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SESSÃO DE 27 DE MARÇO DE 1888

Presidencia do ex.mo sr. Francisco de Barros Coelho e Campos (vice-presidente)

Secretarios os ex.mos srs.

José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral
Francisco José Machado

SUMMARIO

Dá-se conhecimento á camara de tres officios: um do ministerio do reino, acompanhando o decreto de prorogação das côrtes até 2 de maio; outro do ministerio da fazenda, remettendo um mappa da importação do tabaco nos, tres ultimos annos; e outro da presidencia da camara dos dignos pares, acompanhando a proposição de lei sobre contribuição industrial, com uma alteração feita pela mesma camara - Representação dos terceiros distribuidores da direcção telegrapho-postal de Coimbra, apresentada pelo sr. Mattoso Côrte Real. - Justificações de faltas dos srs. Freitas Branco, Soares de Moura, Firmino Lopes, Sá Nogueira, Oliveira Matos e Bernardo Machado. - Explicação do sr presidente. - O sr. Mattoso Côrte Real acompanha com algumas considerações a representação que mandou para a mesa, e pede que seja publicada no Diario do governo A camara auctorisa a publicação. - O sr. Cardoso Valente pergunta ao governo se tenciona abolir o imposto de portagem na ponte de D. Luiz Resposta do sr. ministro da fazenda. - O sr. Franco Castello Branco refere-se em primeiro logar ao facto de se ter aberto hoje a sessão antes das duas horas, sem prévia auctorisação da camara; trata em seguida da questão suscitada em uma das sessões anteriores, relativamente a uns despachos do governador civil de Braga, mandando entrar na caixa geral de depositos os fundos das irmandades e confrarias, que ellas tinham depositado em bancos. Responde-lhe o sr. ministro da fazenda. - O sr. Oliveira Matos, oppõe algumas considerações ás que tinham sido apresentadas pelo sr. Franco Castello Branco, e insta pela discussão de dois projectos de lei de sua iniciativa. - Com prévia auctorisação da camará, não obstante ser já a hora de se passar á ordem do dia, usa da palavra o sr. Pedro Victor, para uma declaração e explicação do sentido de umas phrases que proferiu na sessão anterior, em referencia ao sr. Fuschini, que em seguida agradece.
Na ordem do dia continúa em discussão o incidente levantado na sessão, anterior, a proposito da proposta do sr. Franco Castello Branco, para que o projecto n.º 23 tenha duas discussões, uma na generalidade e outra na especialidade. - Usa em primeiro logar da palavra o sr. Vicente Monteiro, relator, para responder ao sr. Franco Castello Branco. - Toma parte no debate o sr. Arouca, e a proposito de uma sua affirmação levanta-se um incidente, em que tomam, parte os srs. Marçal Pacheco e Franco, Castello Branco. - Explicações do sr. presidente. - O sr. Franco Castello Branco apresenta uma nova proposta, em substituição da que tinha mandado para a mesa na sessão anterior - O sr. Consiglieri requer votação nominal para essa proposta. A camara rejeita, e em seguida rejeita tambem a proposta. - Continuando a discussão do projecto de lei n.° 23, usa largamente da palavra o sr. Moraes Carvalho, combatendo-o largamente. - Levanta se à sessão, ficando o orador com a palavra reservada.

Abertura da sessão - Á uma hora e meia da tarde.

Presentes á chamada 50 srs. deputados. São os seguintes: - Serpa Pinto, Alfredo Brandão, Alfredo Pereira, Alves da Fonseca, Campos Valdez, Antonio Villaça, Antonio Maria de Carvalho, Simões dos Reis, Bernardo Machado, Conde de Villa Real, Eduardo de Abreu, Elizeu Serpa, Madeira Pinto, Francisco de Barros, Francisco Mattoso, Francisco Machado, Frederico Arouca, Sá Nogueira, Candido da Silva, Pires Villar, Cardoso Valente, Vieira de Castro, Rodrigues dos Santos, Sousa Machado, Alfredo Ribeiro, Joaquim da Veiga, Simões Ferreira, Pereira de Matos, Ferreira de Almeida, Eça de Azevedo, Abreu Castello Branco, Alpoim, Oliveira Matos, José de Saldanha (D.), Santos Moreira, Julio Graça, Mancellos Ferraz Poças Falcão, Luiz José Dias, Bandeira Coelho, Manuel Espregueira, Manuel José Vieira, Marianno de Carvalho, Martinho Tenreiro, Miguel da Silveira, Pedro Monteiro, Pedro de Lencastre (D.), Pedro Victor, Vicente Monteiro e Estrella Braga.

Entraram durante a sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Mendes da Silva, Anselmo de Andrade, Sousa e Silva, Baptista de Sousa, Antonio Candido, Antonio Centeno, Ribeiro Ferreira, Gomes, Neto, Pereira Borges, Tavares Crespo, Moraes Sarmento, Mazziotti, Jalles, Pereira Carrilho, Barros e Sá, Hintze Ribeiro, Augusto Pimentel, Augusto Fuschini, Augusto Ribeiro, Victor dos Santos, Conde de Castello de Paiva, Eduardo José Coelho, Elvino de, Brito, Emygdio Julio Navarro, Feliciano Teixeira, Fernando Coutinho (D.), Firmino;, Lopes, Almeida e Brito, Castro Monteiro, Francisco Ravasco, Soares de Moura, Severino de Avellar, Guilherme de Abreu, Guilhermino de Barros, Sant'Anna e Vasconcellos, Franco de Castello Branco, Izidro dos Reis, Santiago Gouveia, Silva Cordeiro, Jorge O'Neill, Avellar Machado, Ferreira Galvão, Barbosa Colen, José Castello Branco, Dias Ferreira, Elias Garcia, Laranjo, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, Simões Dias, Abreu e Sousa, Julio Pires, Julio da Vilhena, Lopo Vaz, Vieira Lisboa, Manuel d'Assumpção, Manuel José Correia. Brito Fernandes, Marçal Pacheco, Marianno Prezado, Matheus de Azevedo, Miguel Dantas, Dantas Baracho, Visconde de Silves e Consiglieri Pedroso.

Não compareceram á sessão, os srs.: - Albano de Mello, Antonio Castello Branco, Oliveira Pacheco, Antonio Ennes, Guimarães Pedrosa, Fontes Ganhado, Santos Crespo, Miranda Montenegro, Barão, de Combarjúa, Lobo d'Avila, Conde de Fonte Bella, Goes Pinto, Estevão de Oliveira, Mattoso Santos, Freitas Branco, Francisco Beirão, Fernandes Vaz, Francisco de Medeiros, Lucena e Faro, Gabriel Ramires, Casal Ribeiro, Baima de Bastos, João Pina, Souto Rodrigues, Dias Gallas, João Arroyo, Menezes Parreira, Teixeira de Vasconcellos, Correia Leal, Alves Matheus, Oliveira Valle, Joaquim Maria Leite, Oliveira Martins, Jorge de Mello (D.), Amorim Novaes, Alves de Moura, Ruivo Godinho, Guilherme Pacheco, Vasconcellos Gusmão, José de Napoles, Ferreira Freire, José Maria de Andrade, Barbosa de Magalhães, Rodrigues de Carvalho, José Maria dos Santos, Pinto Mascarenhas, Santos Reis, Pinheiro Chagas, Sebastião Nobrega, Visconde de Monsaraz, Visconde da Torre e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE
Officios

Do ministerio do reino, acompanhando o seguinte:

Decreto

Usando da faculdade que me confere-a carta constitucional da monarchia, no artigo 74.°, § 4.°, e a carta de lei de 24 de julho de 1885, no artigo 7.°, § 2.°, depois de ter ouvido o conselho d'estado, nos termos do artigo 110.° da mesma carta: hei por bem prorogar as côrtes geraes ordinarias do nação portugueza até ao dia 2 do proximo mez de maio, inclusivamente.
O presidente da camara dos senhores deputados assim o tenha entendido para os effeitos convenientes. Paço da Ajuda, em 26 de março de 1888. = REI. = José Luciano de Castro.
Á secretaria.

Do ministerio da fazenda, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Moraes Carvalho, o map-

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pa demonstrativo das quantidades e valores do tabaco importado para consumo pelas alfandegas do continente e ilhas adjacentes nos annos de 1885, 1886 e 1887.
Á secretaria.

Da camara dos dignos pares remettendo a mensagem, acompanhando a proposição de lei sobre isenção da contribuição industrial e as seguintes alterações feitas por aquella camara.

Alterações feitas pela camara dos pares na proposição de lei da camara dos srs. deputados relativa a isenções de contribuição industrial

No artigo 5.º, em logar de «janeiro corrente», «janeiro do corrente anno.»
Palacio das côrtes, em 24 de março de 1888. = Antonio José de Barros e Sá = Frederico Ressano Garcia par do reino secretario = Conde de Paraty, par do reino vice secretario.
Foi enviado á commissão de fazenda.

REPRESENTAÇÃO

Dos terceiros distribuidores da direcção telegrapho postal de Coimbra, pedindo para serem classificados segundos distribuidores.
Apresentada pelo sr. deputaria Mattoso Côrte Real, e enviada á commissão de obras publicas, ouvida a de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

Participo a v. exa. e á camara que, por motivo de doença, tenho continuado a faltar ás sessões parlamentares. = Fidelio de Freitas Branco.
Declaro a v. exa. e á camara que tenho faltado a algumas sessões por motivo justificado. = Francisco Pinto Coelho Soares de Moura.
Por motivo justificado tenho faltado a algumas, sessões. = O deputado, Firmino João Lopes.
Declaro que faltei á sessão de hontem por motivo justificado. = Sá Nogueira.
Participo a v. exa. que o sr. deputado Oliveire Valle tem faltado ás sessões d'esta camara por motivo de doença. = Antonio M. Dias Pereira Chaves Mazzioti.
Declaro que faltei ás sessões de 22 a 26 do corrente mez de março por motivo de falta de saude. = 0 deputado, Bernardo Homem Machado.
Para a secretaria.

O sr. Presidente: - Antes de dar a palavra aos srs. deputados que estão inscriptos, cumpre-me dar á camara uma satisfação por um acto meu, que talvez fosse considerado como menos correcto.
Quando hontem a mesa foi informada de que Sua Magestade a Rainha e seu augusto filho o senhor Infante D. Affonso, chegavam hoje, pelas seis horas da tarde, á estação de Santa Apolonia, entendi eu que devia abrir a sessão uma hora mais cedo, fechando-a ás cinco horas, para que, sem prejuízo dos nossos trabalhos, que convem adiantar, a grande deputação e todos os srs. deputados que se lhe aggregassem podessem achar-se na gare, na occasião da chegada de Sua Magestade a Rainha.
Ora, sendo certo que, segundo, a ultima deliberação da camara, as sessões devem ser abertas ás duas horas da tarde, o meu rigoroso dever seria consultal-a sobre se annuia a que a sessão se abrisse hoje mais cedo.
Não o fiz, porém, por esquecimento, que até certo ponto se justifica, pela convicção em que eu estava de que todos estavam de accordo com essa minha deliberação, attentos os motivos ponderosos que a determinavam. (Apoiados.)
Espero, pois, que o meu procedimento não seja tomado á conta de menos consideração pela camara, mas unicamente devido ao motivo que acabo de expor. (Apoiados.)
(S. exa. não reviu.)
O sr. Mattozo Côrte Real: - Mando para a mesa uma representação dos terceiros distribuidores telegrapho-postaes de Coimbra, que pedem para serem equiparados, aos segundos distribuidores.
Parece-me de toda a justiça a pretensão dos signatarios, e quando entrar em discussão o projecto de lei apresentado pelo sr. Alfredo Pereira, empenharei todos os meus esforços paca que ella seja attendida.
Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que seja publicada no Diario do governo esta representação.
Aproveito a occasião para mandar tambem para a mesa um projecto de lei, concedendo à camara municipal de Soure o campo denominado «da Velha» situado junto da margem esquerda do rio Mondego, na freguezia da Granja do Olmeiro, a fim de que o producto da sua venda possa ser applicado á acquisição de um edificio de paços do concelho, onde tambem se alojem todas as repartições a cargo da mesma camara, devendo as sobras, quando as haja, dar entrada no cofre da viação municipal, como, fazendo parte d'esta receita especial.
Quando se discutir este projecto eu espero então mostrar a sua justiça.
Permitte-se que a representarão, seja publicada no Diario do governo.
O projecto ficou para segunda leitura.
O sr. Cardoso Valente: - Sr. presidente, pedi a palavra para perguntar ao sr. ministro da fazenda se s. exa. tenciona ainda este anno apresentar alguma proposta ou providencia tendente a abolir o direito de portagem na ponto de D. Luiz na cidade do Porto.
Abstenho-me de fazer agora quaesquer considerações a este respeito, porque já, na sessão passada, eu tratei aqui do mesmo assumpto, expondo a necessidade de se abolir este imposto.
Pela resposta que então me deu o sr. ministro da fazenda, pareceu-me que s. exa. concordava, ficando todavia a sua resolução dependente de informações e esclarecimentos que esperava da camara municipal do Porto, e como depois d'isso o illustre ministro deve ter recebido uma ou mais representações d'aquella corporação sobre o assumpto, creio que já estará habilitado com sufficientes esclarecimentos para poder tomar alguma resolução.
Desejo por isso que s. exa. me diga se está ou não resolvido a acabar com aquelle imposto.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Eu tenciono effectivamente apresentar ainda n'esta sessão uma proposta de lei ácerca da ponte sobre o Douro Devo, porém, dizer agora quaes são, pouco mais ou menos, os termos da questão.
Quando se votou a lei de 1881, que mandou construir aquella ponte, ordenou-se que lhe fosse applicada como portagem a tabella da antiga ponte suspensa, porque se julgava que essa tabella estava em vigor, quando realmente o não estava, porque, já antes da lei votada, ella tinha sido reduzida pelo arrematante, em seu proprio interesse. N'estes termos, eu mandei pedir esclarecimentos, em virtude dos quaes cheguei á convicção de que tinha havido um equivoco de facto.
Conto, como já disse, passadas as ferias, apresentar uma proposta de lei sobre o assumpto, e provavelmente serão

