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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Discurso do sr. Rodrigues de Freitas, proferido na sessão de 26 do corrente, e que devia ter sido publicado a pag. 738 d'este Diario.

O sr. Rodrigues de Freitas (na tribuna): — A v. ex.ª e á camara peço desculpa de ter vindo occupar este logar. Não o faço por(...) ostentação, nem por desconhecimento do que sou; mas sim porque a minha voz é fraca, e desejo empregar todos os meios de alcançar a attençãoo da camara.

Este projecto é importante; alem de abolir isenções de impostos, contém alterações que foram feitas na camara dos dignos pares, ao que foi approvado na dos senhores deputados.

Se não fosse a fraqueza da minha voz e a importancia do assumpto, não me atreveria a vir occupar este logar.

Parece me que raras vezes terá sido apresentado na camara um projecto que contenha tão poucos artigos e contra o qual possamos dirige tão grande numero de objecções.

Faço a merecida justiça ás intenções dos membros d’esta camara, da camara alta, e do governo; essas intenções estão em grande parte de accordo; mas foram de tal maneira manifestadas, que approvando uma das alterações feitas pela camara dos dignos pares, havemos de contrariar o pensamento que as côrtes desejavam formular; havemos tambem de produzir elementos de importantes duvidas, que mais tarde serão transformadas em lides perante os tribunaes respectivos.

Como disse ha dias, não tenho de fazer perguntas ao illustre relator da commissão, por isso que s. ex.ª levado pelos desejos sinceros que tem de que a questão de fazenda seja quanto antes resolvida, elaborou um relatorio em que diz francamente que não se fazia cargo de apreciar as rasões allegadas na camara alta, e aceitava este projecto, como satisfação de necessidade proveniente das circumstancias fazendarias.

Não sei se o sr. ministro da fazenda está presente; como, porém, n'outro logar já expuz diante de s. ex.ª as minhas observações, creio que o sr. ministro procurará hoje rebate-las todas.

Os artigos 3.° e 4.º são aquelles que maior numero de duvidas offerecem ao meu espirito.

Diz o artigo 3.º (leu).

Esta redacção não está em harmonia com a verdade; com effeito, não ha lei pela qual as obrigações da companhia das aguas estejam isentas de contribuições; não podemos portanto dizer ao paiz que esses titulos continuam desonerados d’ella.

Dir-se-ha que prestâmos respeito a um facto, pois que as obrigações não têem até agora sido sujeitas a um imposto; mas alem de que tal facto não póde ter força de lei, a observancia d'elle contraria o pensamento fundamental do projecto.

Este artigo diz tambem (leu).

Aqui está outra linha d'este artigo, que tambem suscita uma duvida, e é a seguinte (leu).

Segpndo a letra do artigo 3.°, se os bancos possuissem obrigações da companhia de credito predial, os juros provenientes d'estas mesmas obrigações não entram na conta do dividendo para pagamento de imposto; são isentos d'elle.

Sobre isto pergunto: pretendem as duas camaras que as obrigações da companhia do credito predial fiquem isentas da contribuição como até agora têem estaco? O debate parlamentar prova que sim; mas por este artigo, tal qual está redigido, dar-se-ha um facto que realmente desdiz das intenções da camara, e é o seguinte: as obrigações da companhia do credito predial ficarão sujeitas a imposto, em-

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quanto que os juros provenientes das obrigações possuidas por bancos e companhias, os quaes fizerem parte do dividendo d'estes estabelecimentos, não pagarão imposto!

Este á o resultado d'este artigo, completamente contrario ás intenções d'esta camara e da camara alta. Com effeito, qual é a disposição do projecto pela qual ficam isentas as obrigações prediaes? Nenhum; e como as isenções vigentes são abolidas pelo artigo 1.°, dar-se-ha o que expuz.

O artigo 4.° diz o seguinte (leu).

Por este artigo muitos bancos o companhias haviam de ficar completamente livres do imposto que pelo artigo 2.° é lançado sobre os dividendos.

Com effeito, basta notar que a legislação bancaria do nosso paiz não é uniforme. Até 1863 os bancos estavam isentos de contribuição de sêllo, segundo a lei de 14 do julho d'esse anno os bancos de futuro auctorisados pelo poder executivo pagariam um imposto de sêllo nos livros de deposito, cheques e recibos; ainda que a lei, como acabo de dizer, restringiu esta imposto aos bancos que fossem auctorisados pelo poder executivo, é certo que os posteriormente estabelecidos por auctofisação do poder legislativo ficaram tambem sujeitos a este mesmo imposto; foram o do Minho, o alliança e o lusitano, tres estabelecimentos, e cujo capital terá de ser diminuido do fundo das companhias que têem de ficar sujeitas ao imposto de 10 por cento.

