservada.

O Orador: - N'esse caso, continuo. Pouco mais de vinte minutos me demorarei. Não hei de abusar da paciencia da camara.

O illustre deputado, para explicar as suas perplexidades, até me perguntou de onde é que vinha aquella verba de 596 contos de réis, emprestada ao banco Lusitano em 1895.

O sr. Marianno de Carvalho:- Peço perdão. Eu não perguntei similhante cousa; o que disse foi que essa verba estava lançada na columna adiante do banco lusitano.

O Orador: - O illustre deputado percebia muito bem que, se em vez de ir à paginas 155, onde havia uma simples transposição typographica, d'estas que facilmente em todas as typographias se commettem, fosse á pagina 13, ahi encontraria, declarado O que isso era. Lê-se ahi o seguinte:

"Pelo que respeita ao ultimo anno decorrido, 1895, basta considerar que se, por um lado, o augmento que em absoluto se nota na divida publica foi de 3.078:304$891 réis, por outro lado 596:762$476 réis foram pagos aos bancos do Porto, em complemento da divida que o estado ha muito contrahira pelas classes inactivas; 1.579:227$436 réis foram despendidos com as expedições a Lourenço Marques e 63:553$557 réis com a da India, e que só estas verbas sommam 3.353:040$399 réis, quantia muito superior aquella, para se reconhecer que, não levando já em conta os couponds da camara municipal de Lisboa, que constituem hoje e não constituiam antes, despeza ordinaria a cargo do estado e que no anno passado foram de 589:982$873 réis, e não olhando já, etc., etc."

Referiu-se ainda s. exa. a dois assumptos importantes; a que eu tenho de responder. O primeiro é ácerca dos adiantamentos feitos pelo ministerio da fazenda a outros ministerios e por fórma que à conclusão que se tira, no dizer de s. exa. é que desde que não ha contas, ou antes
Se fazem ao sabor de cada ministro, não se póde saber se ha saldo ou déficit, visto que a unica conclusão a que se chega é que não se póde chegar a conclusão nenhuma. Simplismente, note a camara: se essas despezas a que o illustre deputado se referiu, fossem despezas que não tivessem entrado nas contas dos exercicios que eu declarei ter fechado sem deficit, e se por consequencia, para apresentar a camara e ao mais uma conta de exercicio saldada sem deficit, tivesse posto de parte algumas despezas, ocultando-as, s. exa. tinha rasão para me incriminar e a accusação era justificada. Mas acontece que todas as despezas a que o sr. Marianno de Carvalho se referiu, todas foram metidas nas contas do exercicio e foi contando com ellas que se chegou á conclusão de haver saldo em vez de deficit.

Eu não apresentei á camara senão dois orçamentos saldados, o de 1898-1894 e o de 1894-1895. Com relação ao exercicio de 1893-1894, effectivamente houve despezas pelos ministerios da guerra, marinha e obras publicas, para que foi necessario abrir creditos; mas essas despezas, que importaram em 261 contos de réis para a guerra, 223 contos de réis para a marinha e 424 contos de réis para as obras publicas, foram todas incluidas nas contas d'este exercicio, e foi porque se attendeu a estas despezas todas que o exercicio se fechou com o saldo de vinte e tantos contos. Nenhuma ficou atrás; nenhuma deixou de ser mencionada e isto é que é o ponto importante.

Com relação ao exercicio de 1894-1895 fui perfeitamente claro, explicito e verdadeiro no relatorio que apresentei á camara. Não leio, porque a hora está adiantada; mas a página 6, lá digo que todas as despezas a cargo do estado, realisadas no período de 1894-1895, com a unica excepção das despezas de expedição ao ultramar, ainda não legalisadas e que pela sua urgencia e indeclinavel necessidade se fizeram pelas operações de thesouraria, todas as outras despezas feitas pelo ministerio das obras publicas, marinha e guerra, foram incluidas no exercicio de 1894-1895, e porque se incluiram é que se apurou um saldo apenas de 29 contos de réis.

O illustre deputado o sr. Carvalho teria rasão não para fazer uma apreciação tão benigna, e amigavel mesmo, como hontem aqui me fazia, mas uma accusação formal
e fundada, se eu, para apparentar aos mesmo dos estrangeiros, que as circumstancias do paiz tinham melhorado, suprimisse ou occultasse quaesquer despezas, fechando só assim as contas do exercicio.

Desde o momento, porém, que todas às despezas previstas e não previstas do exercicio, aquellas que resultaram da auctorisação legal e as proprias, as que foram feitas por antecipação, como s. exa. hontem dizia, foram computadas nas contas de recata e despeza do exercicio e se apurou o saldo, póde ter havido de momento uma irregularidade na antecipação ou na realisação dessas despezas; mas o resultado final do exercicio, e é isto o que nos interessa; sob o ponto de vista da apreciação da situação da fazenda publica, esse resultado é completo, exacto, inteiro.