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n'ella reduzidas as portagens. Extinguil-as de todo, parece-me que não poderá ser, porque o thesouro não póde perder uma receita de alguma consideração. O que se póde é reduzil-as, porque assim se beneficia o publico, sem se deixar de attender tambem ás conveniencias do thesouro. (Apoiados.)
(S. exa. não reviu.)
O sr. Moraes Sarmento: - Mando para a mesa um projecto de lei, assignado tambem pelos srs. Eduardo Coelho e Dantas Baracho, determinando que, para o effeito do disposto no artigo 169.° do decreto da reorganisação do exercito de 30 de outubro de 1884, seja equiparado o serviço de officiaes do exercito nos trabalhos de levantamento da carta agrícola do reino ao serviço da commissão de demarcação dos limites da fronteira.
Ficou para segunda leitura.
O sr. Franco Castello Branco: - Sr. presidente, antes de entrar na exposição do assumpto para que propriamente pedi a palavra, e que desejo liquidar com o sr. ministro da fazenda, permitta-me v. exa. que eu, por parte da opposição regeneradora, em cujo nome estou fallando, me refira, á declaração, que acabâmos de ouvir a v. exa., e relativa á abertura d'esta sessão uma hora mais cedo do que a marcada no regimento, e de uso é praxe no corrente annos.
Effectivamente nós hontem estranhámos e notámos, que v. exa., sem deliberação prévia nem consulta da camara, marcasse a abertura da sessão de hoje para a uma hora da tarde. E eu, como v. exa. de certo estará lembrado, pessoal e particularmente, por já não o poder fazer de outra fórma, fiz notar a v. exa. essa falta, sem animo ainda assim de censurar a pessoa que tanta consideração me deve.
Mas fil o unica e simplesmente para significar que não se tinha cumprido o regimento.
Desde o momento em que, por parte da maioria, o que se reclama sempre, é a applicação do regimento aos oradores d'este lado da camara, necessario era lembrar que o regimento não foi feito só para a opposição, mas tambem para a mesa e para a maioria (Apoiados:)
No emtanto à opposição não deseja por qualquer fórma impedir o andamento regular e correcto das sessões e das discussões parlamentares oppondo-se tão sómente, e com a energia que o caso pedir, aos desmandos e atropellamentos da boa ordem e dos bons princípios, que devem sempre presidir á direcção dos trabalhos d'estas assembléas; e que infelizmente as suggestões do governo mais de uma vez querem fazer esquecer:
Accentuândo, pois, a falta commettida, aproveito o ensejo para definir bem claramente qual é o pensamento da opposição a respeito das discussões parlamentares.
Não empregaremos o obstruccionismo systematico como arma política, nem recusaremos o nosso apoio á mesa, sempre que ella procure, como hoje, dar ás sessões as quatro horas marcadas no regimento, e ás discussões a amplitude que a importancia relativa de cada assumpto prudentemente aconselhe.
Oppor-nos-hemos, comtudo, tenaz e energicamente, a tudo o que signifique pressão e violencia ministerial, com o unico fim de subjugar pela enormidade dos votos os esforços da opposição em prol dos interesses do paiz e da dignidade do parlamento: (Apoiados.)
Dito isto, vou entrar na analyse do ponto principal para que pedi a palavra:
O sr. Presidente: - V. exa. ha de permittir que o interrompa antes de entrar n'outra ordem de considerações. Agradeço as amaveis expressões que v. exa. me dirigiu, mas devo observar ao illustre deputado que o regimento não foi atropellado. O regimento marca as doze horas da manhã para se proceder á chamada e para a abertura dia sessão, e portanto não se póde dizer que elle foi infringido por não se abrir hoje a sessão ás duas horas.
Eu devia, sem duvida, ter consultado a camara, visto ter ella deliberado ultimamente que a abertura fosse ás duas horas; mas não o fiz pelo motivo que já expuz, confessando a minha falta.
E se mais alguma ou tiver a desgraça de commetter n'este logar, v. exa. poderá attribuil-a a menos comprehensão da minha parte ou a esquecimento, mas nunca a proposito determinado ou a menos desejo de cumprir os meus deveres. (Apoiados.)
O Orador: - Se v. exa. m'o permitte, insistirei ainda na minha affirmação. E faço o, não pela vangloria de sustentar a minha opinião, mas pelo natural e justificado desejo de mais uma vez mostrar que não procedo de leve quando uso da palavra n'esta casa.
Se v. exa. quizer dar-se ao trabalho de ler o regimento a paginas 53, poderá ver a nota ao artigo 54.°, de que em sessão de 21 de janeiro de 1882 foi approvada uma proposta para se abrirem as sessões ás duas horas da tarde. Essa proposta, depois de approvada, ficou sendo de execução permanente, e substituiu a correlativa disposição regimental. É não é este o unico caso de alteração nas disposições primitivas do regimento operado por fórma identica.
Na sessão de 15 de marca de 1884 foi igualmente approvada uma proposta, para a camara-se poder abrir com a quarta parte dos deputados, proposta que ficou substituindo tambem a disposição do artigo 52.°
Não me leve v. exa. a mal a insistencia, que em todo o caso é, como se vê, fundada, e em nada prejudica o legitimo respeito que v. exa. merece a toda a camara. (Apoiados.}
Sr. presidente, na sessão de l de fevereiro chamei aqui a attenção do sr. ministro da fazenda para um facto praticado pelo sr. governador civil de Braga, o qual por seu despacho determinára que os fundos das irmandades e confrarias de Guimarães, que estavam depositados em bancos vencendo o juro de 3 1/2 e 4 por cento, entrassem na caixa geral de depositos, por ser illegal a sua collocação.
Aquella auctoridade entendeu que era esse o espirito e a letra da lei de 1885, e portanto menos correcto e legal o destino que provisoriamente fôra dado áquelle dinheiro pelas mesas administradoras, interpretação essa que eu combati, á face do artigo 3.° da referida lei.
O sr. ministro da fazenda declarou que a respeito do facto nada sabia, mas que ia pedir informações, como em seu dever, e em relação á interpretação que eu dava á lei de 1885, s. exa. não concordava commigo, por isso que, dizendo-se no artigo 3.° d'essa lei, que os fundos em cofre das trmandades e confrarias, que não tivessem immediata applicação, deviam entrar na caixa geral de depositos, s. exa. entendia que, fundos em cofre e fundos disponiveis; era uma e a mesma cousa, é que nunca havia immediata applicação, senão quando os fundos eram applicados aos fins especiaes e característicos de cada instituição.
Comquanto eu não concordasse com esta opinião, que logo summariamente contestei, como sobre o facto s. exa. se declarasse completamente destituído de esclarecimentos, promptificando-se comtudo a pedil-os, assentou-se em aguardarmos que s. exa. se apresentasse á camara devidamente informado.
Decorridos apenas dois dias, em 3 de fevereiro, não estando eu presente por ter ido ao paço da Ajuda em servido da camara, o sr. ministro da fazenda leu aqui um telegramma do sr. governador civil de Braga, no qual se dizia, textualmente o seguinte, que passo a ler, porque eu desejo que esta questão fique inteiramente liquidada, para não voltar mais a ella, e por isso vou dar mais extensão ás minhas considerações expondo os factos que se têem passado a este respeito para ia camara ver quem é que tem rasão, se sou eu, ou se é o sr. ministro da fazenda.
N'esse telegramma dizia o sr. governador civil de Braga:
Constando-me que na camara dos senhores deputados

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se dissera que eu havia ordenado ultimamente que confrarias e irmandades entrassem na caixa de depositos com os fundos em cofre nos bancos por promissorias, informo a v. exa. que tal affirmativa é menos exacta.
«Simplesmente ha tempo mandei que algumas confrarias entrassem em cofre na caixa geral com fundos disponíveis o a que não tinham de dar immediata applicação, e o mesmo fiz por occasião da approvação do orçamento, com relação a saldos n'aquellas circumstancias. Relativamente a fundos em bancos não tomei providencia alguma por ora. = Visconde de Pindella.»
É menos exacto, foi o que o sr. ministro da fazenda houve por bem mandar escrever nos annaes parlamentares; mas no telegramma dizia-se: é menos verdadeiro. Já vê a camara, pela maneira como eu fui tratado por aquella auctoridade, que me era licito usar agora de quaesquer represalias.
Este telegramma parecia tão preciso, tão claro e tão concludente, que o sr. ministro da fazenda entendeu poder e dever commentar, ainda que na minha ausencia, o telegramma, pela fórma seguinte:
«Parece-me, portanto, que a informação que deram ao sr. Franco Castello Branco não foi exacta. O sr. governador civil de Braga, por occasião de approvar o orçamento, vendo quo algumas irmandades e confrarias tinham fundos disponiveis, que não estavam mutuados nem depositados em lanços mas em cofre, nos termos da lei de 1885, mandou que entrassem na caixa geral de depositos. Emquanto, porém, a fundos que estavam mutuados ou depositados nos bancos, não mandou fazer isso até o presente.»
Foi este o commentario com que o sr. ministro da fazenda acompanhou a leitura d'aquelle telegramma, commentario aliás perfeitamente justificavel em vista dos seus termos, e que en faria tambem em presença de um telegramma, que parecia tão claro.
Pedi portanto informações a quem previamente me tinha informado, e sete dias depois eu vim ler á camara, sentindo que o sr. ministro da fazenda não estivesse presente, por motivo de serviço, eu vim ler á camara a copia textual de um despacho do sr. governador civil de Braga, mandando, em maio de 1887, por occasião de approvar o orçamento de uma irmandade do concelho de Guimarães, que os fundos que aquella irmandade tinha era bancos entrassem na caixa geral de depositos. E posteriormente apresentei certidões authenticas de outros despachos identicos, que a meu pedido foram publicadas no Diario das sessões da camara.
Ficou pois a questão collocada n'estes termos; por um lado, a denegação do sr. governador civil de Braga; por outro as certidões authenticas de despachos d'aquella auctoridade, desmentindo formalmente similhante denegação.
O sr. ministro da fazenda viu-se obrigado a declarar que ia pedir mais informações.
Farei notar que isto se passava em 10 de fevereiro.
Por mais de uma vez; instei com o sr. ministro da fazenda para que desse explicações a este respeito, mas não obtive como resposta senão que não tinham ainda chegado as informações pedidas.
O sr. governador civil de Braga, que em quarenta e oito horas poude denegar o que eu tinha dito, não teve igual pressa em demonstrar ao governo, e por seu intermedio á camara, que era menos verdadeiro o facto por mim apontado.
Entretinha-se de preferencia, como sabe todo o paiz, em mandar apprehender jornaes, prender os seus vendedores, deixando perturbar a ordem nos comicios atropellando a lei despoticamente e absurdamente; digo absurdamente, porque de taes factos não resultam nunca vantagens apreciaveis para qualquer governo.
Esteve s. exa. fazendo um commentario notavel ao codigo administrativo do sr. presidente do conselho, mostrando praticamente que elle era magnifico para a gente governar.
Só em 10 de março, quasi mez e meio depois de eu levantar aqui este incidente, é que o sr. ministro da fazenda declarou que recêbera dois officios, que punha á minha disposição, para eu os examinar, e ver se as informações d'aquella auctoridade administrativa me podiam satisfazer, e esclarecer a questão.
N'esses officios, que eu já restitui ao sr. ministro da fazenda, a auctoridade administrativa de Braga baseia a sua defeza em dois pontos.
Na primeira parte da sua defeza declara haver-lhe constado, que eu dissera na camara, que a mesma auctoridade tinha mandado ultimamente, que os fundos das irmandades e confrarias em deposito nos bancos, entrassem na caixa geral de depositos; mas que ultimamente a tal respeito nada tinha feito, e n'esse sentido redigira o seu telegramma.
Ora, succede que eu não revi as notas das considerações que fiz na sessão de l de fevereiro. Essas considerações constam de um largo extracto publicado na sessão respectiva, extracto a que fui completa e inteiramente estranho, feito por um dos dignos redactores d'esta camara.
Fui ler esse extracto, e não encontrei ali referencia alguma de que fossem ultimos ou recentes os despachos do sr. governador civil.
Eu não disse pois que os despachos eram antigos ou recentes, declarando comtudo que só então e pelo Commercio de Guimarães tivera conhecimento do facto, o que consta do extracto, e é a verdade.
O subterfugio é demasiado transparente, e indesculpavel da parte de uma auctoridade que se me referiu por fórma tão aggressiva e provocadora. (Apoiados.)
Mas ainda que eu tivesse dito, que o sr. visconde de Pindella ordenára ultimamente, o que consta dos seus despachos, não teria sido incorrecto, como se vê da propria defeza, que estou analysando.
O sr. governador civil é o primeiro a dizer, o que de resto é sabido por todos nós, que maio e junho é a unica epocha marcada no codigo administrativo para a approvação dos orçamentos das irmandades e confrarias.
Os despachos a que eu me referi são de maio de 1887, ultima epocha em que foram submettidos á approvação aquelles orçamentos; logo são os ultimos e mais recentes proferidos por aquella auctoridade, e mesmo que podia haver. (Apoiados.)
Já disse e torno a repetir, no extracto, que não revi e em que não tenho responsabilidade alguma, não se encontra a declaração a que se soccorre a auctoridade administrativa. Mas, admittindo por hypothese tal declaração, é o proprio réu quem se condemna, confessando que os despachos foram proferidos na ultima epocha da approvação do orçamento.
Vejamos agora a segunda parte da defeza, que é mais divertida, porque o sr. governador civil agarra se á interpretação litteral dos seus despachos! Esses despachos, como v. exa. sabe, constam de certidões authenticas pasmadas por um tabelhão da comarca de Guimarães, certidões que mandei para a mesa, e encontram-se publicadas a paginas 612 do Diario da camara dos senhores deputados.
Diz o sr: governador civil «eu não mandei ás irmandades e confrarias, que tenham os seus fundos nos bancos, por promissorias, que entrassem com elles na caixa geral de depositos; apenas aconselhei, porque não disse - mando, ordeno, determino.»
Ora sr. presidente, suppunha eu que as auctoridades administrativas não exerciam funcções de advogado. (Apoiados.)
Entendia que os agentes e membros do poder executivo não tinham senão esta funcção - executar a lei, como se infere da propria denominação do poder que representam.
Ficâmos, porém, agora sabendo que os governadores ci-

