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N.º 54
SESSÃO DE 12 DE ABRIL DE 1902
Presidencia do Exmo. Sr. José Joaquim de Sousa Cavalheiro (Vice-Presidente)
Secretarios - os Exmos. Srs.
José Joaquim Mendes Leal
José Maria de Oliveira Simões
SUMMARIO
Lida e approvada a acta, dá-se conta do expediente, tendo segunda leitura um projeto de lei do Sr. Paulo de Barros. - O Sr. Conde de Penha Garcia pede a palavra para um negocio urgente: deseja perguntar ao Governo se tenciona tomar algumas providencias com respeito á crise da industria corticeira. A mesa e a Camara não reconhecem a urgencia. - O Sr. Alexandre Cabral realiza o seu aviso previo sobre o estado da viação no districto de Braga, e nos concelhos de Marco de Canavezes e de Baião, do districto do Porto, respondendo-lhe o Sr. Ministro das Obras Publicas (Manuel Francisco de Vargas). - Mandam documentos para a mesa os Srs Pereira dos Santos, Lourenço Cayolla, Mendes Leal, Mario Monteiro e Conde de Penha Garcia.
Na ordem do dia (continuação da discussão do projecto de lei n.° 35, que estabelece um novo regime administrativo, aduaneiro e fiscal as bebidas alcoolicas destilladas nas provincias ultramarinas) usam da palavra os Srs. Anselmo Vieira e Queiroz Ribeiro. - O Sr. Pereira de Lima (relator) propõe que o projecto seja votado independentemente das emendas, que serão sujeitas ao exame da respectiva commissão. Approvado. - O Sr. Ministro da Marinha, em resposta ao Sr. Queiroz Ribeiro, declara que mantem absolutamente a declaração; feita ao iniciar-se o debate, de que está disposto a acceitar todas as emendas que concorram para melhorar o projecto, uma vez que não alterem a sua economia. Em seguida é approvado o projecto, - Antes de se encerrar a sessão, o Sr. Francisco José Machado pede a palavra para um negocio urgente: deseja interrogar o Sr. Ministro da Guerra sobre o fundamento da noticia de ser substituido o brim nos uniformes militares pelo kaki. A mesa e a Camara não reconhecem a urgencia.
Primeira chamada - As 10 horas e meia da manhã.
Presentes - 6 Srs. Deputados.
Segunda chamada - Ás 11 horas.
Abertura da sessão - Ás 11 horas e meia.
Presentes - 55 Senhores Deputados.
São os seguintes: - Affonso Xavier Lopes Vieira, Alberto Allen Pereira de Sequeira Bramão, Alberto Antonio de Moraes Carvalho Sobrinho, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alexandre José Sarsfield, Alfredo Cesar Brandão, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Alvaro de Sousa Rego, Anselmo Augusto Vieira, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Augusto de Sousa e Silva, Antonio Barbosa Mendonça, Antonio Belard da Fonseca, Antonio José Boavida, Antonio José Lopes Navarro, Antonio de Sousa Pinto de Magalhães, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Augusto Neves dos Santos Carneiro, Belchior José Machado, Carlos Alberto Soares Cardoso, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Conde de Penha Garcia, Custodio Miguel de Borja, Domingos Eusebio da Fonseca, Ernesto Nunes da Costa Ornellas, Filippe Leite de Barros e Moura, Francisco José Machado, Francisco José Patricio, Francisco Roberto de Araujo de Magalhães Barros, Henrique Matheus dos Santos, Hypacio Frederico de Brion, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Alfredo de Faria, João Ferreira Craveiro Lopes de Oliveira, João Joaquim André de Freitas, João Marcellino Arroyo, Joaquim Antonio de Sant'Anna, Joaquim Pereira Jardim, José Antonio Ferro de Madureira Beça, José Caetano de Sousa e Lacerda, José Coelho da Motta Prego, José Joaquim Dias Gallas, José Joaquim Mendes Leal, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria de Oliveira Simões, José Maria Pereira de Lima, José Nicolau Raposo Botelho, Julio Ernesto de Lima Duque, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luciano Antonio Pereira da Silva, Luiz Filippe de Castro (D.), Manuel Joaquim Fratel, Mario Augusto de Miranda Monteiro e Marquez de Reriz.
Entraram durante a sessão os Srs.: - Abel Pereira de Andrade, Agostinho Lucio e Silva, Alberto Botelho, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alipio Albano Camello, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio de Almeida Dias, Antonio Centeno, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio Roque da Silveira, Antonio Sergio da Sirva e Castro, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto Cesar da Rocha Louza, Avelino Augusto da Silva Monteiro, Conde de Castro e Solla, Conde de Paçô-Vieira, Eduardo Burnay, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Henrique Vaz de Andrade Basto Ferreira, João Augusto Pereira, João Carlos de Mello Pereira e Vasconcellos, João Pinto Rodrigues dos Santos, José Caetano Rebello, José Dias Ferreira, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Jeronymo Rodrigues Monteiro, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Mathias Nunes, José de Mattos Sobral Cid, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Luiz José Dias, Luiz de Mello Correia Pereira Medella, Manuel Affonso de Espregueira, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Homem de Mello da Camara, Paulo de Barros Pinto Osorio, Rodolpho Augusto de Sequeira e Visconde da Torre.
Não compareceram á sessão os Srs.: - Albano de Mello Ribeiro Pinto, Albino Maria de Carvalho Moreira, Alfredo Augusto José de Albuquerque, Amadeu Augusto Pinto da Silva, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio Affonso Maria Vellado Alves Pereira da Fonseca, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Joaquim Ferreira Margarido, Antonio Maria de Carvalho Almeida Serra, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Tavares Festas, Arthur Eduardo de Almeida Brandão, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto Fuschini, Augusto José da Cunha, Carlos de Almeida Pessanha, Carlos Augusto Ferreira, Carlos Malheiro Dias, Christovam Ayres de Magalhães Sepulveda, Eduardo de Abranches Ferreira da Cunha, Fernando Mattozo Santos, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco José de Medeiros, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Frederico Ressano Garcia, Frederico dos Santos Martins, Guilherme Augusto Santa Rita, Ignacio José Franco, João Monteiro
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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Vieira de Castro, João de Sousa Tavares, Joaquim da Cunha Telles e Vasconcellos, Joaquim Faustino de Pôças [...], João Adolpho de Mello e Sousa, José da Cunha [...], José da Cunha Lobo Lamare, José Maria de Oliveira Mattos, Julio Augusto Petra Vianna, Julio Maria de Andrade e Sousa, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luiz [...] Berquó Pôças Falcão, Manuel de Sousa Avides, Mariano Cyrillo de Carvalho, Mariano José da Silva Prezado, Matheus Augusto Ribeiro Sampaio, Matheus Teixeira de Azevedo, Ovidio de Alpoim de Cerqueira Borges C abral, Rodrigo Affonso Pequito, Visconde de Mangualde e Visconde de Reguengo (Jorge).
Acta - Approvada.
EXPEDIENTE
Officios
Da presidencia da Camara dos Dignos Tares do Reino, remettendo a seguinte
Proposição de lei
Artigo 1.º É concedida a D. Leopoldina da Costa Leal, viuva do capitão de fragata da armada real, Antonio Maria Cardoso, a pensão annual vitalicia de 420$000 réis, igual a metade do soldo que aquelle official percebia.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Palacio das Côrtes, em 13 de abril de 1902. = Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa = Visconde de [...] = Fernando Larcher.
Foi á commissão de fazenda.
Do Ministerio da Fazenda, remettendo, em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado Mello e Sousa, copia do officio da Casa da Moeda e Papel Sellado, acompanhada da nota dos fornecimentos de papel para sellar, feito desde 1 de janeiro de 1897 a 31 de dezembro de 1901, com designação de qualidade, preços e nomes dos fornecedores.
Para a secretaria.
Do Ministerio dos Negocios Estrangeiros, remettendo 166 exemplares de cada um dos n.ºs 11 e 12 de 1901 e um de 1902 do Boletim Commercial, publicado por aquella Secretaria de Estado.
Para a secretaria.
Segundas leituras
Projecto de lei
Art. 1.° É o Governo auctorizado:
1.º A promover a criação e desenvolvimento de cinco estações de destillação e de rectificação de vinho, borra de vinho, [...] pé e bagaço de uvas, destinados á producção do alcool, o qual, competentemente desnaturado, será exclusivamente applicado á illuminação, aquecimento, força motriz e a todos os [...] industriaes, onde elle for susceptivel de ser utilizado;
2.º A negociar com o Governo Allemão, nos termos das bases annexas a esta lei, o tratamento de nação favorecida para os nossos vinhos exportados para os mercados da [...], regulada pelas mesmas convenções pautaes estabelecidas para a França, Hespanha e Itália;
3.° A promover a destillação nas mesmas estações do outras [...] alcoolizaveis, quando se tenha regulado a [...] normalidade entre a pruducção e o consumo do vinho; e o Governo tinha assim entendido, facilitando e protegendo a sua cultura na dupla funcção industrial e agricola;
4.º Auxiliar a expansão do commercio vinicola, nos termos das bases annexas a esta lei, da qual fazem parte integrante.
§ unico. O Governo devretará os regulamentos e providencias necessarias para a execução d'esta lei.
Art. 2.º Fica revogada toda a legislação em contrario.
BASE 1.ª
É o Governo auctorizado a promover e auxiliar a laboração de cinco estações de distillação e de rectificação nas regiões vinicolas, que melhor entender, para a mais prompta e economica producção do álcool, competentemente desnaturado, e destinado á illuminação, ao aquecimento, á força motriz e mais usos industriaes.
§ 1.º Ao estações de destillação e de rectificação obrigar-se-hão:
a) A destillar e rectificar, unica e exclusivamente, até quando o Governo, assim o tenha entendido, vinho, borras de vinho, agua-pé e bagaços de uva;
b) A possuir os apparelhos indicados aos n.ºs 1.° a 4.°, do artigo 83.° do decreto de 14 do junho de 1901;
c) A produzir tão sómente o typo do álcool desnaturado, para a illuminação, aquecimento, força motriz e mais usos industriaes, onde for susceptivel de ser applicado, segundo a graduação estipulada nos respectivos regulamentos, e em uso na Allemanha;
d) A não vender o álcool por preço superior a 1,32 por grau contesimal, e por litro, de modo que, tendo um poder illuminante o caloritero, superior ao do petroleo, não possa, e pelo seu preço, depois de desnaturado, exceder o de 125 réis o litro, vendido a retalho;
e) A produzir, annualmente, 5:000 hectolitros do álcool desnaturado, pelo menos, depois de tres annos do funccionamento; passado este prazo, produzirá aquella quantidade, que o Governo determinar, em relação ao exigencias das suas applicações determinadas nesta lei;
f) A transportar, directa e exclusivamente, da Allemanha, todo o mobiliario, material e apparelhos necessarios para a distillação rectificação e sua laboração, e todos os desnaturantes que forem necessarios para carburetar todos os alcoes produzidos;
g) A empregar tão sómente os desnaturantes, que pelos regulamentos respectivos, e por indicação do Governo, ouvidos os directores geraes de agricultura, commercio e industria, lhes forem determinados, de modo a não prejudicarem os apparelhos, e produzirem, na occasião do seu uso, o maior poder illuminante e calorifero;
h) A receber, sem encargo algum para ellas, os individuos, que o Governo lhes mande, a fim de se instruirem ou aperfeiçoarem, na arte de destillar ou rectificar.
§ 2.° O Governo concede-lhes:
a) A isenção do qualquer contribuição geral ou municipal, nos primeiros 10 annos, a contar da data da mia constituição, incluindo os impostos do consumo e real de agua de producção de álcool, e não podendo qualquer contribuição nova ser lhes lançada durante a existencia da estação de destillação e rectificação;
b) Livre de direitos alfandegarios durante os primeiros cinco annos, a contar da data da constituição da estação, todo o mobiliario, material de destillação e de quaesquer mecanismos necessarios para a sua laborando, que forem importados, sujeitando-se ás disposições regulamentares que o Governo entender publicar para obstar no abuso d'esta concessão;
c) A isenção de direitos pautaes sobre todos os desnaturantes que importar e empregados nos alcooes produzidos na estação;
d) Faculdade de requisitar do Governo um mestre do destillador, cujos vencimentos serão satisfeitos pelo Estado durante um anno;
e) Licença da emissão de warrants, cuja importancia total não poderá exceder 50 por cento dos productos em deposito, ficando a empresa ou a sociedade proprietaria da estação depositaria dos mesmos; estes warrants são descontaveis pela Caixa Geral de Depositos e pelo Banco
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Emissor, em conformidade de regulamentos especiaes que o Governo decretará;
f) Isenção de pagamento de commissão ou despesas de qualquer natureza, pelas operações commerciaes dos seus productos, feita por intermedio do Mercado Central dos Productos Agricolas, e por meio de amostras;
g) As faculdades e permissões a que se referem, na parte respectiva a esta lei de producção do alcool, os nos. 7.°, 8.° e 9.° do § 2.° do artigo 2.° do decreto de 14 de junho de 1901, relativas ás adegas sociaes.
§ 3.° O Governo obriga-se, para com as estações de destillação e rectificação, durante o prazo de cinco annos, a contar da data da sua constituição, podendo prolongá-lo, se assim o entender, a fornecer-se do alcool desnaturado da sua laboração, pelo preço determinado na alinea d), para a illuminação de todas as suas officinas, quarteis, estações dos seus caminhos de ferro, caes, portos, e de todas as repartições publicas do Estado, bem como para todos os motores e demais apparelhos de todas as suas officinas, onde possa ser applicado, e que lhes pertençam, para todos os motores e apparelhos que venha a adquirir, e para todas as locomotivas dos seus caminhos de ferro de via reduzida, que venha a construir e a explorar por sua conta.
§ 4.° O Governo, se assim o entender, para os interesses geraes do país, pode, passados dez annos, depois do seu funccionamento, contados da data da sua constituição, retirar, ou modificar, a estas estações, as obrigações ou concessões determinadas por esta lei, sempre com o fim de embaratecer o preço do alcool desnaturado, destinado á illuminação, ao aquecimento e á força motriz, e diminuir o encargo do Estado.
Base 2.ª
É o Governo auctorizado a decretar e a promulgar os regulamentos e as medidas necessarias, para tornar obrigatorias, em todo o continente e ilhas adjacentes, a importação exclusiva da Allemanha, de todo o material preciso, destinado para a illuminação, aquecimento e força motriz, na mais completa, proveitosa e economica applicação do alcool desnaturado.
§ 1.° Está importação obrigatoria e exclusiva da Allemanha comprehende:
a) Todo o mobiliario, material, machinismos e quaesquer apparelhos destinados para todas as estações de destillação e de rectificação, que venham a estabelecer-se no país, independentes da protecção do Estado;
b) Todas as lampadas, apparelhos e mais accessorios, destinados á illuminação, tanto publica como particular, de todo o país;
c) Todos os motores, machinismos e mais apparelhos, que se destinem ao uso do alcool desnaturado, como força motriz, em todas as novas industrias, que venham a estabelecer-se, á data d'esta lei, e na modificação e substituição dos mesmos motores, machinismos e apparelhos, para as fabricas e officinas, actualmente existentes, durante o periodo de cinco annos;
d) Todas as locomotivas para caminhos de ferro de via reduzida que venham a construir-se e a explorar-se no país, por companhias particulares;
e) Todos os apparelhos e machinismos de todas as officinas e mais dependencias de novos caminhos de ferro que venham a construir-se e a explorar-se.
§ 2.° E obrigatorio o uso do alcool desnaturado para a illuminação das estações, officinas e mais dependencias de todos os caminhos de ferro que venham a construir-se e a explorar-se por companhias particulares.
Base 3.ª
É o Governo auctorizado a executar com o Governo Allemão os tratados commerciaes mais vantajosos, de importação e exportação, para os interesses vinicolas e industriaes do país, em conformidade com as bases que fazem parte integrante d'esta lei.
§ l.° O Governo Português negociará com a possivel urgencia com o Governo Allemão:
a) O melhor regime pautal, para a importação de todo o material, a que se referem as bases 1.ª e 2.ª, de modo a considerar a Allemanha com o tratamento de nação mais favorecida;
b) Um tratado de commercio, concedendo a isenção de direitos pautaes, para a importação obrigatoria da Allemanha, de todo o material destinado á laboração das cinco estações de destillação e de rectificação, segundo a base l.ª; e a importação obrigatoria da mesma nação, de todo o material referido na base 2.ª, de modo a Portugal ser dado o tratamento de nação mais favorecida, para a entrada dos seus vinhos, tanto licorosos como de consumo, engarrafados e de lotação, para fabrico dos seus cognaes, nos mercados allemães.
