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CAMARA DOS SENHORES DEPDTiDO

55.ª SESSÃO

EM 31 DE AGOSTO DE 4909

SUMMARIO. - Lida e approvada a acta, dá-se conta do expediente, tendo segunda leitura o projecto de lei referente á reforma do serviço de incendios, em Lisboa. - O Sr. Pinto da Motta envia para a mesa a ultima redacção do projecto de lei n.° 16.- .Responde ao Sr. Brito Camacho o Sr. Ministro da Guerra (Elvas Cardeira).- O Sr. Presidente declara que vae mandar deitar na caixa um requerimento do Sr. Henrique Kendall. - O Sr. Garcia Guerreiro manda para a mesa dois projectos de lei e o Sr. Costa Lobo duas representações.- O Sr. Ministro da Fazenda (Paula Azeredo) envia uma proposta de lei.- Usa da palavra o Sr. Pinheiro Torres, respondendo-lhe o Sr. Presidente do Conselho (Wenceslau de Lima.- Enviam para a mesa pareceres de commissões os Srs.: Soares Branco e Araújo Lima; requerimentos, os Srs.: Pinto da Motta e Matheus Sampaio.

Ordem do dia. - (Discussão dos projectos de lei n.° 14 e n.° 80, sanatorios da Madeira). Usa da palavra o Sr. Moreira de Almeida, respondendo-lhe o Sr. Presidente do Conselho.- Pala o Sr. João de Menezes, que envia um requerimento. - O Sr. Vallerio Villaça responde a este Sr. Deputado. - Os Srs. José Cabral e Pinto da Motta enviam pareceres das commissões.- Usa da palavra o Sr. Brito Camacho, respondendo-lhe o Sr. Valerio Villaça.- O Sr. Moreira Junior faz declarações.- É approvada a emenda apresentada pelo Sr. Valerio Villaça, sendo tambem approvado o artigo 1.º do projecto, o seu aditamento e o artigo 6.º

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2 DIARIO DA CAMAEA DOS. SENHOKES DEPUTADOS

Presidencia do Exmo. Sr. José Joaquim Mendes leal.

Secretarios - os Exmos. Srs.

João Pereira de Magalhães
João José Sinel de Cordes

Primeira chamada - Ás 2 horas da tarde.

Presentes - 6 Srs. Deputados.

Segunda chamada - Ás 3 horas da tarde.

Presentes - 52 Srs. Deputados.

São os seguintes: Abel de Mattos Abreu, Alberto Pinheiro Torres, Alfredo Carlos Le Cocq, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Alfredo Pereira, Antonio de Almeida Pinto da Motta, Antonio José Garcia Guerreiro, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio Tavares Festas, Aurélio Pinto Tavares Osório Castello Branco, Carlos Augusto Ferreira, Christiano José de Senna Barcellos, Conde de Paçô-Vieira, Eduardo Frederico Schwalbach Lucci, Eduardo Valerio Augusto Villaça, Emygdio Lino da Silva Junior, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Miranda da Costa Lobo, João Carlos de Mello Barreto, João Duarte de Menezes, João Ignacio de Araújo Lima, João Joaquim Isidro dos Reis, João José Sinel de Cordes, João Pereira de Magalhães, João Soares Branco, João de Sousa Calvet de Magalhães, Joaquim Heliodoro da Veiga, Joaquim José Pimenta Tello, José de Ascensão Guimarães, José Augusto Moreira de Almeida, José Bento da Rocha e Mello, José Cabral Correia do Amaral, José Estevam de Vasconcellos, José Jeronimo Rodrigues Monteiro, José Joaquim Mendes Leal, José Júlio Vieira Ramos, José Maria Cordeiro de Sousa, José Maria Joaquim Tavares, José Maria de Moura Barata Feio Terenas, José Mathias Nunes, José Paulo Monteiro Cancella, Manuel Affonso da Silva Espregueira, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel de Brito Camacho, Manuel Nunes da Silva, Manuel Telles de Vasconcellos, Matheus Augusto Ribeiro de Sampaio, Rodrigo Affonso Pequito, Visconde.de Coruche e Visconde de Ollivã.

Entraram durante a sessão os Srs.: Abel Pereira de Andrade, Alexandre Correia Telles de Araujo e Albuquerque, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio Hintze Ribeiro, Conde de Castro e Solla, Diogo Domingues Peres, Ernesto Julio de Carvalho e Vasconcellos, Henrique de Carvalho Nunes da Silva Anachoreta, Henrique de Mello Archer da Silva, João do Canto e Castro Silva Antunes, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Joaquim da Silva Amado, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria Pereira de Lima, José Maria de Queiroz Velloso, José Ri beiro da Cunha, Miguel Augusto Bombarda e Visconde da Torre.

Não compareceram á sessão os Srs.: Abílio Augusto de Madureira Beça, Adriano Anthero de Sousa Pinto, Affonso Augusto da Costa, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alexandre Braga, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Amadeu de Magalhães Infante de La Cerda, Anselmo Augusto Vieira, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Alves de Oliveira Guimarães, Antonio Augusto de, Mendonça David, Antonio Augusto Pereira Cardoso, Antonio Bellard da Fonseca, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Centeno, Antonio Duarte Ramada Curto, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio José de Almeida, Antonio Macedo Ramalho Ortigão, Antonio Osório Sarmento de Figueiredo, Antonio Rodrigues Costa da Silveira, Antonio Sérgio da Silva e Castro, Antonio Zeferino Cândido da Piedade, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto de Castro Sampaio Corte Real, Augusto César Claro da Ricca, Augusto Vidal de Castilho Barreto e Noronha, Conde da Arrochella, Conde de Azevedo, Conde de Mangualde, Conde de Penha Garcia, Duarte Gustavo de Roboredo Sampaio e Mello, Eduardo Burnay, Ernesto Jardim de Vilhena, Fernando de Almeida Loureiro e Vasconcellos, Fernando Augusto Miranda Martins de Carvalho, Fernando de Sousa Botelho e Mello (D.), Francisco Joaquim Fernandes, Francisco Xavier Correia Mendes, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, João Augusto Pereira, João Correia Botelho Castelio Branco, João Henrique Ulrich, João José da Silva Ferreira Neto, João Pinto Rodrigues dos Santos, João de Sousa Tavares, Joaquim Anselmo da Matta Oliveira, Joaquim Mattoso da Camara, Joaquim Pedro Martins, Jorge Vieira, José Antonio Alves Ferreira de Lemos Júnior, José Antonio da Rocha Lousa, José Caeiro da Matta, José Caetano Rebello, José Francisco Teixeira de Azevedo, José Malheiro Reymão, José Maria de Oliveira Mattos, José Maria de Oliveira Simões, José Osório da Gama e Castro, José dos Santos Pereira Jardim, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Libanio Antonio Fialho Gomes, Lourenço Caldeira da Gania Lobo Cayolla, Luis Filippe de Castro (D.), Luis da Gama, Luis Vaz de Carvalho Crespo, Manuel Francisco de Vargas, Manuel Joaquim Fratel, Manuel de Sousa A vides, Mariano José da Silva Prezado, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Paulo de Barros Pinto Osorio, Roberto da Cunha Baptista, Sabino Maria Teixeira Coelho, Thoinás de Almeida Manuel de Vilhena (D.), Thomás de Aquino de Almeida Garrett, Vicente de Moura Coutinho de Almeida de Eça, Visconde de Reguengo (Jorge) e Visconde de Villa Moura.

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SESSÃO N.º 55 DE 31 DE AGOSTO DE 1909 3

ABERTURA DA SESSÃO - Ás 3 horas da tarde

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Segundas leituras

Proposta de renovação de iniciativa Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 72-B de 1908, referente á reforma do serviço de incêndios da cidade de Lisboa.

Lisboa, 30 de agosto de 1909.= O Deputado, Emygdio da Silva.

Foi admittida e enviada á commissão de administração publica, ouvida a de fazenda.

Refere-se esta renovação de iniciativa ao seguinte

Projecto de lei

Artigo 1.° As dotações dos serviços do corpo de bombeiros municipaes da cidade de Lisboa são elevadas sobre o que se acha fixado no projecto de lei, relativo ao Orçamento Geral do Estado, nos termos das tabellas n.ºs 1, 2 e 3 que adeante seguem e fazem parte d'este artigo.

Art. 2.°As construcções de novas estações ou ampliações das existentes ficarão a cargo do Ministério das Obras Publicas.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

TABELLA N.º 1

Pessoal - Despesa permanente e ordinaria do orçamento

(Artigo 16.°)

[Ver tabela na imagem]

(a) Em cada um dos annos 1.° e 2.°, 8 de 1.ª classe; 16 de 2.ª classe. Em cada um dos annos 3.° e 4.°, 8 de 2.ª classe.

(b) Em cada anno 8.

TABELLA N.2

Material - Despesa permanente e ordinaria do orçamento

(Artigo 22.°)

[Ver tabela na imagem]

(a) Fardamentos, equipamentos novos, sua substituição periodica e indemnização d'estes por deterioração nos fogos; aquartelamento, comprehendendo camas, enxergas, medicamentos, etc.

(b) Sustento, ferragem, curativos, etc.

TABELLA N.º 3

Material - Despesa extraordinaria distribuida pelo período de quatro annos e que cessa ao cabo d'este período

[Ver tabela na imagem]

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4 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O Sr. Pinto da Motta: - Por parte da commissão de redacção mando para a mesa a ultima redacção do projecto de lei n.° 16.

O Sr. Presidente: - A commissão de redacção não fez alteração alguma ao projecto n.° 16. Vae ser enviado para a Camara dos Dignos Pares.

O Sr. Ministro da Guerra (Elvas Cardeira): - Sr. Presidente: permitia-me V. Exa. e a Camara que, antes de responder ao illustre Deputado Sr. Brito Camacho, eu explique a minha falta de comparência na sessão de sexta feira. Estive em serviço na quarta é quinta feira na Escola Pratica de Infantaria, em Mafra, e na sexta feira houve assinatura real, não me sobrando por isso o tempo para ler a quantidade de correspondência que tinha em casa, entre a qual estava o aviso do Sr. Secretario da Camara participando-me que o Sr. Brito Camacho falava nesse dia. Foi só na noite de sexta feira que a li e que, portanto, tive conhecimento de que havia faltado á Camara para ouvir este Sr. Deputado.

Devo tambem dizer qual a razão por que hontem não quis usar da palavra. Ia entrar-se na ordem do dia, discutir-se um projecto importantissimo para o país, como era o tratado de commercio com a Allenaanha, e eu, por parte do Governo, entendi que não devia preterir esse assunto para tratar de uma simples questiúncula, para a qual a opportunidade tinha completamente passado. Esta é a razão por que não falei hontem.

Hoje vou tratar de responder ao Sr. Brito Camacho. Começou S. Exa. por fazer a leitura da portaria do Sr. Sebastião Telles, castigando com seis meses de inactividade o capitão Cabreira por ter assistido a dois comicios destinados a fazer a apresentação e a propaganda da lista republicana para a vereação do município de Lisboa. Ora, Sr. Presidente, no artigo 149.° do regulamento disciplinar diz-se que os officiaes, quer combatentes quer não, quer sirvam no Ministerio da Guerra, quer em outro, estão sujeitos ao regulamento disciplinar. O Sr. capitão Cabreira estava no serviço activo, estava servindo no Ministerio do Reino, portanto estava sujeito ao regulamento disciplinar.