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vis não dão ordens, dão conselhos e simples indicações! Mas, como o exame e approvação dos orçamentos das irmandades e confrarias pertence ás auctoridades administrativas, e estas nos seus despachos não dão ordens mas conselhos, a comminação para a desobediencia não existe, pois ninguem é obrigado a seguir conselhos, muito mais quando se não pedem, como na presente hypothese.
Eis as bonitas conclusões a que nos leva a jurisprudencia da auctoridade superior do districto de Braga!
Pela minha parte estou edificado, e só desejo, se o sr. ministro da fazenda n'isso concorda, em que os documentos de defeza sejam publicados na integra ao lado da accusação.
É este o unico castigo que peço para o governador civil que tão aggressivamente se dirigiu a um deputado.
Fica, pois, assente com relação a esta primeira parte da questão, o seguinte:
1.° Que os factos que eu trouxe ao conhecimento da camara são tão verdadeiros, que constam de despachos publicados no Diario das sessões.
2.° Que não disse que esses despachos haviam sido proferidos ultimamente, como consta dos annaes parlamentares; mas, se o dissesse, tinha toda a rasão para isso, era perfeitamente conforme com a verdade dos factos, visto que são de maio de 1887, isto é, da ultima epocha legal para a approvação d'estes orçamentos. 3.º Que o sr. governador civil, para contestar a affirmação de um deputado, se demorou apenas quarenta e oito horas, e para sustentar depois a sua affirmação gastou cerca de mez e meio.
4.° Que é conveniente que o sr. ministro da fazenda e mais membros do governo officiem em circular ás suas auctoridades, que não basta apprehender jornaes e prohibir meetings, mas sobre tudo fazer administração, e usarem de toda a prudencia e cautela nas suas informações, para não collocarem o governo nas circumstancias de poder ouvir por parte dos membros do parlamento cousas desagradaveis, se elles as quizessem dizer.
E isto para collocar bem o proprio governo, e dar-lhe auctoridade moral e respeitabilidade, que inhibam os deputados da opposição de chegarem a excessos, até onde não iriam, se não fossem justificados pelo procedimento do governo e das suas auctoridades. (Apoiados.)
Agora vamos á ultima parte da questão, que, de resto, é a que importa mais aos interesses de que me fiz advogado n'esta camara.
Não me demorarei por ora muito tempo com ella, preferindo ouvir primeiro o governo.
O sr. ministro da fazenda, comquanto na sessão de l de fevereiro expozesse a opinião, de que em seu entender os despachos do sr. governador civil de Braga, a existirem, eram conformes á lei, terminou por declarar que a questão ficaria para ser discutida e resolvida opportunamente, quando estivesse devidamente informado. Como essas informações chegaram, parece-me ser a occasião propria para ultimar este incidente, que póde ser resolvido muito brevemente, se a vontade de s. exa. for tão grande como é a minha.
É verdade, como acabei de dizer, que o sr. ministro da fazenda já manifestou um pouco a sua opinião em sentido menos conforme com os meus desejos e com os das corporações cujos interesses estou advogando.
Mas é certo tambem que sapientis est mutare consilium, ainda hontem o sr. ministro da fazenda nos deu uma brilhantíssima prova d'isso.
Todos se lembram que s. exa., no principio da discussão do projecto dos tabacos, era de opinião que se podia adiar essa discussão, desejando apenas que o fundamento oral, porque escripto não havia nenhum, da proposta apresentada pelo sr. Julio de Vilhena, não fosse o apresentado por aquelle illustre deputado, mas outro indicado pelo proprio sr. ministro da fazenda.
Tambem nos recordâmos todos, como a breve trecho s. exa. mudava de opinião em vista da manifestação da maioria unanimemente disposta a contrariar s. exa., que até se deixou fazer sentado na occasião de se votar!
Quer dizer votou contra o adiamento, (Apoiados.) que elle, não só tinha insinuado, mas claramente acceitado. {Apoiados.)
Ora se em questões d'esta ordem, em questões da maior importancia administrativa e política, s. exa. é tão facil e condescendente, não podendo eu attribuir esse facto a receio da maioria, de cuja dedicação pelo sr. ministro ainda tivemos um brilhante exemplo ao ser apresentado aqui a 19.ª edição da lei das licenças, (Apoiados.} passando-se scenas e factos, que todos lamentâmos, (Apoiados.) e cuja responsabilidade os proprios jornaes progressistas attribuiram ao sr. Marianno de Carvalho; (Apoiados.) digo eu que não admirava nada, que o sr. ministro da fazenda, hoje tão facil em mudar de opinião, (Apoiados.) tambem agora por um interesse, que nada tem de político nem partidario, mas que é sympathico, por se tratar de instituições de beneficencia e de philantropia, não terá duvida em reconhecer que a interpretação que se deve dar ao artigo 5.° da lei de 1885 não é aquella que s. exa. parecia; querer sustentar em l de fevereiro.
«Fundos em cofre que não tenham immediata applicação», não são de fórma alguma fundos disponíveis. E eu não preciso citar outro facto para demonstrar esta opinião alem do já por mim apresentado.
O congresso de beneficencia tem fundos disponíveis na importancia de 18:000$000 réis, e sem immediata applicação aos fins a que é destinada aquella instituição. E esses fundos não estão depositados na caixa geral de depositos, mas sim no monte pio, provavelmente porque a taxa do juro é ali superior. Isto succede em Lisboa, e com inteiro conhecimento do governo e dos seus delegados.
Alem d'isto ha os antecedentes, que tantas vezes se invocam n'esta camara, e de que é principal amador o sr. ministro da fazenda, que para tudo tem antecedentes, graças á sua memoria felicíssima.
Se os antecedentes servem para alguma cousa, tambem os invoco para aqui.
A lei de 1885 está publicada e em vigor ha perto de tres annos, e até agora só me consta do sr governador civil de Braga, que a haja interpretado pela fórma que estou combatendo.
Poderão dizer-me, que os bancos ou companhias inspiram menos confiança, e têem menos credito do que o estado. Para muitos a allegação não seria exacta; mas quando por acaso o seja para alguns, a auctoridade administrativa, no exercicio das suas funcções tutelares, que ordene a transferencia dos fundos para outra associação de credito em melhores condições.
Esse facto teria toda a rasão de ser; mas uma prohibição absoluta por tal fundamento equivaleria a deduzir-se uma regra geral, do que felizmente constitue uma excepção, o que seria pelo menos absurdo.
Não querendo alongar mais este incidente, limito por aqui as minhas considerações para ouvir o que responde o sr. ministro da fazenda, e termino pedindo a v. exa. me permitta usar de novo da palavra, logo em seguida ao sr. ministro, se for necessario.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - (O discurso será publicado em appendice a esta sessão quando s. exa. o restituir.)
O sr. Franco Castello Branco: - Estimei ouvir ao sr. ministro da fazenda a resposta que s. exa. se dignou dar ás considerações por; mim apresentadas.
Faço esta declaração com, inteira franqueza e sinceridade, qualidades estas, prezo-me de o dizer, que dictam sempre as minhas palavras, até quando são aquecidas pela paixão politica,

