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regimen do monopolio arrematado pelo systema seguido em Inglaterra!

O illustre deputado, o sr. Carlos Bento, pretendeu demonstrar com algarismos que o methodo deste ultimo paiz, comparado com o francez, não favorece a extensão do consumo do tabaco. Foi longa a demonstração, mas altamente agradavel, porque a phrase do illustre deputado, sempre espirituosa e cortez, nunca deixa de ser ouvida com prazer pela camara. Parece-me porém que o illustre deputado não foi exacto n'este seu calculo, porquanto comparou elementos heterogeneos, e estes nunca podem soffrer comparação. S. ex.ª não reparou em que o tabaco em Inglaterra se achou sobrecarregado até á reforma effectuada em 1863, pelo sr. Gladstone, com direitos que o tornavam superior, muitissimo superior em custo, aos productos identicos da régie franceza, e que portanto o consumo havia de resentir-se da elevação dos preços. O systema não deve responder pelas exagerações das pautas aduaneiras. Só quando principiar a produzir os seus resultados, a nova tarifa que reduziu o imposto sobre cada libra de charutos de 9 a õ shellings e sobre igual peso de rapé de 6 shellings a 4 e 6 pence, é que se póde fazer uma comparação, ainda não rigorosamente exacta, mas ao menos mais facil de sustentar e de fornecer argumentos de um certo valor.

Mas permitta-me o nobre deputado que lhe observe, que o consumo tem augmentado em Inglaterra mesmo apesar de, como disse, terem sido até ao anno passado exageradíssimos os direitos, n'uma proporção maior do que aquella que foi apresentada pelo illustre deputado. S. ex.ª concordou em ser verdade que o consumo tinha subido, e que para o provar bastava ver os documentos estatisticos; mas acrescentou que este augmento de consumo, desde o começo do presente seculo, estava em proporção rigorosa com o augmento da população n'aquelle paiz; que o consumo duplicara, porque duplicara a população, crescendo assim em extensão e não em intensidade.

Como eu desejo discutir este negocio, como discuto todos, com a maior boa fé (apoiados), declaro que não me recordo agora de dados positivos com que possa contrariar a asserção do meu nobre amigo com referencia á duplicação da população ingleza, mas que sómente creio lembrar-me de que a população d'aquelle grande paiz terá, a começar de 1800, o seu periodo de duplicação em oitenta e tres annos, uma vez que augmenta na proporção annual de 1 por cada 118 habitantes.

Com relação a saber-se se o consumo tem subido sómente em extensão ou tambem em intensidade, é essa uma questão que não pôde resolver-se por falta absoluta de dados estaticos. Somente se pôde notar que o excesso da população feminina do reino unido, comparada com a do outro sexo, augmenta annualmente, o que torna menor a percentagem media dos consumidores de certa especie de tabaco. E não pense o illustre deputado que eu dê grande valor a estas observações, nem que o accuse por s. ex.ª não ter sido, segundo me parece, completamente, exacto nos algarismos do consumo em Inglaterra; o que eu disse, e repito, é que não se pôde comparar consumo com consumo, para apreciar dois systemas, quando os preços dos generos apresentam sensiveis differenças, que não resultam dos methodos, mas unicamente das pautas.

E sempre o consumo da França! Quer o nobre deputado que nós o desenvolvamos no nosso paiz pelos meios seguidos ali? Quer que haja preços differenciaes para differentes classes de cidadãos? Quer que se diga: tu que és lavrador, tu que Ó3 artista, tu que és proprietario has de pagar o tabaco por um certo preço; e tu que és soldado, tu que és marinheiro deves para-lo por um preço inferior? Poder-se-ha admittir o favor a certas classes á custa do prejuizo das outras? Que se diga: tu que habitas na fronteira pagarás pelo tabaco um certo preço; tu que vives a vinte, trinta ou quarenta kilometros d'ella pagarás outro; tu que moras no interior do reino pagarás um terceiro ainda? (Apoiados.) Quer o illustre deputado as zonas de preços, e, como consequencia infallivel, as alfandegas interiores? Quer todas estas bellezas do systema francez? E esta a régie defendida pela opposição? Quererá esta tambem que os vendedores de tabaco na fronteira não possam ter em suas lojas mais de 3 kilogrammas de cada especie de tabaco?