Base 4.ª
É o Governo auctorizado, quando tenha desapparecido a superabundancia de vinho, que actualmente existe, e se tenha regularizado por esta transformação dada ao vinho, na sua funcção industrial, e pela expansão vinicola, nos mercados allemães, a precisa normalidade entre a producção e o consumo, tanto externo como interno, e conceder a estas estações de destillação e de rectificação a permissão de destillarem outras substancias alcoolizaveis, como sejam especialmente a beterraba e o tupinambo.
§ 1.° Subsistem para o Governo, e para as estações, as concessões e as mesmas obrigações estipuladas na base l.ª d'esta lei.
§ 2.° É o Governo auctorizado a promover, facilitar e proteger a cultura da beterraba e do tupinambo, nas circunstancias especiaes d'esta base, dando, não só aos agricultores gratuitamente a sua semente, no primeiro anno da sua exploração, mas ainda com obrigação da criação e engorda dos gados, diminuindo a contribuição predial, durante o periodo de cinco annos, nos terrenos destinados á cultura d'aquellas duas substancias alcoolizaveis.
Base 5.ª
Fazem, parte integrante d'esta lei todas as disposições da base 3.ª da proposta de lei de 13 de março do corrente anno, relativas ao auxilio a dar á expansão commercial vinicola.
Sala das sessões da Camara dos Senhores Deputados, 11 de abril de 1902. = O Deputado, Paulo de Barros.
Foi admittido e enviado a commissão de agricultura.
O Sr. Presidente: - O Sr. Conde de Penha Garcia pediu a palavra para um negocio urgente, mas como a mesa não considerou o assumpto como tal, vae ler-se a respectiva communicação para a Camara resolver.
Leu-se. É a seguinte
Nota de negocio urgente
Desejava perguntar ao Governo se, em attenção á crise grave que está atravessando a industria corticeira, tenciona tomar immediatamente quaesquer providencias para lhe vir em auxilio. = Conde de Penha Garcia.
Não foi considerada urgente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alexandre Cabral para realizar o seu aviso previo, annunciado na sessão de 15 de fevereiro, ao Sr. Ministro das Obras Publicas, sobre o estado da viação ordinaria no districto de Braga e concelho de Marco de Canavezes e de Baião.
O Sr. Alexandre Cabral: - Sr. Presidente: concedeu-me V. Exa. a palavra para dirigir ao nobre Ministro das Obras Publicas algumas perguntas sobre o estado da viação no districto de Braga, que tenho a honra de repre-
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sentar nesta Camara, e nos concelhos de Marco de Canavezes e de Baião.
Seria ocioso, e até impertinemente, expor á Camara a influencia da viação no fomento da riqueza do paíz e por isso sem me explanar em theorias por demais conhecidas e comprovadas, entro já no assumpto.
A viação publica no districto de Braga é constituida pela rede ferro-viaria, que se compita da grande arteria chamada linha do Minho, pelo seu ramal da capital do districto e pelas linhas de via reduzida de Guimarães e de Villa Nova de Famalicão á Povoa de Varzim; aviação ordinaria é constituida por cerca de 700 kilometros de estradas reaes e districtos.
Á grande arteria da linha ferrea do Minho foi, a meu ver, erradamente escolhida a directriz, pois segue á beira-mar, quando se devia dirigir pelo centro da provincia, indo até a capital do districto, e d'ahi por Pico de Regalados e Arcos do Valle de Vez a Monção, para entrar em Hespanha. Assim teria a grande conveniencia de atravessar a zona central da provincia, zona que é incontestavelmente a do maior densidade da população do país, tão densa como a das povoações ruraes mais populosas da Europa; e evitava-se o inconveniente, que esta linha apresenta, sob o ponto de vista estrategico, pois indo junta ao mar pode ser facilmente destruida em tempo de guerra. Basta l ou 2 navios para bombardear os comboios que por ali passam.
Os inconvenientes, porem, d'este traçado não podem remediar-se agora, nem eu ousaria pedir ao nobre Ministro, nas circumstancias actuaes do Thesouro, que mandasse construir um caminho de ferro. O que peço é que mande concluír algumas estradas, que são de urgente necessidade, e reparar as existentes.
Essas reparações custaram o anno passado, segundo uma nota que me foi enviada pelo Ministerio das Obras Publicas, apenas 5:383$440 réis. Ora, no districto de Braga, ha, como d'isso, cêrca de 700 kilometros de estrada; e está apurado que a cada kilometro construido deve ser destinada annualmente, para a sua conservação, a verba de 50$000 réis. Sendo assim, é incontestavel que, pelo menos, se deviam ter gasto 30:000$000 réis na conservação dessas estradas, isto numa época normal; mas ellas chegaram a um tal estado de deterioração que, segundo uma requisição feita pela Direcção das Obras Publicas d'aquelle districto, para a reparação d'essas estradas, eram necessarios 110:500$000 réis.
Veja V. Exa., Sr. Presidente, a que estado verdadeiramente lamentavel de destruição chegou a viação publica no districto de Braga!
Estes 110:500$000 réis foram requisitados em agosto do anno passado, pedindo-se que fossem concedidos réis 22:000$000 por anno, durante o prazo de cinco annos; mas, até hoje, não que consta que essa requisição fosse satisfeita.
Posto isto, vou chamar a attenção do nobre Ministro das Obras Publicas para algumas estradas que, segundo me consta, carecem de reparação urgentissima. São ellas, principalmente: a estrada real n.° 3, desde Santiago da Cruz a Famalicão, e mais 2 kilometros no sitio de Palmeira; a estrada real n.º 27, desde Braga até Prado; a entrada real n.° 29, desde Martim a Ferreiros; a estrada real n.º 28, desde a Augusta até ao sitio da Rita; a estrada real n.º 31, na extensão de 4 kilometros, em Villa Boa; e a entrada real n.º 32, na extensão de 3 kilometros, em Lordello, e cerca de 4 na Lameira.
Estas estradas estão num estado verdadeiramente lamentavel e carecem de uma reparação immediata.
Alem d'estas reparações - sabe-o V. Exa. e a Camara, porque por mais de uma vez, em anteriores legislaturas, tem aqui tudo chamada a attenção do Governo para este ponto - é indispensavel concluir a estrada de Braga a Chaves, á qual faltam apenas 25 kilometros. É certo que esses 25 kilometros já não ficam no districto de Braga, mas sim no do Villa Real; no entanto, essa estrada é, actualmente, em assumpto do melhoramentos materiaes, a principal aspiração da cidade de Braga.
Neste districto, segundo me consta, a estrada está concluída, e falta apenas uma pequena verba de alguns contos de mil réis para a conclusão de uma ponto que liga os dois districtos de Braga e Villa Real. Feito isso, a estrada ficará completa naquelle districto, e para a sua conclusão final faltará apenas o troço de 25 kilometros a que me referi, no districto de Villa Real, cuja construcção não deve ser muito cara, porque nesse ponto a directriz segue quasi sempre as eminencias montanhosas do Barroso, onde as expropriações, pela pobreza dos terrenos incultos, deve ser baratissima.
O Sr. Ministro das Obras Publicas, mandando concluir esta estrada, faria um grande beneficio á provincia do Minho e á cidade de Braga, e tambem a grande parte da região transmontana, (Apoiados).
É tambem de urgente necessidade a conclusão da estrada districtal n.° 12, de Covas a S. João do Campo, no concelho de Terras de Bouro. A viação nesse concelho está atrasadissima, as communicações são muito difficeis, e a expropriação deve ser relativamente modica, porque esta estrada, que virá a ser uma arteria internacional, se que em grande parte pelas serranias do Gerez.
É ainda de absoluta necessidade concluir a estrada de serviço para a estação de Caniços, da linha ferrea de Guimarães, para o que faltam apenas 800 metros, devendo, portanto, a despesa a fazer ser insignificante.
A vantagem da construcção d'este ramal é muito grande, não só porque liga uma estação ferroviaria á rede das estradas do districto, mas tambem porque serve uma região onde existo a importante fabrica de fiação e tecidos de Riba de Ave.
Cousa notavel, porem: os trabalhos de construção d'esta estrada, quasi finda, foram abandonados, tendo-se iniciado a abertura de uma e outra que liga com a rede da viação ordinaria o apeadeiro de Lousado, o que parece demonstrar que o Sr. Ministro das Obras Publicas deu mais attenção a esta do que aquella, embora esta traga muito maior despesa por ter cerca de 9 kilometros, e não seja tão necessaria.
Sr. Presidente: na cidade de Braga a media dos carros de toda a especie que ali entram diariamente é de 710, em Barcellos essa media diária é de mais de 600, e em Guimarães de 500.
Só dos carros de bois que entram em Braga, e que pagam a taxa de 20 réis, cobra a camara 3 contos 600 e tantos mil réis por anno.
Por aqui vá a Camara qual é o grande movimento de viação naquella cidade, naquelle districto em geral, o quanto é necessario reparar as estradas que ali existem para que esta viação se possa fazer em boas condições. (Apoiados).
Sr. Presidente: se é certo que quero muito á cidade de Braga, onde passei algum tempo da minha vida e que me honrou com os seus suffragios, não quero menos aos concelhos de Baião e Marco de Canavezes, por isso que sou natural do primeiro, e porque elles em tres anteriores legislaturas me distinguiram com igual prova de confiança.
Por isso declarei no meu aviso previo &o Sr. Ministro das Obras Publicas, que desejava chamar a attenção de S. Exa. para o estado da viação nestes dois concelhos.
No concelho de Baião residiu S. Exa. alguns annos da sua vida, pois que foi engenheiro distinctissimo na construcção do caminho de ferro do Douro, que o atravessa de oeste a leste; e, portanto, conhece como eu o estado miseravel da viação publica naquelles concelhos.
Em Baião, segundo um mappa que me foi enviado pela secretaria d'esta Camara, e que tenho presente, ha apenas construidos 24:626 metros de estradas. E note V. Exa.,
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que, tendo-me sido enviado este mappa ha quatro annos, não tenho modificação alguma a fazer, porque se está ainda nos mesmos 24:626 metros!
Depois d'isso alguns trabalhe se começaram por iniciativa dos Srs. Conselheiros Augusto José da Cunha e Elvino de Brito, mas em extensões pequenas, e que não estão ainda concluidos. São pequenos lanços da estrada real n.° 34, do ramal da mesma estrada para a estação de Arêgos, da estrada districtal n.° 81, que ha de ligar a estação do Mosteiro com a sede da comarca, e do ramal da estrada real n.° 34 para a estação da Ermida.
Mas, desde que o actual e nobre Ministro das Obras Publicas tomou conta da sua pasta, não mais se trabalhou naquellas estradas. Tenho aqui uma nota official em que se diz, que, no anno passado de 1901, se gastou na construcção de estradas em Baião 1:828$562 réis. Pois posso assegurar a V. Exa. que isto não é exacto, quero dizer: foi paga esta despesa no anno passado, mas os trabalhos é que tiveram logar anteriormente, pois que ha mais de um anno que todos estão suspensos.
Na gerencia do Sr. Ministro das Obras Publicas, as obras naquelle concelho pararam por completo.
Ora S. Exa. melhor que os seus antecessores, conhece a necessidade urgente e inadiavel de construir vias de communicação naquella região.
O concelho de Baião tem tres estações do caminho de ferro do Douro e um apeadeiro. O apeadeiro, ha cêrca do 14 annos que é servido por uma estrada, mas as estações nenhuma a tem ainda!
Alem da commodidade que essas estradas dariam aos povos da região que atravessassem, fariam augmentar extraordinariamente, quando feitas, o rendimento do caminho de ferro do Douro, que é do Estado, porque os velhos caminhos por onde actualmente as mercadorias são conduzidas ás estações estão verdadeiramente intransitaveis, não se pode passar ali senão a pé, e com grandissima difficuldade lá vae um ou outro carro de bois.
Isso faz com que os productos d'aquelle concelho, que, ficando na transição da provincia do Minho para a região duriense, é proprio para muitas e variadas culturas, e todos os generos agricolas ali se dão muito bem, não podem ser exportados. Feitas essas estradas, é evidente, que o rendimento do caminho de ferro do Douro cresceria extraordinariamente.
Ha, como disse, em todo o concelho de Baião apenas 24:626 metros de estradas já construidos; mas é de notar que d'esse numero fazem parte 8:330 metros da estrada real n.° 27, que atravessa o concelho na região mais despovoada, através de montanhas dos contrafortes da serra do Marão, e que é a mais antiga do país, pois foi construida ahi por 1800 pela Companhia dos Vinhos do Alto Douro, e depois, mais modernamente, aperfeiçoada pelo novo systema de macadam.
Essa estrada está hoje em condições de tal ordem, que não se faz por ella viação.
Foi tão mal dirigido o seu traçado que as antigas diligencias só ali podiam passar puxadas a bois.
Desde que foi aberta á exploração até á Regua a linha ferrea do Douro e que aquella estrada deixou de ter transito de carruagens, caiu em tal estado de ruina, que é facil ver-se hoje, no leito da estrada, enormes penedos a descoberto. Nestas condições, quasi que podemos descontar este lanço da estrada real n.° 27, ficando, portanto, a viação ordinaria do concelho reduzida á miseria de 16 Kilometros de estradas, e estes ainda repartidos em varios troços, como é o ramal do apeadeiro da Palla, um lanço da estrada real n.° 34 e outro da estrada districtal n.° 81, que estão separados uns dos outros e, assim, são de pouca commodidade para os povos.
Alem d'isso, a sede da comarca de Baião, é a unica do districto do Porto que não tem estrada completa para lá, por isso que a estrada real n.° 34, cuja ligação com a districtal n.º 81 serve a villa do Campello, no percurso de cerca de 2 kilometros não está ainda empedrada. Com certeza, no districto, não ha outra sede de comarca nestas condições, e em todo o país, haverá, talvez, apenas a villa de Montalegre, a cidade de Miranda, e... creio que mais nenhuma.
Peço, portanto, ao nobre Ministro das Obras Publicas, que dirija a sua attenção para o estado de viação naquelle concelho, mandando prosseguir as obras dos ramaes das estagies, de Aregos e da Ermida, da estrada districtal n.° 81, que liga a sede da comarca com a estação de Mosteiro, e que faça concluir a estrada real n.° 34, que, seguindo parallelamente ao Douro e á linha ferrea, será a grande arteria de onde sairão as communicações com as estações do Caminho de Ferro do Estado. (Apoiados).
E por ora não peço mais, porque não desconheço que as circunstancias do Thesouro o não permittem.
Lembrarei, todavia, a estada districtal n.° 82 que, seguindo em dois braços pelas margens fertilissimas do rio Ovil, ha de ligar a sede da comarca com a estrada real n.° 27.
No concelho de Marco de Canavezes não são tão más as condições da viação ordinaria. Aquelle concelho tinha já construidos em 1898 54:756 metros de estradas reaes e districtaes, e alguns kilometros se concluiram depois.
É certo que não é muito, attendendo á importancia commercial e agricola do concelho e á grande vastidão da sua area; todavia, é de justiça confessar que está em melhores condições. Ainda assim, chamo a attenção de S. Exa. para a conclusão do lanço da estrada real n.° 34, entre a Picota e os Encamballados, onde pouco resta para ficar completa dentro d'este concelho; parada da estrada districtal que liga a estação do caminho de ferro da Livração com a referida estrada n.° 34; e para a que váe da estação de Marco de Canavezes a Padronello e a Campello, seguindo o primeiro braço pelo fertil valle do Ovelha até á estrada real n.° 33, e estabelecendo o segundo uma ligação directa da sede do concelho de Marco com a do de Baião, que teem entre si estreitas relações de toda a ordem.
Não canso mais a attenção da Camara com este assumpto que é de Interesse local, mas muito importante para aquellas regiões (Apoiados), não só do districto que hoje represento, mas tambem dos dois concelhos que já tive a honra de representar nesta casa do Parlamento.
Peço ao nobre Ministro que não deixe escoar as verbas do orçamento simplesmente para o pessoal que se está constantemente a multiplicar.
No districto de Braga, segundo um documento que me foi enviado, a despesa com o pessoal da Direcção das Obras Publicas no anno passado foi de 21:567$240 réis e a despesa com a reparação de estradas foi apenas de 5:583$440 réis, o que representa apenas cerca da quarta parte da importancia gasta com o pessoal da Direcção.
Já, quando se discutiu o orçamento do Ministerio do Reino, tive occasião de expor á Camara a minha opinião a esto respeito. Parece-me que o funccionalismo deve ser remunerado convenientemente, mas deve tambem ser menos numeroso (Apoiados). O que se poupasse com a diminuição do funccionalismo inutil, podia-se applicar para o fomento da riqueza publica. Seria mais justo e mais proveitoso para o país. (Apoiados).
Peço ao Sr. Ministro das Obras Publicas que dedique a sua attenção a este ponto e olhe um pouco misericordiosamente para o estado lamentavel em que se encontra a viação, quer no districto de Braga, nas estradas que tive a honra de apontar, quer nos concelhos de Marco de Canavezes e Baião; e pergunto-lhe se acha razoaveis as minhas considerações, e, em tal caso, está disposto a mandar reparar e concluir os lanços que indiquei.