O artigo 40.° do mesmo regulamento prohibe aos militares tomarem parte em reuniões políticas, sejam de que natureza forem, e o próprio Sr. Brito Camacho declarou hontem á Camara que elle assistira a uma convocação do partido republicano sobre as eleições camarárias. Portanto, Sr. Presidente, a falta estava commettida e o Sr. Sebastião Telles estava no pleno direito de punir essa falta. Tinha o Sr. Cabreira podido reclamar, mas a meu ver não o devia fazer, porque a falta tinha sido commettida e porque quem lhe applicou o castigo não exorbitou das suas attribuições.

Disse o Sr. Brito Camacho que o artigo 112.° não está em harmonia com o n.° 6.° do artigo 3.° Vejamos: o artigo 112.° permitte a qualquer militar reclamar quando julgue que não commetteu a falta ou quando o castigo tenha sido superior á competência de quem lho applicou, e o n.° 6.° do artigo 3.° diz que todo o militar se deve submetter prontamente ao castigo que lhe for applicado pela maneira como for determinado. Onde está aqui a desharmonia? Eu não a vejo. O militar soffre o castigo, submette-se prontamente a elle, vae para a prisão ou para onde o mandarem, tem papel e tinta para, dentro do prazo que a lei marca - oito dias - fazer a sua reclamação ; se a sua reclamação for attendida, é immediatamente solto e fica illibado da supposta falta commettida. Onde está aqui a desharmónia? Eu, francamente, não a vejo.

O Sr. Brito Camacho entende que o regulamento disciplinar não está como deve ser, por isso que não permitte aos officiaes que não estão em serviço activo ou se achem reformados o direito de manifestação como a qualquer outro cidadão.
Sr. Presidente: o regulamento disciplinar não estará bom, mas não hei de ser eu nem qualquer outro Ministro da Guerra que tenha aqui assento, quem venha apresentar outro documento que permitta aos officiaes tomar parte em manifestações republicanas, contra a política da Monarchia, que elles estão obrigados, a guardar e respeitar. (Apoiados).

O Sr. Brito Camacho: - Se viera republica, não se demittem.

O Sr. Paulo. Cancella: - Veremos isso, teem um exemplo na França.

O Orador: - Está effectivamente em revisão o Codigo de Justiça Militar, e é de suppor que essa revisão faja alterações tambem no regulamento disciplinar, se for necessario. Se eu me conformar com ellas, não terei duvida nenhuma de submetter á apreciação da Camara uma proposta de lei nesse sentido; mas desde já affirmo a S. Exa. que não será com o fim de permittir a qualquer militar tomar parte em manifestações republicanas.

Por ultimo - eu não ouvi bem, porque S. Exa. tão depressa se voltava para um lado, como para o outro da Camará- mas quis-me parecer que S. Exa. queria que eu lhe dissesse o que pensava sobre a defesa nacional e sobre a política do exercito, creio eu.

Sr. Presidente: No dia em que o Ministerio se apresentou á Camara já S. Exa. quis saber se eu apresentava as medidas que tinham sido estudadas no Supremo Conselho de Defesa Nacional.

Eu disse, francamente, que entendia da minha obrigação no cumprimento da lei apresentar esses projectos, taes como o Supremo Conselho de Defesa Nacional os tinha elaborado.

Disse mais que estava plenamente de acordo com a proposta de recrutamento e que não me conformava com a organização militar, e que entendia que precisava de alterações que eu proporia á commissão de guerra desta Camara e de acordo com ella as introduziria no projecto de lei.

Não tenho duvida nenhuma em apresentar uma organização. Para ser a de que nós precisamos, tem fatalmente de ser mais cara do que a quantia que nós gastamos até hoje com o exercito. Não. será tanto como propõe o Supremo Conselho de Defesa Nacional, mas é necessario gastar mais.

E, Sr. Presidente, um general, que, como director dos serviços do estado maior, teve a satisfação de ver publicado e bem acceite pelo exercito o regulamento de campanha, todas as instrucçoes dasí armas e dos serviços respectivos; as instrucções sobre os serviços de subbistencias; o regulamento dos serviços da segunda linha, e finalmente o regulamento de mobilização, permitta-se-me que eu diga - modestia á parte- que quem apresentou estes trabalhos no pouco tempo que foi director dos serviços do estado maior tem capacidade e faculdades de trabalho suficientes para apresentar aqui uma organização que seja completa, que mantenha a nossa integridade e faça respeitar a nação por todas as outras nações mais poderosas. (Vozes: - Muito bem, muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente: - O Sr. Henrique Carlos de Meirelles Kendall procurou-me nesta Camara e entregou me um. requerimento em que pede para ser applicada á construcção de edifícios escolares para lyceus do Porto e, sendo possível, para um theatro municipal, a verba do imposto cobrado pela Associação Commercial da mesma cidade, em virtude de uma lei de 1841, com applicação ex-

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clusiva às obras da Bolsa e Tribunal do Commercio, que se acham concitadas.

O Sr. Garcia Guerreiro: - Mando para a mesa dois projectos de lei que passo a ler, em cumprimento das prescrições regimentaes.

1.° Concedendo a isenção de direitos para o material, apparelhos, machinas e mais accessorios que se não fabricam no país, e seja necessario importar do estrangeiro para illuminação electrica da cidade da Horta.

2.° Autorizando a conceder de arrendamento, pelo prazo de trinta annos, ao engenheiro João Raposo de Medeiros, concessionario da illuminação electrica publica e particular da cidade da Horta, uma parcela de terreno de 600 metros quadrados, no terrapleno das obras do porto artificial da mesma cidade.

Sobre estes projectos de lei, tenho a dizer a V. Exa. e á Camara que, ouvidas as estacões competentes, foi pelo Ministerio das Obras Publicas estudado.

Parece-me de toda a justiça que esse prazo seja elevada a trinta annos.

Estes projectos são assinados por alguns Srs. Deputados.

Os projectos ficaram para segunda leitura.

O Sr. Costa Lobo: - Pedi a palavra para a publicação no Diario do Governo do seguinte projecto do regulamento do artigo 46.° do decreto de 18 de setembro de 1908 e, ao mesmo tempo, para enviar uma representação dos professores de desenho dos lyceus, que desejam que os seus vencimentos sejam equiparados aos dos outros professores e para a qual peço tambem a sua publicação no Diario do Governo.

Foi autorizada a publicação no "Diario do Governo" d'estes dois documentos.

O Sr. Ministro da Fazenda (Paula Azeredo): - Pedi a palavra para mandar para a mesa uma proposta de lei dispensando o Governo de effectuar no corrente anno económico de 1909-1910 a autorização exigida pelo artigo 22.° da carta de lei de 9 de setembro de 1908.

Foi mandada enviar às commissões de fazenda e do orçamento depois de publicada no "Diario do Governo"..

O Sr. Pinheiro Torres: - Vae chamar a attençâo do Governo para varios assuntos que reputa importantes.

Começará por dizer que, se satisfizesse aos impulsos da sua vontade, responderia, como tinha promettido, às afirmações feitas nesta Camara pelo Sr. Deputado Egas Moniz mas como quer obedecer á resolução da maioria que resolveu adiar para mais tarde a discussão do assunto a que se refere a representação que a esta Camara foi trazida, e como não quer referir-se a esse Sr. Deputado sem que S. Exa. esteja presente, reservará para mais tarde a sua resposta, na certeza de que então dirá o que pensa sobre as ordens religiosas no campo colonial e da beneficencia.

Posto isto, deve dizer que lhe parece indispensavel, e di-lo sem azedume, sem a menor má vontade, porque nesse ponto até muito desejaria collaborar com o Governo, que se pense na obra de saneamento moral.

O Sr. Presidente do Conselho, que é muito illustrado, deve concordar que é absolutamente necessario o estabelecimento de uma base moral, que levante o nível intellectual e moral da sociedade portuguesa, porque sem isso não se pode resolver nenhum dos grandes problemas economicos e financeiros que nos assoberbam.

A seu .ver é absolutamente indispensavel tratar-se do problema da educação nacional.

Deve haver a maxima amplidão na diffusão d'estes princípios, porque na imprensa, nos theatros, em toda a parte faz-se a mais desenfreada propaganda contra a moral e contra as instituições.

Seja qual for a obra que se queira fazer, ella nunca poderá ser solida senão assentar numa sociedade esclarecida e moral.

A Camara não desconhece o aumento pavoroso que tem tido a criminalidade, sobretudo nos menores, o que é devido á liberdade que se deixa á vadiagem, pois- nas cidades, principalmente, vagueiam em quantidade os rapazes e raparigas menores pervertendo-se no vicio e no crime.

É preciso, como disse, lançar as bases de uma educação moral no povo português, porque, para se realizar a frase de que abrir uma escola é fechar uma prisão, é preciso .que uma escola seja um centro forte de educação. E preciso que a escola se dirija especialmente a formar caracteres.

E possível que nós não possamos fazer obra completa, mas devemos, pelo menos, preparar o terreno para que outros o façam.

É absolutamente indispensável que o Governo resolva de uma vez o problema do jogo, que se decida ou pela sua prohibição absoluta ou pela sua regulamentação; o que não pode ser é manter-se nesta indecisão que é perigosa.

Elle, orador, ainda ha dias viu em um grémio do norte os pobres lavradores frequentarem as casas de jogo, o que é realmente deplorável, não só porque deixam ali o que lhes é necessario para o sustento das suas famílias, como porque levam para as suas aldeias esse vicio terrível.

Agora seja-lhe permittido, não defender uma classe, porque o seu partido não é de classes, mas chamar a attençao do Governo para uma classe que a todos é sympathica.

Tem ouvido que a luta que se levantou agora, não é contra o clero parqchial, que se respeitam os padres humildes das nossas aldeias, que os parochos são figuras respeitaveis para todos os partidos que nelles encontram amigos, e, portanto, não parecerá impertinencia que cha-me a attençao do Governo e da Camara para a sua situação, pois está convencido de que, encontrando-se elles em melhor estado de libertação, melhor poderão exercer a sua acção.

Crê nas boas intenções do Governo a esse respeito, e, como não vê presente o Sr. Ministro da Justiça, pede ao Sr. Presidente do Conselho a fineza de lhe transmittir as suas considerações.

Os parochos de ha muito que vêem reclamando do Parlamento que attenda á sua situação, sem nunca conseguirem deferimento, no entanto algumas providencias ha, que fazem parte das suas reclamações, que podem ser tomadas independentemente da acção do poder legislativo; são ellas que o parocho, cujo beneficio não tenha lotação superior a 400$000 réis, não soffra redacção nos juros das inscrições que lhes estão averbadas; que sejam obrigados a apresentar uma só vez os livros de registo para as operações do recrutamento; que os artigos 449.° e 450.° do Código Administrativo sejam modificados de forma que os parochos possam ser partes em juízo para obrigar os parochianos remissos a pagar os direitos que lhes possam competir; que as congruas parochiaes sejam isentas de toda e qualquer contribuição.
Outro assunto. Têm ouvido muitas vezes falar na reforma do Codigo Civil, mas não vê que se pense na remodelação do Código Penal e todavia elle bem carece de ser modificado, sobretudo no que respeita aos menores.