A outro ponto se referiu o illustre deputado, aos lucros da amoedação. S. exa. imaginou o ministro da fazenda dado a perros para descobrir uma maneira de saldar o exercicio de 1894-1895, desde que se tinha saldado o de 1893-1894, e que reunindo um concilio de pontifices maximos, sendo um d'elles o maximo dos maximos. (Riso.)

O sr. Marianno de Carvalho: - Pontífices maximos; não; príncipes dos sacerdotes.

O Orador:- Ah! E a esse respeito, - o que é ser velho! -deixe- me dizer-lhe, eu fui ministro da fazenda de 1881 até 1886, e lembro-me de ter havido então uma discussão ardente, uma pugna energica, violenta, travada entre um deputado que foi sempre considerado como um dos nossos primeiros jornalistas e dos mais habeis parlamentares, e um funccionario que empregava o melhor do seu tempo em fazer as contas da gerencia e exercicio do

Página 958

958 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

hesouro, cheio de zêlo e boa vontade. (Apoiados.)

Pois querem saber? Quer a camará ver como é justificado o meu espanto n'este momento?

Quando esse distincto jornalista e notabilissimo parlamentar entrou para a pasta da fazenda, o seu primeiro cuidado foi caír noa braços dos taes pontifices maximos, que lhe arranjaram as contas da receita e despeza por tal modo, que nunca mais ninguem lhe ouviu um queixume, nem uma censura a respeito de contas!

Eram tão optimas, tão verdadeiras, tão completas, tão absolutamente inilludiveis que ninguem tinha reparos a fazer; mas o ministro era tão previdente que, para que zanguem lhe fizesse, reparos, o orçamento não foi discutido ! (Riso.)

Apesar de todas as suas cautelas, apesar das contas serem exactas, no tempo em que aquelle distincto jornalista e nobilissimo parlamentar geria a pasta da fazenda, nunca se discutiram contas, nunca se discutiu senão a lei de meios!

Pois as contas eram perfeitamente exactas, posso afiançal-o.

Mas, para terminar, vamos já aos lucros da amoedação.

O illustre deputado não queria que eu tivesse incluido nas receitas do exercicio de 1894-1885 os lucros da amoedação, que foram desde 1890 até 1893; e não queria pelo motivo seguinte: porque eram verbas de receita de exercicios findos. Eram, effectivamente. E s. exa., n'uma phrase picaresca, disse que tinham ido ao seu armazem buscar estopa, que era d'elle, para pôr uns remendos na nau desmastreada, e que eu..."

O sr. Marianno de Carvalho - Essa phrase da estopa para calafêto foi a respeito de uma aperação feita pelo sr. Fuschini.

O Orador: - Ah! foi?... Então não lhe louvo a repetição. E ter-me-ía abatido de lhe fazer referencia se soubesse qual a origem.

Mas seja essa phrase ou outra, vamos ao facto.

Disse o illustre deputado "que não sendo os annos de 1890 até 1893 da administração d'este governo, os lucros deviam ser escripturados no exercicio de 1893-1894 e não no de 1894-1895."

Mas no exercicio de 1893-1894 a administração que estava, era a actual, e nós passámos de um para outro anno o que podiamos ter escripturado em qualquer dos annos da nossa gerencia. Em todo o caso é certo que não fomos buscar nada á sua. A verdade é que estes lucros foram apurados em fins de dezembro de 1895; e note-se que não são lucros ficticios.

Se se tivessem inventado uns lucros para com elles, como receita, illudir a despeza e assim ficar de um para outro exercicio, a accusação do illustre deputado era muito merecida; mas esses lucros são reaes e verdadeiros; deram-se.

Tenho aqui a conta, para quem a quizer ver, passada na casa da moeda, e constante de documentos, dos quaes se conclue que effectivamente os lucros resultantes d'esta operação da amortisação foram 1.109:147$011 réis. Não posso tirar estes 11 réis...

O sr. Marianno de Carvalho: - V. exa. permitte-me uma interrupção?

O Orador: - Pois não!

O sr. Marianno de Carvalho: - Eu desejo ver esses documentos, porque me fizeram fortes accusações na imprensa por causa da amoedação. Se s. exa. não tiver duvida n'isso, peço que os mande para a mesa, onde poderei examinal-os.

O Orador: - O que tenho aqui é apenas um excerpto; mas se s. exa. quer, eu mando vir os documentos da secretaria. Não sei mesmo se já estão publicados e distribuidos. Tudo consta do relatorio dos actos do ministerio da fazenda. Entretanto, repito, não tenho duvida em mandar um exemplar ao illustre deputado.

Continúo.

Existem, como disse, esses lucros. Qual é a rasão porque, desde o momento em que ha despezas que não foram das previstas e auctorisadas, mas que se fizeram, a minha obrigação é mettel-as nas contas, pois que com essas despezas se tem de fazer o computo do resultado de um anno, e quando encontro por outro lado receita apurada e effectiva em conta corrente da thesouraria, não hei de mettel-a tambem no confronto e balanço da receita e despeza para chegar a apurar o resultado verdadeiro?

De modo que eu sou culpado, e realmente seria se o fizesse, quando não entro em conta com as despezas feitas e as encubro, e sou tambem culpado quando, encontrando receitas apuradas, effectivas, existentes, verdadeiras, não dou conta d'ellas ao parlamento!