Vozes: - Muito bem.
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O Sr. Ministro das Obras Publicas (Manuel Francisco de [...]): - o Sr. Deputado Alexandre Cabral, [...] do Governo para o estado em que se encontra a viação no districto de Braga o nos concelhos de Marco de Canavezes e de Baião, terminou por indicar a necessidade de se reduzir, quanto possivel, o pessoal de obras publicas, pagando lhe bem, mas reduzindo-o no numero estrictamente necessario.
Eu folguei [...] que S. Exa. fizesse ao Governo uma indicação de tal ordem, porque essa indicação não é senão a realização de tudo quanto eu tenho feito, desde que entrei no Ministerio das Obras Publicas.
Como S. Exa. sabe, muito embora houvesse um quadro de engenheria, as portas falsas por onde entravam os engenheiros para o Ministerio das Obras Publicas eram [...]. De sorte que, como eu já tive aqui occasião de dizer, tendo a reforma do Sr. Emygdio Navarro, em 1886, estabelecido que para o quadro de engenheiros ao só se entraria por concurso, em 1892, quando o Sr. Pedro Victor fez a sua reforma, encontravam se 16 engenheiros no serviço do Ministerio das Obras Publicas que para lá tinham entrado [...] o concurso. A reforma do Sr. Pedro Victor, em 1892, estabelecia, igualmente, que não se podia entrar para o serviço do Ministgerio das Obras Publicas sem [...]; no entanto, em 1898, tendo o Sr. Elvino de Brito publicado tambem uma reforma, deu ingresso no quadro das obras publicas a 19 engenheiros, que tinham entrado para ali, não se sabe bem como, nesse intervallo de tempo. A reforma que eu fiz, em 31 de outubro de 1901, acabou por completo com isto. E emquanto esta reforma vigorar, é completamente impossivel que alguem entre para o serviço do Minisitério das Obras Publicas senão pela porta principal, isto é, ninguem pode entrar para o quadro, sem ter sido classificado no fim dos proparatorios, quer da Escola Polytechnica, quer da Universidade ou da Academia Polytechnica do Porto, e ter feito o seu concurso como empregado publico. Não pode haver abusos, e o Parlamento e o país facilmente fiscalizarão todos os actos do Ministerio.
Se qualquer engenheiro for contratado, ou de qualquer maneira entrar para o Ministerio das Obras Publicas, o que nunca poderá é pertencer no quadro de engenharia. O que fiz para os engenheiros, fiz para os conductores. Os apontadores eram em numero illimitado. Pela organização de serviços que encontrei, ao entrar para o Ministerio, os apontadores consideravam-se jornaleiros, e como tal so seu numero era illimitado e simplesmente determinado pelas necessidades do serviço, podendo, no entanto, ser dispensados os referidos funccionarios quando cessassem essas necessidades. Dada, porem, a brandura dos nosos costumes, individuo que entrava uma vez para apontador, nunca mais safa. E o resultado era que havia, e ha ainda, um numero de apontadores muito superior ás necessidades do serviço.
Eu cortei esse abuso: limitei o numero de apontadores a 400, e, portanto, hoje para se nomear um individuo apontador, necessariamente se ha de cometter um abuso, que, facilmente, o Parlamento pode fiscalizar. O que fiz para os apontadores, fiz para os escreventes, para os ferramenteiros e para indo o pessoal do Ministerio das Obras Publicas. O modo de vêr do illustre Deputado, que formulava como um desejo, é, por consequencia, já uma realidade, devido dos meus esforços. (Apoiados).
Eu estou de acordo com S. Exa. em que se torna necessario pagar bem ao funcionalismo. E é preciso que se diga isto ao país em vez de se estar aqui a prégar a guerra [...] aos funcionarios. Eu, que não sou funcionario do Estado, nem espero sê-lo, sou insuspeito dizendo isto.
É necessario que se [...] bem aos empregados publicos, se querendo ter bons funcionarios. Mas o que é indispensavel é que se limite o numero ao estrictamente necessario. E digo isto com tanto mais desassombro, quanto é certo que não sou empregado publico, nem conto vir a sê lo como já afirmei.
O primeiro ponto a que S. Exa. se referiu, foi o do pessimo traçado do caminho de ferro do Minho. O traçado do caminho do ferro não é o que devia ser.
Effectivamente não se faz um caminho de ferro á beira mar. Acho que S. Exa. tem razão, mas o principal culpado d'esse erro não foi o Governo; o Governo só teve um crime nessa occasião: foi a fraqueza, que um geral é o crime de todos os Governos.
Braga vendo que perdia toda a sua importancia quis ser estação terminus o não de passagem, julgando que assim ficava melhor servida; mas enganou-se, e hoje está arrependida. E S. Exa. cabo isto muito bem, porque já foi magistrado superior d'aquelle districto.
Um caminho de ferro para dar o resultado que se póde esperar de um melhoramento d'esta ordem, deve atravessar o centro das populações, servir as regiões que ficam de um e do outro lado do rio.
O Sr. Presidente: - Faltam 5 minutos para se entrar na ordem do dia.
O Orador: - Vou concluir o mais rapidamente possivel.
O outro assumpto a que S. Exa. se referiu o que em relevo, foi no mau estado em que se encontram as estradas do districto de Braga.
Todavia S. Exa. não dispõe dos elementos que eu disponho e por isso direi a S. Exa. com franqueza e sinceridade, apesar do S. Exa. ter pintado o quadro com as mais tintas cores, elle é na realidade muito peor do que S. Exa. disse.
O districto de Braga tem actualmente 938 kilometros de estrada, mas d'esses 938 kilometros estão em pessimo estado e exigem reparação 122.
Sabe V. Exa. emquanto estão orçadas as despesas de grandes reparações no districto de Braga? Em 106:000$000 réis, quer dizer, é de mais de 900$000 réis para cada kilometro a despesa que é necessario fazer, para que estes 122 kilometros estejam em bom estado de conservação.
Veja V. Exa. o estado miserando a que estas estradas chegaram. Isto foi uma fatalidade do que não tenho culpa alguma, e do que não attribuo a culpa a nenhum da Ministros que mo antecederam, mas a quem, imaginando que o não gastar dinheiro é uma regra economica, lavou o nosso país a este desgraçado estado de cousas, para acudir ao qual se torna necessaria uma quantia que anda por 1.800:000$000 réis.
Eu já tive occasião de dizer nesta Camara que, por motivos economicos, e financeiros, me não parecia conveniente que todos estou trabalhos de grandes reparações fossem emprehendidos ao mesmo tempo.
V. Exa. sabe muito bem que o país é pequeno o que tem poucos recursos, tanto em capitaes como em trabalhadores, e que lançar ao mesmo tempo para um districto quantias relativamente importantes e executar tantas obras póde dar em resultado uma crise do trabalho que affecto a agricultura e a industria.
O meu plano pois, que aliás não tenciono realizar porque com certeza já não serei Ministro nessa occasião, é fazer as grandes reparações de estradas no periodo de 3 annos, gastando 600:000$000 réis em cada anno.
Ao districto do Braga tenho eu destinada este anno, visto que são necessarios 106:000$000 réis, a quantia, do 34:000$000 réis, e todas as estradss a que o illustre Deputado se referiu, posso assegurar a S. Exa., todas serão contempladas com quantias de certo vulto.
Chamou S. Exa. a minha attenção, não para a repartição, mas para a construcção de differentes estradas no districto de Braga, e referiu-se, se a memoria não me falha, á estrada de Braga a Chaves, á estrada n.º 12 para Chaves e S. João do Campo e á estrada de serviço na estação de Caniços, na linha ferrea de Guimarães.
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Posso assegurar ao illustre Deputado, e isso prova a imparcialidade com que tenho sempre procurado gerir a pasta que me foi confiada, que antes mesmo de saber o que S. Exa. tencionava dizer a este respeito, e posso provar-lhe pelo mappa que tenho presente, me tinha occupado da estrada districtal n.° 12 de Braga a Chaves, e á ponte sobre o rio Ave que são as unicas que estão em construcção. Tenciono no futuro anno economico dotá-las com quantias sufficientes para serem concluidas.
Quanto á estrada districtal n.° 10, tambem tenciono concluir os trabalhos este anno. A estrada n.° 19, á estação de Caniços, igualmente conto que ficará acabada este anno.
Já disse uma vez e torno a repetir, por que desejo isto fique bem accentuado: para mim, não da estradas politicas: não ha senão estradas nacionaes. (Apoiados).
Só procuro proceder com acerto, e attender ás necessidades publicas.
Referiu-se S. Exa. tambem ás estradas do concelho de Baião, e de Marco de Canavezes, queixando-se de serem pessimas.
S. Exa. tem muitissima razão em tudo quanto disse. Fui ha perto de trinta, annos, pela primeira vez, ao concelho de Baião, e já então, se falava na estrada real n.° 34. Pois hoje, ainda essa estrada não passou as fronteiras de Baião!
Tenciono mandar estudar uma variante d'essa estrada, por forma que, tornejando o Teixeira, entre por Mesão Frio. Creio que esta variante, será de mais conveniencia para aquellas regiões, do que qualquer outro plano. Do que o illustre Deputado d'isso, com respeito a este ponto, poderá alguem concluir que me tenho esquecido do estado da viação em Baião, durante a minha gerencia.
Conservo d'esse concelho as mais gratas recordações. E por ser amigo de Baião, é que eu entendi que, determinar-lhe uma pequena verba, era atirar dinheiro á rua, por que as obras de estradas naquelle concelho são muito caras, e 500$000 ou 600$000 réis para nada serviriam.
Agora estou resolvido a dar maior impulso a esses trabalhos, e fazer a ligação das povoações, com as estações dos caminhos de ferro.
Se essa ligação é actualmente pessima com respeito a Aregos, com referencia a Ermida, permitta-me S. Exa. dizer, que essa então, é ainda muitissimo peor. A estação, da Ermida torna-se impossivel chegar qualquer meio de transporte. Basta dizer, que o vinho vae para ali em canecos, e a lenha á cabeça, etc., etc.
Repito, creia V. Exa., affirmo-o ao Parlamento: tenho-me occupado da questão de viação. O anno passado, como me dois a alma, de se estar a gastar o dinheiro inutilmente, pedi a verba insignificante de 400:000$000 réis, para ir preparando o trabalho que se estava fazendo, e no fim d'esse anno tomei todas as providencias a fim de preparar o pessoal necessario para emprehender as obras. Organizei os quadros, augmentando os vencimentos ao pessoal, embora não tanto, como devia, tendo actualmente um quadro preparado.
Agora pedi a quantia de 1.600:000$000 réis, que o Parlamento, votou.
Com pessoal, dinheiro e boa vontade que, creio, não faltará a quem vier occupar esta cadeira depois de mim, alguma cousa se poderá fazer.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
(S. Exa. não reviu).
O Sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia. Os Srs. Deputados que tiverem papeis a enviar para a mesa, podem fazê-lo.
O Sr. Pereira dos Santos: - Mando para a mesa um projecto de lei, que eleva a 1/2 por cento, sobre o valor de todas as mercadorias, a taxa do imposto, criado por lei de 12 de abril de 1876, para subsidio á Companhia de Reboques Maritimos e Fluviaes da cidade da Figueira da Foz.
Ficou para segunda leitura.
O Sr. Lourenço Cayolla: - Mando para a mesa um projecto de lei contando ao coronel de artilharia, Joaquim Carlos, Paiva de Andrade, para os effeitos da reforma, o tempo decorrido de l de agosto de 1879 a 31 de janeiro de 1884, o que vae de 12 de setembro de 1892 até ao presente.
Ficou para segunda leitura.
O Sr. Mendes Leal: - Mando para a mesa um parecer sobre a renovação de iniciativa n.° 5-M do projecto n.° 80-B de 1901, que releva a administração da Misericordia de Villa Viçosa nos annos economicos de 1884-1891 e bem assim dos annos economicos de 1891-1894, das responsabilidades que lhes caiba, pelas suas gerencias; e que lhes foram impostas por accordão do Tribunal Administrativo do districto de Evora, de 28 de março de 1892.
Foi a imprimir.
O Sr. Mario Monteiro: - Mando para a mesa uma proposta de renovação de iniciativa do projecto de lei apresentado em 7 de fevereiro de 1899 pelo Sr. Deputado Eusebio Nunes, auctorizando o Governo a declarar sem effeito a concessão feita á Santa Casa da Misericordia de Elvas, pela carta de lei de 21 de maio de 1896, do edificio do extincto convento das freiras de S. Domingos da mesma cidade.
Ficou para segunda leitura.
O Sr. Conde de Penha Garcia: - Apresento uma representação da Camara Municipal de Belmonte.
Vae por extracto no fim da sessão.
O Sr. Pereira de Lima: - Mando para mesa uma representação dos corpos gerentes da Associação da Classe Commercial do Beato e Olivaes.
Vae por extracto no fim da sessão.
ORDEM DO DIA
Continuação da discussão do projecto de lei n.º 35 que estabelece um novo regime administrativo, aduaneiro e fiscal das bebidas alcoolicas destinadas nas provincias portuguesas de Africa
O Sr. Anselmo Vieira: - Sr. Presidente: vae já amortecida, quasi extincta, a discussão do projecto de lei que o illustre Ministro da Marinha trouxe ao Parlamento com o fim de regular a entrada dos vinhos nas possessões portuguesas de Africa, e reprimir ali, quanto ser possa, o abuso das bebidas alcoolicas. Comprehendo, e sinto-o, que a Camara comece a estar fatigada pelo prolongamento d'este debate, em que se tem envolvido, porque com o assumpto em discussão ella se prende, a chamada crise vinicola, que atormenta e angustia os nossos agricultores.
Justifica-se, a rigor, que já se sintam aqui os primeiros symptomas do enfado, quando tão ampla controversia se tem travado a proposito d'este projecto de lei. Certamente a Camara ha de ficar totalmente fatigada, exhausta, depois das singelissimas considerações que vou fazer, e que me foram sugeridas pelos dois ultimos illustres Deputados, que por parte da opposição entraram no debate, os Srs. Francisco José Machado e Paulo de Barros. Antevejo de quanto aborrecimento se sentirá possuida a Camara ao terminar eu as minhas desvaliosas ponderações. (Vozes: - Não apoiado).
Todavia, dispensada que me seja um pouco de benevolencia, não pelo valor pessoal de quem fala, mas pela intenção que envolvem as minhas palavras, espero, Sr. Presidente, poder oppor algumas objecções aos argumentos que os dois illustres Deputados, a que me referi, aqui produziram. Se S. Exas. não dessem aos seus discursos a orientação de analysarem conjuntamente com este projecto de lei, o estado geral da nossa producção o commercio de vinhos, eu pouco teria que dizer agora; mas, desde que
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os illustres Deputados entenderam dever seguir aquelle caminhos, as minhas considerações dimanam muito naturalmente do termo em que foi posta a quentão. (Apoiados).
E antes de proseguir, não occultarei a satisfação que me tem causado a forma por que este projecto de lei tem sido discutido.
Vê-se que mudamos de orientação. Arredámos para longe os derelictos processos de discutir tudo á luz do criterio politico, para subirmos a regiões mais altas, onde os grandes problemas, encarando-se na sua formula enunciativa, soffrem apenas a critica a imparcial, resultante do commum esforço, que todos empregamos lealmente, para lhes dar a melhor solução.
Honra á minoria progressista, que por tal forma se nobilita, nobilitando tambem o Parlamento. (Apoiados). Discutir assumptos de tanta gravidade ao calor de qualquer paixão, é falsear o criterio, é irritar e vulcanizar paixões. (Apoiados). Ao invés, diligenciar no remanso do estudo aperfeiçoar uma obra, procurando-lhe defeitos e faltas, para propor emendas e correcções, é a elevada, a nobilissima funcção de todos quantos, trazidos á vida publica e ao scenario da politica, aqui teem voz ao serviço de um cerebro que pensa, e um cerebro pensando ao serviço do país. (Apoiados). É assim ajustados que nos impomos todos, como nos, cumpre, a defensão da mesma causa.
Se é certo, Sr. Presidente, que os aperfeiçoamentos sociaes não evolutivos, e que toda a obra grande cresce lenta e graduada, como os seres mais complexos e mais duradoiros da natureza, tambem não é menos certo que esses aperfeiçoamentos nunca se realizam, desorganizando hoje o que se organizou hontem. Ora o maximo inconveniente de envolver a paixão partidaria no debate dos graves problemas que interessam á economia geral do país, está precisamente em que essa paixão arrasta os chefes politicos a condemnar a obra dos adversarios, sem a discutirem, e conseguintemente a assumir o compromisso de a aniquilacem, logo que lhes seja dado fazê-lo. (Apoiados).