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Folgo de declarar que me satisfez a resposta do sr. ministro da fazenda, e por isso serei muito breve no que tenho a dizer.
A primeira parte da questão, que era por assim dizer directa entre mim e o governador civil de Braga, fica resolvida com a publicação dos officios, e agora ainda mais com as considerações que a tal respeito fez o sr. ministro da fazenda.
Sublinharei apenas um facto, que é característico.
Disse o sr. ministro da fazenda que o sr. governador civil de Braga era incapaz de faltar scientemente á verdade; quando disse scientemente, eu apoiei s. ex.ª. Depois affirmou que o sr. governador civil me attribuira palavras que eu não tinha pronunciado, naturalmente por não ter o extracto da sessão, havendo pois um equivoco.
Ora, para não se equivocar, bastaria que tivesse demorado a sua primeira informação até lh'a pedirem, e em seguida ser tão prompto na segunda quão precipitado foi na primeira. (Apoiados.)
E ponho ponto na questão registando as duas declarações do sr. ministro da fazenda:
l.ª Que apresentará ainda n'esta sessão uma proposta organisando o credito agrícola;
2.ª Que, se por qualquer circumstancia, não poder fazer approvar esse diploma na presente sessão, manterá o statu quo anterior aos despachos do sr. governador civil.
Era isso que eu pretendia.
Tenho dito.
O sr. Oliveira Matos: - Sr. presidente, eu pedi a palavra para fazer algumas considerações ácerca de um projecto de lei que aqui apresentei na sessão passada; mas como sou o primeiro deputado que se levanta d'este lado da camara para fallar, depois das observações feitas pelo sr. Franco Castello Branco a proposito do regimento, que s. exa. declarou ultimamente ter estudado com muito cuidado, parecendo-lhe acertado empregar bem o seu tempo n'esse estudo de preferencia ao de outros assumptos parlamentares, não posso deixar de levantar as insinuações injustíssimas que s. exa. fez, e contra as quaes protesto energicamente, dizendo que por parte da maioria se praticam constantemente violencias e irregularidades contra o regimento e contra a opposição, e que não é esta que quer fazer obstruccionismo, mas sim a maioria, o que é menos exacto.
O que me parece é que não ha maneira de satisfazer ao regimento, como o illustre deputado o quer interpretar, e ainda menos á opposição, que tudo baralha e confunde, e que é impossível de entender e comprehender!
O illustre deputado acaba agora mesmo de occupar quasi a hora toda antes da ordem do dia para tratar de uma velha questão que s. exa. já ha muito tempo, por mais de uma vez aqui tem tratado, de todas as fórmas e feitios, e a que o sr. ministro da fazenda tambem, por mais de uma vez, já respondeu cabalmente. Mas isto não é fazer obstruccionismo!
Pedir a palavra antes da ordem do dia, e pedir tambem o copo de agua das occasiões solemnes dos grandes discursos, como o sr. Franco Castello Branco acaba de fazer, ameaçando-nos ainda de que vae tomar a hora toda para ter tempo de tomar tambem toda a agua, não é fazer obstruccionismo! (Apoiados.)
Antes de hontem apresentou-se, por parte do governo, um projecto de lei com o qual toda a camara estava de accordo, e que tinha por fim acudir com boas providencias á grande crise da Madeira, e desde logo a opposição começou a discutir um incidente a proposito do mesmo projecto, levantando umas questiunculas insignificantes, fazendo um berreiro de tal ordem e fallando de maneira tão condemnavel, como se se tratasse de um escandalo administrativo ou de um acto de favoritismo político ou partidario, a que todos se devessem oppor energicamente por iníquo e inadmissível!
Isto não é obstruccionismo, mas n'esta inutil e vergonhosa discussão se perdeu a sessão quasi toda para a final se mostrar que aquelle projecto era de tal alcance e de tão acertadas medidas e tão opportuna a sua apresentação pelo governo que a maioria e a opposição estavam de accordo com a sua idéa e até foi votado por acclamação!
Isto não é obstruccionismo, não é desejo de embaraçar o andamento proveitoso das discussões dos assumptos sujeitos ao exame do parlamento, nada, isto é mostrar bem succintamente a boa vontade da opposição em aproveitar o tempo, em trabalhar com utilidade na causa publica. Mas o paiz lá está para ver e para julgar quem é que faz ou não o obstruccionismo, quem são os palradores de officio e com o proposito firme de protelar as questões indefinidamente, e quem são os responsaveis pelos tumultos e arruaças que se têem presenceado como nunca n'esta sessão, que ha de ficar memoravel. (Apoiados.)
Se um ministro não responde largamente ás accusações que lhe faz a opposição, por querer empregar o tempo mais utilmente nas questões que têem de debater-se na ordem do dia, a opposição diz que o ministro foge e não quer responder; mas se, como ha poucos dias, o sr. ministro dos negocios estrangeiros responde cabalmente a essas accusações, e tem de dar maior desenvolvimento ás suas considerações, é o sr. ministro dos negocios estrangeiros que está fazendo obstruccionismo, como disse ha dias a opposição, desatando n'um berreiro insupportavel contra s. exa., que lhe respondeu de um modo satisfactorio e irrespondivel, causando o seu discurso notavel impressão, até mesmo n'alguns deputados da opposição, dos menos facciosos, que fazem justiça aos actos do nobre ministro.
De maneira que não ha meio de satisfazer a opposição, e maioria e governo devem desenganar-se d'isso por uma vez o seguirem o seu caminho recto sem tergiversações nem considerações que se possam tomar por fraqueza, no intento de bem cumprirem o seu dever no interesse do paiz e do estado.
O sr. Franco Castello Branco, com o seu reconhecido talento e competencia, se entregue agora a estudos especiaes do regimento d'esta casa, que tão precisado está de reforma, porque talvez consiga introduzir no nova regigimento a formular, cuja necessidade se está impondo á camara, alguns artigos que possam melhorar este estado de cousas tão extraordinarias a que por repetidos abusos vae descendo o nivel parlamentar, com mágua de todos, creio eu.
O sr. Frederico Arouca: - Apoiado, diz muito bem, o regimento precisa modificado para depois se manter com igualdade.
O Orador: - Folgo muito que o illustre deputado mo apoie e me interrompa, tanto mais quo não partilho a idéa apresentada hontem pelo já agora illustre regimentalista mór d'esta camara, o sr. Franco Castello Branco, quando disse que a maioria não sabia nem comprehendia o regimento, porque estavamos d'este lado da camara interrompendo s. exa. contra o que elle prescrevia, sendo assim os primeiros a inflingil-o, o que s. exa. não admittia, no que estava no seu direito.
(Ápartes e interrupções que se não perceberam.)
Eu, sr. presidente, sem contestar o direito do illustre regimentista mór, muito ao contrario de s. exa. permitto todos os ápartes e interrupções, a que responderei como poder, a todos os srs. deputados que me dêem a honra de me interromper, quando quizerem, porque, sendo isso das praxes d'esta casa, não vejo inconveniente algum em que se façam, mesmo que haja a prohibição regimental a que alludiu o sr. Franco Castello Branco, que de certo não é com receio que o confundam, que fez tal observação á maioria.
E continuando na minha ordem de idéas sobre a grande necessidade inadiavel e urgente, que a todos se está impondo, da reforma do regimento, no sentido de dar toda a força á presidencia, de fórma a poderem-se manter na sua

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verdadeira altura as prescripções indispensaveis ao prestigio, auctoridade, respeito e decoro, que precisa e deve ter o parlamento portuguez, peço ao illustre deputado, que tem estudado esta questão é que tão habilitado deve estar, veja se é possivel introduzir no novo regimento alguns artigos sensatos e exequiveis, de, fórma que a opposição se possa manifestar legalmente, embora com violencia, contra a opinião do governo e da maioria, sem precisar, de quebrar as cadeiras nem destruir as bancadas, o que me parece um argumento fraco, menos correcto, e muito prejudicial ao paiz, que tem de pagar os concertos da mobilia espedaçada. (Apoiados.)
Esse violento e intoleravel processo de opposição é ainda peior do que o das arruaças da palavra, a fallacia tumultuosa e por vezes inconveniente, e mesmo muito peior do que quantos obstruccionismos se possam inventar! (Apoiados.)
Um illustre escriptor, o sr. Eça de Queiroz, com uma acertada phrase de sua invenção, que todos de certo conhecem, classificou ha poucos dias n'um artigo humoristico de um jornal, o grande defeito do nosso parlamento.
Aquella phrase, caustica mas justa, parece ter sido feita para a opposição, e até porventura sobrescriptada a determinados oradores, de uns que abusam e fallam sempre, antes da ordem do dia, na ordem do dia, sobre o modo de propor, sobre o modo de votar, e ainda depois, e antes de se encerrar a sessão, sobre todos os assumptos, a proposito de tudo, e muitas cousas mais, provando capacidade de corda para uma sessão parlamentar completa!
E digo que me parece isto, porque realmente não é por parte da maioria que se tem abusado da palavra, gastando inutilmente um tempo precioso e que tão caro custa ao paiz, que o paga; perda de tempo que só lembra aos illustres deputados da opposição, quando alguem d'este lado da camara tenta dar explicações, apresentar algum projecto de lei, ou fallar antes da ordem do dia em questões, de interesse local, que não deixam por isso de ser de interesse publico, e que podem muitas vezes ser tão importantes como as que se ventilam na ordem do dia, o grande campo das famosas batalhas da rethorica opposicionista. (Apoiados.)
O sr. Arouoa: - Nós queixâmo-nos exactamente do contrario; isto é, que s. ex.ªs não fallam. (Apoiados da esquerda.)
O Orador: - Então ao illustre deputado parece que ainda se falla pouco? Mas se todos d'este lado da camara fallarem, e tomarmos o mesmo tempo que os deputados da opposição, não chegava o tempo só para a parola, e nada mais se faria do que palavriado, muito sonoro, muito eloquente, talvez muito bonito mesmo, mas muitíssimo inutil!
Gastar tempo só por, amor da arte de o gastar, para se dizer que se falla muito, isso é tarefa gloriosa, que só póde desempenhar a opposição, muito principalmente se tem intuitos obstuccionistas, evidentemente manifestos como o tem provado a actual.
Á maioria cumpre praticar mais alguma cousa de util e de proveitoso aos interesses do paiz. É esse o seu dever, e por isso tem outras responsabilidades que não são as da minoria.
Depois, os illustres deputados da opposição são muito difficeis de contentar.
Se fallâmos, se pedimos a palavra, logo s. ex.ªs se mostram contrariados, e dizem que lhes tomâmos o tempo, (Apoiados) que os não queremos deixar usar do seu direito, e gritam e berram furiosos, porque julgam um proposito acintoso no que é simples e natural.
Se os ministros fallam, queixam-se da mesma fórma, como, succedeu quando o sr. ministro dos negocios estrangeiros respondeu ha dias de um modo cabal e satisfactorio a um illustre deputado da opposição, não podendo deixar de o fazer com largueza para explicar e justificar o seu procedimento, de que lhe pediam contas, e logo lamentaram a perda de tempo, e logo se queixaram desabridamente, quando s. exa. apenas dera as explicações precisas, que lhe tinham sido pedidas, no cumprimento do seu dever, (Apoiados) a que não podia nem devia fugir.
O sr. Arouca: - Se os srs. ministros não respondessem, então caía o ministerio, porque os srs. deputados da maioria não fallam. (Apoiados da esquerda.)
O Orador: - Nós fallâmos quando queremos e entendemos que é preciso, e não pelas indicações da opposição parlamentar, (Apoiados) ou quando, isso lhe agradar ou convier. Uzâmos liberrimamente do nosso direito, sem para isso, termos que dar satisfação, como o faz igualmente o illustre deputado e seus collegas.
S. ex.ªs têem, consumido quasi tres mezes de sessão, que, vão pasados, pouco mais têem feito do que parolar. (Riso.) Mas ainda lhes parece pouco; o illustre deputado quer mais parola, agrada-lhe a conversa, quer que os deputados da maioria fallem, que fallem muito, que gastem tanto tempo como os da opposição, emfim, que fallem mais e votem menos!
E se a maioria tenta caminhar, se quer trabalhar utilmente, desembaraçando as medidas do governo, que não (podem ficar eternamente á mercê da parola e dos paroleiros, porque isso prejudica o paiz; se a maioria vota, unica maneira que tem de responder digna e proveitosamente, s. exa. gritam que é facciosa, que pratica violencias, que não ha respeito pelas praxes, parlamentares, que não ha liberdade, e que d'este lado da camara não deixam discutir largamente (Apoiados), os assumptos, etc.,
Como se ha de então satisfazer a opposição parlamentar? O que é que ella quer? Que a maioria seja com ella, que desempenhe igual papel, que siga iguaes processos? Ora isso é que não é possivel! (Apoiados.)
Se se discute um assumpto com mais largueza, dizem logo que estamos consumindo tempo, que nós é que fazemos obstruccionismo, que os não deixâmos fallar, e se provocâmos uma votação para evitar esta febre de parolar, e pôr um dique ás demasias de palavra e perda de tempo propositada por, parte da minoria, queixam-se que a esmagam com votações, formulam protestos cheios de indignação, irritam-se e são violentos, ás vezes mais do que isso,...
E infelizmente parece não haver lei com força bastante, para evitar estes casos e outros não menos edificantes, que n'esta casa se têem dado.
O regimento é fraco e deficiente, e tendo-se nomeado uma commissão para o modificar em harmonia com as necessidades do momento, presente, eu não sei, sr. presidente, o que é que fez essa commissão, porque até hoje nenhuns trabalhos. apresentou, embora todos reconhecerem que a reforma do regimento se está impondo com uma urgencia innegavel e fóra de toda a discussão.
O sr. Franco Castello Branco: - Apoiado, é preciso reformar o regimento e completal-o.
O Orador: - Vou dizer ao illustre deputado que estimo muito que se reconheça essa precisão e que estimo que, tanto d'este lado da camara como d'esse, estejam todos de accordo em que é necessario modificar e quanto antes o regimento, de maneira que se possa evitar o tal abuso de parolar, indefinidamente e a proposito de tudo, tão prejudicial ao paiz e aos interesses do estado, porque não póde o governo caminhar desassombradamente, nem dar aos seus planos economicos, financeiros e administrativos o desenvolvimento necessario, e com a rapidez indispensavel e proveitosa que elle e a maioria desejam. (Apoiados.)
É preciso, pois, que a maioria proteste energicamente contra o obstruccionismo faccioso e que ora manso, ora violento, se arvorou em systema de opposição, porque é preciso que o paiz saiba quem é que parola, quem toma o tempo, quem faz arruaças, quem quebra as cadeiras e as bancadas, quem promove a desordem e impede a marcha regular das discussões parlamentares,