Lá fora, na America do Norte, como o Sr. Presidente do Conselho não ignora, os menores já não são submettidos

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aos tribunaes communs, ha para elles os tribunaes infantis, que só em casos muito excepcionaes os condemnam a reclusão; são as famílias que delles se encarregam, e os resultados que se teem obtido são os mais satisfatorios possíveis. Basta dizer que, de 1:100 menores julgados, 75 por cento voltaram ao convívio social, tornando-se cidadãos prestantes.

A este respeito deve dizer que viu com desgosto que o Sr. Ministro da Justiça, nas suas propostas, seguia orientação differente, o que representa estar atrasado vinte ou vinte e cinco annos.

É preciso em Portugal fazer-se tambem alguma cousa nesse sentido, e com isso se diminuirão os encargos do Thesouro, porque se reduzirá! o numero dos enclausurados.

Disse ha dias, e muito bem. o Sr. Presidente do Conselho, que é necessario promover o regresso ao campo. Com effeito, é necessario estabelecer, o melhor que se possa, o regime da propriedade, conservar o casal da familia, porque se formos procurar a pedra basilar das nossas desgraças talvez a encontremos na perda do sentimento da familia. É necessário, portanto, levantar o espirito da familia, acorrentar essa gente á terra, fazer lavradores illustrados.

Falou ha pouco na questão económica, e deve dizer que, se não usou da palavra na discussão do tratado com a Allemanha, pelo qual não se deve regatear louvores ao Sr. Presidente do Conselho, é porque, devendo esse tratado ser approvado como estava, pois não admittia emendas, julgou não dever demorar a sua approvacão..

A proposito dirá que recebeu uma representação da Camara Municipal de Villa Nova de Famalicão pedindo-lhe que solicitasse do Governo que no tratado a celebrar com o Brasil fossem attendidos os vinhos verdes que se produzem n'aquella região.

Nessa representação pede-se tambem que se mande pagar os vencimentos em atraso aos professores de instrucção primaria e as gratificações pelos exames do anno passado, que ainda tambem não foram pagas.

Espera que o Sr. Presidente do Conselho se dignará attender a este pedido, porque a classe dos professores primários é das que mais deve merecer dos poderes públicos, pois della depende em grande parte, por meio do ensino, o renascimento da nossa pátria.

De Benayente tambem recebeu, uma reclamação contra o facto de ali não haver escolas onde as trezentas ou quatrocentas crianças que ali existem na idade escolar possam receber a instrucção.

Pede ao Governo que providencie por forma a que, em outubro, embora em installações provisorias, essas crianças possam ter aula.

Outro ponto ainda para que chama a sua attençao é o do descanso semanal, que se encontra num estado verdadeiramente chaotico. Espera igualmente que o Governo providenciará por forma a regulá-lo de maneira que,- mantendo-se esse principio, que é justo, elle corresponda ao fim que se teve em vista: dar ao operário um dia na semana para o convívio da familia.

Resumindo, porque a hora vae adeantada, diz que para dois problemas importantes o Governo deve voltar a sua attenção: o da vadiagem e o da mendicidade. Lance o Governo as bases para a assistência publica, que nos falta por completo, parecendo- lhe mesmo que alguma cousa se pode fazer sem aumento de despesa.

Uma cousa lhe parece se pode fazer desde já, é acabar com a prisão por custas, que se é tremenda para todos os réus, é verdadeirante terrível para os menores.

Nas considerações que acaba de fazer, uma única orientação o guiou: a necessidade de estabelecer a sociedade portuguesa sobre bases inteílectuaes e rooraes.

Uma reacção parece operar-se no pais, reacção salutar que ao Governo cumpre encaminhar para que possamos affirmar á Europa que queremos viver.

(O discurso será publicado na integra guando o orador restituir as notas tuchygraphicas).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Wenceslau de Lima):.- O Sr. Pinheiro Torres, cuja palavra acabo de ouvir, tratou nesta sessão os mais variados problemas de ordem social e moral. É para mim, muito grato responder-lhe, e hoje mais do que da ultima vez em que tive occasião de o fazer, porque as opiniões por S. Exa. agora expostas se aproximam das minhas, e o presente discurso seu isentou da vehemencia do ataque.

Agradeço a cooperação que o illustre Deputado offereceu ao Governo para a solução dos problemas acêrca dos quaes chamou a sua attenção. Elles são, com effeito, de natureza a interessar não só o Governo, mas todos aquelles que se dedicam a bem servir o país.

É pouco o tempo de que disponho para responder a S. Exa. e por isso não me alongarei em considerações; farei no entanto o possível por não deixar sem resposta os diversos pontos do seu discurso.

De todos é sabido que não ha nenhuma civilização que não tenha por base crenças rnoraes e convicções intellectuaes fortemente definidas, ideias directrizes, de que nenhuma nação culta pode prescindir. Concordo com S. Exa. na necessidade de educar o povo português, sob o ponto de vista cívico e moral, de lhe dar solidas crenças e firmes ideias.

Não é a primeira vez que nesta Camara faço affirmações desta natureza, mas se é certo que é facil perfilhar estes princípios, prestar-lhes a devida homenagem, difficil é tambem pô-los em pratica, porque não basta para isso a acção governativa, sendo necessario o concurso da collectividade social.

Folgo de ver que no nosso país se vae manifestando uma reacção que quebra antigas apathias, define ideias e exterioriza convicções, e espero que dessa reacção alguma cousa de útil possa resultar.

É necessario que o Governo saiba utilizar nesse movimento o que nelle ha de bom, e pode S. Exa. estar certo de que não ha de ao Governo fallecer o animo para o orientar e aproveitar...

Sabe S. Exa. muito bem, e sabe a Camara, que eu sou conservador, convencido como estou de que dentro das doutrinas conservadoras cabem os mais uteis e ordenados progressos.

O Sr. Presidente: - Observo a V. Exa. que faltam cinco minutos para passar á ordem do dia.

O Orador: - A observação de V. Exa. obriga-me a restringir ainda mais do que pensava as minhas considerações.

Chamou o Sr. Pinheiro Torres a attenção do Governo para factos muito variados: a educação em geral, os tribunaes infantis, o problema do jogo, o regresso á terra, e tantos outros que não sei como em tão pouco tempo lhe poderei dar uma resposta, embora muito summaria.

Julgo que todos esses problemas podem ser, em grande parte, resolvidos conjugando os ideaes modernos com os instrumentos tradicionalistas do nosso povo: o município, a parochia, a misericordia.

Creio que se alentarmos e desenvolvermos a vida dessas três instituições absolutamente portuguesas, camaras municipaes, assembleias provinciaes e misericordias, se poderá dar aos problemas que o Sr. Pinheiro Torres tratou uma solução que seja decerto a mais consentânea com as necessidades da pátria portuguesa.

E minha intenção, e nisso tenho já trabalhado, trazer á Camara uma reorganização da assistencia publica, ba-

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seada na restauração, adequada ás condições da vida moderna, do antigo systema das misericordias, uma reorganização da vida provincial criando as assembleias provinciaes, e uma reforma municipal restaurando aos municipios uma liberdade de acção que elles actualmente não disfrutam.

Julgo que descentralizando um pouco e fortalecendo estas instituições se ataca de frente o problema da educação civica do povo e da assistencia nacional.

Seguramente são muito uteis os tribunaes infantis em que o Sr. Pinheiro Torres falou, mas os factos citados da America do Norte não poderiam reproduzir-se entre nos: as condições do meio português são absolutamente diversas.

Na America do Norte, como S. Exa. não ignora, a religiosidade é profunda e intensa, através das mais variadas religiões, o difficil será encontrar ali alguém que não professe uma religião. O proprio atheismo toma ali a forma de uma religião negativa. Entre nos, o indifferentismo é grande. D'ahi accentuadas differenças entre os dois povos, e que influem em toda a sua vida.

Tendo dado a hora de se passar á ordem do dia, a Camara consente que o orador continue no uso da palavra.

O Orador: - Agradeço á Camara a sua condescendencia, de que prometto não abusar.

Ir buscar exemplos ao estrangeiro, que não são adaptaveis á vida portuguesa, é produzir, obra perfeitamente inutil. É por isso que o Governo, no que intentar fazer, deseja tomar por base as instituições essencialmente portuguesas, e adaptadas ao modo de ser da collectividade nacional.

E certo que no problema da educação e da moralização, o clero parochial português, por todos respeitado, pode ter a sua parte e uma cooperação util, e por isso é necessario pô-lo em condições de independencia que hoje decerto lhe faltam. O Governo estuda o assunto, e está certo de que o Sr. Ministro da Justiça, como elle proprio já declarou na Camara dos Dignos Pares, não deixará de trazer ao Parlamento uma proposta de lei nesse sentido, a qual concorra para desenvolver vantajosamente a vida da parochia.

Restaurando o que tinhamos e a que se possa insuflar nova vida, estou convencido de que se conseguirão resolver muitos dos problemas de que depende o desenvolvimento da nacionalidade portuguesa.

Occupou-se tambem o illustre Deputado da questão economica. Um dos factores principaes para a resolver é a celebração de tratados de commercio, porque é essa a unica forma de acabarmos a muralha da China que envolvia o nosso commercio de exportação.

Estou convencido de que a Camara, votando hontem o tratado com a Allemanha, prestou um grande serviço á nação, e estou igualmente convencido de que, ratificado esse tratado, outros se lhe hão de seguir; e dessa maneira se abrirão ao nosso commercio externo mercados até agora inteiramente vedados á introducção dos nossos productos.

Sendo, como não pode deixar de ser, a base de negociação d'esses tratados a agraria, ahi teremos o melhor impulso para o desenvolvimento, que de futuro se ha de produzir, não só na nossa vida economica, mas especialmente na nossa vida rural.

Termino agradecendo ao Sr. Deputado Pinheiro Torres as palavras de deferencia que teve para com o Governo e tambem muito sinceramente agradeço a cooperação por S. Exa. offerecida e que, pelo seu, alto valor, pode ser de grande proveito para o Governo. (Vozes: - Muito bem).

(O orador não reviu}.

O Sr. Presidente: - Deu a hora de se passar á ordem do dia e os Srs. Deputados que tiverem papeis a mandar para a mesa podem fazê-lo.

O Sr. Joaquim Tello: - Mando para a mesa o seguinte

Aviso previo

Desejo interpellar o Sr. Ministro das Obras Publicas, Commercio e Industria acêrca da construcção do ramal do caminho de ferro de Portimão a Lagos. = O Deputado, Joaquim Tello.

Mandou-se expedir.

O Sr. Pinto da Motta: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro, pelo Ministerio da Fazenda, copia do relatorio, e respectiva informação, da ultima, á data, inspecção á Repartição de Fazenda do concelho de. Valença. Peco urgencia. = A. Pinto da Motta.

Mandou-se expedir.

O Sr. Soares Branco: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre a proposta de lei n.° 34-C de 1909, que tem por fim autorizar o Governo a garantir o juro de 5 por cento ás obrigações que a Sociedade Cooperativa União dos Vinicultores de Portugal emittir, até o valor nominal de 2:000 contos de réis.

Foi mandado imprimir com toda a urgencia.