Temo sido este um dos nossos grandes males, porque tem sido causa de desorganização de muitos serviços. (Apoiados). Creio que chegou, emfim, o momento de nos arrependermos d'esse tempo, que bom será não volte mais.
E agora eu deveria felicitar o nobre Ministro da Marinha pela sua proposta de lei. Julgo, porem, ocioso fazê-lo. Quando um côro unanime de applausos irrompe do campo dos adversarios, a nós, que pelo espirito de partidarismo poderiamos ser inquinados de suspeitos, porque maioria e Governo ligam-se por vinculos politicos, só nos cumpre curvarmo-nos respeitosos perante essa fidalga affirmação de justiça. (Apoiados). Tambem o partido regenerador não soube ainda esquecer, nem procurou jamais ensombrá-la, a rasgada iniciativa do ultimo Ministro da Marinha do partido progressista, o Sr. Conselheiro Eduardo Villaça. (Apoiados). Teve o Sr. Villaça um plano sobre administração colonial, estudado e reflectido. Pode dissentir-se, e eu dissinto, de alguns pormenores, mas não se pode, sem se ter injusto, deixar de confessar o merito e valor do trabalho do Sr. Conselheiro Villaça. (Apoiados).
E dito isto, como preambulo, vejamos, Sr. Presidente, com quanta injustiça aqui foi atacado o Governo actual pois inanidade de seus esforços para debelar a crise vinicola. A crise vinicola, mais do que o projecto de lei em discussão, se referiu largamente o meu particular amigo Sr. Francisco José Machado, e foi S. Exa. sobremodo injusto em muitas affirmações do seu bello discurso. A crise vinicola, mais do que o presente projecto de lei, foi amplamente apreciada pelo illustre engenheiro Sr. Paulo de Barros, que me antecedeu no uso da palavra. Cumprimento esses dois valiosos oradores da opposição pelos seus discursos.
Com efeito, temos a crise vinicola, ou, com mais exactidão, temos um excesso de producção de vinho, para o qual não encontramos mercados. Estamos exactamente nas mesmas circumstancias, em que se encontra a França, a Italia, a Hespanha, a Hungria, e de um modo geral, pode dizer-se, toda a região peri-mediterranca: excesso de producção, falta de mercados. (Apoiados). Mas este mal é insanavel, não se lhe pode procurar remedio?
Por ora a situação não é irreductivel; o mal ainda tem remedio. Ámanhã pode ser tarde de mais, e o que hoje se nos apresenta apenas com os prenuncios de uma crise, pode ámanhã estadear-se com todos os epilecticos movimentos de uma convulsão economica, se não de uma inquietadora perturbação social.
É por isto que não duvido applaudir o Governo, que pôs em equação os termos do problema, e procura resol-vê-lo dentro dos limites do possivel. O presente projecto de lei representa uma parte da solução que se pode dar á nossa crise vinicola (Apoiados), e sobre este ponto todos estamos de accordo, creio eu. Ainda por outras formas se pode auxiliar o nosso commercio de vinhos, e para o conseguir trabalha o Governo com afinco, que não deixa de estudar com solicitude tão momentoso assumpto.
Eu sei que, a proposito da crise vinicola, se espreguiçam por ahi uns clamores contra a proposta de lei do illustre Ministro das Obras Publicas, prohibindo, em determinadas condições, a continuação do plantio de vinha. Eu ouço, por entre as inercias dos que por habito procuram combater todas as idéas com as mais vulgares theorias, invocar razões que emergem do principio da liberdade economica e do direito de propriedade, para fulminarem o Governo actual, que assim conculca com soberano desprezo sacratissimos direitos individuaes, tão intangiveis, que até economistas e sociologos fervorosos na defensão de taes direitos chegaram ao ponto de os incluir na esphera dos direitos naturaes.
Levantou aqui, no seio do Parlamento, esses protestos o illustre Deputado Sr. Tenente-Coronel Machado, e foi S. Exa. quem com inteira verdade scientifica enunciou o principio de que os phenomenos economicos se resolvem naturalmente pela sua propria evolução, e que a lei da concorrencia basta para determinar um certo estadio economico em determinada epoca social e em dada phase da producção.
Com effeito assim é, e eu não repugno a acceitação d'esse principio, em theoria. O excesso da plantação de vinha determinaria a suspensão, quando o viticultor visse que não colhia lucro remunerador do seu trabalho e dos capitaes confiados á cultura. A these é verdadeira, não tenho duvida em o confessar, concordando neste ponto com o illustre Deputado da opposição. A pratica, porem, dá-nos ensinamento em contrario.
No regime em que nos lançamos de exigir tudo do Governo; neste quasi socialismo collectivista, em que naturalmente fomos caindo, e que tem como principal consequencia impor ás responsabilidades do Estado os erros que a iniciativa individual pratica no uso plenissimo do seu direito de liberdade, é dever do Governo, qualquer que elle seja, precaver-se, para que sejam o mais attenuadas possivel as responsabilidades que á força lhe querem impor. (Apoiados). É d'esta arte que os Governos são compellidos a interferir na marcha dos phenomenos economicos.
Realmente, o Governo nada teria que ver se o proprietario de terras planta vinha, ou semeia trigo, se por seu turno o proprietario não fosse reclamar do Governo remedio aos males que só a ancia do lucro criou, e que a mais ampla liberdade produziu. O Estado tem alem d'isto uma funcção reguladora, de que não pode desonerar-se, sem incorrer nos perigos que importam os grandes desequilibrios economicos.
Pois não appareceram já nos jornaes os primeiros annuncios, de que os proprietarios de vinhas se preparavam para pedir ao Governo a suspensão de pagamento da contribuição predial com o fundamento de que, não encontrando elles collocação para o vinho, não teem rendimento para pagarem os impostos? E porque motivo ha de o Go
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verno dispensar o pagamento d'essa contribuição, quando nenhum acto do poder executivo, absolutamente nenhum, compelliu os agrarios a plantarem vinho a rodo, a esmo, em toda a parte? (Apoiados). Nenhum, é preciso affirmá-lo claramente; nem uma lei de excepção, que favorecesse a plantação da vinha, e á sombra da qual só enchessem de vinhas os nossos campos.
E vem agora de molde refutar terminantemente a asserção do Sr. Tenente-Coronel Machado, de que o Governo regenerador é o unico culpado da plethora de vinho. S. Exa. leu aquella passagem do parecer da Junta Consultiva do Ultramar, em que se affirma phantasticamente que Portugal poderia ter uma exportação de vinho no valor de 75:000:000$000 réis, e de que pelo menos dois terços d'esta importancia poderiam vir-nos do commercio com a Africa. Verberou S. Exa. esta heresia economica, e neste ponto eu acompanho o illustre Deputado.
Não o acompanho, porem, nas considerações com que entendeu dever censurar o Governo pelas asserções do parecer e pela publicação d'esse documento no Boletim da Camara de Commercio e Industria de Lisboa. O Governo não é responsavel pelas opiniões das corporações consultivas, a que se dirige, como o não é tambem pela edição de teas opiniões em quaesquer boletins, embora pertençam a collectividades muito respeitaveis e importantes, semi-officiaes, como por exemplo a Camara de Commercio e Industria de Lisboa. (Apoiados).
O illustre Deputado, porem, não leu todos os documentos publicados nesse numero do Boletim da Camara de Commercio, porque, se os lesse, veria que nesse mesmo exemplar é desmentida categoricamente a illusoria visão de chegarmos a exportar um total de 75.000:000$000 réis de vinho, dois terços com destino á Africa. Permitta-me o meu amigo Sr. Francisco José Machado que eu leia um periodo do parecer da Camara de Commercio e Industria de Lisboa, que, entre outros, desfaz esse sonho. Dizia aquella respeitavel corporação:
«Concorda plenamente esta Camara cora a digna Junta Consultiva do Ultramar sobre serem os mercados das nossas colonias africanas um vasto emporio, florescente e rico, mas não pode acompanhar a Junta na esperança de que em futuro proximo ou remoto os mercados africanos absorvam mais de 16.000:000 hectolitros de vinho produzido no reino. Esta perspectiva de consumo é, attendendo á densidade e aos habitos da população, um puro sonho, que julgamos menos prudente provocar ao agricultor indigena, sob pena de o arriscar a achar-se em breve tão afflicto pela crise de abundancia, como ao presente se incommoda pela de escassez ».
Ora, como vê o illustre Deputado, a Camara de Commercio não só desfez essa utopia, mas fui mais longe: predisse o que aconteceria com a crise da abundancia, se não houvesse um travão ao delirio da plantação da vinha. (Apoiadas). Portanto, se o Governo tivesse culpas, que as não tem, na publicação d'esse parecer (Apoiados), tambem se lhe deveria reconhecer que mereceria louvores pelo desmentido que conjuntamente foi publicado.
A verdade, todavia, é que o Governo não tem as responsabilidades que o meu illustre adversario quis imputar-lhe, e não ha motivo algum que justifique os taes pedidos que já vimos annunciados, como disse, para a dispensa do pagamento da, contribuição predial. O peor é que do pedido passa-se facilmente, no meio do tumultuar das paixões politicas, á ameaça, á da ameaça á perturbação social pouco vae. Em tal conjuntura cumpre ao Governo interferir (Apoiados), e não é licito impor-lhe a resolução de um problema, dando-lhe num dos termos da equação uma indeterminada.
Se ha quatro ou cinco annos se tivesse regulamentado a producção da -industria em Portugal, por forma a tornar a producção compativel com os unicos mercados que podem consumir os nossos productos, hoje não seria por certo tão afflictiva a situação d'aquelles que menos avisadamente confiaram capital ás explorações industriaes, e o país não estaria sob a ameaça de uma perturbação social, que tem de dar-se dentro de pouco tempo. Por ora apenas as companhias deixaram de distribuir dividendos; mas ámanhã as fabricas hão de necessariamente despedir os operarios, e a crise social surgirá fatalmente. Tudo isso não succederia, se com criterio se tivesse regulado a industria. (Apoiados).
Procedendo-se assim, commettia-se um attentado contra a liberdade? Mas o que é essa liberdade que, com tão absoluto caracter querem apresentar e defender os paladinos da sua integridade? Bastará somente a liberdade individual a assegurar a harmonia collectiva, ou não será preciso, para que essa harmonia se estabeleça, que não haja grandes desigualdades entre os individuos, e que as suas condições, sem serem geometricamente equivalentes, não sejam tão profundamente diversas, que todo o equilibrio se torne impossivel?
É aqui que tem de entrar a funcção do Estado, como elemento ponderador (Apoiados); é aqui que se torna necessario regular a producção.
Não ha hoje centro algum de grande producção industrial ou agricola, onde não se estejam manifestando as inquietadoras consequencias da liberdade economica, e onde, sob diversas formas e variados processos, não se trabalhe por se Corrigirem os males economicos, sociaes e até hygienicos, que tem produzido a liberdade desenfreada. - Por toda a parte só procura corrigir a situação perturbadora que tem causado essa liberdade desregrada, quer pela acção directa dos Governos, intervindo nos conflictos economicos, quer pela iniciativa particular, constituindo-se os homens em grandes organizações com o fim de regularem a producção. E perante a evidencia da necessidade de tal procedimento curvam-se até os optimistas, que apregoavam que a propria liberdade curaria, os vicios que originava, porque conduziria fatalmente á harmonia social. Os factos desmentem brutalmente semelhante criterio, e cada vez mais se impõem uma theoria e uma politica restrictivas. (Apoiados).
Eu respeito muito a opinião do meu amigo Sr. Francisco Machado, como respeito a de todos que sinceramente enfileiram no exercito dos defensores dos principios, que os physiocratas proclamaram - Adam Smith á frente - para desapressarem a actividade humana das cadeias que a algemavam em plena idade media, quando enormes restricções entravavam todas as faces da actividade individual. S. Exa. está em muito boa companhia na defensão do principio de que o jogo livre das forças economicas pode assegurar automaticamente a harmonia social. Acompanha-o ferrara, que na Italia leva as suas theorias até o ponto de pretender a redacção das funcções do Estado ao minimo possivel, chegando a negar-se a reconhecer-lhe o direito exclusivo de cunhar moeda; acompanha-o Molinari, o decano dos economistas franceses, que chega ao extremo de pretender que o Estado nem da policia da sociedade se deveria encarregar, porque aos proprietarios cumpre incumbirem-se o cuidado de escolherem quem guarde seus haveres. Respeito e acato tão eminentes homens de sciencia, mas não posso acompanhá-los em manifestações tão caracteristicamente individualistas, que o espirito da nossa época e as necessidades da nossa civilização cada vez mais desmentem. (Apoiados).
E desmente-as a propria natureza. A socialização, ou melhor, o agrupamento de homens, de capitães e de forças, com o intuito de concentrarem energias para melhor resistirem ao mal e conquistarem um beneficio, é um phenomeno natural. A idéa da associação está em toda a parte, e basta a idéa da associação, para excluir a priori a these da liberdade individual illimitada.
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A. associação ensina a a propria natureza nos animaes que se reunem espontaneamente, para se asseguararem as subsistencias, e resistirem aos inimigos exteriores; ensinam-se as primitivas sociedades humanas - clans, tribus - em todos os tempos e em iodou os logares. A associação vemo-la na biologia, formando do agrupamento de cellulas o organismo, e vemo-la na sociologia, que nos dá, como base da sociedade, a familia, que é o prototypo da associação, e que é por seu turno a cellula das tribus, cujo aggregado forma na nações. (Vozes: - Muito bem). Por vozes estes agrupamentos quebram-se por uma força exterior ou por uma luta intestina, mas breve voltam á sua forma propria, determinada pela natureza ou pelo interesse.
Ora, os agrupamentos sociaes, nos modernos Estados, quebraram-se ao impulso da philosophia do seculo XVIII e aos embutia violentos da revolução francesa. D'ahi a origem do individualismo, que dá na ordem politica, levado ao extremo, o socialismo libertario ou o anarchismo, e na ordem economica os grandes desequilibrios, as intensas crises, que observamos por toda a parte. A corrente das sociedades modernas, tanto na esphera politica, como nas relações economicas, é precisamente em sentido opposto; isto
e, contraria aos excessos do individualismo, e de mais em mais determinante da associação de homens e de capitaes, para a satisfação das novas condições da luta pela vida.
Eis a causa logica e natural do trust nos Estados Unidos da America do Norte, do Kartell na Allemanha, do comptoir ou syndicato em França, das associações cooperativas de producção e consumo na Hungria. Taes corporações emergem de circumstancias inelutaveis, criadas pela imprevista grandeza que a industria attingiu, desde, que ao seu serviço foram postas successivamente as maravilhosa, descoberias da sciencia. (Apoiados). Podem combatê-las tenazmente os puritanos dos grandes principios economicos, mas ellas vingam, porque correspondem ao fim de substituir uma producção anarchica e tumultuaria, por uma producção regulada e methodica.
Assim na America o trust a principio é perseguido pelas leis federaes, execrado pelos mais lidimos apostolos da sciencia economica; mas o trust cresce, corporiza-se, avigora-se, triumpha, como adequada organização moderna para os grandes combates economicos dos nossos dias.
Na Allemanha, ao invés, o kartell é de certo modo favorecido pelas leis do imperio; dir-se-hia que por uma tradição historica, senão por um atavismo ethnico, o povo da grande liga hanseatica, que era na Idade Media a organização correspondente aos syndicatos dos nossos tempos, cedo comprehendeu que tinha de oppor limites ao individualismo economico, e mau grado os protestos de alguns fieis ás grandes maximas da sciencia economica, o kartell cresce, corporiza-se, avigora-se, triumpha como instituição necessaria para um equilibrio menos instavel das forças economicas.
Na França os syndicatos, entregues á sua natural evolução, movendo-se e virilizando-se quasi por entre a indifferença publica, irradiaram por todo o país, á medida que os beneficios e vantagens economicas de taes corporações mais evidentes se tornavam.
Na Hungria, as associações cooperativas do producção e consumo, que em seus primeiros passos não lograram ver realizadas ao aspirações que as determinaram, reanimadas ha pouso mais de tres annos pelo Conde Alexandre de Károlyi, representam o mesmo papel restrictivo ao principio da liberdade economica.
Ora, em toda a parte, na França ou nos Estados Unidos da, America, do Norte, na Allemanha ou na Hungria, se verifica o mesmo phenomeno: procurar regular, tanto quanto possivel, a producção, a fim de que se evitem os desequilibrios produzidos pelos excessos.
Em Portugal vamos levados para esse caminho pela força fatal das circumstancias, por esta corrente impetuosa, que de uma forma imperfeita e grosseira se pode denominar espirito de uma epoca, corrente que na ordem social é tão energica, quanto é na ordem pbysica a corrente dos mares, que nada pode suster. É na organização das nossas adegas sociaes e na transformação por que hão de necessariamente passar os syndicatos agricolas, que estão os contornos geraes dos nossos trusts agricolas; mas se o nome irrita alguem mais meticuloso, chame-se-lhes outra cousa, que o nome pouco importa, quando o que profunmente interessa é a organização em si e as consequencias que d'ella dimanam. (Apoiados).