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Vá a responsabilidade a quem toca e o paiz fará a devida justiça a quem a tiver.
Não é só vir para aqui o sr. Arroyo tomando sessões e sessões sobre os acontecimentos do Porto e outros que inventa, repisando as mesmas cousas todos os dias, formulando as mesmas queixas, usando os mesmos já conhecidos e estafados adverbios e adjectivos antes da ordem do dia, na ordem do dia e depois, e sempre, e a proposito de tudo, como ahi temos visto.
E o sr. Franco Castello Branco, com a celebre questão do governador civil de Braga, fallando todos os dias e a todas as horas, intercalando esta magna questão entre outras, fazendo-a reviver e não se contentando nunca com a resposta dos srs. ministros, levando o seu amor de rhetorica até fazer o que aqui ainda ninguem fez, pedir a palavra antes da ordem do dia e pedir logo tambem o copo da agua, para poder gastar a hora toda!
Não é só para isto, para esta exhibição espalhafatosa; que os nossos eleitores aqui nos mandam e que o paiz nos paga, é preciso aproveitar o tempo, é preciso fazer mais alguma cousa de bom e de util, (Apoiados.} ou ao menos não embaraçar que os outros o façam:
A opposição devia lembrar-se que ha de vir a sei governo, e convencer-se que os maus exemplos do seu systema podem vir a fazer escolas, a ser exemplo.
E dito isto, sr. presidente, findo aqui as minhas observações, que já foram longas de mais, pedindo desculpa á camara dos momentos que foi obrigado a tornar-lhe, e para não incorrer na mesma falta de que me estou queixando, e não me alistar na ala dos bravos da parola, vou tratar do que é mais util e para o que especialmente tinha pedido a palavra.
Tive a honra de mandar pára a mesa, em julho do anno passado, um projecto de lei, pedindo auctorisação para que a camara municipal de Goes, do circulo que tenho a honra de representar, podesse desviar do cofre da viação municipal uma certa quantia para o começo da construcção dos paços do concelho e repartições de fazenda, sala do tribunal e administração, que todas estavam agrupadas e reunidas no mesmo edifício, que foi o anno passado destruído por um violento incendio.
Este projecto teve parecer favoravel por parte da respectiva commissão; não foi porém, ainda dado para ordem do dia, e consta-me que este facto é devido a haver accumullados outros projectos de igual natureza é em iguaes circunstancias e que logo que entre um em ordem do dia para discussão, têem de entrar todos os outros.
É sobre isso que vou fazer as seguintes considerações, nas quaes pouco tempo tomarei á camara.
Não trato agora de saber se ha muitos, se ha poucos projectos d'esta natureza e nas mesmas circumstancias, e se devem todos ser ou não attendidos; trato de apresentar as rasões justissimas e attendiveis com que os meus constituintes pedem, e foi para isso, para zelar os seus direitos e interesses, e expor as suas necessidade», pedindo os melhoramentos de que precisarem, que ellee cá me mandaram.
E hei de reforçar-me para cumprir o meu dever como poder e souber, mas sem fraquezas nem transigencias de especie alguma impropria do meu caracter. O que me faltar em intelligencia, sobrar-me-ha em boa vontade e energia.
O edifício da camara municipal de Goes foi, como ha pouco disse, destruido por um incendio, ficando apenas um montão de ruinas; e agora n'esta occasião, em que o paiz inteiro está aterrado pelo incendio terrivel occorrido na cidade do Porto, facto que profundamente todos lamentâmos, n'esta occasião, era que se estilo tratando do tomar providencias em favor de todas as victimas d'esse horrivel incendio, satisfazendo aos pedidos a que a catastrophe deu logar; parecia-me tambem occasião opportuna para que o parlamento e o governo attendesse ao pedido da camara de Goes; visto que todo o concelho é victima e soffreu com aquelle desastre, approvando o seu projecto, e incluindo-a assim, n'esta occasião, no beneficio que recebem as victimas do incendio.
Acrescentando, ainda assim, que a camara municipal de Goes não pede uma esmola, não é um soccorro humanitario e que se lhe concede; pede que, no exercicio do seu direito e administrando os seus dinheiros como entende, accudindo primeiro ás necessidades mais urgentes dos seus municipe; lhe deixem construir com os fundos de viação, que lhe pertencem e tem em deposito, um edificio em que reuna os paços do concelho, administração e repartição de fazenda; como tinha antes da desgraça, que os reduziu a cinzas.
A camara municipal de Goes ainda que hoje queira recorrer a um emprestimo n'aquelle concelho, não o póde fazer, não tem recursos para isso, tão sobrecarregados se acham os povos d'aquella região, porque, sr. presidente se o paiz todo atravessa uma crise agricola que chega até lá, como v. exa. e a camara muito bem sabem, existe alem d'essa crise geral; uma crise local, que aquelle concelho está atravessando n'este momento; com uma terrivel molestia manifestada nos castanheiros e nas oliveiras; principal fonte de riqueza d'aquella localidade, que está completamente aniquilada; e n'estas condições torna-se completamente impossivel o lançamento de qualquer imposto especial, para attender aos encargos provenientes de qualquer emprestimo que se levantasse para a realisação da obra que se deseja o se torna indispensavel.
Ainda alem d'este grave inconveniente ha um outro muito poderoso, e é que; ainda que a camara municipal de Goes queira tomar de arrendamento um predio qualquer, para ahi estabelecer as repartições publicas do concelho, tão o póde fazer, porque não ha ali casas para arrendar e muito menos em condições de satisfazer ao serviço a que se pretende destinar a construcção a fazer; que não podem as referidas repartições e archivos municipaes continuar como, até agora, installados separadamente e por obsequio em casa de particulares, que a isso se prestaram por occasião do incendio.
É pois impossivel continuar um tal estado de cousas, como que vergonhoso e prejudicialissimo para o serviço publico de Goes.
Em vista das rasões que exponho, e que não alongo para não tomar tempo á camara, torna-se indispensavel á approvação do projecto, a que me refiro e tive a honra de apresentar e que tem o n.° 182.
Peço, pois, a v. exa. que attendendo ao pedido, que em nome dos meus constituintes faço, e que é justissimo, ponha o projecto em ordem do dia, logo que seja possivel, para entrar em discussão n'esta camara, e por essa occasião farei algumas considerações mais sobre o assumpto.
Como estou com a palavra, associo-me inteiramente ao desejo demonstrado pelo meu illustre amigo o Sr. Francisco Mattoso Côrte Real de que sejam attendidas as reclamações justissimas dos distribuidores telegrapho-postaes de Coimbra, que tambem se me dirigiram; isto comquanto não tenha a honra de representar aquelle circulo, mas com a devida venia e com todas as deferencias para com s. exa. que está presente 5 porque não posso admittir bem sem reparo, certa interferencia que se permittem alguns srs. deputados ingerindo-se nos negocios dos circulos uns dos outros, sem terem as devidas attenções com os directos representantes, principalmente quando estes são das localidades que os elegeram ou as conhecem bem.
Partilho da theoria apresentada aqui hontem pelo meu illustre amigo sr. Fuschini, do que todos os deputados são deputados da nação, e como tal têem direito a intervir em todos os assumptos de administração publica; mas partilho tambem com s. exa. á idéa de que é necessario deferencia e attenção com aquelles que representam os seus circu-

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Los; não se entremettendo nos negocios d'esse circulo que estão entregues ao seu constituinte. (Apoiados.)
Uma voz: - Não está cá o Simões Dias.
O Orador: - Não, pois é pena!
Eu portanto, repito; pedindo venia a s. exa., associo-me do coração a este pedido, que acho justo, bem como ao facto n'uma representação apresentado pelos negociantes depositarios de caixas de correio em Coimbra, na qual pedem que lhes sejam concedidos os mesmos abonos de percentagem, pela venda de sellos, que recebem os depositarios de caixas de Lisboa e Porto. Não me parece que para os de Lisboa e Porto deva haver favores especiaes em uma questão de lei, que deve ser igual para todos! A mesma rasão, que ha para que os vendedores de sellos em Lisboa e no Porto tenham uma certa percentagem, deve subsistir para todos os pontos do paiz. E para ainda protestar contra estes privilegios, eu vou fazer uma referencia ao que ha pouco disse n'esta camara o sr. ministro da fazenda, ácerca dos direitos, de portagem; quando a s. exa. dirigiu uma pergunta o illustre deputado sr. Valente.
No anno passado tive tambem a honra de apresentar á camara um projecto de lei...
O sr. Presidente: - Eu lembro ao illustre deputado que já deu a hora para se passar á ordem do dia.
O Orador: - Oh! sr. presidente, eu só desejo que haja a mesma igualdade para todos? Então só os illustres deputados dá opposição é que podem fallar todo o tempo, sem que ninguem lhes lembre cousa alguma?
Eu hão tenho nenhuma duvida em acceitar que v. exa. estabeleça, como regra inalteravel para todos, que apenas haverá uma hora, terminantemente marcada, para os deputados usarem da palavra antes da ordem do dia, e que, finda ella, nem mesmo um minuto se conceda, ao contrario do que sé tem feito. Mas se v. exa., porém; entende que eu não posso continuar a fallar, eu desisto dá palavra e resigno-me á sabia o imparcial deliberação de v. exa., que muito respeito, como me cumpre.
O sr. Presidente: - Eu apetite lembrei a v. exa. que tinha dado a hora.
O Orador: - Mas, repito, e muito respeitosamente, se v. exa. entende que não posso continuár, desistirei d'esse intento, e pouco é o que tenho a acrescentar para concluir.
O sr. Presidente: - O que eu disse a v. exa., creio que o tenho dito a todos.
O Orador: - Eu acceito á lembrança de v. exa., mas entendo que ella deve ser igualmente feita à todos os deputados, sem excepção nem condescendencia, porque, e até me parece, sem sombras de censura para ninguem, que tem havido uma certa transigencia, e, por vezes, talvez mesmo fraqueza na maneira por que se tem dado largueza na faculdade de se conceder a palavra, e usar e abusar d'ella alem do tempo marcado aos membros da opposição.
Mas, dizia eu, sr. presidente, dirigindo-me ao sr. ministro da fazenda, que prometteu ao illustre deputado o sr. Valente a extincção ou modificação dos direitos de portagem na ponte de Gaia sobre o Douro, que eu no anno passado tive a honra de apresentar n'esta camara um projecto de lei, para que fossem abolidos esses direitos na ponte de Portella em Coimbra.
Como se tratou já de beneficiar os concelhos de Penafiel e Amarante, que tinham pontes, fazendo uma eliminação d'esse imposto nas que pagassem até 200$000 réis não sei porque, a ponte de Coimbra não poderá ser comprehendida n'este beneficio, que agora se vae dar tambem á ponte de Villa Nova de Gaia, e espero que o seja, porque me reservo para fazer valer os seus bons direitos.
Se os contribuintes de Amarante e Penafiel satisfazem as suas contribuições ao estado, e se os de Villa Nova de Gaia cumprem igualmente esse dever, os de Coimbra não são menos pontuaes em cumprirem tambem com o seu dever e pagam como todos os outros. Portanto, este beneficio deve entender-se a todos aquelles que estão no caso de o merecerem.
Eu peço portanto ao sr: ministro da fazenda protecção para aquelle meu projecto; ao qual mais de uma vez já me tenho referido, tendo sempre visto um pouco esquecidas as boas promessas que s. exa. me tem feito.
Eram estas, sr. presidente, as considerações que eu tinha a fazer, e que restringi o mais possivel, sentindo apenas não ter podido ser mais breve.
O sr. Presidente: - V. exa. manda alguma representação para a mesa?
O sr. Oliveira Matos: - Não, senhor; só peço que seja publicada a que o illustre deputado o sr. Francisco Mattoso apresentou.
O sr. Presidente: - A camara já deliberou que fosse publicada.
É chegada a hora de se passar á ordem do dia; mas ha um sr. deputado que me pediu a palavra, para tratar de uma questão, que todos julgam pundonorosa, (Apoiados.) e, eu desejaria por isso que a camara tivesse a condescendencia de permittir que eu lh'a conceda.
Vozes: - Falle, falle.
O sr. Pedro Victor: - Pedi a palavra para fazer uma declaração.
Tendo visto no jornal O reporter uma referencia ao incidente que se deu hontem entre mim e o sr. Fuschini, referencia em que ha uma pequena inexactidão, eu tomei a palavra para trazer á lembrança da camara a palavra que hontem pronunciei. Quando eu me referi ao illustre deputado o sr. Fuschini, tive immediatamente o cuidado de declarar que nas minhas palavras não havia a minima intenção pessoal de desconsideração para com s. exa. (Muitos apoiados ) Eu sempre tive pelo illustre deputado, e pelos seus nobres sentimentos, a maior consideração; mas posso divergir das suas opiniões politicas, e o meu áparte referia-se sómente a essa divergencia Posso mesmo manifestar uma certa reacção contra algumas phrases proferidas no parlamento pelo ilustre deputado, e que não julgo muito justos, em referencia ao partido a que tenho a honra de pertencer; mas nunca qualquer phrase minha representará a menor desconsideração, a minima desattenção para com aquelle meu illustre collega e amigo, por quem tenho o mais profundo respeito.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O sr. Fuschini: - Pedi a palavra unicamente para declararar que agradeço sinceramente as phrases proferidas pelo illustre deputado, phrases que derivam apenas da rectidão do sen caracter e da delicadeza da sua amisade.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O sr. Presidente: - Chegou á mesa um officio, acompanhando o decreto que proroga as sessões até ao dia 2 de maio. Vae ler-se.
Leu se e vae publicado a pag- 939 d'esta sessão.