Querem os illustres deputados tambem que para o quantum, dos preços actuem não as leis economicas da offerta e da procura, não os principios da concorrencia, mas as necessidades do thesouro, reservando-se o governo o direito de augmentar, á sua vontade, os preços de venda? Desejo muitissimo que me respondam categoricamente.

A régie franceza! Quer V. ex.ª saber a que ella conduz em um dos paizes mais bem administrados do mundo? A haver certas especialidades de trabalho na manipulação dos tabacos que produzem para o operario o vencimento diario medio de 90 centesimos. Nós que estamos todos os dias, e com rasão, a pedir melhoramentos para as classes trabalhadoras; a querer proporcionar-lhes a maior somma de commodidades da vida; a querer que participem, até certo ponto, do bem estar de que as classes mais abastadas costumam gosar; nós, digo, deveremos adoptar um systema que leva os intuitos fiscaes até resultados d'esta ordem? Disse o sr. Carlos Bento que a régie conseguira em alguns annos reduzir as despezas de fabricação de 40 a 20 por cento. Triste vantagem na parte em que ella realisar as suas economias á custa do pão do operario (apoiados). E a aptidão industrial da régie f Essa demonstra-se claramente por um simples facto. N'um paiz em que se trata sempre de aperfeiçoar as industrias; n'um paiz em que as repartições publicas são geralmente dirigidas por homens que têem os conhecimentos da especialidade em que se empregam (apoiados); que pôde produzir em excellentes condições, a régie ainda não pôde fabricar, com lucros avultados, charutos superiores em preço aos de 20 centesimos. Todo o charuto mais caro, que se fuma, é importado da Havana, do Brazil e de outras localidades.

Ha poucos annos que tenho entrada nesta casa, mas em diversas questões, e a respeito de differentes ramos de publica administração, tenho visto citar, aos milhares, os exemplos da Inglaterra. Só pastas de ministros tenho eu visto, duzias de vezes, serem pedidas em nome dos precedentes britannicos. Porém agora, na questão de que se trata, a velha Albion passou para a disponibilidade das citações. O que está em moda é a França; a França que é sem duvida um paiz illustrado, ao qual basta para brasão de gloria o ter sido o berço da revolução de 1789; a França que em muitos livros de suas escolas economicas sustenta as doutrinas mais liberaes, mas que, na pratica, tem sido um dos paizes mais exageradamente proteccionistas de toda a Europa, e onde as doutrinas da livre troca têem contado, por largos annos, menor numero de sectarios nos corpos legisladores.

Para se demonstrar esta verdade basta attender-se ao que se tem passado com relação a reformas de pautas de alfandegas nas assembléas d'aquelle paiz. As camaras da restauração foram apaixonadamente proteccionistas, e se alguns direitos reformaram, foi na maior parte para os estenderem até ás raias da prohibição. Veiu a monarchia de julho, e n'este ponto as tendencias não variaram. Seguiu-se a republica de 1848; mudou a politica, mas ficou dominando a velha escola economica. Nasceu o imperio, succedeu outro tanto. Mas como com o imperio veiu o imperador, diante de cuja vontade, por vezes energica até á compressão, mas por muitas tambem fecunda em excellentes resultados, tantas resistencias se tem feito em pó, alguns passos tem dado a França nos ultimos tempos pela estrada das reformas economicas.

Permitta-me a camara, a este respeito, que lhe lembre um facto. Quando a França negociou o ultimo tratado de commercio com a Inglaterra, appareceram ali grandes receios pelas consequencias d'aquella convenção, exactamente iguaes aos que os illustres deputados nutrem pela extincção do monopolio do tabaco.

Recordo-me de ter lido um trabalho importante, feito por um economista distincto, e no qual se pretendia provar que o tratado causaria a ruina da industria, franceza. Declaro que o artigo a que alludo estava tão habilmente redigido; acompanhado da citação de tantos factos; apoiado em tão brilhantes raciocinios, que me deixou no espirito profunda impressão. Mas sabe v. ex.ª e a camara quaes foram as consequencias do tratado? Foram que a exportação de productos francezes subiu de 1862 para 1863 na somma de 400.000:000 francos!