Regulamentar a producção é hoje uma necessidade imperiosa; é a face actual do grande problema economico, embora, para se chegar a esse resultado, haja de se ferir de certo modo o chamado direito de propriedade, que é um principio juridico e um direito individual, que neste momento historico tem de soffrer algumas restricções em faço das necessidades sociaes.
O jus utendi et abutendi, que se corporalizou lentamente nas organizações sociaes até chegar á culminancia intangivel de um direito natural, e que em regra nasceu de astucias ou de violencias, tende a perder, na phrase de Fichte, o seu caracter exclusivamente privado; isto é, tem de ser determinado pelas necessidades sociaes, e não pelo interesse individual. Se o direito de propriedade é, como diz Laboulaye, uma criação social - e é -, ha de como tal seguir as evoluções e até as revoluções da sociedade. E assim tem acontecido desde a propriedade communal das primitivas sociedades na sua constituição espontanea até ás formas actuaes, em que repousa esse direito, cujas bases futuras ninguem pode prever já. A affirmativa de Wagner, de que a base do direito de propriedade é formada pela lei ou pelo poder social, tem a sua cabal consagração agora que se desenham, nos horizontes economicos dos grandes Estados, os primeiros lineamentos para se adaptar ás modernas condições sociaes, criadas pela grandeza industrial, a formula d'esse direito, que não é um direito natural. Se o fôra, todos os homens deviam ser proprietarios no legitimo significado economico d'este termo, e nem como tal o considerou, julgo eu que não tenho a ventura de ser formado em direito, o velho direito romano, pois que só por um esforço de dialectica poderá incluir-se naquella singela definição do Digesto - jus quod natura omnia animalia docuit.
Por tudo isto, Sr. Presidente, eu não me violento, para acceitar o principio da proposta de lei do Sr. Ministro das Obras Publicas, que determina a suspensão do plantio de vinha, uma vez que se haja verificado de modo incontradictavel que Portugal está produzindo muito mais vinho do que lhe bastaria para manter o seu commercio e para todo o seu consumo. Se por investigações e estudos rigorosissimos se concluiu que o continuar a plantar vinha só serve para augmentar a perturbação economica e avolumar a crise, que já é assustadora, desviando capitães e actividades de outras culturas e de outras explorações, então é indiscutivel que se impõe uma providencia excepcional, como excepcional é a situação que a determina. (Apoiados).
Reclamaram os illustres Deputados da opposição tratados de commercio. Não ha duvida alguma sobre a vantagem e utilidade que esses acordos commerciaes representam para a economia de um povo, e neste ponto todos temos a mesma opinião Nem podiamos deixar de a ter.
É evidente que neste colbertismo cerrado, em que se lançaram todos os paises nos ultimos annos do seculo XIX, neste intenso regime proteccionista, os tratados de commercio, cuja renovação tanto interessa á Europa, representam um progresso economico consideravel, e todos os Governos, ciosos dos interesses de seus nacionaes, estão volvendo para tão importante assumpto solicitas attenções. (Apoiados).
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Mas a situação especial em que nos encontramos impõe um estudo reflectido sobre o nosso meio economico. É mister não ter hesitações em condemnar ao sacrificio a producção de artigos que não resultam das nossas condições naturaes, a fim de que, acceitando estes de paises que venham tratar comnosco, elles possam receber aquelles que constituem a nossa legitima riqueza, e de entre esses occupam os primeiros logares o vinho e os productos agricolas. Portugal tem de ser internamente um país agricola, como tem de ser no exterior um país commercial e colonial. (Apoiados).
Para que nos habilitemos a celebrar tratados de commercio, é mister ter sempre em vista as palavras de Torrens, que nos devem servir de divisa: «Não ha commercio mais vantajoso, mais seguro, mais estavel, do que o que se faz entre uma região manufactureira muito povoada e de uma alta cultura, e um país agricola fertil». (Apoiados).
Esta grande verdade tem sido totalmente esquecida em Portugal, e precisamente por isso se luta com tantas dificuldades, para se celebrarem uteis e proveitosos tratados de commercio. (Apoiados).
Os illustres Deputados, que do outro lado da Camara se referiram a este importante assumpto, accusaram rudemente o partido regenerador por não ter realizado convenções commerciaes, e lançaram á conta do partido progressista a melhoria das condições economicas do país, pela orientação que os dirigentes d'esse partido imprimiram á economia nacional. Eu não pretendo enveredar por semelhante caminho, nem accuso o Governo progressista, porque, durante o seu ultimo consulado de quasi 4 annos, apenas effectuou o tratado de commercio com os Estados-Unidos da America do Norte. (Apoiados). Não posso, todavia, deixar de accentuar que o Governo regenerador celebrou tratados de commercio, de que me lembre neste momento, com a Hespanha, Hollanda, Russia, Noruega, Dinamarca o Japão. (Apoiados).
Mas, Sr. Presidente, eu não me atrevo a recriminar qualquer Governo, por não ter realizado as convenções commerciaes, que tanto estão sendo reclamadas, com a Allemanha e com a França, alem de outras. Criada esta situação insustentavel pelas pautas de 1892, e mais favorecida ainda pelo agio do ouro, tornámos difficilima a realização de tratados de commercio. (Apoiados).
Alliciámos em demasia as ambições de alguns industriaes, sacrificando a nossa riqueza agricola e encarecendo a vida para todos os consumidores em 40 a 50 por cento mais, sem, comtudo, melhorarmos efficazmente as condições economicas do país. (Apoiados). A prova real e nitida temo-la agora. Lançámos a industria e a agricultura no mesmo regime proteccionista, e emquanto que da protecção á industria pouco mais lográmos ver do que constituirem-se algumas companhias, que interessaram particularmente aos respectivos directores e accionistas, ao mesmo tempo que se desviaram capitães de outras explorações, como as agricolas, na metropole, e as de colonização, nas provincias ultramarinas, da protecção á agricultura colheu o país a melhoria da situação economica, confirmada pela depressão no agio do ouro, facto que continuará a affirmar-se, tendendo de mais em mais para a valorização do nosso meio circulante. (Muitos apoiados).
Portanto, eu applaudo a politica dos tratados de commercio; mas, para os effectuarmos, carecemos de energia bastante, a fim de se poder cortar a direito. É certo que sem tratados de commercio não poderemos ter, ou pelo menos difficilmente poderemos encontrá-la, collocação para os nossos vinhos. Com a pauta Bulow, por exemplo, que a Allemanha provavelmente vae adoptar, a qual estabelece o direito de 24 marcos por decalitro de vinho até 14°, 30 marcos para vinho de 14° a 20°, 160 marcos para vinho acima de 20°, 120 marcos para vinhos espumosos e 48 marcos para outros vinhos não especificados, com esta verdadeira muralha da China deante dos nossos desejos de exportar vinho, eu não vejo meio de collocar na Allemanha nem uma garrafa d'esse producto, senão por meio da convenção commercial. (Apoiados).
O exemplo da Allemanha é seguido por todos ou quasi todos os paises europeus, e especialmente pela Austria e Suissa por motivos suficientemente conhecidos da Camara. E é conveniente não esquecer que neste capitulo da exportação temos a concorrencia, muito para temer, dos paises da Europa meridional, a que ha pouco me referi.
Não é crivei, Sr. Presidente, que nenhum país pense em abaixar os direitos alfandegarios ao nosso vinho só por sympathia especial. Tal esperança é uma illusão, seja qual for o país para onde, com semelhante criterio, volvamos as nossas miras. (Apoiados). Cada povo arma-se com tarifas aduaneiras, e procura cerrá-las de mais era mais. É a guerra a coup de tarifs, como diz Molinari, mas é a guerra moderna. Nas regiões do negocio tudo assenta e repousa em concessões reciprocas. Todos temos necessidade uns dos outros; mas importa tambem que todos tenham os seus valores relativos, com que se apresentem na grande cotação universal.
Esperar, por exemplo, que um povo, só por afinidades historicas, por uma questão de idyosineracia de raça ou por um commum symbolo de tradições identicas, ha de sacrificar os seus interesses collectivos, é uma utopia no meio d'esta luta egoista de povos contra povos. (Muitos apoiados).
«Não só teem realizado tratados de commercio», dizem os illustres Deputados da minoria: nem se podiam realizar, já porque nenhum país os effectua antes de 1903, já porque as condições economicas, que artificialmente criámos, embaraçam a realização de taes accordos. Eu não pretendo alongar-me mais nesta ordem de considerações, que nos levariam longe. A hora vae adeantada, e eu ainda quero dizer alguma cousa sobre o projecto em discussão.
Releve-me a Camara as considerações que acabo de expor, aliás provocadas pela orientação que o debate tomou. Levada a questão para o terreno da nossa situação economica, principalmente no que se refere a vinhos, eu não podia, nem devia, deixar passar em julgado algumas afirmações que a illustre opposição emittiu, sem lhe contrapor as ponderações que entendi do meu dever referir. E agora entremos mais propriamente na apreciação do projecto de lei do illustre Ministro da Marinha.
Sr. Presidente: ao apreciarem-se os intuitos do projecto de lei em discussão, tem-se dito aqui que o preto não dispensa as bebidas inebriantes, e com este fundamento se tem reclamado que seja permittido importar em Africa, como vinho de pasto, vinho de graduação alcoolica elevada. Ao mesmo tempo o projecto de lei está sendo analysado principalmente sob o aspecto eminentemente sentimental de tratar do misero preto, quando este projecto de lei tem o fim profundamente economico de augmentar o capital braços - deixo a Camara que eu me exprima assim -, tão urgentemente necessario para a grande tarefa da colonização do continente negro, uma parte da qual nos está confiada. (Muitos apoiados). Por outro lado, todos os distinctissimos oradores que teem tomado parte nesta discussão, accentuaram por forma indelevel que o abuso das bebidas alcoolicas é uma caracteristica ethnica.
Eu peço venia para discordar inteiramente d'esta opinião. O abuso das bebidas inebriantes não é uma caracteristica ethnica; é uma caracteristica social. Na questão da embriaguez dá-se até uma analogia apparente entre a extrema civilização e a extrema selvageria. O individuo extremamente civilizado, o que é a um tempo delicado e intelligente, tem em regra horror á embriaguez, porque necessita de prazeres mais delicados. O selvagem totalmente estupido, como aconteceu com os habitantes da Australia e da Tasmania, antes do seu commercio com os europeus, não se embriaga, porque desconhece esse estado de prazer apparente. Assim aconteceu ás tribus, que não souberam descobrir a arte de se embriagar.
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As alegria grosseiras da embriaguez representam já um estado social superior á primitiva selvagem. É preciso admittir a existencia de uma evolução, embora relativamente insignificante, e por virtude da qual o selvagem saiba fabricar ou pelo menos recolher as substancias que o embriaguem.
Letourneau, accentuando nitidamente este phenomeno, põe em evidencia a nota interessante de que, na Europa, é nos paises tentonicos que domina a paixão bestial da embriaguez. O hespanhol, o português, o italiano, o francês meridional embriagam-se pouco.
A razão d'este phenomeno, diz o eminente anthropologista, está em que as raças germanica e slava, entradas mais tarde no theatro da civilização europeia, estão menos afastadas da vida barbara do que as raças latinas, e lutam mais desigualmente contra velhos instinctos hereditarios, destinados a extinguirem-se um dia.
A embriaguez é uma herança do passado, que deve desapparecer com o progresso e desenvolvimento moral e intellectual da especie.
Luta-se por extinguir casa enfermidade social em toda a parte; é intensa essa luta nos paises teutonicos, porque ahi ella campeia mais assustadoramente, e procedem na mesma luta tenaz e nunca desmaiada os povos que ha vinte e cinco annos, levados por necessidades economicas, a cuja satisfação não podiam furtar-se, emprehenderam o gigantesco trabalho de arrancar ás penumbras da selvagem as regiões longinquas de alem-mar, até então rebeldes a toda a colonização. (Muitos apoiados).
A faço mais brilhante e mais elevada do projecto de lei em discussão é esta. Representa, portanto, a nitida comprehensão das primeiras necessidades a attender na colonização africana. Enfileira na serie de acertadas providencias que todos os paises estão adoptando, para se asseguraram a expansão economica e civilizadora em Africa. (Apoiados).
A phase presente do problema colonial é esta, e differencia-se essencial e profundamente d'aquell'outra que se iniciou a meado do seculo XIX, quando homens ousados, impollidos por uma coragem heroica e mantidos por uma vontade tenaz, penetraram á força da espada pelas terras mysteriosas da Africa.
Então Portugal distinguiu-se fidalga e bizarramente nessa synthese da colonização africana. Attestam-no os nossos exploradores Capello, Ivens, Cardoso, e tantos outros nomes, que estão mais do que na nossa memoria, porque estão insculpidos no nosso coração. (Muitos apoiados).
Hoje a solução do problema da colonização da Africa prende se a problemas capitalissimos, a que nenhum país colonizador pode esquivar-se sob pena de perder o direito á posse dos seus dominios ultramarinos. Entre estes problemas avulta a questão do alcoolismo, porque a elle se liga a grande questão da mão de obra. (Apoiados).
As velhas nações colonizadoras, que, na pressa de entre si repartiram as novas regiões coloniaes, se preoccupavam a principio com o numero de kilometros quadrados occupados no mappa pelas suas possessões, bem depressa perceboram que a densidade de população é um elemento fundamental, porque a abundancia do braços é uma preciosa riqueza, que permitte tirar partido das outras. O alcoolismo é evidentemente uma causa que impede o augmento de população, causa que subsiste, e que importa fazer desapparecer. Eis o objectivo do projecto de lei que estamos discutindo.
Com elle acompanhamos, como acompanhámos no periodo das explorações, os demais povos que teem dominios em Africa. Seguimos na esteira de civilizar o que nos pertença, repetindo ao mundo o exemplo que já demos, de que, ae soubemos descobrir e conquistar pelo heroismo da nossa raça, tambem podemos - o que é mais elevado e superior - levar a essa paragens a civilização nos seus multiplos aspectos.
E sabemos. Regenerador ou progressista, seja qual for o Governo que se tenha revezado na administração publica, todos teem volvido algumas attenções para o grande problema da colonização, embora o tenham feito com demasiada timidez.
É grande de mais este assumpto, para que o encerremos no mesquinho quadro da politica. Prestou serviços ás nossas colonias o Sr. Conselheiro Eduardo Villaça com a sua acção intelligente; segue no mesmo trilho o actual Ministro Sr. Conselheiro Teixeira de Sousa, (Muitos apoiados).
Portugal realiza por esta forma uma das conclusões a que chegou unanimemente o Congresso Internacional Colonial, effectuado em Paris, em 1900. Ahi se affirmou que, debaixo do ponto de vista dos interesses materiaes, se devem oppor entraves cada vez mais rigorosos á venda de armas de fogo e de alcool aos não civilizados, e particularmente aos indigenas de Africa.
A França pode attestar, Sr. Presidente, com rigor e pelos factos, que a repressão do alcoolismo dá um augmento rapido de população. (Apoiadas). Foi o que succedeu na Argelia, como já o tinha experimentado a Hollanda em Java.
Mais suggestivo, porem, é o exemplo que a França pode offerecer a todos os paises colonizadores com a sua acção em Madagascar, essa immensa ilha, a cuja colonização se prende gloriosamente o nome do general Gallièni. Ahi a elevação de direitos sobre o alcool e a repressão intensa e rigorosa da embriaguez deu um augmento de população.
Aqui está porque eu disse que a caracteristica mau distincta da proposta de lei do Sr. Ministro da Marinha é de ordem economica.
Colonizar sem braços é tão impraticavel, como viver sem alimentos. O capital humano reconstituo-se, como o outro capital, pela economia. (Apoiados). Assim pensam os paises que teem interesses ligados ás regiões da zona intertropical. Á vida, á saude, á hygiene do preto applicam elles attenções maximas, porque coai tudo isto liga a economia colonial. (Apoiados).
Eu tive o cuidado do estudar as pautas aduaneiras das possessões e paises que ainda se conservam num estudo relativamente atrasado. Não quis entrar neste debate sem colher todos os elementos, que pudessem habilitar me a discutir o assumpto com mais algum segurança. É um defeito meu, talvez, Sr. Presidente; mas não sei, nem me é possivel, entrar na discussão do assumptos graves sem primeiramente os estudar, o melhor que possa. É isto uma consequencia da pequenez da minha intelligencia, e é por isso que eu admiro tanto esses cerebros robustissimos, que sabem e podem discutir e apreciar propostas de lei sem reparação idonea, e muitas vezes até sem as lorem senão aqui, rapidamente, fugacemente.