Com effeito, se pelo artigo 4.°, as disposições da presente lei não concernem aos estabelecimentos bancarios, companhias e sociedades anonymas, que já pagam imposto especial, o mesmo vale dizer que não recáe sobre aquelles bancos que já pagam o imposto do sêllo sobre a materia collectavel, que fórma o objecto do seu commercio.

Devo dizer á camara, que este artigo foi acrescentado na camara alta, com o intuito de ficar generalisado o final do artigo 3.°, que dizia assim (leu).

Julgava-se que d'esta fórma ficaria livre de imposto a companhia das lezirias, porque tinha pago o imposto sobre os predios que possue, imposto geral, que portanto, segundo o artigo 4.°, a isentava do tributo dos dividendos.

A lei votada por esta camara, realmente isentava a companhia das lezirias; mas pelo artigo 4.°, como foi redigido na camara dos dignos pares, ou a companhia das lezirias não fica isenta do imposto, ou ficarão tambem isentos muitos outros estabelecimentos.

Se as palavras, imposto geral ou especial, se referem a imposto sobre os lucros (o que não é exacto), não tendo até agora a companhia pago um imposto sobre os seus lucros, não póde ser considerada n'este artigo, e tem portanto de pagar 10 por cento sobre os dividendos (o que é differente do que esta camara votou); se o imposto geral ou especial, de que falla o artigo 4.°, é sobre a materia Collectavel que fórma objecto do commercio da companhia, n'este caso todos os estabelecimentos bancarios que pagam um imposto de sêllo, têem de ser isentos do imposto de 10 por cento: sobre os dividendos. Sei que, na opinião de alguns membros d'esta camara, o imposto sobre predios é imposto sobre lucros, ao passo que o imposto do sêllo tem um caracter differente.

Mas, em primeiro logar, a dratincção que pretendem estabelecer entre imposto sobre lucros de companhias e imposto de sêllo, não está no projecto, que é muito generico n'este ponto. A camara dos pares approvou que todas as companhias que pagassem um imposto geral ou especial, ficassem isentas do imposto de 10 por cento marcado no artigo 2.°

Em segundo logar, se queremos levar para ahi a argumentação, posso dizer que o imposto do sêllo póde considerar-se tambem imposto de companhias; basta notar que recáe sobre os actos especiaes d'ellas, e abrange as suas mais importantes operações.

Quaes são os actos praticados pelos bancos? São, por exemplo, a guarda de dinheiro em deposito, a emissão de acções, o desconto, de letras, o pagamento de cheques, etc.

Todos estes actos bancarios estão em varios estabelecimentos nossos, sujeitos ao imposto do sêllo; logo os referidos bancos pagam um imposto, que realmente tanto se póde considerar de companhia, como o tributo de predios.

Outro argumento prova que o imposto de predios, pago pela companhia das lezirias, não é tributo sobre os lucros d'ella: a companhia arrenda e vende predios, faz commercio de cereaes, e póde ter de pagar o imposto de consumo; ora, o tributo predial pago pela empreza não considera, não póde considerar os lucros provenientes da venda de campos, ou de generos alimenticios.

Querem outra prova em poucas palavras? O thesouro recebe imposto dos predios da companhia, sem conhecer o dividendo d'ella; a empreza póde não dividir lucros, póde até perder, e nem por isso os predios deixam de pagar imposto.

Passo ao exame de outro ponto.

Convem saber que se este projecto for convertido em lei, succederá que as accões da companhia das aguas, desde que os dividendos não forem ficticios, pagarão jure, e as obrigações não! A causa d'esta differença quem poderá acha-la?

Vejamos agora, qual a rasão por que a camara dos, pares entende que as obrigações da companhia devem ficar livres do imposto.

No relatorio da commissão de fazenda leio o seguinte (leu).

Se por esta rasão colhesse, deviamos isentar todas as obrigações de quaesquer companhias.

Os bancos emprestam aos agricultores, aos industriaes, aos commerciantes; e estes pagam imposto tanto maior, quanto maior é o seu lucro, presumido, no qual influem as sommas que os baocoa lhes mutuaram.