A verdade, porém, é que eu encontrei-as, repito, sendo depois apuradas em fins de dezembro de 1895; e desde o momento em que sabia que ellas existiam, não tendo, todavia, entrado ainda nas respectivas contas de receita e despeza de exercicio, fiz o que faz quem é escrupuloso; metti-as n'elle. Do mesmo modo que se dava conta das despezas, assim tambem se devia dar conta das receitas, para que umas e outras se balanceassem, e se podasse conhecer com rigor e verdade o resultado do exercicio.

Isto posto, passo a uma outra resposta a s. exa.

Perguntou o illustre deputado a rasão por que o novo contrato Hersent não veia ao parlamento, sendo clausula expressa da auctorisação por elle votada, que o novo contrato, uma vez feito, fosse submettido á sancção parlamentar.

Eu digo que não existe tal clausula. Tenho aqui essa auctorisação dada n'uma lei que propozemos, e que foi votada. Se eu não havia de ter conhecimento d'ella! E a lei de 27 de julho de 1893. A auctorisação para fazer o contrato, ou antes para modificar com o empreiteiro das obras do porto de Lisboa o contrato de 20 de abril de 1887, foi dada em termos precisos n'essa mesma lei. Não ha n'ella preceito algum que nos obrigasse a submetter á apreciação parlamentar o novo contrato que fizemos. Repito, tenho aqui a lei, e quem quizer pôde examinal-a. Nem podia haver tal preceito. Pois o parlamento dá-nos auctorisação para fazer um novo contrato, diz-nos como havemos de fazel-o e, depois de feito nos devidos termos indicados pelo parlamento, ha de ser ainda submettido á sua apreciação? Se assim fosse, deixaria de ser um contrato definitivo. Para isso não precisava o governo de auctorisação; celebrava um contrato provisorio nos termos que julgasse melhor, trazia-o ao parlamento e este, se o achava bom, dava-lhe o seu voto; se o achava máu, negava-lh'o. Mas desde o momento em que se dá uma auctorisação, e se diz n'ella em que termos precisos o governo ha de usar d'ella, não ha que submetter á approvação do parlamento o novo contrato.

De mais tenho abusado da attenção da camara; não quero ir mais longe.

S. exa. comprehende que n'um assumpto d'esta natureza, para mim tão conhecido, me era facil alongar-me em considerações; e mesmo incutir á camara a convicção verdadeira, sincera, absoluta e completa em que eu estou, e em que deveremos todos estar, de que, não por esforço meu, porque não me considero um salvador, mas pela própria vitalidade do paiz e pelo desenvolvimento dos seus recursos, a situação da fazenda publica é hoje innegavelmente melhor do que era ha annos, e de que os processos de administração, que resultaram de uma experiencia cruel e dura, não serão mais escrupulosos, mas são bastante rigorosos para que nos dêem a esperança, mais ainda, a garantia de que Portugal, longe de ser um paiz perdido, pelo contrario, o seu futuro póde e deve ser o futuro de uma nação honrada. (Apoiados.)

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(S. exa. não revê os seus discursos.)

Página 959

SESSÃO N.° 53 DE 8 DE ABRIL DE 1896 959

O sr. Presidente: - Ámanhã ha trabalhos em commissões e a ordem do dia para sexta feira é a continuação da que estava dada.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas e vinte minutos da tarde.

Diversos documentos enviados para a mesa n'esta sessão

Representações

Dos canteiros estabelecidos em Lisboa, contra o augmento de 13 réis proposto na nova pauta aduaneira, no marmore ou alabastro.

Apresentada pelo sr, deputado Marianno de Carvalho e enviada á commissão de fazenda.

Dos commerciantes importadores de velocipedes, contra o augmento nos direitos que actualmente pagam os velocipedes importados do estrangeiro.

Apresentada pelo sr. deputado Marianno de Carvalho e enviada á commissão de fazenda.

Dos antigos fiscaes de movimento e trafego da direcção fiscal de exploração dos caminhos de ferro, pedindo que no decreto que reformou os serviços fiscaes dos caminhos de ferro, seja o § unico do artigo 77.° modificado no sentido de serem os antigos fiscaes do movimento e trafego considerados como taes, ou como sub-chefes de circumscripção para todos os effeitos.

Apresentada pelo sr. deputado Santos Viegas e enviada á commissão de fazenda.

Da commissão executiva da academia do Porto, contra o regulamento do serviço do recrutamento, approvado em 26 de setembro, ultimo.

Apresentada pelo sr. deputado Pereira da Cunha e enviado á commissão de recrutamento.

Justificação de faltas

Participo a v. exa. e á camara que o sr. deputado Francisco José Patricio tem faltado ás sessões por motivo justificado. == O deputado, Victor dos Santos.

Participo a v. exa. e á camara que por motivo justificado tenho deixado de comparecer a algumas sessões. = O deputado, Victor dos Santos.

O redactor = Lopo Vieira.

Página 960

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×