O Sr. Araujo Lima: - Mando para a mesa o parecer da commissão de instrnoção primaria e secundaria sobre o projecto de lei n.° 36-A de 1909, que tem por fira equiparar o diploma do curso de humanidades professado na Belgica, pelo subdito português Antonio Tovar de Lemos, ao curso secundario dos nossos lyceus, para os effeitos da matricula do mesmo estudante no primeiro anno da Escola Polytechnica de Lisboa.

Foi mandado imprimir.

O Sr. Araujo Lima: - Peço a V. Exa. que se digne consultar a Camara sobre se permitte que a commissão de instrucção primaria e secundaria reuna durante a sessão.

Foi permittido.

O Sr. Presidente: - O .Sr. Archer da Silva pediu a palavra para um negocio, urgente, que diz respeito ás providencias tomadas para evitar o contrabando de armas de que se falou em Lisboa.

Os Srs. Deputados que entendem que se deve dar a palavra a S. Exa., para tratar deste assunto, tenham a bondade de se levantar.

Foi rejeitado.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se o requerimento mandado para a mesa pelo Sr. Matheus Sampaio. É o seguinte:

Requerimento

Requeiro a V. Exa. que consulte a Camara se consente que o meu projecto de lei apresentado na sessão de 25 do corrente seja publicado no Diario do Governo, bem como o relatorio que o precedeu. = Matheus Sampaio.

Foi autorizada a publicação.

O Sr. Presidente: - Vae entrar em discussão o parecer n.° 14.

Vae ler-se.

Leu-se na mesa. É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 14

Senhores. - O projecto de lei n.° 6-A, que foi presente á vossa commissão de administração publica, refere-se á reconstrucção do edificio dos Paços Municipaes de Villa

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8 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Real de Santo Antonio que na noite de 20 de junho de 1908, foi destruido por um violento incendio.

Trata-se de uma obra indispensavel e que não deve soffrer delongas, não só porque as actuaes ruinas desfeiam o mais bonito e mais concorrido largo d'aquella importante villa do Algarve, mas muito principalmente porque da falta de paços municipaes resulta a má e cara accommodação de diversas repartições publicas.

O edificio hoje em ruinas, achava-se seguro, e de indemnização pagou á camara a Companhia seguradora a importancia de 4:142$404 réis: É certo que não indica a conveniencia de applicar essa quantia na reconstrucção a realizar, mas é ella diminuta pelo que necessario se torna facilitar á camara outros meios de occorrer a tão importantes despesas.

Pelo exposto, e tendo em vista que se acha completa a rede de estradas municipaes do concelho de Villa Real de Santo Antonio, e bem assim que, devido á curta extensão dessas estradas, a despesa annual a fazer com as necessarias reparações é insignificante, a vossa commissão de administração publica, de acordo com o Governo, espera do vosso illustrado criterio a approvação do seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É a Camara Municipal do concelho de Villa Real de Santo Antonio autorizada a despender até a quantia maxima de 16 contos de réis para a reconstrucção dos Paços do Concelho, Tribunal Judicial e installação de todas as repartições publicas, que se possam concentrar no mesmo edificio, procurando ao mesmo tempo collocar a cadeia comarca em condições de salubridade e segurança.

Art. 2.° Para fazer face a estes encargos é a mesma camara autorizada a despender todo o capital que tiver no fundo de viação á data da publicação desta lei e réis 4:142$404 que recebeu da companhia de seguros.

Art. 3.° Para complemento do capital necessario e fixado no artigo 1.° é a camara autorizada a dispor das cinco sextas partes da verba que até agora destinava ao fundo de viação, ficando uma sexta parte para fazer face á reparação das estradas a cargo da mesma camara.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da commissão de administração publica, em 2 de agosto de 1909.= Conde de Penha Garcia = D. G. Roboredo Sampaio e Mello = Sousa Avides = Manuel Fratel = Ernesto de Vasconcellos = João Henrique Ulrich Paulo Cancella = Visconde da Torre = José Joaquim da Silva Amado = Visconde de Ollivã (relator).

N.° 6-A

Senhores. - A Camara Municipal de Villa Real de Santo Antonio, em virtude de um violento incendio que na noite de 20 de junho de 1908, destruiu por completo todo o edificio dos paços municipaes e danificou profundamente o edificio do Tribunal Judicial, viu-se forçada a alugar provisoriamente algumas salas onde pudesse funccionar, e bem assim a administração do concelho e sub-delegacia de saude. É de urgente necessidade proceder á reconstrucção do edificio que fica na principal praça da villa e convindo aproveitar o ensejo para proceder ás reparações necessarias no edificio do.Tribunal Judicial que á mesma camara pertence, construcção antiquissima, dos tempos do Marques de Pombal, epoca da fundação da villa, e que ameaça ruina, indispensavel se torna habilitar o municipio com elementos financeiros que possam fazer face a este encargo.

Estando completamente a rede de estradas municipaes no concelho e tendo a camara d'aquella villa mais de 2 contos de réis na Caixa Geral de Depositos, como fundo de viação municipal, justo nos parece que a Camara dos Senhores Deputados autorize a applicação d'esta verba á reconstrucção dos paços do concelho e bem assim deshonerar a camara do encargo annnal destinado áquelle fim, marcando-se-lhe apenas a verba indispensavel á reparação das estradas que estão a cargo da camara.

E tendo em vista que a camara municipal daquella villa contribuo em media, deduzidas as verbas para os hospitaes, com a quantia annnal de 1:200$000 a 1:300$000 réis para o referido fundo de viação, sendo certo que 200$000 réis é mais do que sufficiente para fazer face ás reparações annuaes de que possam carecer os seis kilometros de estradas municipaes; parece de justiça que a mesma camara fique apenas obrigada a contribuir para o alludido fundo com uma sexta parte, podendo applicar o restante para pagamento de annuidades de qualquer emprestimo ou operação que a camara julgue mais economica para o conseguimento do seu fim.

Da companhia seguradora recebeu a camara a quantia de 4:142$404 réis que não pode cobrir a despesa indispensavel a fazer num edificio onde alem dos paços do concelho e tribunal da comarca possam funccionar todas as repartições publicas.

Nestas condições tenho a honra de apresentar á vossa approvação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É a Camara Municipal de Villa Real de Santo Antonio autorizada a despender até a quantia máxima de 16 contos de réis para a reconstrucção dos paços do concelho, tribunal da comarca e installação de todas as repartições publicas, que se possam concentrar no mesmo edificio, procurando ao mesmo tempo collocar a cadeia comarca em condições de salubridade e segurança.

Art. 2.° Para fazer face a estes encargos é a mesma camara autorizada a despender todo o capital que tiver no fundo de viação á data da publicação desta lei e 4:142$404 réis que recebeu da companhia de seguros.

Art. 3.° Para amortização do capital em divida, depois de pagas as verbas anteriores é a camara autorizada a applicar 5/6 (cinco sextas partes) da verba que até agora destinava ao fundo de viação, ficando 1/6 (uma sexta parte) para fazer face ás reparações das estradas a cargo da mesma camara.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da Camara dos Senhores Deputados, 22 de março de 1909. ==|0 Deputado, Frederico Ramires.

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 1.°

O Sr. João de Menezes: - Sr. Presidente: protesto contra este projecto, porque sei que a Camara Municipal de Villa Real tem toda a sua rede de viação completa, e, portanto, acho extraordinario que se levantem 14 contos de réis para esse fim. Pedi a palavra para mais uma vez protestar, repito, contra o facto de todos os dias virem aqui á discussão projectos, autorizando todas as camaras municipaes a fazerem tudo quanto querem e não vir á discussão o que a Camara Municipal do Porto reclama. Mas esses negocios da vereação portuense não veem á discussão porque aquella camara não é politica, nem faz favores a politicos.

Tenho dito.

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente: - Está esgotada a inscrição.

Vae votar-se Os Srs. Deputados que approvam o artigo 1.° tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se para entrar em discussão o artigo 2.°

Lê-se na mesa.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

(Pausa).

Como nenhum Sr. Deputado pede a palavra vae votar-se. Os Srs. Deputados que approvam o artigo 2.° tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

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SESSÃO N.º 55 DE 31 DE AGOSTO DE 1909 9

O Sr. Presidente: - Vae ler-se, para entrar era discussão, o artigo 3.°

Lê-se na mesa.

O Sr. Presidente:-Não se inscrevendo nenhum Sr. Deputado, vae votar-se. Os Srs. Deputados que approvam o artigo 3.° tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se, para entrar em discussão, o artigo 4.° Lê-se na mesa.

O Sr. Presidente: - Está em discussão. Visto que nenhum membro da Camara pede a palavra, vae votar-se. Os Srs. Deputados que approvam o artigo 4.° tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O Sr. José Cabral: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre o projecto de lei apresentado pelos Srs. Deputados por Viseu, para isenção de direitos de material para o Hospital e Misericordia d'aquella cidade.

O Sr. Costa Lobo: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda n.° 4-C.

O Sr. Presidente: - Vae entrar em discussão o projecto n.° 80. Tenho a declarar á Camara que sobre a mesa estão os documentos que se referem ao artigo 2.° e que poderão ser consultados pelos Srs. Deputados quando esse artigo entrar em discussão.

Lê se na mesa. É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 80

Senhores. - As vossas commissões de administração publica, de fazenda e dos negocios estrangeiros e internacionaes submetteram á sua mais attenta consideração a proposta de lei n.° 71-A, que pelo Governo vos foi apresentada, referente ao assunto dos sanatorios da Ilha da Madeira.

Duas questões distinctas, e independentes uma da outra, se conteem na alludida proposta de lei.

Trata da primeira o artigo n.° 1. E á autorização ao Governo para rescindir a concessão outorgada ao Principe de Hohenlohe e adquirir todos os bens que, como concessionario, elle possue na Madeira, mediante o pagamento de 4.425:000 marcos em titulos da divida interna portuguesa. Nesta autorização se encerra a liquidação da parte diplomatica das negociações.

Para remover as difficuldades irreductiveis que surgiram dos interesses oppostos do concessionario e de alguns proprietarios na Madeira, apresentou em tempo o Governo Português á nação que tomara em mão os interesses dos conpessionarios, seus subditos, varias soluções conciliatorias, de entre as quaes foi acceita pelos interessados a rescisão amigavel.

Ajustada de parte a parte a forma de liquidação, que resalvou por completo a dignidade de todos, empenharam-se por igual os Governos que se succederam no poder em conseguir que a rescisão se fizesse da melhor forma para os interesses do país.

Assim se chegou á nomeação de peritos de ambas as partes para procederem á avaliação dos bens e installações feitas na. Madeira, tendo-se ajustado tambem o recurso arbitrai para o caso dos louvados não chegarem a acordo.

Apresentaram estes os seus laudos e entre elles existe divergencia; a fixação dos valores feita pelo perito allemão excede a que foi feita pelo perito português.

Nestas circunstancias, estava naturalmente indicado procurar a conciliação entre os dois pareceres. Mas a somma minima que o perito allemão considera acceitavel é superior em uma quantia não muito elevada áquella que, segundo o parecer do perito português, o Governo podia dar para findar a questão.