Ora eu nutro a sincera esperança de que identico resultado tenha entre nós o projecto que discutimos (apoiados). Receio que os illustres deputados estejam debalde amontoando algarismos sobre algarismos para provarem que a receita ha de ser inferior á que o governo e as commissões calculam, e que os factos não venham justificar as apprehensões dos nossos adversarios. Espero que, d'aqui a um anno ou dois, tenhamos o gosto de ver que o que aconteceu com o tratado de commercio entre a França e a Inglaterra, pôde acontecer comnosco a respeito do rendimento do tabaco (apoiados).

Sr. presidente, um dos inconvenientes do estabelecimento da régie, que o illustre ministro da fazenda indica no seu relatorio, é a necessidade que haveria de dispor de um capital importante. O illustre deputado, e meu amigo, o sr. Gomes, julgou que. a somma que vem mencionada no relatorio do governo era exagerada, mas que, ainda quando

O não fosse, havia uma cousa que se chamava credito, e que se podia por meio do emprestimo occorrer a essa despeza.

Depressa chegou o tempo em que os emprestimos são já aconselhados pelos illustres deputados que combatem o governo! Os emprestimos, que são maus quando feitos por pessoas que não entram no numero dos amigos politicos da opposição ou quando a opposição os não aconselha, mas que se tornam indispensaveis e uteis quando contratados por cavalheiros d'aquelle lado da camara, ou aconselhados pelo seu zêlo pela causa publica! (Apoiados.)

1 Pareceu-me perceber que o illustre deputado não julgava que seriam necessarios 600:000$000 réis, porque as cobranças das vendas iriam quotidianamente fornecendo fundos para as despezas. Devo lembrar a s. ex.ª que esta somma não representa os encargos de uma administração eventual do monopolio durante um certo praso de tempo, mas sómente as primeiras despezas de installação (apoiados)— edificios, machinas, materias primas, etc.

E o illustre deputado que, num calculo a que logo me referirei, quiz apreciar todos os elementos de despeza que entram na fabricação do tabaco, pelo systema da liberdade, não vê que os juros d'aquella quantia, que seriam sem duvida superiores a 40:000$000 réis, haviam de influir n'uma certa proporção no preço dos productos da régie? E se nós podermos chegar a um resultado satisfactorio sem recorrer a taes meios, não será isso conveniente para o paiz?

Para que havemos de augmentar a divida publica sem urgente necessidade?

Repito, se chegarmos ao mesmo ponto por outro caminho, teremos feito um bom serviço ao paiz (apoiados).

E a questão do tempo, a questão da demora? N'esse ponto tocarei apenas de passagem, porque o sr. ministro da fazenda com a sua illustração e talento não necessita do meu auxilio, e saberá dar-nos satisfactorias explicações.

Mas permitta o illustre deputado pela Figueira que eu apresente algumas observações a tal respeito.

Será s. ex.ª mesmo que tem de fornecer-me os argumentos. Pois não louvou s. ex.ª o estudo pausado e reflectido que este assumpto tem merecido aos governos das nações mais illustradas? Não pede para elle não sei quantos inqueritos? Não necessitam estes de longo tempo? O inquerito francez levou quasi dois annos a ultimar-se. Pois tambem o governo actual procedeu a um minucioso estudo da questão, e será crime ser esta de tal ordem que demandasse alguns mezes de aturada applicação?

Diz o meu nobre amigo: «O projecto veiu tarde, porque nem a industria particular nem o commercio estão preparados para no dia 1 de maio poderem entrar em concorrencia com os actuaes contratadores do tabaco».

Mas pergunto a s. ex.ª — se este projecto em logar de ter sido apresentado em 19 de janeiro de 1864, o tivesse sido em 19 de janeiro de 1863, poderia alguem n'este intervallo organisar uma fabrica para a manipulação do tabaco? Pois quando ha um contrato bilateral entre o governo e os contratadores, quando esse contrato tem por condição a fruição de um monopolio garantido por disposições expressas, poderia o governo consentir que alguem organisasse alguma fabrica para manipulação do tabaco, tanto hoje como ha um anno? De certo que não. (Apoiados.) O illustre deputado, que quer a régie como transicção para a liberdade, vem-nos fallar em monopolio de facto? Pergunto ao illustre deputado: extincta a régie e inaugurada a liberdade, não podendo o governo continuar a ser fabricante, e tendo portanto de vender as suas fabricas com todos os seus pertences, não ficaria o individuo que fizesse a compra na mesma situação em que o actual contrato? Creio que sim. (Apoiados.)