ORDEM DO DM

Continuação, da discussão do projecto de lei n.º 23, estabelecendo que á fabricação dos tabacos no continente do reino seja feita exclusivamente por contra do estado, sendo expropriadas as fabricas existentes.

O sr. Vicente Monteiro (relator): - Sustenta que a proposta do sr. Franco Castello Branco, para que o projecto tenha duas discussões, uma na generalidade, e outra na especialidade, deve ser discutida conjunctamente com e projecto, e pede que sobre este ponto recára uma votação da camara, sem comtudo ficarem privados de usar novamente da palavra os oradores que já fallaram sobre o assumpto? ...
(O discurso será publicado em appendice quando s. exa. o restituir.)
O sr. Presidente: - V. exa. quer que consulte a camara?

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O sr. Vicente Monteiro: - Na altura que v. exa. entender.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Fez-se alguma moção?
O sr. Presidente: - Não, senhor; houve apenas a manifestação da opinião do sr. relator.
O sr. José de Azevedo Castello Branco: - Tem muito valor, mas não serve para o caso.
O sr. Arouca: - Pedi a palavra na sessão de hontem quando o sr. deputado Elvino de Brito, respondendo ás observações apresentadas pelo sr. Fuschini, entendia dever apreciar, embora em poucas palavras, o incidente que se havia dado entre dois illustres membros d'esta camara. Por essa occasião disse o sr. Elvino de Brito que o fraccionamento das opposições parlamentares se havia manifestado já por duas vezes no parlamento.

om o mesmo direito com que s. exa. se referiu ás opposições parlamentares, apreciarei eu as suas palavras e as conclusões que s. exa. d'ellas queria tirar; e tambem com igual direito apreciarei o fraccionamento que se dá na maioria parlamentar e a contradicção que se nota no procedimento de alguns illustres deputados da maioria, se compararmos o seu procedimento na sessão passada com as suas opiniões n'esta sessão.
O fraccionamento das opposições parlamentares ha de dar se necessariamente quando no parlamento estiverem representados diversos partidos políticos, e esse fraccionamento ha de ser tanto maior, quanto mais ampla for a legislação eleitoral e maior a possibilidade d'esses partidos, ou grupos, serem representados n'esta casa. (Apoiados.)
Se o illustre deputado quiz fazer notar ao paiz que as palavras trocadas entre dois illustres deputados mostravam que a opposição estava dividida em diversos grupos, era desnecessario que tivesse havido n'esta casa uma discussão qualquer entre dois illustres membros da opposição.
Todos sabem que se deu o fraccionamento do partido regenerador, quando foi acclamado por uma grande maioria d'esse partido seu chefe o sr. Antonio de Serpa.
O sr. Marçal Pacheco: - Ninguem viu a maioria do partido regenerador acclamar o sr. Serpa.
O Orador: - É uma questão de opinião de s. exa. A opinião de s. exa. póde ter muito valor, mas é uma opinião individual.
O que não póde ser contestado é um facto visto e apreciado por todos. (Apoiados.)
Se s. exa. e os seus amigos constituíssem a maioria do partido regenerador, teriam feito proclamar chefe d'esse partido quem s. exa. tivessem querido.
O sr. Marçal Pacheco: - Isso é conforme.
O Orador: - As maiorias fazem sempre isso; são ellas que governam.
(Interrupção do sr. Marçal Pacheco que se não ouviu.}
Ahi está s. exa. querendo que eu me afasto da ordem de considerações que estava fazendo.
O sr. Marçal Pacheco: - Eu não quero nada, mas tenho o direito de emittir a minha opinião.
O sr. Franco Castello Branco: - Simplesmente quero fazer notar o seguinte facto. Desde que se iniciou a questão do tabaco, s. exa. que nos tinha acompanhado, separou-se de nós. (Apoiados.}
O sr. Marçal Pacheco: - Ou eu tinha acompanhado s. ex.ªs, ou s. ex.ªs me tinham acompanhado a mim. (Apoiados.}
O sr. Franco Castello Branco: - Fica de pé a minha observação de que os tabacos nos separaram.
O sr. Marçal Pacheco: - Não foi o tabaco, foi o sr. Antonio de Serpa.
O Orador (o sr. Arouca): - Sr. presidente, quando uma grande maioria do partido regenerador, e affirmo outra vez, porque é a verdade, e eu não digo senão a verdade... (Apoiados.)
O sr. Marçal Pacheco: - Eu contesto.
O Orador: - S. exa. não póde contestar, porque não contesta nenhum homem que queira dizer só a verdade. (Apoiados.)
S. exa. podia ter visto primeiro dentro da representação parlamentar, segundo fóra da representação parlamentar, o ainda outro dia houve grandes manifestações de que grande maioria do partido regenerador tinha acclamado chefe o sr. Serpa Pimentel. (Apoiados.)
O illustre deputado está no seu direito de contestar, mas o paiz é que ha de ver de que lado está a rasão. (Apoiados.}
Por isso, repito outra vez, quando a grande maioria que se manifestava, não só pela adhesão de muitos cavalheiros que tinham logar no parlamento, mas pela adhesão de muitos que fazem parte do partido regenerador, acclamou chefe o sr. Antonio de Serpa, deu se uma sessão no partido regenerador, separando-se o sr. Barjona de Freitas e formulando o programma politico de um partido que se intitula esquerda dynastica.
(Interrupção do sr. Marçal Pacheco que não se ouviu.)
Se s. exa. tem muito empenho em que eu lhe responda de outra maneira, eu respondo. Não tenho a mais pequena duvida.
O sr. Marçal Pacheco: - Como quizer.
O Orador: - Se s. exa. não tem empenho em ter commigo uma questão pessoal, deixe-me fallar, porque eu não digo senão a verdade.
O sr. Marçal Pacheco: - Se v. exa. me dá licença, eu interrompo-o para uma explicação.
Eu não quero fazer questões pessoaes com v. exa. nem com outro qualquer membro do parlamento, mas não as evito por fórma nenhuma que me fique desairosa, quando alguem as quizer fazer commigo. (Apoiados.)
Isto em primeiro logar.
Em segundo logar, digo que contesto um facto, e não contesto de nenhum modo a convicção de v. exa.
Acredito profundamente na lealdade com que v. exa. está fazendo as suas declarações e reclamo para mim o mesmo direito. (Apoiados.)
V. exa. está convencido de que foi a maioria do partido regenerador que acclamou o sr. Serpa, eu estou convencido de que esta não é a verdade; mas entre a minha opinião e a de v. exa. os juizos do publico avaliarão. (Apoiados.}
Isto de modo nenhum vae o ferir a dignidade pessoal do illustre deputado, como a contestação, por parte do illustre deputado, parece-me que não fere a minha.
O Orador: - Nós já tinhamos passado este ponto.
Quando eu estava dizendo que alguns cavalheiros do partido regenerador se separaram do partido regenerador, tendo á testa o sr. Barjona de Freitas, que formulou o programma de um partido que intitulou esquerda dynastica foi n'este ponto que s. exa. me interrompeu, e eu não tive tempo de dizer que o sr. Marçal Pacheco, que ao principio tinha ido com o sr. Barjona, depois se conheceu que não estava, nem com o sr. Barjona, nem com os seus amigos; estava sósinho, como deputado independente que é o tem mesmo desejos de ser.
Por consequencia s. exa. interrompeu-me n'essa occasião e eu não vejo conveniencia que n'uma questão dê certo melindre se façam interrupções, não porque não sejam permittidas, mas porque as interrupções podem dar logar a que as questões tomem um caminho que não devem tomar. (Apoiados.)
Eu, pela minha parte, tenho bastante pendencia, sei medir as palavras, para não dizer nada que possa offender nem melindrar ninguem; mas sei perfeitamente pôr cobro a tudo quanto eu entender que sáe d'um certo limite, e que não deva ser tolerado por mim.
Mas eu tinha dito e sustento que os fraccionamentos da opposição não representam senão diversidade de idéas; o facto de estarem representados na opposição parlamentar muitos grupos políticos não póde ter a significação política