Resta o meio de procurar tornar effectivo o parecer do perito português pelo recurso á arbitragem. Julgou, porem, o Governo nau dever iniciar a negociação de um compromisso arbitral e a instrucção de um processo moroso e dispendioso, sem antes apresentar abertamente a questão ao Parlamento, pois entende que por uma quantia relativamente pouco avultada não ideve protelar-se a liquidação de uma questão a que convém pôr termo, tanto mais que as proprias despesas da arbitragem absorveriam por certo a importancia da differença.

Inspiradas nestas mesmas considerações, certas do patriotico zelo com que os Governos do país terão procurado acautelar os interesses do Estado no decurso das negociações, e convencidas da utilidade de habilitar desde já o Governo a conduzir a seu fim a ajustada rescisão da concessão outorgada ao Principe de Hohenlohe, as vossas commissões não duvidam dar o seu parecer favoravel ao artigo 1.° da proposta de lei 71-A, e em vos recommendar a sua approvação, a qual não importa a adopção necessaria de nenhuma das propostas sobre que versam os artigos seguintes.

Effectuada, porem, que seja a rescisão e adquiridos os bens pertencentes á empresa dos sanatorios, deseja naturalmente o Governo valorizar esses bens que entram na posse do Estado e criar uma receita que desonere ou allivie o Thesouro do encargo que a rescisão lhe trará.

Tendem precisamente para esse fim as duas propostas apresentadas ao Governo e que constituem a segunda parte da proposta de lei, independente como dissemos d'aquella sobre que versa o artigo 1.°

O objecto de ambas essas propostas é a adjudicação em concurso publico dos predios, installações e mobiliario adquiridos da Empresa Hohenlohe e a outorga, á companhia que receber essa adjudicação, de uma concessão em novas condições, e excluido expressamente o direito eventual de expropriação referido na lei de 5 de julho de 1903.

Pela primeira proposta os concorrentes garantem ao Estado: a differença entre o laudo do perito allemão e o parecer do perito português, uma renda annual fixa de 10 contos de réis, o juro do capital empregado na rescisão depois de deduzido o juro do capital da empresa, uma participação de 50 por cento nos lucros liquidos que sobrarem depois de deduzidas as outras quantias.

A obrigação de manter um sanatorio para pobres será substituida por uma percentagem de 5 por cento sobre a receita liquida annual da empresa, em favor da Assistencia Nacional aos Tuberculosos, e o edificio destinado a sanatorios dos pobres ficará em poder do Governo.

Péla proposta n.° 2 a empresa garante ao Estado: alem da percentagem de 5 por cento para a Assistencia Nacional aos Tuberculosos, e da entrega do sanatorio para pobres, o reembolso immediato e total da importancia da rescisão da concessão Hohenlohe, a renda annual de 10 contos de réis para obras de beneficencia local, e 50 por cento dos lucros liquidos depois de deduzido o juro de 6 por cento do capital empregado pela empresa e a percentagem de 5 por cento acima alludida.

A differença entre estas duas offertas, a vantagem que a segunda apresenta sob o ponto de vista financeiro provem, de uma variante na clausula relativa á exploração dos casinos, cercles e outros annexos dos sanatorios. Peia primeira proposta as diversões e jogos admittidos nesses estabelecimentos serão apenas os que a legislação portuguesa actual considera licitos. Pela segunda proposta, os concessionarios terão o direito de explorar como annexos dos sanatorios "theatros, parques, jardins e casinos ou

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10 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

cercles como os que existem em Davos, Biarritz, Nice, Ostende, Aix les Bains, S. Remo, S. Sebastião e em outras estações hibernaes e de saude da Suissa e do litoral da França e da Italia, destinados a diversões e a jogos identicos aos que estão em uso nas referidas estações, á data do presente contrato, o que importa evidentemente uma derogação dos principios da legislação actual sobre jogo.

Tem pois o Parlamento que se pronunciar primeiramente sobre a adjudicação dos sanatorios. Sobre este ponto as vossas commissões são de parecer que convirá dar voto em sentido favoravel á adjudicação, pelas razões que no respectivo relatorio estão consignadas. Em segundo logar, compete apreciar as propostas apresentadas e que teem de ser consideradas para a organização do concurso da adjudicação.

Em favor da primeira apresenta-se a consideração de serem mantidos os principios que até agora Portugal tem entendido affirmar.

Em apoio da segunda, militam as difficuldades inilludiveis de sustentar de maneira efficaz nas estações de saude destinadas a lima grande concorrencia de estrangeiros a applicação rigorosa de taes principios, as vantagens financeiras, o exemplo do que se pratica nas estações de saude de alguns dos países mais cultos da Europa, finalmente a consideração dos maiores beneficios locaes que de tal emprehendimento resultarão. Resolvida a adjudicação por concurso publico, as vossas commissões são de parecer que se deixe ao Governo a faculdade de organizar o programma do concurso nas bases propostas, com as modificações que então reputar necessarias e indispensaveis para melhor acautelar os interesses e direitos do Estado e assegurar o inteiro cumprimento das obrigações do concessionario.

Pelos fundamentos expostos, as vossas commissões de administração publica, de fazenda e dos negocios estrangeiros e internacionaes teem a honra de vos propor que a proposta do Governo seja convertida no seguinte projecto de lei, no qual, como ficou dito, a approvação do artigo 1.° é independente da approvação ou rejeição dos subsequentes.

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° É o Governo autorizado a rescindir a concessão outorgada ao Principe de Hohenlohe (Frederico Carlos) para construcção na Ilha da Madeira de sanatorios destinados ao tratamento da tuberculose, e a proceder ao resgate dos prédios, installações e todos os direitos pertencentes ao concessionario, mediante o pagamento de 4.425:000 marcos em titulos dá divida interna portuguesa.

Art. 2.° É igualmente autorizado o Governo a abrir concurso publico para adjudicação dos sanatorios ou kur-tehois e estabelecimentos annexos, organizado dentro das bases dá proposta n.° 2 junta a este projecto de lei, com as modificações que julgar conveniente fazer-lhes, para assegurar os interesses e direitos do Estado.

Art. 3.° A preferencia no concurso será estabelecida a favor do concorrente que maior renda fixa offerecer ao Governo.

As propostas apresentadas a concurso deverão ser garantidas por um deposito de 20:000$000 réis.

Art. 4.° O Governo poderá conceder o direito de opção á empresa madeirense que para este fim se constitua, vindo a proposta assinada por tres capitalistas, commerciantes ou industriaes, estabelecidos no Funchal, e de reconhecida respeitabilidade, constituindo-se essa companhia em conformidade das leis portuguesas e com a direcção exclusivamente portuguesa, fazendo-se a adjudicação pela maior offerta do concurso, nos termos do artigo 3.°

Art. 5.° O Governo reserva-se o direito do regular, como julgar conveniente, o funccionamento dos diversos estabelecimentos.

Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrario. Sala das sessões das commissões, 26 de agosto de 1908.= Alfredo Pereira = Alvaro Possollo = José Caeiro da Matta = Alberto Navarro = José Joaquim Mendes Leal= José Jeronimo Rodrigues Monteiro = Ernasto de Vasconcellos = José Cabral Correia do Amaral = José Joaquim da Silva Amado = Eduardo Valerio Villaça = João Carlos de Mello Barreto = Sousa Avides = Manuel Fratel = Francisco Cabral Metello = Manuel Affonso de Espregueira = Augusto de Castro = José de Ascensão Guimarães = D. Luis de Castro = Carlos Ferreira = José da Motta Prego (relator).

N.° 71-A

Senhores. - São conhecidos e acham-se já officialmente publicados os documentos que explicam a concessão dos sanatorios da Madeira (Diario do Governo de 19 de janeiro de 1907).

Dos interesses antagonicos dos concessionarios e de alguns proprietarios naquella ilha, uns e outros apoiados pelos seus respectivos Governos, originaram-se difficuldades que se mostraram particularmente irreductiveis no tocante á expropriação da Quinta Pavão, pedida pelo concessionario, que tinha comprehendido esse predio na zona reservada a um sanatorio maritimo, mas contra a qual reclamavam os seus possuidores. Desse incidente vem a chamada questão dos sanatorios. E foi elle que, sem embargo das cor-deaes relações que nunca deixámos de manter com as duas Potencias envolvidas na questão, tornou inevitavel procurar providencia que pusesse termo a todas as difficuldades, sem quebra de dignidade de nenhuma das partes interessadas. Como meio conciliatorio para esse fim propôs então o Governo Português, uma das tres soluções:

Entrega da questão ao julgamento do Tribunal Permanente da Haya;

Entendimento directo com a empresa dos sanatorios para a escolha de outros terrenos;

Rescisão amigavel da concessão.

Foi esta ultima a solução acceite pelos interessados e para a levar a cabo se encetaram negociações com os representantes do concessionario. Empenharam-se, porem, os differentes Gabinetes que se succederam no poder em estudar propostas que alguns grupos financeiros lhes apresentaram para tomar a concessão em novas bases, o que permittiria a realização do desejo constante do Governo Português de chegar á rescisão com o minimo ou sem encargo financeiro para o Estado. Mallograram se comtudo as tentativas que naquelle proposito se haviam feito, e o Governo transacto, para dar cumprimento ao compromisso tomado em 190o e nos termos do entendimento a que previamente se chegara, ajustou a nomeação de peritos, um português, representando o Governo de Sua Majestade, outro indicado pelo Governo Allemão, para conjuntamente procederem á avaliação dos predios e installações feitas no Funchal e pertencentes á empresa, a fim e assim se fixar de modo equitativo a somma que o Governo Português teria de pagar para entrar na posse de taes bens e concluir a rescisão acceite de parte a parte.

Ajustada definitivamente esta forma de avaliação em tentativa de conciliação directa e amigavel, procedeu-se ás nomeações e iniciaram-se os respectivos trabalhos.

Foi então que o Governo actual foi chamado aos Conselhos da Coroa.

Apesar de todas as diligencias não puderam os dois peritos chegar a acordo sobre o valor das verbas submettidas á sua apreciação, e a discordancia entre os laudos que apresentaram consta do documento A. O concessionario transige sobre o laudo do louvado allemão, mas sem chegar precisamente ao limite do louvado português.

Representa comtudo este resultado obtido menos de me-

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tade do valor de £ 500:000 ou 2.500:000R000 réis proximamente, em que se encontra valorizada a concessão em um dos documentos annexos á ultima proposta de lei presente ao Parlamento.

Nestas circunstancias o Governo só tem um de dois caminhos para resolver o assunto: a transigencia com a proposta do perito allemão ou o recurso a um tribunal arbitral. O Governo não está preso a nenhuma das duas soluções. Livremente pode acceitar ou uma ou outra.

Sem pretender tirar ao Parlamento a liberdade da escolha da solução que se lhe afigurar mais vantajosa, entende o Governo dever dizer qual reputa mais conveniente para os interesses do país.

Sendo a differença entre os dois laudos para conciliação amigavel não muito elevada, e estando o pagamento d'essa differença ainda assim garantido no concurso que o Governo abrir, segundo proposta recebida, julga mais conveniente a liquidação immediata que o recurso á arbitragem, sempre moroso, de resultados incertos e dispendiosos e com todas as difficuldades da previa negociação do compromisso arbitrai.