Comparando a companhia das aguas com outras que existem no reino, vejo que as fabris estão sujeitas ao imposto de 6 por canto; juntando os addicionaes, eleva-se a 11. As de seguros pagam o enorme tributo de 19 por cento; se tedas ou qualquer d'ellas, emittirem obrigações, deverão estes tituloa pagar impostos; mas a companhia das aguas, sem rasão nenhuma especial, ha de contribuir unicamente com 10 por cento dos dividendos!

Por favorecer esta empreza, fallou-se n'esta camara da utilidade dos seus esforços. Oh! Sr. presidentes se, nos tivermos de allegar a rasão de utilidade publica, não Conheço ramo nenhum de trabalho por maise humilde ou elevado que seja, não conheço nenhuma occupação licita, que não seja de utilidade publica. Então nós teriamos de isentar do imposto toda a industria, todo o commercio, toda a agricultura.

Se considerarmos em separado cada ramo especial da trabalho, deploraremos a urgencia de onera-los com maiores encargos; mas o imposto é o pagamento dos serviços publicos; portanto, quando, diremos aos cidadãos que têem de pagar mais ao thesouro, avisâmo-los, por assim dizer de quanto cabe a cada um a entregar para a liquidação de contas com os nossos credores; é do interesse de todos os portuguezes pagarem quanto antes, acontece com o deficit, como succederia, com um grande, um enorme edificio, dentro do qual trabalhassem todas as nossas classes laboriosas, a que ameaçasse ruina: o primeira de todos os commettimentos seria concertar a segurança do edificio porque antes d'isto não haveria trabalho que não corresse perigo, Bll,industria que não fosse precaria.

De utilidade publica são, pois, todos os estabelecimentos, e não sómente a companhia das aguas; porque ha de, portanto, crear-se um privilegio para esta?

Ha no Porto uma companhia modesta, a companhia aurificia, a qual pelos seus estatutos é permittido emittir obrigações; pois a camara vae votar uma isenção á companhia das aguas e não a vota a esta e a outras companhias que estão nas mesmas circumstancias, e que têem estatutos analogos! Á companhia das aguas diz a camara — as vossas

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obrigações continuam a ser isentas do imposto—, quando tal isenção não existe (apoiados); ás outras companhias parece dizer —não sabemos se existem, ou se sabemos, não vos considerâmos! (Apoiados.) Parece-me que não é isto muito proprio da justiça, ou pelo menos de equidade. Não peço, não quero, não voto privilegios ou isenções para nenhuma; sómente noto a contradicção.

Sr. presidente, o paiz ha de admirar-se de que em uma lei de abolição de privilegios, não duvidassemos crear um; seria extraordinario que, tendendo este projecto a estabelecer maior igualdade no pagamento das contribuições, levasse em todos os seus artigos vestigios de grande iniquidade.

Se examinarmos cada um dos outros argumentos que foram, apresentados na camara dos dignos pares, parece-me que não os aceitará este corpo legislativo.

Sr. presidente, venero quanto devo a auctoridade dos cavalheiros que tomaram parte n'este debate, não concordo com os argumentos que s. ex.ª apresentaram, mas não posso deixar de ter por as suas qualidades a maior consideração.

Um dos cavalheiros que não sei se pertence á commissão de fazenda da camara alta, mas que é um dos maiores ornamentos d'aquella casa, o sr. Andrade Corvo, publicou uma lei de grande importancia; é a que permitte que as confrarias, misericordias e outros estabelecimentos fundem bancos agricolas; não sei de outro, alem do de Vizeu; e é attestado pelos cavalheiros d'aquelle districto ser aquelle um estabelecimento que já tem dado provas da sua utilidade; que rasões podem ser allegadas para isentar as obrigações da companhia das aguas, e tributar as dos bancos agricolas, que tão uteis devem de ser ao nosso reino?

E que direi das caixas econômicas? Sabem todos quão grande é a influencia d'ellas sobre os costumes dos povos; pede dizer-se que tanto mais civilisadas são as nações tanto maior é o numero d'ellas; pois se, por augmentarem suas operações, emittirem titulos de credito, ve-los-hão tributados não menos do que os seus lucros! Será este mais um vestigio de iniquidade!