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de dar ou tirar força ao governo; o facto de se trocarem quaesquer palavras entre dois membros d'essa mesma opposição, hontem entre o sr. Fuschini e o sr. Pedro Victor e hoje entre mim e o sr. Marçal Pacheco, não póde outra significação mais do que aquella que lhe deram aquelles dois cavalheiros que hoje, usando da palavra, fizeram affirmações categoricas, afastando por isso qualquer outra interpretação que lhe possa ser dada por qualquer dos lados da camara, ou por qualquer partido politico, porque as palavras, e principalmente em questões d'esta ordem, são da responsabilidade de quem as profere, não sendo licito tirar d'ellas, debaixo do ponto de vista político, qualquer conclusão que possa ser considerada como um desfavor pessoal para alguem.
Mas, occupando-me ainda do assumpto do fraccionamento das opposições parlamentares, estou convencido que o fraccionamento d'essas opposições se dá porque a lei eleitoral faculta a representação a todos os partidos politicos do paiz que tenham uma certa força; e esse fraccionamento póde ser maior, muito maior do que - está sendo actualmente. No entretanto isso nada quer dizer para a marcha política do governo, não quer dizer que a opposição seja mais fraca e o governo mais forte, nem o governo mais fraco e a opposição mais forte.
Até hoje tenho visto que o fraccionamento da opposição parlamentar se dá quando cada um trata de apreciar, ou o valor do seu partido politico, ou das idéas que esse partido professa; mas nunca essa discordancia se tem dado quando se trata de combater o governo, porque tenho visto todos, sem excepção, combaterem o governo com todas as suas forças. (Apoiados.)
Ainda ha poucos dias nós vimos o sr. Marçal Pacheco atacar violentamente o governo na pessoa do sr. presidente do conselho, e por uma fórma tão energica quanto energico póde ser o procedimento de um deputado da opposição contra o governo.
Não é facil ser mais energico do que o sr. Marçal Pacheco o foi contra o sr. Luciano de Castro. Entretanto a camara viu que ha pouco se trocaram algumas palavras entre nós, quando eu disse que a maioria do partido regenerador tinha proclamado como chefe o sr. Antonio de Serpa.
Mas se esse fraccionamento se dá aqui, dá-se ali tambem, (Apoiados.) com a differença de que na maioria parlamentar ha responsabilidades gravissimas que se não dão nos bancos da opposição. (Apoiados.) Esse fraccionamento dá-se nos bancos do governo, com gravo escandalo publico e com grave preterição dos negocios publicos, (Apoiados) que soffrem com a desunião que se nota nos membros do gabinete, o que prejudica a marcha do governo. (Apoiados.)
Portanto, quando o illustre deputado o sr. Elvino de Brito tratou de apreciar o fraccionamento da opposição, seria conveniente que apreciasse tambem o fraccionamento da maioria; seria conveniente que s. exa. comparasse o seu procedimento n'esta sessão com as palavras que s. exa. proferiu na sessão passada.
Será conveniente que então me digam se s. exa., apreciando o procedimento da maioria, como apreciou, tem direito a ser acreditado pelo paiz este anno, quando diz que a maioria tem confiança no governo, o apoia. (Apoiados.)
Desde, que s. exa. apreciou, como eu sei que apreciou o anno passado, o procedimento da maioria, seja qual for a sua opinião este anno, essa opinião tem relativamente muito menos valor do que teria se s. exa. não tivesse proferido as palavras a que vou referir-me.
A commissão encarregada de dar parecer sobre o bill de indemnidade entendeu que, alem do parecer que tinha dado sobre as emendas apresentadas, devia apresentar uma emenda da sua iniciativa. Estava no seu direito.
Essa emenda referia se ao provimento do logar de chefe, creio eu, da segunda repartição do ministerio da agricultura. Na reforma feita pelo sr. Navarro esse logar devia ser provido n'um indivíduo que tivesse o curso de agronomo, e a commissão entendeu que esse logar devia ser provido em qualquer individuo, embora não tivesse o curso de agronomo.
O sr. Elvino de Brito, depois de saber que a commissão tinha apresentado aquella proposta e que ella tinha sido votada no parlamento, veiu á camara reclamar contra o procedimento da commissão, dizendo que a camara não tinha conhecimento do que votára, e s. exa. proferiu as seguintes palavras:
«Comprehende-se que um tal additamento, para poder passar sem o reparo da camara, só por aquelle processo, incorrecto e menos serio fosse, introduzido no parecer respectivo.»
De maneira que o sr. Elvino de Brito classificou o procedimento da commissão e da maioria como incorrecto e menos serio. (Apoiados.)
E este fraccionamento da maioria, que se dava entre o illustre deputado e os seus collegas, devia ter sido notado o s. exa., porque as suas responsabilidades são maiores o que as nossas. (Apoiados.)
Os fraccionamentos da maioria dão-se ainda em relação, por exemplo, ao sr. Carlos Lobo d'Avila, que ha poucos dias, sendo relator da resposta ao discurso da corôa, disse que o paiz não podia pagar mais e que o governo não devia gastar mais, (Apoiados) e no emtanto dias depois assignava o parecer da commissão de fazenda, em que auctorisava o sr. ministro da justiça a gastar desde já alguns centos de contos de réis com as penitenciarias, (Apoiados.) e que segundo os calculos feitos pelo sr. Julio de Vilhena sobem a mais de 6.000:000$000 réis. (Apoiados)
Este fraccionamento da maioria dá-se ainda quando na imprensa homens tão illustres, que eram citados d'antes como os criticos indispensaveis para fazerem a historia da administração regeneradora, escrevem nos seus jornaes artigos assignados com o seu nome, em que chamam cataplasma ao ministerio. (Riso.) E no entretanto continuam a parte do partido progressista e da maioria parlamentar.
E mal se comprehende que se possa no parlamento apoiar um ministerio e que na imprensa se chame cataplasma. (Apoiados)
Este fraccionamento dá-se ainda quando vemos oradores illustres e distinctos, que são não só honra e gloria de um partido, mas honra e gloria de um paiz, como d sr. Antonio Candido, conservarem-se durante uma sessão parlamentar sem fazer ouvir a sua voz para defender o gabinete, que é violentamente atacado (Apoiados.) E este silencio é a demonstração clara e evidente de que s. exa. não concede o seu apoio ao partido progressista nem ao governo presidido pelo sr. José Luciano. (Apoiados.) S. exa. é partidario muito leal para querer crear mais
difficuldades ao governo e por isso limita-se a não fallar para não protestar contra o procedimento do governo, que elle não apoia nem applaude. Fraccionamento do governo dá-se ainda, ouvindo se o nobre ministro das obras publicas declarar na sessão passada que emquanto fosse ministro nunca auctorisaria a alienação de um caminho de ferro do estado, e vendo-se o sr. ministro da fazenda apresentar n'esta sessão ao parlamento
uma proposta de alienação do caminho de ferro do sul e sueste!
A assignatura do sr. ministro das obras publicas só appareceu depois no relatorio impresso que se distribuiu, mas não appareceu na proposta que foi apresentada ao parlamento.
Fraccionamento do ministerio deu-se, como consta da carta do sr. marquez de Fronteira em que se refere á entrevista entre o sr. presidente do conselho e o sr. Lisboa

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Pinto, o em que o sr. presidente do conselho apreciava por uma fórma pouco favoravel o procedimento do sr. Barros Gomes!
Fraccionamento do ministerio deu-se entre os srs. presidente do conselho e ministro da justiça, visto que o sr. ministro da justiça affirmava no seu relatorio que os districtos estavam alliviados dos encargos das cadeias districtos, e o sr. presidente do conselho affirmava o contrario, no seu relatorio do codigo administrativo.
Fraccionamento no ministerio deu-se quando o sr. Marianno de Carvalho foi ao congresso agricola apresentar como um grande serviço que ao paiz faria, o estabelecimento de uma fabrica de moagens, que custava ao estado 60:000$000 réis, e que, segundo a declaração do sr. ministro da guerra n'esta casa, custava, não 60:000$000 réis, mas 600:000$0000 réis, comparando-se esta declaração com a do sr. ministro da guerra porque s exa. mal comprehende como vinte e duas mil rações distribuidas ao exercito podiam influir no preço do trigo n'um paiz que tinha 4.500:000 habitantes!
Fraccionamento no ministerio deu-se quando no anno passado, na questão dos tabacos, o sr. Marianno de Carvalho mundára para o sr. presidente do conselho uma commissão que o ia procurar, dizendo que era o sr. presidente do conselho que tratava da questão do tabaco, e esse fraccionamento dava se, porque o facto importava a abdicação do sr ministro da fazenda como ministro de fazenda!
O sr. presidente do conselho, como dirigente da política, queria impor ao sr. ministro da fazenda, como impoz, a sua vontade n'este assumpto, e no entretanto a maioria vota todas as vezes que é necessario, e o governo fica!
Se á maioria, tendo todas as responsabilidades, como tem, é indiferente esse fraccionamento que se dá entre os seus membros e o governo; se a maioria entendo que o fraccionamento quo se dá entre os ministros não póde influir na marcha dos negocios publicos, como é que s. exa. só podem incommodar porque dois deputados, um do partido Regenerador é outro da esquerda dynastica, discutem durante cinco minutos se foi a maioria do partido regenerador quem acclamou o sr. Serpa Pimentel para chefe do partido, ou não?
Como é que o illustre deputado o sr. Elvino do Brito se preoccupa com o fraccionamento da opposição parlamentar, a proposito de algumas palavras trocadas entre dois illustres membros da opposição?
E o fraccionamento da maioria e do governo dá-se em prejuizo dos negocios publicos, e ha de continuar a dar-se. O paiz continua a assistir ao espectaculo que dá o sr. presidente do conselho em lucta com o sr. ministro da fazenda; o paiz conhece o plano do sr. ministro da fazenda, que não quer sair do ministerio, porque não quer deixar o sr. Luciano de Castro a governar!

sr. presidente do conselho, se tivesse força ou podesse, collocava o sr. ministro da fazenda nas circumstancias de saír do ministerio. O sr. ministro da fazenda préza, acima de tudo, a questão politica; para elle a politica é tudo; esquece-se de um bocado de consideração, que devia ter dado a sua propria pessoa, para a dar á questão politica; s. exa. não tem querido sair, nem sáe, sem arrastar comsigo o sr. presidente do conselho.
E o paiz presenceia esta lucta que se dá entre os dois; e presenceia as manobras que faz o sr. Barros Gomes, que estuda cuidadosamente as phases da questão, para ver se consegue ser o tertius gaudet do barulho.
Por consequencia, quando o sr. Elvino de Brito, ou outro qualquer membro da maioria, quizer discutir e apreciar o estado em que se acha a opposição parlamentar e os seus fraccionamentos, póde ter a certeza que encontra na opposição parlamentar quem lhe responda, quem aprecio o procedimento da maioria. E isto é apenas um esbaço da historia que se póde fazer desde 1886.
E agora que já respondi ao sr. deputado Elvino do Brito, forçado unicamente pelo meu dever parlamentar de membro da opposição regeneradora, porque é preciso que s. exa. saiba e o paiz, que nós estamos resolvidos a defendermo-nos sempre que nos atacarem, e se levantarem questões inopportunas d'aquelle lado da camara, vou responder a algumas palavras do sr. ministro da fazenda. Dizia o sr. ministro, em resposta ao sr. Franco Castello Branco, que não se occupava agora da questão dos tabacos, porque cada questão tinha a sua occasião propria.
Está ainda no espirito de todos a resposta que o sr. ministro da fazenda deu á minha humilde pessoa na questão das estradas.
S. exa. tratou largamente dos negocios do caminho de ferro de Ambaca, das estradas do continente, passou para a Africa, tratou da navegação, confundio umas cousas com as outras hoje s. exa. está dominado pelo ardentissimo desejo de ser agradavel ao sr. presidente do conselho, e não quer que se trate da questão do tabaco senão na ordem do dia.
Cumpri n'esta parte o meu dever, visto que a isso fui forçado e vou responder ao illustre deputado o sr. Elvino de Brito e ao sr. relator ácerca da questão prévia.
O sr. Vicente Monteiro chamou a este assumpto uma questiuncula.
Eu lembro ao illustre deputado o sr. Oliveira Martins a necessidade de propor para que faça parte da commissão de regimento o sr. Vicente Monteiro.
Esta ordem de questães a que s. exa. chamou questuinculas são para o sr. Vicente Monteiro as questões que lhe não agradam, e quando as questões lhe não agradam chama-lhe s. exa. questiunculas, pois nós chamâmos lhes moções de ordem, chamamos lhes questões prévias, e é d'esta fórma que a proposta do sr. Franco Castello Branco tem de ser considerada Por isso nós não podiamos deixar de estranhar que s. exa. declarasse que a proposta se discutia juntamente com a materia, juntamente com o projecto dos tabacos.
Peço desculpa ao illustre deputado e meu amigo o sr. Vicente Monteiro, e peço licença a s. exa. para lhe lembrar as disposições do regimento.
O regimento diz, no artigo 145.°, que em qualquer estado da discussão se poderá suscitar uma questão ou moção de ordem; diz que são moções de ordem, a questão prévia, o adiamento etc.
O § l.° d'este artigo refere-se á questão previa e o § 2.° não tem applicação ao caso que se discute, como erroneamente o sr. Elvino de Brito sustentou na sessão passada.
É questão de ler.
Diz o § 1.° do artigo 145.°: «A questão previa dá-se sempre que um deputado proponha que a camara, por qualquer motivo, não póde deliberar sobre a materia que se discute; e sendo apoiada por cinco deputados, considerar-se-ha admittida, entrará em discussão e será resolvida antes da questão principal».
Portanto, v. exa. não tem outra cousa a fazer senão cumprir o regimento, e, não obstante as interpretações que lhe querem dar, v exa. ha de pôr a proposta á votação antes da questão principal, porque assim lh'o manda o regimento.
Os §§ 2.°, 3.° e 4.° referem-se ao adiamento, o § 5.° trata da invocação do regimento, e o § 6.° refere-se a outras moções que possam ser apresentadas.
Portanto, a questão prévia ha de ser votada antes da questão principal. E tanto se prova que a proposta não é um adiamento, que, e fosso adiamento, a camara não a devia admittir á discussão, porque pouco antes tinha sido rejeitada uma proposta de adiamento.
Ha ou não ha realmente uma questão provia? Ha, dil-o o § 1.° do artigo 145.° Só regimento.
Para a camara poder votar, precisa illustrar-se pela discussão; para á camara discutir precisa ordem e methodo, e se a ordem methodo estabelecido não poder levar a