Curvo-me respeitoso perante esses seres privilegiados, e admiro-os.
Li as pautas aduaneiras de paises que pudessem servir de confronto para as nossas provincias ultramarinas, e d'essa leitura colhi a impressão segura de que o presente projecto de lei é mais tolerante do que a maioria das disposições que por toda a parte se encontram com o proposito de reprimir o abuso de bebidas inebriantes.
Em Cuba, por exemplo, segundo a moderna pauta, já organizada sob a inspiração dos Estados Unidos da America do Norte, o alcool engarrafado paga 34 dollars por hectolitro (340 réis o litro, pouco mais ou menos), e 31 dollars as aguardentes e bebidas espirituosas em cascos. O vinho encascado paga desde 0,07 de dollars por hectolitro até 13 dollars, conformo a qualidade e força alcoolica.
Na Africa Allemã de sudoeste o alcool paga de 2 a 2,5 marcos por litro, conforme a sua graduação.
Nos protectorados allemães da Africa oriental as bebi-
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das espirituosas pagam 20 por cento ad valorem, emquanto que o vinho só paga 5 por cento ad valorem.
Eu não pretendo referir á Camara, que certamente conhece as pautas dos poises africanos, os direitos com que em todos é tributado o alcool, para lhe restringir o abuso e as consequencias da embriaguez. Quis somente adensar com alguns exemplos a minha affirmação, de que em toda a parte fortes impostos aduaneiros difficultam a entrada do alcool, no commum pensamento de tornar sadias e robustas as populações das colonias, aptas para o trabalho que d'ellas exige o progresso da civilização.
Mais flagrante é ainda, Sr. Presidente, a lei que regula no Transvaal a venda das bebidas alcoolicas. É absolutamente prohibitiva. Pune com pesadas multas e penas de prisão quem vender alcool aos indigenas. Se em Portugal se pensasse em editar lei identica, eu nem posso conjecturar o que não se diria na defensão da sacratissima liberdade.
Pois no Transvaal vae-se até á prohibição absoluta. É interessante essa lei. Consinta a Camara que eu leia os mais importantes artigos.
(Leu).
No Estado Livro do Congo, que no Parlamento tanta vez tem sido citado, é tambem absolutamente prohibida a venda de alcool aos indigenas. Tenho aqui na minha carteira essa lei, para se algum dos illustres Deputados a quiser ver.
É perfeitamente inquisitoria!. Não a leio, para não fatigar a attenção da Camara, e ainda porque sobre este ponto julgo ter provado á saciedade que o illustre Ministro da Marinha, prestando um serviço ás colonias, foi ainda assim menos rigoroso do que o são os Governos de outros paises. (Apoiados).
Passemos agora a analysar outro ponto do projecto, que tambem tem sido combatido por alguns dos illustres Deputados da opposição: - a força alcoolica do vinho a exportar para Africa.
Sr. Presidente: é tempo de se acabar em Portugal com o chamado vinho para preto. Semelhante beberragem só serve para desacreditar os nossos vinhos e prejudicar os commerciantes honestos.
Sem servilismos, a que se não presta o meu modo de ser, mas num dever de justiça, a que nunca sei faltar, eu não posso deixar de affirmar que o nosso commercio é de sua propria condição honesto e digno. (Apoiados). Nunca poderemos esquecer que, na tremenda crise de 1892, o commercio português supportou com inteira honradez os abalos violentissimos, que as circumstancias então trouxeram á vida economica e financeira do país, e pagou honradamente em ouro todos os seus compromissos no estrangeiro.
Ha, porem, excepções, embora raras, como as ha em todas as classes, e essas excepções não se pejariam de introduzir em Africa, á sombra do vinho de 19°, o genuino, o legitimo alcool; não hesitariam, á falta de fiscalização - e já vou referir-me a este assumpto - em fabricar um liquido, a que chamariam vinho, só tendo de vinho a apparencia.
Eis o que motiva o limite de 17°. E é suficiente. Nem tão longe vão outras nações, como a França, que é uma grande fabricante e exportadora de vinhos.
No Somalis Francês o vinho até 14° paga 5 francos por hectolitro, e até 16° 10 francos.
Em Madagascar o vinho até 14° paga tambem 5 francos por hectolitro, e 15 francos acima de 14°.
Na Tunesia, o vinho até 11° paga 0,50 franco por decalitro, e a partir de 11° por cada grau a mais 1,50 por decalitro.
Poderia citar ainda mais alguns exemplos, o que julgo perfeitamente ocioso.
Portanto, o projecto de lei em discussão é, como já disse, mais tolerante.
Tambem se teem alevantado objecções para impugnar a disposição que determina que o vinho, que haja de se exportar para as colonias, seja devidamente fiscalizado no acto da exportação.
Tem-se affirmado que essa disposição importa um descredito no estrangeiro para o nosso vinho, pois que, havendo em Portugal fiscalização ao fabrico de vinhos pelas leis de 1894 e 1899, e bastando essa fiscalização para o vinho que se exporta para o estrangeiro, essa mesma fiscalização deveria bastar para o vinho que se exporta para as colonias. Proceder a nova analyse só para o vinho que vae para as possessões portuguesas, pode originar - dizem - suspeitas no estrangeiro acerca do vinho que se fabrica em Portugal.
Ora as circumstancias são inteiramente diversas.
O Governo, fiscalizando os vinhos que vão para as colonias, exerce um direito e cumpre um dever. (Apoiados).
O vinho que se exporta para o estrangeiro tem a mais rigorosa fiscalização no comprador. Desde que o producto não seja bom, evidentemente não volta a comprá-lo (Apoiados), e o commerciante, na defesa do proprio interesse, exforça-se por melhorar o producto, para não correr o risco, aliás certo, de perder o cliente. (Apoiados).
Não sei se na historia da exportação dos nossos vinhos, nestes ultimos dezasseis annos, não haverá algum facto, que possa confirmar este criterio. Deixo a quem se interessar pelo assumpto investigar se a nossa exportação de vinho para um país europeu, que chegou a ser 1.500:000 hectolitros, em 1886, não se perdeu precisamente por algum commerciante se ter esquecido de ser escrupuloso na qualidade do vinho que remettia. É um assumpto para se averiguar. (Apoiados).
Pelo que se refere, porem, ás colonias, onde o comprador não tem tão forte necessidade de vender vinho bom, porque, emfim, o preto não possue um delicado paladar, que facilmente possa distinguir o chamado vinho para preto, do vinho para branco, o Governo Português tem obrigações e deveres mais amplos e mais imperiosos. Cumpro-lhe fiscalizar até lá, e dentro das proprias colonias, os generos que para ahi se exportam ou os que as colonias importam de qualquer proveniencia. (Apoiados).
Não me referirei agora á difficuldade maior ou menor de effectuar essas analyses á saida dos vinhos, porque tal assumpto já foi aqui larga o proficientemente tratado por illustres collegas meus de especial competencia na materia.
Não deixarei, porem, de levantar algumas affirmações que se me afiguram menos bem fundamentadas pelo que concerna a serem prejudicados os vinhos do Porto com o presente projecto de lei.
Não foi, nem podia ser, essa a intenção do Governo, quando elaborou a proposta de lei sobre o regime dos vinhos nas colonias portuguesas, e ainda que por mero lapso ou por inadvertencia tivesse sido consignada na proposta de lei alguma disposição que contrariasse, por qualquer forma, a legitima exportação do nosso bom vinho do Porto, não só a commissão do ultramar a corrigia, mas a Camara com certeza não a votava.
A cidade do Porto, e com ella o norte do país, sabe que as honradas tradições, em que brasona os seus legitimos pergaminhos de cidade trabalhadora, teem nesta capital um culto, e que o seu vinho do Douro constituo uma riqueza nacional, que todos temos o dever de zelar. Mal iria á região vinhateira do Douro, se, para exportar o seu afamado vinho, que tem uma reputação europeia, senão universal, carecesse das colonias. (Apoiados).
É um vinho generoso, caro e que por isso não se presta a grande consumo nas possessões africanas. Constitue uma excepção, e como tal é considerado no projecto de lei em discussão. Diminuta deve de ser a exportação do vinho do Porto para a Africa, e o que se exportar, com certeza, será na sua quasi totalidade engarrafado.
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entretanto, se, ao pôr se em pratica este projecto de lei, se verificar que algumas disposições precisam de ter devidamente aclaradas, para que não sejam sacrificados os vinhos do Douro, far-se-hão as necessarias [...] nos respectivos regulamentos. Certamente essa é a intenção do Governo, que evidentemente quer garantir a genuidade do vinho que se exporta para os dominios portuguezes de alem-mar, mas não quer tolher o commercio. (Apoiados).
Mais do que do presente projecto de lei me parece que se deve arrecear o commercio de vinhos do Douro das falsificações e imitações, que há por fora abundam, em de trimento do nosso legitimo vinho do Porto. (Muitos apoiados). Para exemplo citarei apenas a pauta do d´elanger, na qual se encontram os seguintes dizeres: "Vinho do Porto allemão, segue o regime dos espirituosos".
Verdade seja que o bom espirito pratico dos ingleses foi tributando ao maximo possivel aquelle bello vinho do Porto.
Não é, Sr. Presidente, dos males que possam advir do presente projecto de lei, que tem de arrecear-se o commercio nacional. Maiores perigos o ameaçam, e maiores trabalhos teremos de realizar, para nos assegurarmos uma acção decisiva na colonização africana, acção que devemos traçar e exercer com criterio, com energia e sem hesitaçõe. (Muitos apoiados).
Não nos preoccupemos em excesso com a exportação de mais algumas garrafas de vinho do Porto para as columnasl, quando esse vinho tem collocação segura nos mercados mais ricos do mundo. (Apoiados).
Não ponhamos em demasiado relevo assumpto relativamente de importancia menor, quando tanto importa que a serio olhemos para a concorrencia allemã, belgas e inglesa, que nos cerca nas possessões ultramarinas.
Sr. Presidente: temos encarado com demasiada timidez o problema colonial, e ao analysarmos a extraordinaria expansão que em Africa teem tido, depois da conferencia de Berlim, Estados como a Allemanhã e a Belgica, que até então nem uma [...] de terra possuiam, em África, é que melhor se verifica como nos deixámos ficar para a rectaguarda, d'esse movimento, e como é indispensavel conglotar num esforço commum as energias dos homens mais eminentes dos partidos politicos e os talentos de quem os tiver, para nos applicarmos todos á grande questão africana. (Apoiados).
Á epileptica actividade que outros povos estão exercendo em África, é mister oppor tambem a nossa. Na Africa Oriental, onde a influencia da colonização inglesa se faz sentir pelo desenvolvimento de todas as colonias [...], que confinam com Morçambique, tem a Allemanha já hoje um verdadeiro imperio.
A linha de [...] a Karogwe, num pequeno percurso de 34 kilometros, que dentro do pouco estará concluida, será, apesar da sua extensão relativamente pequena, uma importante arteria commercial, como o ha de ser o caminho de ferro sudoeste, que vae até Karibib, num percurso de 194 kilometros.
Tambem não é de menor importancia a linha do Tsingtao a Kiaotehéou, que está em exploração desde abril de 1901.
Estes são os grandes elementos de combate, que nos faltam a nós. (Apoiados).
É assim que a Allemanha se assegura a posse effectiva das suas colonias e a expansão do seu commercio, e com elle a legitima colonização moderna, que implica e em si envolve todo o complexo da nossa civilização, a cujo convivio é mister trazer aquelles povos, que ainda no conservam na idade procommercial, poderia talvez dizer-se com mais exactidão na idade prehistorica, em que esses seres humanos quasi [...] pelo troglodyta; pouco se evolucionaram alem de pitheco.
As linhas ferreas são a grande preoccupação da Allemanha, na ancia de rasgar novos mercados á crescente expansão de uma industria que assombra pelo [...] e rapidez de producção. Nesta objectiva se reunem capitaes e se estudam projectos, como o do caminho de ferro de [...] Salem a Mrogoro, numa extensão de 230 kilometros, e do [...], para que entre si se liguem os mais ricos centros de producção. E assim não é muito para surprehender que o movimento do commercio estacione ou decresça nas colonias portuguesas, e se affirme e se expanda, engrandecendo-as, em outras colonias que melhor estão preparadas para os tremendos combates do presente. (Apoiados).
Ora, Sr. Presidente, pelo que toca a linhas ferreas, como a navegação, Portugal tem muito que fazer, se quiser ser considerado um povo modernamente colonizador. (Apoiados). Nem temos marinha mercante, e eu não sei comprehender bem, como já tive a honra de dizer nesta Camara, a existencia de uma nação colonial sem uma razoavel marinha de commercio. (Apoiados).
Na África Oriental temos necessidade de caminhar, caminhar muito, porque os elementos de combate, que nos cercam, são totalmente desiguaes; e pelo principio fatal do que o mais forte ha de absorver necessariamente o mais fraco, como pela natural ambição humana, que é singularmente uma energia individual, e collectivamente uma base da grandeza dos povos, não podemos, nem devemos, quedar-nos e deixar de applicar um indomavel esforço, para que aquelles pedaços de terra sejam colonias, como o devem ser em nossos dias, com todos os variados elementos da nossa civilização. (Apoiados).
Eu não quero agora falar das colonias inglesas com as suas grandes linhas ferreas no Cabo, no Natal, com o seu bello caminho de ferro de Bulawayo, e tantos outros melhoramentos, do que ellas se ufanam. Basta-me citar apenas a Allemanha, que só depois de 1870 começou a sor uma nação colonial, e basta-me citar a Allemanha, para justificar as minhas apprehensões, porque eu não esqueço o que tem sido para o commercio da provincia de Angola a linha do Stanley-Pool. (Muitos apoiados).
A situação é identica, Sr. Presidente. A Belgica, como a Allemanha, só depois da conferencia de Berlim volveu para a África os seus melhores cuidados. E quando meditamos sobre os progressos que esses dois paizes fizeram desde então, desde essa conferencia, em 1885, que marca uma nova época para as questões africanas, até hoje, não é sem razão plausivel que sentimos receios.
Com effeito, a conferencia de Berlim se marca, como disse, uma nova época na colonização africana, marca tambem o inicio do um novo cyclo colonial por tal fórma imprevisto, e que até originou que um povo laborioso, som duvida, mas muito mais pequeno do que Portugal nos terminos da Geographia, e muito menos glorioso incontestavelmente nos proscenios da Historia, se tornasse, pelo regime do protectorado, um pais colonial, e absorvesse para o seu grande entreposto de Antuerpia o melhor quinhão das riquezas que o uberrimo torrão africano offerece, como premio e galardão, aos que, a troco da saude e minorando a vida, vão até essas torridas paragens no agerrimo trabalho de arrancar ás brutalidades da selvageria aquellas populações, e trazê-las ao convivio de sociedades formadas por seres conscientes. (Apoiados).
De facto, é relativamente pouco o que temos feito depois da conferencia de Berlim, e muito era o que devera-mos ter realizado, para que não nos deixássemos subjugar e vencer na luta, cujos campos se delimitaram nessa conferencia. Ora tão pequeno tem sido o nosso esforço, que a Bélgica, com uma bella orientação, logrou vencer nos em vinte annos da trabalhos ininterruptos, prudentemente dirigidos e economicamente aproveitados.
Basta ver ao estatisticas do commercio do Congo para Antuerpia. Ainda em 1888, isto é, tres annos depois da conferencia de Berlim, o Congo exportava para Antuerpia apenas 74 toneladas do boracha, e Angola exportava
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para Portugal 1:500 toneladas. Parallelamente começa o commercio africano a desenvolver-se, até que a exportação da borracha do Estado Livre do Congo para Antuerpia vence, em 1899, a de Angola para Portugal. A d'esta provincia foi de 3:000 toneladas e a d'aquelle Estado foi 3:300 toneladas. Pelo que se refere ao marfim, a depressão é muito mais sensivel para Portugal, quasi tende a desapparecer a exportação d'esse rico producto de Angola para a metropole.
E não podia deixar de ser assim. Quem observar os progressos que a Belgica tem effectuado no Estado Livre do Congo, não pode surprehender-se muito com o desenvolvimento d'esse Estado, de onde talvez não se apagassem ainda as tradições portuguesas. (Apoiados).
De entre todos os melhoramentos que teem engrandecido o Estado Livre do Congo, occupa um dos primeiros logares, senão o primeiro, o caminho de ferro de Stanley-Pool a Matadi. Essa linha de 388 kilometros de extensão, alem de mais 11 kilometros do ramal de Dolo a Leopoldville, é, sem contestação, a grande arteria commercial de todas as regiões que a circumdam. D'essa linha colhe a Belgica incalculaveis beneficios, tendo apenas subscripto com 12 milhões de francos para a empresa constructora, que realizou esse caminho de ferro com o capital de 60 milhões de francos. O Governo Belga somente dá garantia de juro de 3 por cento ao capital de 10 milhões de francos. A inauguração d'esse caminho de ferro foi o grande acontecimento da Africa Occidental, que modificou completamente as condições economicas das provincias convisinhas. Para que a situação da provincia de Angola ficasse ainda em peores condições, abre-se o caminho de ferro de Boma ao rio Lukula, outra arteria commercial importante.