A rescisão da concessão representa a acquisição dos predios e installaçoes feitas pelos concessionarios. Entende o Governo que não deve tomar a seu cargo a exploração d'esses estabelecimentos; mas sim adjudicá-la em concurso publico ; e por isso, ao mesmo tempo que proseguia nas negociações pendentes, procurava habilitar-se de modo a obter a segurança de que o concurso não ficaria deserto e de que o poderia abrir em bases vantajosas para o Estado.

Foi assim que veio a receber as propostas constantes do documento B. Se se abrir concurso para adjudicação dos sanatorios nas bases estabelecidas na proposta n.° 1, terá o Estado garantida: a differença entre o laudo do perito allemão e o do perito português, alem do qual de facto não passariamos; uma renda annual fixa de réis 10:000$000; o juro do capital empregado na rescisão, depois de deduzido o juro do capital da empresa; e ainda uma participação nos lucros liquidos que porventura sobrarem depois de deduzidas estas quantias.

Se a adjudicação se fizer nos termos da proposta n.° 2 poderá ser garantido ao Estado o reembolso immediato e total da importancia da rescisão da concessão de Hohenlohe, alem da entrega gratuita do editicio primitivamente destinado a sanatorio dos pobres, de uma percentagem de 5 por cento sobre a receita liquida para a Assistencia Nacional aos Tuberculosos, da renda annual de 10:000$000 réis para as obras de beneficencia local e da participação de 50 por cento nos lucros liquidos da empresa, depois de deduzido o juro de 6 por cento do capital empregado pela mesma.

Se o Parlamento quiser fazer a concessão dos casinos analogos aos que funccionam nas mais frequentadas estações de saude na França, na Suissa, na Espanha, na Allemanha, na Belgica, e ainda em outros países, a que se refere a proposta n.° 2, aliás justificavel pelas condições especiaes da Madeira e exemplo do que se faz no estrangeiro em estabelecimentos congeneres, allivia desde logo o Thesouro d'esse encargo e cria para o Estado uma receita nova que pode vir a ser importante com o provavel incremento da empresa, permittindo á Bladeira um consideravel desenvolvimento economico.

A Madeira está, pelo seu incomparavel clima, pelas bellezas inexcediveis da sua paisagem e pela exuberancia do seu solo, destinada ser uma das melhores estacões hibernaes e de saude, mas para isso precisa de commodidades, confortos e attractivos que os favorecidos da fortuna não dispensam e estão habituados a encontrar nas estações congéneres do estrangeiro. Esses melhoramentos só podem ser levados á Madeira por uma empresa que se organize nas condições e com as garantias que expusemos. São portanto obvios os beneficios que de tal emprehendimento resultariam para o Estado a para os interesses locaes.

Tal o parecer do Governo, franca e abertamente submettido á vossa apreciação. Habilitado como está a resolver a questão dos sanatorios pelos diversos meios que vos expôs e não estando preso a nenhum delles, ao vosso superior criterio confia a escolha d'aquelle que for julgado melhor para servir os interesses do país, não duvidando, como não duvidou, einittir opinião sobre aquelle que mais conveniente julga, e por isso tem a honra .de vos apresentar a seguinte proposta de lei:

Artigo 3.° É o Governo autorizado a rescindir a concessão outorgada ao Principe de Hohenlohe (Frederico Carlos) para construcção na Ilha da Madeira de sanatorios destinados ao tratamento da tuberculose e a proceder ao resgate dos prédios, installações e todos os direitos pertencentes ao concessionario, mediante o pagamento de 4.425:000 marcos em titulos da divida interna portuguesa.

Art. 2.° É igualmente autorizado o Governo a abrir concurso publico para adjudicação dos sanatorios ou kur-hoteis e estabelecimentos annexos, dentro, das bases da proposta (n.° 1 ou 2) junta á presente proposta de lei.

Art. 3.° A preferencia no concurso será estabelecida a favor do concorrente que maior renda fixa offerecer ao Governo.

As propostas apresentadas a concurso deverão ser garantidas por um deposito de 20:000$000 réis.

Art. 4.° O Governo poderá conceder o direito de opção á empresa madeirense que para este fim se constitua, vindo a proposta assinada por tres capitalistas, commerciantes ou industriaes, estabelecidos no Funchal, e de reconhecida respeitabilidade, constituindo-se essa companhia com direcção exclusivamente portuguesa, fazendo-se a adjudicação pela maior offerta do concurso, nos termos do artigo 3.°

Art. 5.° O Governo reserva-se o direito de regular como julgar conveniente o funccionamento dos diversos estabelecimentos.

Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios Estrangeiros, 24 de agosto de 1908.= Francisco Joaquim Ferreira do Amaral = Wenceslau de Lima.

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 1.°

O Sr. Valerio Villaça: - Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar a V. Exa. e á Camara que a commissão dos negocios externos, na ausencia do Sr. Motta Prego, me encarregou de substituir S. Exa. como relator deste projecto de lei, e ao mesmo tempo mandar para a mesa, de acordo com o Governo, as seguintes propostas de emenda ao artigo 1.°

Propostas

Proponho que ao artigo 1.° do projecto de lei n.° 80, em discussão, se suppriniam as palavras "em titulos da divida interna portuguesa" e se acrescentem as palavras "e respectivos juros de 5 por cento a partir de 20 de agosto de 1908, data da conclusão da negociação" e se acrescentem as seguintes alineas:

d) A effectuar o pagamento em titulos da divida interna pela cotação media dos tres ultimos dias que precedem a approvação d'este projecto pelas Côrtes, com uma margem de realização que não poderá exceder 2 por cento, se esta forma de pagamento for reputada mais vantajosa para o Thesouro;

e) A emittir os titulos necessarios ou para o pagamento nesta especie ou para caucionamento da operação que haja de realizar-se a fim de effectuar o pagamento em marcos. = E. Valerio Villaça.

Foi admittida.

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12 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Mando igualmente para a mesa, de acordo com o Governo, a seguinte proposta de emenda:

Proposta

Proponho que a discussão e votação do projecto n.° 80 versem apenas sobre o artigo 1.°, com o additamento por mim mandado para a mesa, e o artigo 6.°, voltando , os restantes artigos á commissão, sem prejuizo, porem, d'aquelles que para todos os effeitos ficarem assim independentes dos restantes. = E. Valeria Villaça.

Foi lida, admittida e approvada.

Sr. Presidente: a Camara tem conhecimento dos documentos que estão sobre a mesa e dos motivos que levaram a commissão a alterar a redacção do artigo 1.° e do acrescentamento das alineas A e B.

No decorrer do debate terei occasião de usar da palavra e justificar então os motivos que me levaram a propor a suppressão dos artigos 2.°, 3.°, 4.° e 5.° do presente projecto de lei.

Leram-se as propostas mandadas para a mesa pelo Sr. Valerio Villaça, sendo admittida uma dellas e approvada a que se refere a não serem discutidos os artigos 2.° a 5.°

O Sr. Presidente:-Conforme a deliberação que a Camara acaba de tomar, só se discutem os artigos 1.° e 6.°, devendo todos os outros artigos voltar á commissão.

O Sr. Moreira de Almeida: - Entra no debate simplesmente para explicar o voto da minoria dissidente. Não se alongará na discussão de um projecto de tanta magnitude, e limitar-se-ha a registar a sua magua por tão tardiamente ser apresentado á Camara. Não vae nestas suas palavras censura á Presidencia ou ao Governo, entretanto este projecto, que é, sob o aspecto moral e financeiro, de ordem bastante grave, devia ter precedido outros projectos que vieram á tela do debate durante o tempo legislativo. Apresenta-se agora este projecto; vae impender sobre o Thesouro Publico um grande encargo, e afinal a documentação não veio toda ao debate, para que todos os partidos dirimissem a questão politica que está perfeita e absolutamente vinculada no projecto em discussão.

Justificadas assim as razões que levaram o orador a usar da palavra, mais para declaração de voto do que para discussão do projecto, e remettendo-se agora, em face de uma emenda apresentada, os restantes artigos para a commissão, vae pôr nitidamente a questão e definir como os dissidentes encaram a questão.

Quando se levantou ha dois annos a questão dos sanatorios da Madeira, o illustre leader da dissidencia progressista, o Sr. João Pinto dos Santos, apresentou uma proposta assinada por elle, orador, e pelo Sr. Centeno, que ao tempo eram os Deputados que constituiam, a minoria dissidente, na qual se pedia um inquerito parlamentar por meio de uma commissão formada por todas as facções partidarias para se apurarem todas as respunsabilidades de quem quer que fossem acêrca d'esta complicada e desastrosa questão. Como, porem, se levantassem duvidas, não propriamente sobre o inquerito, mas sobre a opportunidade d'elle, porque não estava liquidada internacionalmente a questão, propôs então o Sr. Affonso Costa que o inquerito parlamentar se votasse somente sob o aspecto interno, o que já não era pouco interessante e curioso. Entendeu a Camara que a proposta devia ser recusada e o inquerito não se realizou. Em seu entender, acha que se procedeu mal, porquanto é sua convicção que se tivesse-mos aproveitado os dois annos a fazer o inquerito parlamentar - que um dia tem forçosamente que fazer-se - a questão estava melhor definida e as responsabilidades estavam melhor apuradas.

Renova a declaração de que o inquerito é indispensavel fazer-se, e accentua que a questão fica de pé moral mente apesar de votado o artigo em discussão, porque é uma questão das mais graves que se teem ventilado na politica portuguesa. Esta questão está ainda na memoria de todos; e todos com lastima vêem como atrás de uma questão que tinha intuitos benemeritos, desprovida de qualquer preoccupaeão gananciosa, e que tinha a sympathia nos sentimentos nacionaes e no coração dos homens, se acobertou uma especulação gananciosa. E é lamentavel que estivesse envolvida nesta especulação uma nação poderosa que se impõe ao mundo pela força moral, pela sciencia, pelo génio e pelas armas.

Entretanto - affirma - esta proposta será votada sob uma coacção moral, absolutamente incompativel com o nosso brio de nação independente.

Deseja accentuar claramente isto para que se não diga que votamos o projecto de boa mente, conscientemente, e que não deixamos em relevo perante o país - ao qual fala, mas do alto d'esta tribuna - toda a nossa magua, por esta nossa situação deprimente, por este ultimatum que se encobre nas dobras do artigo 1.° do projecto.

A seu ver, precisava analysar-se não só as avaliações, mas até que ponto ia a legitimidade do direito para vir reclamar ao Thesouro Português - na situação desgraçada que atravessamos - uma somma bastante violenta, enorme.

Se o Governo declarar que entende - por motivos de ordem diplomatica e sem prejuizo dos direitos que assistem ao Parlamento, e para o bem da nação e para os interesses superiores do Estado - ser imperiosa a exigencia da approvação do projecto, elle, orador, não tem duvida em não protelar o debate e dar constrangido e forçadamente o seu voto. Dará o seu voto como uma necessidade impreterivel. Desejava ainda que o Governo fizesse a declaração de que o assunto não podia ser resolvido pela submissão a um tribunal arbitral.

Não entra na apreciação da discordancia dos laudos dos louvados portugueses e allemães, e apenas quer notar as instancias que o Governo fez para que o projecto seja approvado limitado só ao artigo l.°, o que leva a crer que razões ponderosas a isso o obrigam.