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camara a conhecer do assumpto em que vota, conscienciosamente, não póde votar.
Portanto, desde o momento em que cinco deputados entendem que deve haver uma discussão na generalidade, e outra na especialidade, porque sem isso a camara não póde habilitar-se a discutir conscienciosamente, isso é uma questão prévia, porque impossibilita a camara de tomar conhecimento do assumpto sem que primeiro seja resolvida, e primeiro tem de votar se carece de duas ou tres discussões para se illustrar, ou se lhe basta uma só para poder votar o assumpto com desassombro e consciencia.
É portanto uma questão prévia a que se dá. Mas, supponhamos que havia n'esta interpretação qualquer soiphisma, e que a questão prévia não se dava, e que a opposição parlamentar, esta ou qualquer outra, se tinha servido de uma proposta a que chamava questão prévia, para poder adiar por alguns minutos a discussão de um projecto.
Pergunto, a maioria parlamentar, fosse qual fosse, tinha direito consignado no regimento para declarar desde logo que não era questão prévia, a para fazel-a discutir, conjunctamente com o projecto? Não tinha, porque então estava á disposição das maiorias determinar que as questões eram ou não prévias, e o regimento foi feito para evitar que ese abuso se podese dar.
Portanto, desde o momento em que cinco deputados assignam uma proposta a que chamam questão prévia, seja qual for a opinião da maioria sobre o assumpto, quer entenda que é uma questão prévia, quer entenda que é um sophisma, a camara ha de por votação especial, antes de discutir o projecto, declarar se é questão prévia, e sendo questão prévia, se ella tem importancia para adiar a discussão do projecto.
É isto o que ha de resolver a maioria parlamentar, é este o procedimento que a opposição reclama de v. exa., que está ahi com o suffragio da camara, porque v. exa. está ahi para salvaguardar os nossos direitos.
Tendo assim respondido ao sr. Elvino de Brito; não quero deixar de fazer uma pequena referencia ás palavras proferidas pelo sr. Vicente Monteiro.
O illustre deputado queria demonstrar a inutilidade da questão prévia pelo conhecimento que a camara tinha da questão dos tabacos, dizendo que esta questão não era nova, porque já fôra discutida no anno passado.
Está na lembrança de todos o que se passou na sessão passada; mas tambem está na lembrança de todos o que se passou no intervallo da sessão, e é indispensavel ver se podemos levantar o prestigio do parlamento, para não nos sujeitarmos este anno a votar leis que no anno immediato voltem ao parlamento para serem reformadas, por serem inexequiveis, porque só por ser inexequivel é que a questão dos tabacos não está resolvida. (Apoiados.)
Se o illustre deputado entendo que a questão não é nova, que já era do anno passado, e que este anno está mais simples, porque é que no intervallo parlamentar não a resolveu? Porque é que não ajudou o sr. ministro da fazenda e o sr. presidente do conselho com a sua illustração e vastos conhecimento, e não habilitou s. ex.ªs a darem a esta questão a solução que ella devia ter, e que era necessario que tivesse? Porque foi? Seria porque depois de se ter illustrado com a discussão no parlamento adoeceu, e por falta de saude não póde coadjuvar os srs. Ministros com os seus conhecimentos, que tinha adquirido na questão dos tabacos? De certo que não foi por isso. Então por que foi? Seria por a questão ter sido apresentada como o foi o anno passado ao parlamento, discutida, por assim dizer, no fim da sessão, ao cabo de largos mezes de trabalhos, tendo o sr. presidente do conselho empregado a sua tactica que já descobriu este anno, de massar, cansar, estafar a opposição parlamentar para lhe arrancar os projectos de lei? Se a questão foi discutida n'estes termos, foi mal discutida, e é precisoq ue tome este anno outra feição, para que o paiz não torne a assitir ás brigas enttre o sr. ministro da fazenda e o sr. presidente do conselho, (Apoiados.) para que as commissões, que vão procurar o sr. ministro da fazenda, não sejam recambiadas para o sr. presidente do conselho, com grave desprestigio para o logar que exerce; para, ao menos, ver se conseguimos acabar com esta rivalidade que ha entre o sr. ministro da fazenda e o sr. presidente do conselho, e se podemos arranjar uma lei, de fórma, que s. ex.ªs se harmonisem e se conservem no poder, unidos e amigos pessoal e politicamente. (Apoiados.) Não basta só que pessoalmente se respeitem, é preciso que politicamente se estimem, apreciem e coadjuvem. (Apoiados.) E isto que se não fez o anno passado, porque o sr. ministro da fazenda, quando as commissões o procuravam mandava as, como já disse, para o sr. presidente do conselho, e este cavalheiro dizia que elle é que havia de resolver a questão. Isto é que é necessario acabar e póde acabar perfeitamente, desde que se admitta que haja mais que uma discussão, porque uma só é inssufficiente para se poder apreciar o projecto com a argueza que elle demanda, para a camara poder votar com consciencia e o projecto saír depois d'aqui redigido de maneira a evitar todos e quaesquer attritos entre o sr. presidente do conselho e o sr. ministro da fazenda. (apoiados.)
Assim lucrará o paiz, e o thesouro, que poderá começar a auferir, se é que realmente elle póde dar uma grande receita - estou-me referindo ás palavras, dadas e argumentos do sr. ministro da fazenda - e lucranco o paiz e o thesouro lucra de certo a camara, porque contribue pelo seu lado para o bem estar da nação. (Apoiados.)
Tendo por esta fórma respondido ao aillustre deputado que me precedeu e sustentado a questão prévia apresentada pelos illustres membros da opposição parlamentar, dou por terminadas as minhas observações, pedindo a v. exa. que me revele, se me afastei um pouco do assumpto, mas a que foi levado pelas considerações anteriormente feitas pelo sr. Elvino de Brito.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi comprimentado.)
O sr. Marçal Pacheco: - Poucas palavras direi. Não quero fazer reviver o incidente que se levantou entre mim e o meu collega e amigo o sr. Arouca, a proposito da affirmação feita por s. exa. de que tinha sido a maioria do partido regenerador quem tinha acolomado chefe o sr. Antonio de Serpa.
A camara, as galerias e o publico estão fartos d'esta extensa e longa questão, e não serei eu, por consequencia, que a farei reviver agora.
Mas quero mais uma vez affirmar a s. exa. que, quando disse que não tinha visto essa maioria, não queria dizer, de nenhum modo, que essa maioria não existisse na opinião do illustre deputado. Eu não a vi e ainda hoje não a vejo. São modos de apreciar e de ver, que, de nenhuma maneira, alteram ou perturbam a sinceridade com que o illustre deputado fez a sua affirmação e o direito pleno com que eu faço affirmação em contrario.
E, a proposito d'isto, mais nada, porque é uma questão sobre um facto politico, que, qualquer que seja a maneira por que for apreciado ou encarado, de nenhum modo póde alterar a conrdialidade de relações d'aquelles que se presam a estimam.
Ha, porém, uma questão mais grave a que não posso deixar de referir-me.
Quando se estavam trocando algumas palavras entre mim e o sr. Arouca, o sr. Franco Castello Branco, que me tem honrado com a sua amisade, ha longo tempo, disse: «que era a questão dos tabacos que me collocava n'esta situação especial». Foi isto, ou pouco mais ou menos isto.
V. exa. e a camara são estemunhas de que esta questão veiu o anno passado á camara dos senhores deputados e que eu, sendo membro d'ella, tendo o plenissimo direito de tratar esta questão, não a tratei, e abstive-me comple-

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952 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

tamente de emittir a minha opinião. Abstive-me, por melindres da minha situação, melindres que aliás nenhuma lei, ou de compatibilidades ou de incompatibilidades, escriptas ou não escriptas, me obrigava a respeitar, mas uma lei, superior a todas as leis escriptas, que é a lei da minha consciencia, que procurarei sempre respeitar e manter.
Este anno, hontem, esta questão voltou de novo á téla do debate, e a proposito de um incidente, que nada tinha com o fundo da questão, divergi de uma rasão apresentada pelo sr. Marianno de Carvalho, como fundamento de um adiamento. Desde logo fiz a mesma declaração de que não entrava na discussão d'esta questão.
Ouvi agora um áparte, um pouco secco, do meu nobre e illustre collega, o sr. Franco Castello Branco, insinuando que era a questão dos tabacos ou affirmando que era essa questão, que me separava dos meus illustres collegas da opposição. Como por esse aparte póde ter parecido a alguem n'esta casa ou fóra d'ella, que algum motivo menos digno, menos nobre, menos honroso para mim e menos compativel com a minha dignidade, que prezo n'este logar, fóra d'elle, e tenho prezado sempre, (Apoiados.) me collocava n'uma situação menos airosa n'este logar, desejava dever á lealdade com que, de ha muito, me honra o meu collega, o sr. Franco Castello Branco, e á nobreza do seu caracter, a fineza de declarar, com toda a sinceridade e franqueza, com toda a hombridade de que é capaz, se porventura s. exa. n'estas phrases, teve algum intuito, ou alguma intenção, em que não creio, de me ser desagradavel ou de collocar-me n'uma situação, que, realmente, não posso acceitar.
Dito isto, como o sr. Franco Castello Branco já pediu a palavra, mais nada tenho a acrescentar, e aguardo a resposta de s. exa.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Franco Castello Branco: - O que tenho a dizer, em resposta á pergunta que me dirigiu o illustre deputado e meu amigo o sr. Marçal Pacheco, é pouco, e muito pouco; é quasi a repetição d'aquillo que já tive a honra, de dizer no dialogo que se travou entre mim e s. exa.
Fui effectivamente surprehendido hontem, como hoje, por ver que o sr. Marçal Pacheco deixava de nos coadjuvar, parece-me que é este o termo, na discussão dos tabacos, n'esta lucta em que estamos empenhados contra o governo, privando-nos assim do grande valor do seu muito talento e espirito. E como este facto coincidiu com a circumstancia de entrar em discussão o projecto sobre o fabrico dos tabacos, eu attribui a isso a divergencia de s. exa., ainda que membro da opposição, ainda que adversario intransigente do governo, em relação aos demais membros da opposição parlamentar. Unica e simplesmente isto é que eu quiz accentuar.
Quanto ao mais, sr. presidente, v. exa. comprehende perfeitamente que eu não tinha intenção de attribuir esse facto a qualquer motivo menos honroso, menos digno e menos elevado para a dignidade de s. exa.
Tambem v. exa. sabe, sr. presidente, que muitas vezes se solta uma phrase mais viva, provocada pelo calor da discussão, principalmente quando se levantam incidentes como aquelle em que s. exa. interrompeu o sr. Arouca.
Esse, porém, não foi o meu caso, como logo tive a honra de dizer no pequeno dialogo que a proposito do meu áparte se travou entre mim e o sr. Marçal Pacheco.
Parece-me que depois d'estas explicações nada mais ha a dizer, porque em questões d'esta ordem o ser breve e ser claro é o unico caminho que ha a seguir.
Posto isto, sr. presidente, e visto que fui eu o auctor da questão prévia que está em discussão, v. exa. não estranhará que volte a usar da palavra sobre o debate que se travou a esse respeito.
Em seguida o orador, manifestando a sua estranheza pelo facto de ser contrariada pelo sr. relator a proposta em que a opposição pede para haver duas discussões sobre o projecto relativo ao fabrico dos tabacos, trata de demonstrar que o seu fim, apresentando essa proposta, não é fazer obstruccionismo, mas unicamente facilitar a discussão, e concorrer por esse meio para que se esclareça bem o assumpto, de modo que, pelo menos, se consiga introduzir nas respectivas bases quaesquer modificações que tornem o projecto menos odioso e vexatorio.
Depois de apresentar diversas considerações n'este sentido, declara que, para afastar toda a idéa de que o seu intuito seja fazer política ou obstruccionismo, vae apresentar uma nova proposta, em substituição da outra, para que a discussão do projecto na especialidade seja apenas por grupos de bases.
Espera que o sr. relator e a camara não deixarão de acceitar esta proposta.
(O orador foi comprimentado.)
Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Proponho que haja uma discussão na generalidade, e na especialidade uma discussão por grupos de bases, a saber:
1.° A base 1.ª, que trata da expropriação das fabricas.
2.° As bases 2.º, 3.º, 5.º e 9.º, que tratam da administração da régie.
3.° As bases 4.ª, 6.º e 7.º, que tratam da cultura, venda e importação de tabacos.
4.° As bases 8.ª e 10.º, que tratam da cobrança coerciva e disposições. = João Pinto = Augusto Pimentel - Julio de Vilhena = Miguel Dantas = Sousa e Silva = A. Hintze Ribeiro.
Foi admittida, sendo retirada a moção apresentada na sessão anterior.
O sr. Presidente: - Como ninguem mais está inscripto, vae votar só.
Leu-se a proposta do sr. Franco Castello Branco.
O sr. Franco Castello Branco (sobre o modo de propor): - Sempre pensei que a commissão, ou o governo só pronunciassem sobre esta nova proposta. Não sei se n'esta altura, estando o projecto para ser votado, será permittido pelo regimento pedir ao governo que manifeste a sua opinião sobre o assumpto; mas se não é permittido pelo regimento, é com certeza permittido pelos bons costumes parlamentares;
O sr. Consiglieri Pedroso: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara, sobre se quer que haja votação nominal sobre esta proposta.
Foi rejeitado este requerimento.
O sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta para ser votada.
Leu-se e foi rejeitada.
O sr. Presidente: - Continua portanto em discussão o projecto de lei n.° 23.
O sr. Moraes Carvalho: - (O discurso será publicado, em appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.)
O sr. Presidente: - Vae ler-se uma mensagem vinda da camara dos dignos pares.
Leu-se e vae publicada na secção do expediente a pag. 939.
O sr. Presidente: - A sessão ámanhã abre ás duas horas da tarde, sendo a ordem do dia a continuação da que estava dada.
Está levantada a sessão.
Eram cinco horas da tarde.

Redactor = S. Rego.

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