Ainda ha poucos dias disse n'esta camara que em tempo requerera uma nota dos estabelecimentos que tivessem feito contrato oneroso com o governo; essa nota não me foi mandada; eu faço justiça aos funccionarios do ministerio das obras publicas; deixaram de remette-la, não por desprezo dos requerimentos aqui feitos, mas porque o sr. ministro não queria a responsabilidade de decidir esta questão, que parece ser mais dos tribnnaes do que de um dos membros o poder executivo, por mais respeitavel que seja. E comtudo era necessario o esclarecimento que solicitei para sabermos quanto poderá render o novo imposto; fallando d'esta parte da questão, não posso infelizmente juntar a meus fracos conhecimentos informações officiaes!

Creio que orça por 24.OOO:OOO$OOO réis o capital dos bancos e companhias; a phrase «contrato oneroso» não ha de aproveitar a poucos; farão uso d'ella o banco de Portugal, cujo fundo é de 8.000:000$000 réis; e a companhia utilidade publica do Porto, que possue 2.000:000$000 réis; temos a diminuir tambem a somma destinada pelo banco ultramarino para operações nas colonias; diminuamos ainda a parte empregada em titulos de divida publica; ponhamos de lado os bancos isentos pelo artigo 4.°; ainda que acrescentemos as obrigações de credito predial, pequena materia collectavel conseguiremos.

Portanto, se rejeitarmos as alterações que foram votadas na camara dos dignos pares, ainda que haja de se nomear uma commissão mixta, e d'ahi resulte alguma demora para a publicação d'esta lei, não me parece que o paiz fique prejudicado; antes lucrará, porque esta casa das côrtes quer amplificar a materia collectavel. Para que os contribuintes não levantem queixas, é preciso que não estabeleçamos antinomia entre os artigos de uma lei e a justiça.

Quando a legislação é de modo que no espirito dos homens se trava luta entre o dever de obediencia aos poderes constituidos e a mais evidente rasão, a sociedade está mal; a sua ordem fica debilmente garantida.

Esta lei conserva privilegios; e, querendo ser equitativa, sairá uma das leis mais iniquas.

Alem dos estabelecimentos de que fallei, ha o banco mercantil que introduziu um notavel melhoramento no credito commercial do paiz; que, nascido da liberdade, foi o primeiro que em Portugal abonou juros aos depositos, assim na modesta cidade do Porto, um banco praticára o que tantos economistas estrangeiros consideravam assas conveniente e aconselhavam a grandes instituições; assim Portugal, da mesma sorte que outra pequena terra, a Suissa seguindo a sua propria rasão, em vez de imitar servilmente nações estranhas, soube legislar de modo que o honra e o eleva.

Ora o banco mercantil que tal serviço fez, emittiu apolices, iguaes na essencia, ás obrigações da companhia das aguas; porque não são isentas? Onde está a coherencia?

Ouvirei attentamente a resposta do sr. ministro da fazenda, e espero que se não esqueça d'esta parte da questão; aguardo que s. ex.ª nos diga porque artigo do projecto ficam tributadas as obrigações do credito predial; isentos os lucros da companhia das lezirias; attendida a equidade para com todos os bancos e companhias; e finalmente rogo a s. ex.ª que nos convença de que o artigo 4.° ficou redigido de modo que não é consideravelmente reduzida a receita que esta camara aguardava.

Escusado é dizer, que em tudo quanto acabei de expor não fiz politica. Entendo que esta lei não tem nada com o que em Portugal se chama politica; palavra cuja significação, não tenho talvez comprehendido muito bem, nem talvez necessito comprehender. Julgo que a intenção de todos é tornar a lei tão clara quanto possivel, e acrescentar a receita do estado, quanto o permittam a justiça e a equidade.

Se eu tivesse tomado parte na discussão que houve o anno passado a este respeito, votaria contra todo o projecto; mas entendi que tinha unicamente de occupar-me das alterações feitas na outra camara.

Terminando direi, que o tempo que ha de levar a eleição da commissão mixta, e a discussão de um novo projecto que transitará por ambas as camaras não póde ser impedimento para a promulgação da respectiva lei no corrente anno; basta dizer que este projecto foi discutido na camara alta em um só dia, e n'esta em dois ou tres; portanto ha ainda muito tempo para que esta lei seja revista, e saia o mais aperfeiçoada possivel.

Rectificações

No discurso do sr. deputado Agostinho de Ornellas, publicado no Diario da camara, pag. 759, lin. 18.ª, onde se lê = camara = leia-se = censura =; lin. 63.ª, onde se lê = todavia e o = leia-se = todavia o =.

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