Termina fazendo votos para que questões d'esta natureza jamais sejam trazidas ao Parlamento e que o presente castigo nos sirva de lição para o futuro.

(O discurso será publicado na integra guando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Wenceslau de Lima): - O illustre Deputado Sr. Moreira de Almeida appellou para o Governo a fim deste declarar se julgava mais conveniente que se votasse a proposta apresentada á Camara tal como ella estava formulada, ou se entendia que se poderia resolver a questão por meio do tribunal arbitral.

Não tenho duvida em dizer que o Governo julga preferivel a solução da questão dos sanatorios da Madeira pelo processo adoptado no projecto de lei, tal como é apresentado pela respectiva commissão. É a razão é simples. O recurso á arbitragem impõe necessariamente entabolamento de sequencia de negociações entre Portugal e a Allemanha de um compromisso arbitro!

Ora, comprehende S. Exa. que essa questão, que está posta entre um concessionario e entre o Governo Português, passava a ser entre Portugal e a Allemanha.

Conhece S. Exa. muito bem as questões de caracter internacional, e sabe que as negociações de um compromisso arbitrai são tudo quanto ha de mais difficil e melindroso e, por vezes, tambem o que ha de mais moroso.

Depois das negociações do compromisso havia a necessidade de pôr a questão perante o tribunal arbitral. E, como é sabido, a constituição d'esse tribunal e a representa-

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ção perante elle acarreta sempre enormes despesas, e assim a decisão do pleito nem mesmo sob o ponto de vista financeiro seria mais vantajosa para o país.

Supponho que estas declarações categoricas devem satisfazer o illustre Deputado Sr. Moreira de Almeida.

É certo que o resgate das propriedades, pertencentes ao concessionario, sitas na Ilha da Madeira, traz de momento para o Estado um encargo pesado, mas é certo tambem que essas propriedades teem um valor real importante, como o mostram os documentos que estão sobre a mesa, segundo as avaliações de um perito português, que são aquellas que maior confiança podem merecer.

É certo ainda que se por acaso o Estado e a Camara entenderem desobrigar-se desse encargo, que traz evidentemente a solução do pleito, tambem sobre a mesa estão propostas que permittem desde logo o desonerar-se d'elle.

E a Camara seguramente tem a plena liberdade e o direito de resolver como entender, tanto mais que o Governo julgou conveniente trazer esta questão ao Parlamento, inteiramente aberta, para este resolver como julgasse mais proveitoso e melhor lhe parecesse.

O facto de existirem propostas d'esta natureza sobre a mesa indica que o destino que o Estado pode dar ás acquisições que agora faz o compensará por completo, ou em grande parte, d'aquillo que presentemente colloca nessas acquisições.

Em meu entender bem melhor seria para os interesses da Fazenda, e da Madeira, a solução immediata de toda a questão. Entretanto, respeitando aquillo que o Parlamento haja por bem decidir, parece-me necessario e imprescindivel que a Camara pelo menos se pronuncie sobre o artigo 1.° que está em discussão, para liquidar de vez este incidente, que se poderia transformar numa questão internacional difficil de resolver.

É d'esta maneira tenho respondido de uma forma cabal e completa ao que desejava saber o Sr. Moreira de Almeida.

(O orador não reviu).

O Sr. João de Menezes: - Será breve nas suas considerações e não tenciona alongar-se muito depois das palavras do Sr. Presidente do Conselho porque reconhece que seria inutil tudo quanto dissesse.

A historia da questão é demais conhecida, mas, entretanto, não se admirava muito que a Camara a tivesse esquecido, visto como todos os assuntos que interessam gravemente a integridade nacional, e os assuntos que interessam particularmente as nossas conveniencias, são discutidos durante dois ou tres dias e esquecem-se depois. Certo dia um benemerito estrangeiro - dos muitos que se propõem fazer a prosperidade d'este país - offereceu-se para construir uns sanatorios para tuberculosos na Ilha da Madeira e, neste país de benemeritos, a benemerencia foi acolhida com o maior jubilo e essa proposta foi recebida de braços abertos, bem como se considerou os sanatorios como uma sublime instituição de caridade. Algum tempo volvido e á imprevidencia dos Governos que foram fazer concessões a subditos de nacionalidade allemã na Ilha da Madeira, onde era inevitavel que surgissem protestos de subditos de nacionalidade inglesa, surgiu a questão e chegou-se onde era natural que se chegasse: a exigirem-nos uma indemnização.

É mais uma vergonha que pesa na consciencia d'aquelles que a provocaram. Não sabe elle, orador, se esse facto impressionou o país ou a chamada opinião publica. O que é certo, porem, é que há dois annos se levantaram a protestar indignados contra o escandalo dos sanatorios da Madeira, mas se fossemos neste momento a consultar, um a um, todos os individuos que dentro desta sala é fora d'ella tomaram parte nessa indignação, a unica resposta que se obteria era que se queriam ver livres d'esta afflicção. Hoje pagamos a indemnização dos sanatorios da Madeira, hontem pagámos a indemnização dos caminhos de ferro de Lourenço Marques, agora já se vê despontar no Orçamento Geral do Estado, para nos livrarmos de qualquer afflicção, uma indemnização de 210 contos de réis a um feliz empreiteiro.

Não resta duvida que existe hoje na organização economica e financeira da sociedade moderna uma verdadeira quadrilha internacional: são os apaches da finança, são os caçadores das concessões, que andam por todos os países á procura de Governos fracos e imprevidentes que caiam nas redes que armam.

Vota contra o projecto para ser coherente com as affirmações que fez em 1907 quando disse que não deviamos nenhuma indemnização em bom direito e em boa moral, e portanto não a deviamos pagar. O país foi ludibriado e agora é explorado.

Lavra o seu protesto, embora saiba que é inutil e não tenha repercussão em muitas consciencias. Infelizmente, as suas illusões vão amortecendo; invade-o um grande desanimo e apesar de tanto amar a sua patria tem momentos em que pergunta a si mesmo onde está essa pátria e se ella ainda existe.

Já que está com a palavra permitia-se lhe que mande para a mesa um requerimento, que ainda agora não teve tempo de mandar e que de resto se encadeia na discussão travada entre o Sr. Presidente do Conselho e o Sr. Pinheiro Torres. Pede para esse requerimento a attenção do Sr. Presidente do Conselho e a amabilidade de acceder ao seu pedido, e espera da delicadeza de S. Exa. que lhe conceda ir ao Ministerio do Reino consultar o relatorio, caso não seja possivel mandar-lhe a copia.

Por ultimo, envia para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro, pelo Ministerio do Reino, copia do relatorio do administrador do concelho do Sabugal, Luis Telles de Vasconcellos, sobre a syndicancia feita aos actos dos Missionarios do Coração de Maria, installados no Collegio ou Convento de Aldeia da Ponte. = O Deputado, João de Menezes.

Mandou-se expedir.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. José Cabral (por parte da commissão de fazenda):- Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre o projecto apresentado pelo Sr. Rodrigo Pequito, concedendo subsidios a alguns lyceus.

O Sr. Pinto da Motta (por parte da commissão de redacção): - Pedi a palavra para mandar para a mesa o parecer da commissão de redacção ao projecto n.° 14.

O Sr. Valerio Villaça: - Sr. Presidente: V. Exa. e a Camara acabam de ouvir o discurso do illustre Deputado Sr. João de Menezes, que se limitou a considerações geraes, não impugnando o projecto em discussão.

Fez S. Exa. referencias aos protestos que em 1907 aqui se levantaram quando foi presente a proposta de lei referente á questão dos sanatorios da Madeira e sabe bem a Camara que em razão d'esses protestos a proposta foi posta de parte, não parecendo agora opportuno relembrar tal discussão visto que as duas propostas são differentes.

S. Exa., não tendo discutido o projecto, declara que o não vota; ora está ainda na memoria de muitos que me escutam a declaração feita em 1907 por um illustre Deputado republicano e que consta do Diario das Sessões, de que se devia pagar a indemnização caso fosse devida.

Ora tanto o relatorio da proposta ministerial como o parecer da commissão mostram a necessidade de se fazer a liquidação d'este assunto pelo resgate da concessão.

Sr. Presidente: limito aqui as minhas considerações, por-

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quanto, não tendo sido impugnado o projecto que se discute, não tenho que fazer a sua defesa.

Tenho dito.

(O orador não reviu).

O Sr. Brito Camacho: - Começa por dizer que, na sessão legislativa finda, o Sr. Presidente do Conselho, então Ministro dos Negocios Estrangeiros, mostrou o maior empenho que o presente projecto que agora se discute entrasse na tela do debate. Como se estava no fim da sessão, elle, orador, observou que um assunto desta ordem não podia ser votado de afogadilho, pois que não haveria tempo de apreciar tudo quanto continha de importante, nem tão pouco para destrinçar as responsabilidades ligadas a este projecto verdadeiramente extraordinario.

Em torno deste projecto avolumava-se uma grande onda de suspeições. Na imprensa levantou-se uma tremenda campanha contra a questão dos sanatorios da Madeira. Ao projecto estão ligadas responsabilidades do partido progressista, do partido regenerador, do partido regenerador-liberal e, finalmente, não responsabilidades do actual Ministerio, mas responsabilidades moraes, como da actual Camara, que sobre elle vae dar o seu voto.

Era indispensavel que a discussão deste projecto se fizesse com tanta largueza e tão claramente que, de duas uma - ou essas suspeições se convertessem em factos irrecusaveis ou d'ellas não subsistisse cousa nenhuma que maculasse a honra dos nossos homens publicos.

Isso, porem, só poderia fazer-se com uma discussão larga, e sobretudo com documentos.

Mas acontece que este projecto vem agora á Camara, tendo de sujeitá-lo quasi a uma amputação total. D'elle apenas se aproveita o artigo 1.° e ultimo: que reconhece o direito de indemnização por parte dos concessionarios dos casinos da Madeira e que revoga a legislação em contrario.

Elle, orador, ainda não pediu, nem pede por emquanto, a publicação de todos os documentos sem que a questão esteja resolvida por um voto das Cortes.

Sabe o que são as reservas diplomaticas e sabe como em toda a parte se tem abusado d'essas reservas para os Ministros fazerem uma usurpação de funcções, desprezando-se sempre os interesses moraes e materiaes da nação.

Por dever de patriotismo impõe-se-lhe a obrigação de não formular um requerimento pedindo a publicação immediata dos documentos, e pela mesma razão não propõe immediatamente, renovando a iniciativa dos Deputados dissidentes, uma proposta de inquerito, visto como ou essa proposta era approvada e então nos tinhamos de sobreestar na discussão e votação do projecto, ou essa proposta era rejeitada e perdia-se a occasião de o formular em melhores condições.

Como o Sr. Moreira de Almeida disse, este inquerito tem de fazer-se. Já o Sr. João Franco, em 1907, trouxe ao Parlamento uma proposta de lei, e disse, então, que não teria duvida nenhuma, uma vez liquidada a questão, em aconselhar os seus amigos a proporem o inquerito parlamentar. Também o Sr. Moreira Junior, illustre leader do partido progressista e seu amigo, disse que considerava não simplesmente o inquerito como uma necessidade, mas era qualquer cousa que o dignificava e glorificava.