No Zaire, cuja bacia é livre a todo o commercio, segundo as disposições da conferencia de Berlim, tem a Belgica 60 barcos para o serviço do trafego. E o que é que tem lá Portugal? Nada; é triste dizê-lo, mas é verdade. (Apoiados).
Matadi transformou-se num excellente porto com duas bellas pontes, ás quaes podem atracar vapores, nos maiores baixa-mares, com 7 metros de calado de agua. Um optimo canal liga o rio ao mar, e ali funccionam constantemente dragas, para que o canal não se açorie. O porto de Matadi está em melhores condições do que o porto de Lisboa, que está em tal situação, que dentro de pouco não poderão os navios atracar á muralha-caes. Nem pontes tem para carga e descarga de mercadorias, embarque e desembarque de passageiros.
Sr. Presidente: ha entre nós um grande receio, um quasi horror, pelo capital estrangeiro. O excesso com que temos pretendido defender a soberania de Portugal nas possessões africanas, tem-nos prejudicado extraordinariamente. (Apoiados}. Emquanto as outras nações colonizadoras assistem á formação de grandes companhias, que favorecem por todos os meios legaes, nós temos quasi systematicamente guerreado a constituição de companhias, sem ao menos olharmos a que a ellas se deve a melhor e mais efficaz acção colonizadora em todos os tempos, desde as velhas companhias das Indias, até á recente South Africa. (Muitos apoiados).
Não pretendo affirmar que o Governo deve deixar constituirem-se companhias a esmo, sem tratar de se garantir a soberania, de que não pode nem deve desinteressar-se, nas colonias. Seria absurdo tal criterio. Isto, porem, é muito diverso do rumo que se tem seguido ha longos annos, que é verdadeiramente embaraçador para a colonização. Teem-se procurado todos os estorvos á colonização, em vez de se trabalhar por se darem as precisas facilidades (Apoiados).
Ora nós temos na propria casa um exemplo do que valem as companhias, quando bem organizadas e bem dirigidas. Refiro-me á Companhia de Moçambique. Não discuto agora se a sua administração, nos ultimos annos, não tem sido o que deveria ser. Talvez. Deixou-se inquinar demasiado da politica, e enfranqueceu-se, segundo me parece. Todavia, é incontestavel que essa Companhia prestou relevantes serviços na Africa Oriental Portuguesa. A ella se deve a construcção do caminho de ferro da Beira, numa extensão de 320 kilometros, pouco mais ou menos, que é indiscutivelmente uma grande arteria commercial, uma boa linha de penetração.
Nem um real gastou o Estado com essa linha, que valorizou muito aquella parte das colonias portuguesas. Emquanto isto aconteceu com o caminho de ferro da Beira, o Governo Portugues tinha de despender 6.500:000$000 réis com o caminho de ferro de Lourenço Marques, que, ainda não está concluido, alem da indemnização de Berne, e só para uma linha de 90 kilometros de extensão. Se a esta verba accrescentarmos a de 5.000:000$000 réis, que custou o caminho de ferro de Ambaca, num percurso de 364 kilometros, e mais 6.000:000$000 réis que o Governo Português tem despendido até 1900, para o caminho de ferro de Murmugão, numa extensão de 82 kilometros, com a circumstancia de ter o Governo de pagar 75:000 libras por anno, se a tinha não der determinado rendimento, teremos que o Estado tem consumido o melhor de réis 17.500:000$000 para tres caminhos de ferro, num percurso total de 536 kilometros, ao passo que nada gastou para ter o caminho de ferro da Beira, que é quasi dois terços do total de linhas ferreas que Portugal tem nas colonias. Não discuto agora se os traçados d'essas linhas são bons, e se ellas são realmente linhas de penetração. Accentuo os factos, ponho-os em confronto, para que melhor se possa avaliar quaes são as consequencias que podem advir das grandes companhias, quando convenientemente organizadas e honestamente dirigidas. (Apoiados).
Ás vantagens d'esta ordem devemos ainda ajuntar outras, que não são de menor importancia, e de que a Companhia de Moçambique pode servir de exemplo, taes como a diffusão da lingua, dos usos, dos costumes, da religião, de todo este conjunto de cousas que constituem a vida psychica de um povo. Não posso, Sr. Presidente, porque a hora vae adeantada, alongar-me nesta ordem, de considerações. O que acabo de referir singelamente, summariamente, é bastante para dispertar a reflexão de quem deve meditar sobre estes assumptos.
Sr. Presidente: disse o illustre relator d'este projecto de lei, o meu amigo Sr. Pereira de Lima, que as grandes questões do presente teem de ser tratadas sob o criterio economico. Largamente, demonstrou S. Exa. esta proposição, que é um verdadeiro axioma social. (Apoiados). É, pois, sob o ponto de vista economico que nós temos de encarar o projecto de lei em discussão. Será nas relações da economia africana que nós poderemos ver todos os seus beneficos resultados, e esses tenho a esperança de que hão de satisfazer por completo a todos nós. (Apoiados).
E tambem á luz dos grandes principios economicos e sociaes, que tem de ser apreciado tudo quanto se refira ao grave problema da colonização. Em tão grave assumpto não podemos enredar as mesquinhas pugnas da nossa estreita vida politica. (Apoiados). As dissenções que dimanam das hostilidades dos partidos, teem de quedar-se inertes, perante o trabalho que de nós todos reclama a obra ingente de civilizarmos o que em Africa nos pertence. Fomos os primeiros que ali levámos com a nossa bandeira os echos da civilização europêa, não queiramos agora ficar em ultimo logar, o que é mau, ou perdermos o direito a que sejamos considerados um povo com aptidões colonizadoras, o que é peor. (Muitos apoiados).
Temos em Africa uma funcção a desempenhar; desempenhemo-la honradamente, sem rivalidades politicas, que amortecem o esforço o mais Varonil, e sem prejuizos partidarios, que malsinam as intenções as mais bellas. (Apoiados).
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Num notavel discurso que nesta camara preferiu o meu velho amigo [..] é de Lacerda, disse S. Exa. que um povo que não tem uma funcção social, deixa de ter uma razão historica de existencia. Esse discurso foi para todos nós motivo de enthusiasmo, e para muitos constituiu uma verdadeira revelação. Não para mim, Sr. Presidente, que ha longos annos conheço o talento de José de Lacerda, que muito aprecio, desde que o acaso nos ligou numa camaradagem de estudantes, elle consagrando-se devotadamente ao estudo da medicina e sciencias naturaes, eu diligenciando colher algumas luzes no estudo das sciencias historicas e sociaes, para onde sempre propendeu o meu espirito.
Com effeito, assim é. Um povo que se immobiliza, é um povo que morre, como um orgão que, sem funcionamento, se atrophia. (Apoiados).
Ora, a, funcção social de um povo é determinada pelos seus caracteres cthnicos, pelas condições do seu meio, e confirmada pelas tradições da sua historia. As manifestações psychicas de uma raça ou de um povo formam os diversos elementos da sua civilização.
Assim, Sr. Presidente, quando analysamos a historia do povo português, e procuramos, através da sua vida, pôr a descoberto a alma immutavel d'esta raça, que pelas proprias condições psychicas traçou o seu destino, encontramos logo ao alvorecer da sua historia o espirito aventureiro e mercantil, que distingue principalmente as raças norte-africanas, e o pendor natural para os trabalhos ruraes, que mais se identificam com os caracteristicos das raças berbére e semita, que são aquellas quede certo modo formam a base da raça portuguesa. (Muitos apoiados).
As condições mecologicas vieram robustecer as tendencias ethnicas, e estes dois factores conjugados produziram o agricultor e o marcante, os typos caracteristicos, em que se pode synthetizar a funcção social do povo português.
O agricultor produziu em pleno seculo XIV a base economica da nacionalidade portuguesa. A tal ponto cresceu e progrediu a agricultura - a maxima riqueza medieval e ainda hoje, e cada vez mais, a base de toda a economia, que, no reinado do D. Fernando, Portugal merece ser distinguido com a carta mercatoria do Rei de Inglaterra, e as nossas feitorias de Flandres rivalizam com as melhores de outras nações. O Tejo coalhava-se de navios que aqui vinham traficar. (Apoiados).
O mareante, o scismador mareante, produziu o audacioso marinheiro do seculo XV, que desfez os fabulosos portulanos da antiguidade, e abriu á expansão humana os vastos oceanos. Escreveu, emfim, toda a nossa epopeia maritima. (Apoiados).
Quer isto dizer que entes traços primordiaes da raça portuguesa, estes dois lusitanissimos caracteres, limitam a funcção social d'este povo ao mar e ao campo, e o impossibilitam de se adirmar em outras manifestações de vida e em outros elementos de civilização?
É evidente que não. Se quisessemos admittir um tal criterio, a nossa propria historia se incumbiria de o desmentir solemnemente. Por ser a tendencia ethnica dos portugueses toda maritima, e pela circumstancia de vivermos numa região, em que a agricultura se impõe como funcção primaz do nosso progresso industrial, nem por isso este povo deixou jamais de acompanhar, e até por vezes de ir em primeiro logar, o movimento evolutivo da Europa. Nenhum grande acontecimento, d'estes que representam uma revolução na modalidade social, deixou de ter entre nós a nua revibração e as suas consequencias. (Apoiados).
Desde o nosso movimento litterario do seculo XIII, quando a primeira renascença, na phrase de Ampère, agitava a Europa, até ás recentes affirmações scientificas, que são o coronal da intellectualidade moderna; desde as lutas entre o poder theocratico e o poder civil, travadas logo ao da primeira dynastia, até ás lutas liberaes do seculo XIX, para implantar na sociedade portuguesa os principios sociaes da grande, revolução do seculo XVIII, em todos esses acontecimentos, que modificaram e alteraram o modo de ser da sociedade, Portugal tomou sempre parte activa, acompanhando os demais povos. (Apoiados).
É certo que em todo esse aventuroso progredir da civilização europeia, algumas vezes tem afrouxado, principalmente depois da acção decisiva da hegemonia extraordinaria que exercemos no periodo do Renascimento sobre os demais povos. Este facto, porem, deve-se a duas ordens de circumstancias. A primeira foi julgar-se erradamente, e durante muito tempo, que bastava o excepcional beneficio prestado por Portugal ao mundo com os descobrimentos maritimos, para que todos os povos, embora nos conservassemos estacionarios, nos respeitassem. A segunda - e de se ter enraizado em alguns espiritos esse falso principio teem culpa até historiadores nossos, - foi o acceitar-se como verdade irrefutavel que a missão historica da nacionalidade portuguesa ficou cumprida ao terminar do seculo XVI. Nessa missão, que demandou um esforço quasi mythologico á força de sobre-humano, Portugal esgotou por completo as suas energias, e caiu inerte, atrophiado, para jamais se reerguer.
Tal principio é falso; se elle é verdadeiro, quando applicado a um homem, como quando se applica a uma cellula do organismo, é inteiramente errado, quando se pretendo distendê-lo até um povo, que é um organismo completo. (Apoiados).
Não menos errado e falso é o outro criterio, do qual muito temos abusado, e quo tão prejudicial nos tem sido, de suppormos que basta para nos impormos á consideração do mundo, no apreço geral dos povos, toda a heroicidade, de que demos homericos testemunhos no periodo dos descobrimentos. Invocamo-los para tudo, o citamo-los a pretexto de todos os incidentes da nossa vida, como se isso fosse suficiente para justificar os erros, em que por vezes caimos, ou as incurias de que, de quando em quando, enfermamos.
Se os serviços prestados á causa da civilização por um povo, embora os mais valiosos e os mais heroicos, bastassem para que esse povo continuasse a ver-se cercado do mesmo respeito universal e da mesma admiração de todo o mundo, nenhuma nação deveria ser mais respeitada do que a Grecia. (Apoiados). E, comtudo, no dia em que a Grecia deixou de ter na synthese da evolução humana uma funcção propria, caiu e morreu. O gladio da conquista romana cravou-se-lhe no peito, e a formosa Hellade sepultou-se nas sombras da propria grandeza. (Vozes: - Muito bem).
É certo que o espirito culto da Grecia pôde incarnar-se na cidade eterna, e Roma voou com as azas possantes d'aquelle genio immenso para o grande ideal da perfectibilidade. A Grecia quedou-se sem funcção e sem vida propria; o tempo passou, e os povos só se lembram do passado esplendentissimo, em que a Hellade era a rainha-deusa da civilização, quando voltam suas miras para a historia, porque de tudo quanto de bello produziu o povo hellenico, só restam ruinas, talvez suggestivas nas linhas correctas da concepção artistica, mas são apenas ruinas, que, como disse um grande espirito, no silencio da noite parecem phantasmas que se levantam das catacumbas, lyras que bradas, em cujas cordas rotas as rajadas do vento só podem dedilhar uma elegia. (Muitos apoiados. - Vozes: - Muito bem).
Ora, Sr. Presidente, Portugal tem ainda uma larga funcção a desempenhar, que lhe resulta das suas condições mesologicas e das suas tendencias ethnicas. Tem a funcção de um povo agricola, para se prover internamente com as subsistencias, de que não pode prescindir, e pelas quaes é tributario do estrangeiro em milhares de coutos. (Apoiados).
Portugal é, e tem de ser, um país essencialmente agri-
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cola. Sempre que as populações laboriosas se desviaram dos trabalhos agrarios, qualquer que fosse a causa determinante d'essa deslocação, occorreu uma crise de escassez nas subsistencias publicas. Prova-o a nossa historia.
Quando D. Fernando I, impellido pela fatalidade da sua condição, teve de desviar as populações ruraes para as guerras em que se envolveu pela fraqueza do seu animo, o pão estava em tanta carestia, como diz um documento desse tempo, que não havia quem se sustentasse. E a dura necessidade levou-o a procurar o pão nos celleiros estrangeiros.
D. João III, ao subir ao throno, encontrou o país exhausto de população. Os que tinham sobrevivido ás explorações maritimas e aos combates em Africa, permaneciam inertes, sem trabalhar, cansados de mares e de aventuras. Este facto reflectia-se naturalmente nas subsistencias, e assim é que, para uma população de 1.500:000 almas, vinham 378:000 moios de trigo e 680:000 moios de cevada.
Logo mais adeante encontramos o reinado de Filippe III, a quem os povos se queixavam de que todos os annos tinham de sair do reino mais de 500:000 cruzados para terem pão.
Segue-se a guerra da independencia. Os braços tinham-se desviado dos labores agricolas, e nesse periodo vemos legislação especial isentando de direitos o pão de fóra, que viesse por mar. Na administração do Marquez de Pombal, sobresae, inconfundivelmente, a lei violenta, que manda arrancar vinhas, para lhes substituir cereaes. Em 1814, segundo o testemunho de Accursio das Neves, a importação de cereaes excedia a 200:000 moios. O estado do país, saido da guerra peninsular, para onde se tinham desviado os nossos trabalhadores, motivou o abandono, a que fora votada a agricultura.
Eu poderia, Sr. Presidente, proseguir na enumeração dos factos, que ao corrente do seculo XIX occasionaram o abandono dos trabalhos ruraes, e consequentemente a necessidade de importar subsistencias do estrangeiro. A Camara conhece esses factos, até á recente crise, de que vamos saindo felizmente. Elles justificam plenamente a minha affirmação, de que Portugal tem de ser sobretudo um pais agricola, porque na agricultura reside a base da sua funcção economica, como na expansão colonial e no commercio repousa a melhor garantia da sua razão de ser historica como povo, que trabalha e coopera na grande obra da civilização. (Muitos apoiados).
Nas colonias está o nosso futuro, é certo; mas não tenhamos neste ponto o criterio de que as colonias podem resgatar os erros commetidos na administração da metropole. Ao contrario, para que as colonias prosperem e se desenvolvam, é indispensavel que a administração publica de Portugal entre em moldes novos, e que o Governo deixe de ir annualmente açambarcar ao mercado 4.000:000$000 a 5.000:000$000 réis para cobrir o deficit.
Com um tal concorrente, que absorve a melhor parte das economias particulares, e que paga o capital a bom juro e com garantia, é muito difficil fazer derivar os nossos capitães para empresas exploradoras nas colonias. De taes empresas muito carecem ellas, para progredirem, como tanto é mister. (Apoiados).
Temos, com effeito, nas colonias um grande futuro, mas se nos faltar o tino administrativo, se a administração do país não assentar num justo equilibrio entre as receitas e despesas, por mais brilhante que possa ser o futuro que as colonias nos venham a proporcionar, corremos grave risco de comprometter esse futuro.
