SESSÃO N.º 55 DE 14 DE ABRIL DE 1902 9
divisão obedece ao principio de fornecer habilitações diversas segundo o fim que o estudante tem em vista. Mas esta solução, que se afigura vantajosa á primeira vista, tambem tem inconvenientes, que se estão dando.
Todos nós sabemos que um alumno quando começa a estudar o curso preparatorio secundario não tem ideias definidas sobre qual o fim que se propõe attingir, nem o pae sabe muitas vezos a carreira que mais convem ao futuro do rapaz.
De modo que um estudante pode matricular-se num instituto de determinada categoria por se destinar a uma certa carreira, mas chegando ao fim do curso preparatorio, reconhecer que as suas tendencias soffreram uma modificação e portanto já não se querer destinar á carreira a que se propunha, mas a outra. Então ou annulla o estudo feito e começa a estudar em instituto de outra categoria, ou então teremos, e esse é um inconveniente grave, os exames supplementares de equivalencia entre os cursos dos lyceus de varias categorias, exames estes que só servem para perturbar a harmonia do ensino e que constituem verdadeiros "contrapesos de sciencia", sempre condemnaveis.
É por isso que, na nossa actual situação economica, a melhor solução a dar ao problema será manter um unico typo de instituto de instrucção secundaria, não podendo deixar de nelle existir o latim; e para existir o latim é necessario estudá-lo em todo o seu desenvolvimento, porque, repito, tinturas de latim, de uma sciencia que exige um estudo aturado, representaria trabalho improficuo e inutil. (Apoiados).
O latim, alem de produzir uma gymnastica intellectual muito aproveitavel nos estudantes, fornece-lhes elementos para elles bem poderem aprender a lingua nacional, e parece-me que o lyceu, se não tem o dever de preparar escriptores e oradores, deve preparar os alumnos de maneira que saibam bem manejar, com a palavra e com a penna, a lingua portuguesa.
O segundo ponto que foi atacado na exposição brilhante de S. Exa. foi a questão da má organização e distribuição dos programmas. Permitta-me S. Exa. que eu lhe diga que, em minha convicção, não ha um só professor de instrucção secundaria que não reconheça o facto que S. Exa. apontou. (Apoiados).
Os programmas estão de facto mal organizados e distribuidos, mas teem uma vantagem altamente manifesta sobre todos os outros programmas que teem existido: estabelecem uma connexão intima, uma ligação profunda, uma harmonia indispensavel entre todas as disciplinas que estão contidas na extensão desses programmas. Antigamente todos os programmas de instrucção secundaria estavam feitos de maneira que havia diques, enormes soluções de continuidade, linhas de separação prejudicialissimas entre as varias disciplinas, que deviam estar todas unidas e colligadas. Hoje a transição das disciplinas de umas para as outras faz-se nesses programmas como na optica se faz a transição da luz para a sombra pela penumbra, gradualmente, desde a linha limite da luz até á linha limite da sombra, num crescendo suave e lentamente sensivel; essa grande vantagem é preciso que fique e ha de ficar.
Devia o Governo ter já reformado os programmas dos annos que já tiveram applicação pratica o execução lectiva?
Não; o Governo deve aguardar que o 7.° anno lectivo tenha a sua execução pratica, e então, e só então, proceder á reforma conjunta de todos os programmas, mantendo a intima e pedagogica connexão que os distingue e tanto valoriza. E é esse o intento do Governo.
Reformando pouco a pouco os programmas, hoje os do 1.° anno, amanhã os do 2.° e depois os do 3.°, etc., como é que se poderia manter essa connexão?
De forma alguma. É por isso que ainda não foram modificados. Ora, poderá objectar-se o seguinte: então reconhece-se que os programmas estão mal organizados e determinados, e o ensino tem continuado assim?
Não, Sr. Presidente. Todos os professores, meus collegas, teem tido o bom senso de, quando é necessario, alterar os programmas de modo a melhorar mais utilmente o ensino, e até hoje não ha um só d'esses professores a quem o Governo tenha pedido contas d'esse facto, praticado no melhor dos intuitos.
Outro ponto a que S. Exa. se referiu, e que tem sido incluso em todos os ataques á reforma da instrucção secundaria, é a deficiencia dos professores. Eu sou o primeiro a confessar a V. Exa. que todos os professores, novos e velhos, dos lyceus do continente e das ilhas, foram criados num regime de instrucção completamente diverso, e orientaram por esse facto o seu espirito de uma maneira differente. V. Exa. sabe muito bom que não se muda de orientação intellectual com a mesma facilidade com que se muda de sobrecasaca; os professores estão fazendo, anno a anno, mês a mês, dia a dia, mudança nos seus processos, modificando as tendencias naturaes do seu espirito para o harmonizar com a orientação e o alto espirito pedagógico da actual reforma, e tantos mais annos decorram do execução da reforma tanto mais se ha de caminhar para o elevado fim que ella teve em vista.
Outra accusação a que S. Exa. se referiu é que não existe proporção entre a capacidade physica dos alumnos e o esforço intellectual que lhes é exigido. Este ponto tem sido tratado largamente, dizendo-se que não se attendeu á harmonia que deve existir entre a educação physica e a intellectual.
Sr. Presidente: é minha opinião, e opinião pouco auctorizada, porque não sou especialista na materia, que em nenhuma das reformas feitas até hoje se attendeu tanto á coadunação da educação physica e da educação intellectual como naquella de que nos estamos occupando; e explico a razão da minha convicção. V. Exa. sabe que um dos principios basicos da reforma é o do ensino progressivo, methodico, racional e uno. No primeiro anno o ensino é perfeitamente intuitivo; o professor fornece aos alumnos todas as noções indispensaveis para a facil percepção da lição.
O rapaz, com a attenção que não pode deixar de manter na aula, vae seguindo intelectualmente o professor, que, quando julga conveniente para manter a attenção dos alumnos, suspende a lição, dirigindo perguntas á classe, apontando os individuos que a ellas devem responder.
D'esta forma o trabalho do alumno em casa consiste numa simples revisão da materia explicada na aula, cuja acquisição foi uma consequencia natural da attenção a que é forçado durante a exposição do professor.
Aqui tem V. Exa. como nas primeiras idades, em que o organismo physico da criança maior cuidado exigiria, no que respeita ao trabalho a que é forçado, procurou naturalmente o espirito hygienico da reforma alliviar o esforço intellectual do estudante.
O ensino vae depois nas outras classes medias e superiores augmentando de intensidade, mas numa progressão que acompanha gradualmente o desenvolvimento physico do alumno.
Não vejo que se possa censurar a actual reforma da instrucção secundaria por não obedecer a este principio altamente humanitario, da coadunação da educação physica com a educação intellectual.
Sr. Presidente, por ultimo falta-me tratar do quinto grupo, coacção do ensino livre e duração do tempo official, em que synthetizarei algumas accusações de caracter geral que o illustre Deputado o Sr. Burnay fez contra a reforma de instrução secundaria.