Está, pois, convencido de que se elle, orador, propuser o inquerito parlamentar a Camara decerto não o recusará, porque já se não pode allegar que se prejudica o bom andamento da questão.

Declara, em seguida, que foi bom que o Governo separasse, pela forma como fez, a questão da concessão a fazer, da regulação do litigio propriamente internacional. Não pode saber até que ponto é exagerada a reclamação do concessionario, porque apesar de estarem sobre a mesa uns documentos não se pode servir delles, o que equivale a não se dar d'elles conta ao Parlamento.

Referindo-se á forma de pagamento, chama a attenção da Camara para o facto de ser a indemnização paga com titulos de divida interna portuguesa fundada, quando ainda ha poucos dias se procedeu por outra forma no pagamento da divida á Caixa Geral de Depositos. Acha exagerada, tambem, a compensação que se dá ao concessinario de 2 por cento para despesas.

Não vota o partido republicano o projecto, o que não impede está claro de que a Camara lhe dê plena approvação.

A questão, porem, não fica arredada da discussão. Espera - e tem a maior confiança- que o Governo não tomará, como não tomou, compromissos de nenhuma ordem para vir á Camara trazer-nos uma proposta que haja necessidade de acceitá-la.

Terminando, declara reservar-se para quando se discutir a legislação em contrario e então apresentar a proposta de inquerito.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Valerio Villaça: - Sr. Presidente : o Sr. Brito Camacho, durante o seu discurso, esteve constantemente dizendo que sobre os nossos homens publicos podiam pesar suspeiçoes relativamente ao projecto que se discute.

Devo dizer a S. Exa. que a historia dos sanatorios está feita e documentada no Diario do Governo de 16 de janeiro de 1907, que tenho presente, e onde o illustre Deputado encontrará que os nossos homens publicos procederam de acordo com a lei de 1903 e em conformidade com a commissão executiva da Assistencia Nacional aos Tuberculosos e Conselho Superior de Hygiene, que eram as estações a consultar, segundo a referida lei.

Ora, desde o momento em que elles assim procederam estão acima de todas as suspeições. (Apoiados).

Sr. Presidente: a sessão legislativa vae adeantada e não vejo necessidade de fazer novamente a historia dos sanatorios, que todos conhecem e que vem publicada no Diario do Governo já citado.

Por esses documentos, que se referem aos differentes despachos feitos, se vê que d'elles derivaram direitos e obrigações para os concessionarios e para o Governo, e quando se chegou á execução definitiva dos projectos approvados os concessionarios vieram pedir a expropriação desses terrenos, que não conseguiram obter amigavelmente e que os seus proprietarios allegavam, não estarem comprehendidos nas disposições da lei de 5 de julho de 1903.

Expropriantes e expropriados, subditos de dois países amigos, eram fortemente apoiados pelos seus respectivos Governos e, nesta situação, tendo-se transformado um conflicto de direito internacional privado numa questão que muito interessava os dois Governos, o Governo Português, desejando manter por igual justiça a ambas as partes litigantes, e as boas relações com os dois países amigos, propôs uma das três soluções seguintes:

1.ª Entrega da questão ao julgamento do tribunal arbitrai da Haya;
2.ª Escolha de novos terrenos;

3.ª Rescisão amigavel da concessão, como consta dos documentos publicados.
Foi este ultimo alvitre o acceite pelos concessionarios e que faz objecto do projecto de lei que se discute, após morosas e difficeis negociações.

Parece-me desnecessario expor a technica do projecto, porquanto ella está sufficientemente explicada no relatorio e documentos publicados e existentes sobre a mesa.

S. Exa. disse que houve uma amputação quasi total do projecto. Devo dizer que, implicando os artigos 2.°, 3.°, 4.° e 5.° com uma questão de moral social que tem sido aqui ultimamente muito debatida, e sendo necessario para a discussão d'esses artigos um tempo de que se não dispõe por a sessão legislativa estar muito adeantada, entendeu

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a commissão, de acordo com o Governo, reservar a discussão d'esses artigos para occasião opportuna.

O Governo pôs franca e lealmente á Camara esta questão e é de esperar que apresente na proxima sessão legislativa um projecto largamente documentado, que poderá então ser amplamente discutido, de maneira a que se valorizem os bens que vamos adquirir com o resgate feito pelo artigo 1.°

Tanto o Sr. Deputado Moreira de Almeida como o Sr. Deputado Brito Camacho se referiram á questão do inquerito proposto em 1907, quando apresentada a proposta do Governo regenerador liberal. Devo dizer que as declarações feitas era 1907 pelo illustre hader do partido progressista, o Sr. Conselheiro Moreira Junior, a proposito do inquerito, se manteem integras.

O partido progressista deseja que o inquerito se faça, e naturalmente toda a Camara o deseja igualmente, mas depois da questão dos sanatorios resolvida como então se disse.

O Sr. Moreira Junior: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Da melhor vontade.

O Sr. Moreira Junior: - Agradeço a V. Exa. o permittir me a interrupção. Não me quis inscrever quando o illustre Deputado e meu amigo o Sr. Brito Camacho falava, pela razão simples de que não queria intrometter-me no debate e alongá-lo o mais do que era necessario, tanto mais que sabia que o Sr. Relator falaria e S. Exa. tinha autoridade bastante para affirmar de uma maneira positiva e categorica que as asserções feitas por mim no tempo do Governo regenerador-liberal, em que eu figurava como leader da maioria, essas asserções as mantenho para todos os effeitos, absoluta e integralmente. Entre ellas hão que resultam da sessão de 15 de fevereiro e as de uma outra sessão mais avançada. As de lõ de fevereiro resumem-se no seguinte trecho que passo a ler á Camara, se V. Exa. me dá licença.

Eram a proposito das responsabilidades do partido progressista na questão que se debate.

(Leu).

E depois, numa outra sessão, a proposito do inquerito á Camara proposto, eu tive a honra de dizer em nome do partido progressista o seguinte:

(Leu).

De maneira que esta affirmação feita na sessão posterior harmoniza-se precisamente com as considerações que fez previamente o partido progressista, o qual só tem responsabilidades no que toca á questão diplomatica, mas, liquidada ella, o partido progressista acceita todos os inqueritos que se queiram fazer.

(O orador não reviu).

O Orador: - Agradeço a S. Exa. a sua interrupção, porquanto ella veio dar maior valor ás minhas palavras, que eram consequencia da conversa particular que tinha-mos tido. Repito, o partido progressista mantém hoje como então as suas affirmações, sustentando sempre o seu modo de ver nesta questão.

O Sr. Dr. Brito Camacho referiu-se ao facto de no parecer sobre a Caixa Geral de Depositos, da respectiva commissão, se dizer quê ha na posse do Estado 6:000 contos de réis de titulos da divida publica e que portanto era desnecessaria a emissão de titulos por mim proposta para o resgate da concessão. Devo dizer que se é verdade o Estado possuir esses titulos, não menos é exacto que elles estão servindo de caução a empréstimos, e se assim não fosse, escusada era a proposta posterior do Sr. Ministro da Fazenda, propondo a criação de 5:000 contos do réis de titulos para o encargo proveniente do deficit orçamental de 1909-1910.

Sr. Presidente: não somos só nos que temos questões desta natureza, vemo-las em todas as épocas e em todos os países. Estou intimamente convencido que os Governos do meu país trataram sempre esta questão com a dignidade e dedicação que o seu muito patriotismo lhes impunha, e a prova está que, tendo-se succedido no Governo Ministerios de matizes tão variados, todos elles adoptaram a mesma orientação.

Tenho dito.

O Sr. Presidente:-Não estando inscrito mais nenhum Sr. Deputado, vae votar se o artigo 1.°

Lido na mesa, foi seguidamente approvado.

Depois, foram lidas e approvadas as propostas de emendas e additamentos apresentados pelo Sr. Valerio Villaça (relator) e o artigo 6.° do projecto, indo os outros artigos á commissão.

O Sr. Presidente: - A hora vae adeantada e parece-me que interpretarei bem o sentir da Camara suspendendo os trabalhos. Marco a proxima sessão para amanhã, 1 de setembro, á mesma hora, com a seguinte ordem do dia: 1.ª parte, contas da Camara e orçamento; 2.ª parte, plantio da vinha, licença illimitada, caminho de ferio de Portalegre.

Está encerrada a sessão.

Eram 5 horas e 36 minutos da tarde.

Documentos mandados para a mesa nesta sessão

Proposta de lei apresentada pelo Sr. Ministro da Fazenda

Proposta de lei n.° 36-C

O artigo 22.° da carta de lei de 9 de setembro de 1908 autoriza os Governos a criarem annualmente até a quantia de 3.500:000$000 réis, em letras e bilhetes do Thesouro caucionados, se for preciso, por tituios de divida fundada interna, destinados a representação de receita.

Esta autorização annual é considerada indispensavel para obviar á discordancia que sempre existe entre as epocas de arrecadação das receitas e de execução das despesas.

Presuppõe tambem o citado artigo que os papeis de credito assim emittidos serão amortizados dentro do anno economico, visto a necessidade de representação de receita se tornar inutil desde que esta se realiza. Toda a vez, porem, que o orçamento se saldar com deficit é evidente que a amortização prevista se torna impossivel, e, no anno seguinte, o Governo se encontrará privado do recurso que a lei julgou indispensavel facultar-lhe.

Foi este o caso que se deu em 1908-1909, e que obriga o Governo a solicitar das Cortes uma providencia que, relevando-o da amortização que se tornou inexequivel, lhe permitte o uso normal da faculdade de representar receita.

Por outro lado, como o orçamento para 1909-1910 se salda igualmente com deficit, indispensavel se torna, para que as despesas ordenadas possam ser executadas, a criação de letras e bilhetes do Thesouro que correspondam á sua importancia, e como esta criação é muitas vezes, senão sempre, facilitada pela caução com titulos de divida interna fundada, muito convem que estes possam ser emittidos pela Junta do Credito Publico.

Por estas razões, e em observancia ao § unico do artigo 11.° da lei de 9 de setembro de 1908, que fixa as condições em que devem ser formuladas as providencias necessarias para a gestação financeira do anno e execução

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do orçamento, tenho a honra de vos submetter a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° Fica o Governo dispensado de effectuar, no corrente anno economico de 1909-1910, a amortização exigida pelo artigo 22.° da carta de lei de 9 de setembro de 1908.

Art. 2.° E autorizado o Governo, sem prejuizo do disposto nos artigos 16.° da carta de lei de 20 de março de 1907 e 17.° da carta de lei de 9 de setembro de 1908, a emittir os titulos necessarios para caucionar as quantias a levantar para fazer face ao déficit do orçamento para 1909-1910.

Ministerio da Fazenda, 31 de agosto de 1909. Francisco de Paula de Azeredo.

Representações

Regulamentando a execução do artigo 46.° da carta de lei de 18 de setembro ultimo.

Apresentada pelo Sr. Deputado Costa Lobo, e mandada publicar no Diario do Governo.

Pedindo que os professores effectivos do 7.° grupo (desenho e geometria) sejam comprehendidos no § 2.° do artigo 8.° do decreto de 29 de agosto de 1905.

Apresentada pelo Sr. Deputado Costa Lobo e mandada, publicar no "Diario do Governo".

O REDACTOR = Affonso Lopes Vieira.

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