Por ora ainda é tempo de corrigirmos os erros do passado; ámanhã poderá ser tarde.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi cumprimentado pelos Ministros presentes e muitos srs. Deputados).
O Sr. Queiroz Ribeiro: - Cumprimenta o orador que o precedeu e entra, sem divagações, no projecto em discussão, começando por notar que ha um ponto de vista, sobre o qual, durante este debate, se tem manifestado a unanimidade da Camara; é o applauso aos intuitos do projecto, que são: assegurar a vida do preto nas nossas possessões africanas e promover, na maior escala possivel, a venda dos nossos vinhos; mas é da boa ou má execução do plano do Sr. Ministro da Marinha, que depende a realização d'esses dois fins.
Antes de dizer quaes os pontos em que discorda absolutamente do projecto, não quer deixar de accentuar, que lhe é extremamente agradavel ver que, tratando-se de um assumpto d'esta ordem, a imparcialidade da opposição parlamentar é tal, que não regateia os louvores que entende dever tributar aos intuitos da proposta do Sr. Ministro da Marinha.
Essa mesma imparcialidade, porem, impõe-lhe o dever de apontar o que, nesse projecto lhe parece altamente inconveniente, e que precisa de modificação. Assim, o seu rapido discurso será mais um discurso de collaboração do que de opposição.
Procurando seguir, quanto possivel, a ordem dos artigos do projecto, parece-lhe de uma grave injustiça que se prohiba a introducção de bebidas alcoolicas em Inhambane, e que se vá prejudicar direitos já estabelecidos á sombra das leis vigentes. Contra ella deve insurgir-se a propria consciencia do Sr. Ministro da Marinha, da commissão e da Camara.
Chamou, em seguida, a sua attenção, o n.° l, da base 7.ª, que prohibe a producção da cana saccharina, não só pela disposição em si, mas ainda pela sancção verdadeiramente feroz, da base 14.ª, que determina a destruição das plantações, que se fizerem, e a perda dos apparelhos de destillação, em favor da Fazenda Nacional.
Por um lado, esta disposição chama-se, em linguagem vulgar, justiça de mouro, por outro lado é, tambem, o que, vulgarmente se chama, pancada de cego, que bato sem se saber como, nem aonde.
Com relação ao alcool desnaturado, não vê o orador em que elle possa prejudicar o indigena das nossas colonias. Ignora-se, porventura, que esse producto está sendo cautelosamente estudado em todas as nações civilizadas para se fazer d'elle as mais largas e importantes applicações industriaes?
Em face d'estas considerações, não hesita em mandar para a mesa uma emenda a esta disposição do projecto.
Quanto ao n.° 2.° da mesma base l.ª, entende que ella deve ser eliminada, porque, a seu ver, fixar o preço ao commercio, é sempre um erro gravissimo. Mesmo em tempo de guerra, ha quem condemne semelhante fixação, mas em epocas normaes, estabelecer um preço, obrigar o commercio a um preço fixo é, na verdade, uma cousa perfeitamente inacceitavel, em face de todos os principios economicos.
Que mal resulta de que o preço do alcool, para as colonias, seja elevado?
Se é elevado mais dificulta a sua compra, e é este precisamente o fim a que se procura attingir. Estabelecer, porem, um preço, e prohibir que seja elevado, é tão extraordinario que elle orador, não comprehende como pôde inserir-se no projecto semelhante disposição.
É por isso que apresenta tambem uma proposta para que seja eliminado o n.° 2.° da base l.ª
Outro ponto, que lhe parece da mais alta importancia, é o que diz respeito á base l.ª, relativamente á provincia de Moçambique, ao sul do Save, quanto ao desenvolvimento da importação dos vinhos da metropole.
Lendo as duas alineas contidas nessa base, acha extraordinario que a commissão se funde nas estatisticas, quando ellas proprias mostram o absurdo d'esse fundamento, absurdo que tem de ceder deante da razão e da logica.
As estatisticas mostram que o decreto de 1895 não in-
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[Primeiro paragrafo elegivel
Foram, portanto outras as causa.
Uma d'esta foi o [...] desenvolvimento da nossa Africa Oriental. Basta ver o que é hoje a Beira, que em 1892 quase não existia; a outra causa, que com essa se conjuga, é que na Africa Ocidental o direito sobre o alcool era quase nullo, e só depois da conferencia de Bruxellas augmentou um pouco, ao passo que na Africa Ocidental era já pesadissimo.
A differença que elle, orador, propõe, de 1 real para 20 réis, é no fundo, insensivel, porque embora se mantenha o direito antigo sobre o vinho importado, isso não tem a mais leve influencia sobre o consumo, quer na Africa Occidental, quer na Oriental.
Espera que o Sr. Ministro da Marinha acceite e proteja a sua proposta no seio da commissão; entretanto, como se trata de uma experiencia, pede S. Exa. alterar o prazo nella consignado.
O que é evidente é que d'ella resulta, um augmento de receita, que não pode ser desprezada e uma simplificação de fiscalização, importante; isto, alem de se conseguir um direito que já foi experimentado sem inconveniente, na Africa Occidental.
Não pode ser suspeito no assumpto, porque tambem é exportador de vinho para a Africa, e se não vem defender na Camara os seus interesses, a sua opinião traduz evidentemente a convicção que tem de que semelhante medida é da maior utilidade.
Passa em seguida, o orador, a outro ponto da base 8.ª, que lhe parece importante, pela doutrina que contém.
Concorda plenamente com o que preceitua a proposta do Sr. Ministro da Marinha, mas as commissões alteraram completamente esses preceitos, sem se saber porque, nem para que.
Todos sabem que é raro produzir-se vinho espumoso em typo pasto e sobretudo tanto; não comprehende, portanto, a distincção que é feita pela commissão, porque o simples facto dos vinhos serem espumosos já dá, como resultado, um augmento de valorização, que pode supportar o imposto determinado pelo Sr. Teixeira de Sousa.
Se por este lado já a alteração é inacceitavel, ha um facto gravissimo que a torna, por assim dizer, criminosa.
Já ella se referiu o Sr. Kendall; mas é bom insistir neste ponto, porque não vão longo a sessão em que elle, orador, realizando o seu aviso previo sobre a falsa declaração de procedencia dos productos vinicolas, demonstrou que a legislação e a, jurisprudencia assente por todos os paises signatarios da convenção de Madrid, entre os quaes figura Portugal, prohibe, formalmente, o emprego de nomes que não correspondem ás regiões respectivas.
Sendo assim, a França pode ámanhã perguntar com que direito se insere num projecto que ha de ser lei, a designação «Champagns», o que não é mais do que a sancção de uma fraude.
Está certo de que o Sr. Teixeira de Sousa não porá o seu pomo sob uma disposição d'esta ordem, e esta só consideração basta a justificar a emenda que neste sentido manda para a mesa.
Ainda em relação á base 8.ª, refere-se o orador á tributação das cervejas, que acha excessiva, e que, por esse motivo, não pode produzir os resultados que d'ella se espera, porque aquelles que estão habituados a essa bebida na Africa Oriental, vendo-se por este modo privados d'ella, vão aos bars existentes a bordo dos vapores, que em larga escala percorrem os portos d'aquella costa, e assim, nem sequer pagam o que até aqui pagavam.
Poe este motivo, elle, orador, incluiu entre as suas emendas uma, que tem por fim diminuir a tributarão proposta no projecto.
Neste assumptos, é necessario não ir alem da meta.
Entende ainda que esta base 8.ª do projecto é mysteriosa na parte em que estabelece tratamentos differentes para diversas regiões, e como não comprehende essas differenças, pede que ellas sejam eliminadas, ou ao mesmo, explicadas.
Na base 12.º existe um erro que é conveniente emendar; como, porem, se trata de um assumpto secundario, e o engano salta á vista, julga desnecessario insistir, e apenas lê a emenda que formulou em relação a esta parte do projecto.
Percorrendo as outras disposições, chega e orador ás providencias contidas nas bases 17.ª a 27.ª, e que, a seu ver, constituem um verdadeiro travão ao commercio pelas immensas peias de que o rodeiam.
Á circunstancia de ser demorada a analyse accresce o inconveniente d'ella envolver uma suspeição ao nosso commercio.
Outros motivos existem, ainda, mas estes bastam para mostrar a necessidade de se alterarem estas bases.
Se o Sr. Ministro da Marinha não concordar, porem, com a proposta que manda para a mesa e que tem por fim a eliminação d'estas bases, faz-lhe a prophecia de que dentro de pouco tempo terá de eliminá-las, porque o commercio ha de acordar, e deante das suas reclamações, S. Exa. ha de ser o primeiro a reconhecer a necessidade de as modificar.
Pelo gesto negativo que S. Exa. lhe faz, vê que o Sr. Ministro da Marinha não está disposto a concordar com esta sua maneira de pensar; em todo o caso applaude-se por ter intercalado nas suas emendas algumas que melhoram as disposições de outras bases.
A respeito da alinea d) entendo que ella carcce de uma nova redacção que, ao menos, a torne portuguesa.
A base 28.ª tem, tambem, a seu ver, grandissimos inconvenientes, que resultam da injustiça de fazer recair sobre os chefes das casas a responsabilidade dos delictos praticados pelos seus subordinados.
Está de acordo com esta doutrina desde que elles se não defendem da solidariedade que lhes é imposta; mas desde que se prove que houve dolo, esta disposição pode considerar-se como uma verdadeira injustiça.
E isto é tão intuitivo que nem sequer se demora a justificar mais largamente a sua emenda.
A base 30.ª é incomprehensivel, na opinião d'elle, orador, por isso propõe que ella seja mais claramente redigida.
Muitas outras considerações tinha finda a fazer nobre o projecto; fez porem as mais importantes e se ellas forem attendidas nenhuma duvida tem em dar-lhe a sua approvação; se o não forem, nega-lh'a porque não obstante os bons intuitos nelle demonstrados, os inconvenientes que apresenta contrabalança-os.
Pede pois ao Sr. Ministro da Marinha que pese bom as emendas que teem sido apresentadas pela opposição, a fim de que o projecto saia da Camara o mais perfeito que for possivel.
Por ultimo e porque o assumpto se prende mais ou monos com o projecto, lê á Camara um additamento, que tem por fim abolir quaesquer impostos que incidam sobre a exportação de quaesquer productos vinicolas nacionaes para as colonias de Africa.
Não pode ser accusado de contradictorio, porque uma cousa attende ás circunstancias do exportador nas suas conveniencias e necessidades e a outra admitte a possibilidade de tributar o genero na terra para onde elle é exportado, e os factos mostram que o direito de 20 réis, que ha pouco propôs, em nada prejudica o consumo das colonias e por outro lado evidenciam quo estes direitos de exportação são inacceitaveis e nada provam, nem mesmo sob o ponto de vista da estatistica.
Assim o mostra o seguinte facto, com que elle, orador, quiz fazer a experiencia.
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SESSÃO N.º 54 DE 12 DE ABRIL DE 1902 19
Tendo pedido a um amigo, que era seu nome manifestasse uma porção de barris de vinho, não foi este exportado, e todavia tem em seu poder o respectivo despacho em que se declara que pagou sêllo, emolumentos e direitos, e dos jornaes consta, pelo mappa de exportação, que esse vinho saiu.
A fiscalização a que se refere o projecto La de ser uma cousa parecida com isto.
Termina, mondando para a mesa a seguinte
Proposta de emendas
Tenho a honra de propor as seguintes emendas:
1.ª
Base 2.ª:
Eliminar a palavra «producção» ou inserir disposições tendentes á expropriação e indemnização dos apparelhos e empregos destillatorios existentes á data da promulgação da lei.
2.ª
Base 7.ª:
N.º 1.° Redigir «permittindo as plantações de cana saccharina e a producção do alcool, desde que seja desnaturado».
3.ª
Base 7.ª:
N.° 2.° Eliminar.
4.ª
Base 8.ª:
Provincia de Moçambique, ao sul do Save:
Alineas a) e b) - Substituir por uma alinea só, tributando o vinho de producção nacional de graduação até 17 graus em 20 réis por litro durante um anno, podendo o Governo, findo esse periodo, manter aquella tributação ou reduzi-la ao disposto nas alineas substituidas.
5.ª
Base 8.ª:
Idem. - Vinhos espumosos:
Alinea b) - Eliminar as palavras «Typo Champagne», bem como «Typo de pasto branco ou tinto, 10 réis por litro», restabelecendo integralmente a disposição da proposta do Sr. Ministro da Marinha.
6.ª
Base 8.ª:
Idem:
Eliminar a palavra «cognaes», accrescentando á palavra «licores» as seguintes: «e bebidas similares».
7.ª
Base 8.ª:
Idem. - Cerveja, cidra e outras bebidas fermentadas:
Alinea a) - Substituir 300 réis por 80 réis.
Alinea b) - Substituir 150 réis por 40 réis.
.ª
Base 8.ª:
S. Thomé e Principe:
Emendas correspondentes e analogas á 4.ª, 5.ª, 6.ª e 7.ª
9.ª
Base 8.ª:
Provincias de Moçambique, ao norte ao Save, Angola, Guiné e Cabo Verde:
Emendas correspondentes e analogas á 4.ª e 7.ª
10.ª
Base 12.ª:
Eliminar «custas e sellos do processo».
11.ª
Bases 17.ª a 27.ª inclusive:
Eliminadas.
12.ª
Base 28.ª:
Accrescentar: «§ unico. Cessa a responsabilidade imposta por esta base, provando-se não ter havido dolo».
13.ª
Base 30.ª:
Redigir mais claramente.
14.ª
Inserir entre a base 31.ª e 32.ª a seguinte:
«Ficam abolidos quaesquer impostos, incluindo o do sêllo, que actualmente incidem sobre a exportação dos productos vinicolas nacionaes para as colonias de Africa».
15.ª
Base 32.ª:
Passa a ser 33.ª = O Deputado, Queiros Ribeiro.
Foi admittida.
(O discurso será publicado na integra quando S. Exa. devolver as notas tachygraphicas).
O Sr. Presidente: - Está esgotada a inscripção.
O Sr. Pereira de Lima (relator). - Mando para a mesa o seguinte
Requerimento
Requeira que V. Exa. se digne consultar a Camara sobre a admissão do projecto de lei n.° 35 á votação immediata, independentemente das emendas que serão sujeitas ao exame da respectiva e commissão. = José Maria Pereira de Lima, relator.
Foi approvado.
O Sr. Ministro da Marinha (Teixeira de Sousa): - O illustre Deputado o Sr. Queiroz Ribeiro mandou para a mesa varias propostas de emenda e mais de uma vez mostrou desejo de que eu lhe dissesse se concordava com algumas d'ellas.
Essas emendas irão á commissão e ali serão devidamente apreciadas. Pela minha parte estou disposto a acceitar, como já disse, todas que possam melhorar a economia do projecto sem alterar a sua substancia.
O Sr. Presidente: - Vae ler-se o projecto para se votar.
(Leu-se).
Foi approvado.
O Sr. Francisco Machado: - Peço a palavra para um negocio urgente.
O Sr. Presidente: - O illustre Deputado o Sr. Francisco Machado pediu a palavra para um negocio urgente que a mesa não considerou como tal, e por isso vae ler-se a nota respectiva para que a Camara resolva.
É a seguinte:
Nota
Desejo chamar urgentemente a attenção do Sr. Ministro da Guerra, para que me informe sobre o fundamento das noticias dadas pelos jornaes de ser substituido o brim nos uniformes militares pelo kaki, o que vem prejudicar enormemente a industria nacional, que ficou alarmada com a noticia. = F. J. Machado.
Não foi considerada urgente.
O Sr. Presidente: - A primeira sessão é na segunda feira de manhã, sendo a ordem do dia á mesma que estava dada para hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 2 horas e 10 minutos da tarde.
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20 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Documentos enviados para a mesa nesta sessão
Representações
1.ª Da Camara Municipal de Belmonte, pedindo que não seja approvada a proposta, de lei que restringe a plantação da vinha.
Apresenta pelo Sr. Deputado Conde de Penha Garcia enviada á commissão de agricultura.
2.ª Dos corpos gerentes da Associação de Classe Commercial do Beato e Olivaes, pedindo que sejam feitas modificações na proposta de lei relativa ao imposto do real de agua.
Apresentada pelo Sr. Deputada Pereira de Lima, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do Governo.
Justificações de faltas
Participo a V. Exa. e á Camara que faltei a algumas sessões por motivo justificado. - O Deputado, José Gallas.
Declaração
Declaro que lancei na caixa de petições um requerimento de Rafael de Sousa Tavares, capitão-medico do regimento de cavallaria n.° 8, em que pede para lhe ser contado, para os effeitos de reforma, o tempo que serviu como medico da Camara Municipal de Idanha-a-Nova, de 1880 a 1883. = Conde de Penha Garcia.
Para a acta.
O redactor = Mello Barreto.