Havia, por exemplo, duas fabricas, uma em Lisboa e outra no Porto. O governo conservava pelo tempo de um ou dois annos a régie e decretava-se depois a liberdade. Quem no fim dos dois annos arrematasse em praça os dois estabelecimentos, não ficaria com o monopolio de facto, dado o caso de que ella venha a existir? Necessariamente (apoiados).

Mas diz-se com o systema da régie, livre o governo das obrigações do contrato, poderia elle permittir que durante a sua administração se preparassem fabricas que podessem estar promptas para funccionar no dia immediato á extincção do monopolio.

Sinto difficuldade em aceitar o argumento. Já o illustre deputado pela India nos disse que =não ha leis que possam decretar a confiança e a subordinação dos capitaes =. Pois o illustre deputado que disse, para fundamentar os seus receios de monopolio de facto, que =o governo, por melhor que fosse a sua vontade, não podia decretar a concorrencia do dia 1 de maio em diante =, como pensa que se poderia decretar então a inauguração das fabricas de tabaco á espera d'esse dia =. E note s. ex.ª que as duas hypotheses são muito distinctas. Na importação de tabaco fabricado o perigo seria pequeno se não passasse a lei que discutimos. Limitava-se o prejuizo do especulador a reexportar o genero em deposito. Na organisação de fabricas haveria riscos muitissimo maiores e que actuariam com muito maior força no animo dos capitalistas. Poderiam estes ter segurança absoluta de que o governo que estivesse á testa dos negocios publicos no momento da transacção não inutilisaria os seus trabalhos e despezas vindo ao parlamento propor a continuação da gerencia por conta do estado?

O que estamos nos vendo hoje? Não decretaram as côrtes ha poucos annos que de 1 de maio de 1864 em diante haveria a régie? E que aconteceu? Aconteceu que o governo actual pensou, e a meu ver muito bem, que «devia pedir a approvação do parlamento para um projecto de liberdade. Se nós votassemos agora a régie durante um ou dois annos sómente, para os particulares poderem montar fabricas, duvido de que alguem se atrevesse a gastar dezenas ou centenas de contos de réis, na incerteza de que o governo, que estivesse á testa dos negocios publicos, no fim á esses um ou dois annos viesse ou não propor a revogação d'essa lei (apoiados). Digam-me finalmente em boa fé os meus illustres amigos—ss. ex.ªs, que tremem diante da sombra do contrabando, podem comprehender que o governo consentisse, durante o regimen do monopolio, na formação de fabricas de tabaco? A resposta mata completamente o argumento......

Direi agora ao illustre deputado, o sr. Gomes, com relação ao monopolio de facto, que as opiniões do meu illustre amigo estão já, em grande parte, contraditas pelo que está acontecendo (apoiados). O illustre deputado phantasiou que de 1 de maio em diante os actuaes contratadores ficavam senhores do todo o mercado, e que ninguem poderia concorrer com elles. Pois saiba s. ex.ª que, apesar d'este projecto de lei ter vindo á discussão parlamentar ha tão pouco tempo; apesar dos boatos que se têem espalhado, e Deus me livre de os attribuir a especulações partidarias; apesar de faltar ainda mez e meio para a nova lei poder ter execução, se o parlamento a approvar, já existem 7:000 kilogrammas de tabaco depositado nas alfandegas (apoiados), e todos os dias está chegando mais (apoiados)...

O Sr. Casal Ribeiro: — Quanto está depositado?

O Orador: — 7:000 kilogrammas.

O sr. Casal Ribeiro: — Isso não é nada.

O Orador: — Sei que é pouco como quantidade, mas tambem sei que é muito como symptoma (apoiados); porque, desculpe-se a palavra, apesar dos mexericos que se espalham com relação a esta lei, vê-se que o commercio começa já a fazer depositos de tabaco nas alfandegas do reino onde taes depositos são permittidos (apoiados).

E note se que alguns dos grandes depositos estrangeiros de tabaco estão a poucos dias de viagem de Lisboa e que, por meio do telegrapho electrico, pôde o commercio mandar vir de Gibraltar, no momento em que a nova lei for decretada, todo o tabaco que quizer lançar no nosso mercado (apoiados).